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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.15 no.1 Rio de Janeiro jun. 2012

 

ARTIGOS

 

Representação social, ansiedade e depressão em adolescentes puérperas

 

Social representation, anxiety and depression in teenage mothers

 

 

Patrícia Cristina Wanderley Guedes*,I; Thyeri Bione Marques*,I; Camila Feitosa D´Assumção*,I; Maria Arleide Silva**,II; Leopoldo Nelson Fernandes Barbosa***,III

I Clinica Particular
II Grupo de Estudos da Violência do IMIP
III Faculdade Pernambucana de Saúde

 

 


RESUMO

Introdução: A adolescência é um período gerador de mudanças biopsicossociais. Nesse contexto, a gravidez na adolescência é um fator que pode contribuir para ampliar dificuldades pertinentes a esta fase da vida. Objetivo: Estudar a representação social da maternidade entre adolescentes puérperas e identificar o perfil de ansiedade e depressão destas. Métodos: Trata-se de um corte transversal, realizado no puerpério de um hospital público da cidade do Recife, Pernambuco, Brasil. Como instrumento, utilizou-se uma entrevista estruturada e a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão. Resultados: Participaram da pesquisa 96 adolescentes, com faixa etária de 15 a 19 anos, sendo 52% destas entre 16 e 17 anos. De toda a amostra, 55% são casadas ou estão em união consensual e 56% concluiu apenas o ensino fundamental. Em relação à renda familiar, 34% ganham menos de 1 salário mínimo e 48% de 1 a 2 salários mínimos. Em relação às reações de ansiedade e depressão, 11% apresentaram ansiedade e 9% depressão, apenas 8% das participantes preencheram os critérios para ambas. Conclusão: Estudar a representação social da maternidade entre adolescentes puérperas, identificar o perfil das adolescentes grávidas, compreendendo o seu contexto de vida psicossocial, ansiedade e depressão, pode proporcionar aos profissionais de saúde uma melhor compreensão do problema contribuindo para a promoção de intervenções mais adequadas nesta população.

Palavras-chave: Adolescentes, Gravidez, Representação Social, Ansiedade, Depressão.


ABSTRACT

Introduction: Adolescence is a period generator of biopsychosocial changes. In this context, teenage pregnancy is a factor that may contribute to increased difficulties relevant to this phase of life. Objective: To study the social representation of motherhood teenage mothers and to identify the profile of these anxiety and depression. Methods: This is a cross-performed in the puerperium of a public hospital in Recife, Pernambuco, Brazil. As a tool, we used a structured interview and Hospital Anxiety and Depression Scale. Results: There were 96 teenagers, aged 15 to 19 years, 52% of those between 16 and 17 years. The entire sample, 55% are married or in consensual union and 56% completed only primary education. Regarding family income, 34% earn less than minimum wage and a 48% one to two minimum wages. Regarding the reactions of anxiety and depression, 11% had anxiety and depression 9%, only 8% of participants met criteria for both. Conclusion: Studying the social representation of motherhood teenage mothers, to identify the profile of pregnant teenagers, including the psychosocial context of his life, anxiety and depression, can give health professionals a better understanding of the problem contributing to the promotion of more appropriate interventions this population.

Keywords: Teenage, Pregnancy, Social Representation, Anxiety, Depression.


 

 

Introdução

A adolescência é um período reconhecido como gerador de mudanças físicas, psicossociais, psicológicas, de ansiedade e depressão. Nesse contexto, a gravidez na adolescência é um fator que pode contribuir para ampliar as dificuldades pertinentes a esta fase da vida.

Desde o século XX o conceito de adolescência ganhou forma dentro da psicologia, sendo bastante estudado e caracterizado por um período instável, com crise de humor, dificuldades relacionais com as figuras parentais, busca incessante pela identidade pessoal e certo distanciamento do mundo adulto. Embora a produção científica desse período tenha sido intensa, desde a antiguidade este momento é tido como difícil, atravessado pelos lutos fundamentais: do corpo e papéis infantis, da identidade e pelos pais da infância (DIAS, 2009).

Contemporaneamente, vê-se o adolescente num momento de desenvolvimento, amadurecimento e construção de uma nova identidade. Segundo Winnicott (2005), o adolescente é um ser imaturo e sem experiência, caracterizado por um isolamento propício para reflexões e elaborações da identidade. Nesse sentido, o que se concebe como adolescente na contemporaneidade é um sujeito que vivencia suas experiências de forma singular, sendo atravessado pelas condições ambientais, facilitadoras ou não ao adolescer, sendo estas as que darão possibilidades deste flutuar entre as necessidades de dependência e independência.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 1965), a adolescência diz respeito à faixa etária de jovens com idade entre 10 e 20 anos, caracterizada por transformações físicas e psicológicas. Nesse período eles podem enfrentar dificuldades que podem ou não afetar sua saúde, seu comportamento e capacidade de trabalho.

Pode-se dizer que a maternidade é um conceito socialmente construído, mas que acaba por ser confundido com a capacidade da mulher de gerar e amamentar os filhos. De acordo com essa construção, é pressuposto que a mulher é inata para a maternidade, enquanto que o homem precisa aprender a exercer a paternidade. Assim, tanto a maternidade quanto a paternidade são representações que se diferenciarão a depender da cultura (Barbosa; Rocha-Coutinho, 2007).

A despeito da maternidade em adolescentes, Figueiredo (2000) destaca, a partir de diversos autores, que a maternidade na adolescência pode afetar negativamente o desenvolvimento da jovem, podendo reverberar no abandono escolar ou baixo desempenho educacional, no desemprego, na pobreza, na monoparentalidade, na depressão, na baixa autoestima e no isolamento social. Apesar desta afetação negativa na vida da mãe adolescente, elas mostram serem capazes de responderem adequadamente a um percurso do desenvolvimento e que nem sempre oferecem piores condições de cuidados à criança.

Silva e Salomão (2003) argumentam que as possíveis consequências adversas da gravidez na adolescência não decorrem apenas pela pouca idade da gestante, mas decorre de diversos fatores socioeconômicos ou condições inadequadas de acompanhamento do processo. Esses argumentos vêm desmitificando a retórica de cunho problemático de muitas das literaturas sobre maternidade na adolescência que apontam como sempre desfavoráveis. Em concordância, os resultados de Pinheiro (2000) apontam que além de haver uma diversidade de trajetórias desenvolvimentais, algumas mães adolescentes mostraram-se capazes a dar respostas adequadas neste percurso, e que nem sempre oferecem piores condições de cuidado à criança do que as mães adultas.

Assim, como afirmam Trindade e Menandro (2002), compreender a gravidez na adolescência é admitir sua total complexidade, sendo várias as possibilidades de determinações confluindo para diversos fatores culturais, sociais, afetivos e até cognitivos que fazem parte do processo. Tais fatores estão intrinsecamente vinculados as representações que as adolescentes possuem tanto de si mesmas quanto do mundo a sua volta.

Deste modo, pode-se afirmar que o sentido de ser mãe pode ser singular para cada adolescente, haja vista que as adolescentes constroem e projetam as representações e expectativas que orientam o seu modo de ser, nas relações sociais estabelecidas na família e no seu grupo de convivência. Ou seja, é necessário entender o universo das representações que as mesmas possuem sobre a maternidade (Arruda, 2002; Folle e Geib, 2004) .

Assim, fica evidente e compreensível a existência de significativas diferenças em relação às representações de gênero, à identidade feminina e à importância atribuída à reprodução e à maternidade entre os mesmos. Além disso, faz-se necessário considerar como as adolescentes grávidas percebem e agem em relação à gravidez, quais os afetos envolvidos durante este período, bem como as expressões subjetivas podem ser construídas.

O puerpério caracteriza-se por se apresentar como uma etapa de profundas alterações no âmbito social, psicológico e físico da mulher. É um período muitas vezes instável para a puérpera e sua família, sendo a representação e compreensão que esta tem da maternidade um fator essencial na determinação do limiar entre a saúde e a doença. Este período é marcado pela vulnerabilidade feminina às síndromes psiquiátricas no pós-parto. Uma das razões para esta realidade corresponde ao ritmo acelerado de mudanças na fase puerperal, associada às exigências culturais, sociais, familiares e pessoais em relação à puérpera, principalmente em relação ao desempenho das funções maternas adequadamente (Botti e Silva, 2005).

Os distúrbios psiquiátricos podem aparecer nas diversas fases da vida de um indivíduo, uma vez que a vulnerabilidade é agravada por eventos naturais somados a predisposição psicossocial e psicológica. A fase puerperal corresponde a um momento significativo na vida da mulher, uma vez que a mesma passa por mudanças físicas como também transformações de ordem subjetivas. Sendo assim, os riscos para o aparecimento dos transtornos aumentam em face das preocupações, anseios e planejamentos realizados e sentidos pela mesma (Botti e Silva, 2005) .

Os sintomas de ansiedade, por exemplo, podem ser naturais diante de situações novas e desconhecidas. Como dito por Cabrera e Sponholz (2006), a ansiedade faz parte do desenvolvimento humano, e é experienciada de forma particular por cada sujeito, sendo um sinal de alerta diante da ameaça de perigo iminente. Essa perspectiva permite que o ser humano se adapte as mais variadas condições, muito embora algumas mudanças possam causar desconfortos nos mais variados graus.

Os autores ainda destacam que antes necessário para a sobrevivência da espécie, a ansiedade, hoje, está voltada a outros problemas, tais como: a competitividade social, estabilidade financeira e perspectiva de futuro. O que irá caracterizar a ansiedade como patológica é uma resposta incompatível ao evento estressor, seja em intensidade e/ou duração. Sendo anormal é difusa, causa mal-estar físico e psíquico, apreensão, palpitação, sudorese e diarréia intermitente; e se for um mal suportável e passageiro é considerada normal, embora muitas vezes seja imperceptível ou não diretamente manifesta.

Já em relação a depressão, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais IV - DSM IV-TR (2002) aponta que o seu curso clínico é caracterizado por um ou mais episódios depressivos maiores. No caso de um episódio depressivo maior, considera-se um período mínimo de duas semanas durante as quais há a presença de humor deprimido ou perda de interesse ou prazer por quase todas as atividades, acompanhados por pelo menos quatro sintomas adicionais de depressão.

Vale salientar que em crianças e adolescentes o humor pode apresentar-se irritável ao invés de triste. Além disso, marca-se a necessidade da presença de pelo menos cinco sintomas, entre eles, o auto-relato ou observação feita por outros de humor deprimido na maior parte do dia ou quase todos os dias, diminuição de interesse e prazer acentuadamente diminuídos de suas atividades, perda ou ganho significativo de peso sem estar em dieta, insônia ou hipersonia quase todos os dias, agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias, fadiga ou perda de energia quase todos os dias, sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada, diminuição da capacidade de concentração e pensamento ou indecisão, pensamentos de morte recorrentes (não apenas medo de morrer), ideação suicida, tentativa de suicídio ou plano específico para esse fim (DSM-IV-TR, 2002).

Deste modo, para prevenir complicações e construir um prognóstico satisfatório das síndromes mentais pós-parto, dentre elas as aqui estudadas, ansiedade e depressão, cabe destacar a importância da identificação dos sintomas iniciais que norteiam o quadro patológico puerperal, ou seja, quanto antes se detectar os indícios, reflexos positivos poderão ser oferecidos na assistência individual e familiar da puérpera. Assim, o objetivo desta pesquisa é estudar a representação social da maternidade entre adolescentes puérperas e identificar o perfil de ansiedade e depressão destas, torna-se relevante, pois a compreensão do problema promoverá o conhecimento por parte dos profissionais de saúde e poderá contribuir para a promoção de intervenções mais adequadas nesta população.

 

Métodos

Para o desenvolvimento do estudo, foi utilizado o método descritivo, quanti-qualitativo. A pesquisa foi realizada no Puerpério do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), localizado na cidade do Recife, uma instituição filantrópica, sua assistência destina-se em 100% a usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). A escolha pelo puerpério se deu por este ter como objetivo prestar cuidados às mulheres de qualquer idade que acabaram de parir na Instituição.

Foi utilizada uma amostra por conveniência, constituída por adolescentes do sexo feminino, com idade entre 14 e 19 anos completos, hospitalizadas no puerpério do IMIP no período de janeiro a fevereiro de 2011. A não inclusão de adolescentes com idade inferior a 14 anos completos baseou-se no pressuposto de que entrevistar jovens entre 10 e 13 anos, que acabaram de parir, seria uma conduta invasiva e por isso eticamente reprovável, já que mesmo sendo consideradas adolescentes pela OMS, ainda são emocional e psiquicamente crianças; e mesmo dentro da faixa adolescente, a maternidade nesta idade é considerada extremamente precoce, fato que as deixa mais vulneráveis afetivamente.

Para a realização do estudo, foram utilizados dois instrumentos: um roteiro de entrevista com questões fechadas e semi-estruturadas, para investigar os dados socioeconômicos, demográficos e características individuais, elaborado a partir da revisão da literatura que incluiu a pergunta disparadora; e a aplicação da Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD) (Botega e Cols, 1995) . . A Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD) validada por Botega é composta por 14 questões e dividida em sete questões sobre ansiedade e sete sobre depressão (Botega e Cols, 1995; Dalgalarrondo, 2006) . A pergunta disparadora foi elaborada de forma aberta e com o objetivo de captar aspectos que envolviam uma ampla dimensão da representação social das adolescentes entrevistadas. Após discussão com profissionais da área e dos estudos decorrentes da revisão optou-se pelo questionamento: "O que é ser mãe para você?".

Foram respeitados os princípios éticos para pesquisa envolvendo seres humanos, os postulados da Declaração de Helsinque, suas emendas posteriores e a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde do Brasil (CNS/MS). Assim, a pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira/IMIP.

 

Resultados

Participaram da pesquisa 96 adolescentes, com faixa etária de 14 a 19 anos, sendo 20% de 14-15 anos de idade; 52% de 16-17 anos de idade e 28% na faixa etária de 18-19 anos de idade. Deste total, 9% apresentam apenas depressão, 11% apresentam ansiedade e 8% apresentam ambos (ansiedade e depressão).

No quesito Estado Civil, 46% são solteiras, 43% estão em união consensual, 10% são casadas e 1% está namorando. Entre as adolescentes que apresentaram níveis de ansiedade e depressão , 13% estão em união consensual, 13% são casadas e 75% são solteiras.

Quanto a Escolaridade, das 71% que não apresentam um nível elevado de ansiedade depressão, 4% estão na 2ª – 3ª série, 6% estão na 5ª série do fundamental, 38% na 6ª a 8ª série, e 52% no Ensino Médio (1º ao 3º ano científico). Das que apresentam depressão, 33% estão na 4ª-5ª série, 55% estão na 6ª a 8ª série e 11% estão no 2° ano do ensino médio. Das que apresentam ansiedade, 73% estão na 6ª – 8ª série, e 27% se encontram no ensino médio. Das que apresentam ansiedade e depressão, 38% estão na 4ª - 5ª série, 26% estão na 6ª – 8ª série e 38% no ensino médio.

Ao serem questionadas sobre sua profissão, 59% responderam que são estudantes, 8% trabalham (agricultura, auxiliar de escritório e cabelereira) e 32% não exercem nenhuma atividade. Entre as que apresentam ansiedade e depressão, 38% são estudantes e o restante não trabalham.

Na Renda Familiar 32% recebem menos de 1 salário mínimo, 51% de 1-2 salários mínimos, 15% de 3-5 salários e 1% mais de 6 salários mínimos. Entre as que apresentam ambas ansiedade e depressão, 25% recebem menos de 1 salário, 38% de 1-2 salários, 25% de 3-5 e 13% mais de 6 salários mínimos.

Em relação à moradia, 72% possuem casa própria e 28% não. Entre as que apresentaram níveis de ansiedade e depressão nas escalas, 38% possuem casa própria e 63% não.

Quando questionadas sobre sua religião, 63% possuem alguma religião e 37% não. Das que apresentam ansiedade e depressão, 50% possuem religião e 50% não. Quanto a cor de pele, o a auto referência se referiu a 31% brancas, 56% pardas, 9% pardas e 4% amarelas.

Em relação à família, 76% vê a família todos os dias, 10% duas a três vezes na semana, 4% duas a três vezes no mês, 6% vê uma vez por mês e 3% nunca vê a família. Entre as participantes que apresentaram ambos os sintomas, 63% veem a família todos os dias, 25% duas a três vezes na semana e 13% duas a três vezes no mês.

Entre as que não apresentaram sintomas psicopatológicos, 46% não possuem histórico de doença na família e 55% possuem. Das que apresentam depressão, 33% não possuem histórico de doença na família, e 67% possuem. Das que apresentam ansiedade, 55% não possuem histórico de doença na família e das que apresentam ambos os sintomas, 50% possuem histórico de doença.

Por fim, foram questionadas a respeito de seus hábitos. Em relação à primeira relação sexual: das que apresentam níveis normais de ansiedade depressão, 16% tiveram sua primeira relação sexual dos 12-13 anos, e 56% dos 14-15 anos, 25% dos 16-17 anos e 2% dos 18-19 anos. Das que apresentaram ansiedade e depressão, 13% tiveram a primeira relação aos 11 anos de idade, 26% tiveram dos 12-13 anos, 13% aos 15 anos e 50% dos 16-17 anos.

Em relação ao uso de drogas, tanto lícitas quanto ilícitas: 84% não fazem uso de bebida alcoólica. Das que apresentaram ansiedade e depressão, 25% fazem uso de bebida alcoólica, 6% faz uso de cigarro e apenas 1% referiu uso de drogas ilícitas.

Em relação ao discurso das adolescentes frente à pergunta disparadora, foram elaboradas categorias com o objetivo de facilitar a compreensão das Representações Sociais estabelecidas por elas. As categorias remetem a recorrência de alguns temas, tais como: afetos positivos, realização, mudança de vida, aprendizado, responsabilidade, dúvida, cuidado, maternidade, e companhia. Essas foram as que mais se destacaram e exprimem o que as novas mães estão vivenciando. Ainda surge, com pouca freqüência, o sentimento de realização em ser mãe, a preocupação com a educação dos filhos, e a percepção dos filhos como companhia para o resto da vida.

 

Discussão

No senso comum das representações, é necessário tornar-se sensível aos processos simbólicos e na individualidade do pensar e agir dessas adolescentes, que muitas vezes enxergam na gravidez a possibilidade de preencher lacunas sócio-afetivas. O novo "status" de mãe para algumas confere um sentimento de realização pessoal; para outras, de arrependimento e medo, ou ainda de amadurecimento e senso de responsabilidade.

O cuidado materno pode ser considerado para algumas adolescentes um exercício bastante conflitivo, principalmente nesta etapa da vida, pois de um lado representa o alcance da maturidade e de outro, a mesma se depara com a insegurança, o despreparo, a dependência, e a infantilidade. Os conflitos de identidade característicos desta fase da vida fazem as mesmas se perceberem como pouco competente no cuidado com seus bebês.

A construção do papel materno tem sofrido influências intergeracionais contidas, principalmente, em fortes relações de gêneros, que vem sendo sustentadas ao longo da história. Apesar da saída da mulher do âmbito da vida privada pra o mercado de trabalho, esta permanece sendo a principal provedora de cuidados com os filhos, o que lhe atribui o papel social de responsabilidade pelo bem-estar destes (Souza, 2009).

A.L.B-16 ANOS: É uma experiência única e muito boa, que tem que ter responsabilidades, felicidades. É estar preparada para tudo por seu filho. É uma fase ótima...1

G.T.G-16 ANOS: Cuidar de uma vida, dar tudo por ela.

K.I.L.S-16 ANOS: Ser mãe é inexplicável. É uma sensação de trauma, mas que momentos depois é compensada ao vermos os nossos bebês. É aprender a ter responsabilidade, saber que nada mais será como antes, que sempre terá alguém que devemos pensar antes de nós, para termos atitudes. É saber a hora de tomar atitudes, e essas atitudes devem ser certas. Enfim, mãe é pra toda vida, nunca poderemos desistir dessa profissão, pois ela é eterna. (Ansiosa)

A maternidade ainda é impregnada de representações que lhe atribuem uma condição divina e dom sublime, estando em um patamar acima da própria opção reprodutiva individual (SOUZA, 2009), essa fato é retratado nas seguintes falas:

J.F.L-14 ANOS: Uma coisa muito boa, porque Deus mandou ela pra mim.

J.S.C-18 ANOS: Ser mãe pra mim é um privilégio, porque nem todas as mulheres tem esse privilégio.

Podemos perceber que este sentido divino auxilia as novas mães neste momento de mudança, servindo como suporte e fazendo-as lidarem melhor com a idéia de ser mãe. Nesse sentido, a maternidade parece ser encarada como algo positivo e intrínseco a vida da mulher, e que somente com a vivência desta, ela é capaz de se sentir completa e realizada.

Observou-se que, no discurso da maioria das participantes do estudo, a ideia principal de suas falas estava centralizada nas mudanças de estilo de vida que lhes foram impostas pela maternidade:

K.M.S-16 ANOS: Cuidar, responsabilidade, pensar o que vai fazer. Quando tem um filho muda tudo. Estou feliz. Eu mudei, antes eu saia muito.

T.Q.S-16 ANOS: É ótimo. Muda muitas coisas em minha vida para melhor.(Depressiva)

M.S.C-16 ANOS: Ser mãe para mim, é uma grande responsabilidade que eu nunca pensei em ter um dia, mas estou satisfeita em ser mãe de uma menina.

Podemos perceber na fala dessas adolescentes que a maternidade acarreta principalmente mudança de vida. Sob essa premissa, o estudo revelou que as adolescentes apontam as mudanças ocorridas no cotidiano, como noites mal-dormidas, saídas noturnas e frequências escolares, por exemplo.

As capacidades reprodutivas da adolescência podem representar a entrada para o mundo adulto, e, assim, as adolescentes entendem que a maternidade é a condição mais evidente para esta ascensão. Assim, as adolescentes podem compreender que a maternidade envolve elevado nível de responsabilidades, características encontradas no processo de viver do mundo adulto adulto (Pinheiro, 2000; Souza, 2009).

M.R.A-17 ANOS: Responsabilidade grande. Quando é menor tem que se pensar muito. Se eu tivesse a experiência de ter cuidado de um antes, não teria. A gente vê os dos outros e pensa que é fácil.(Ansiosa e Depressiva)

A.M.S-18 ANOS: É complicado porque as coisas mudam. Você tem que ter mais responsabilidade. A vida da pessoa muda bastante.(Ansiosa e depressiva)

Percebemos que, para essas mães, a responsabilidade é um fator que está intrinsecamente relacionada à experiência de ser mãe. Neste sentido, a maternidade acarreta uma mudança de vida, sendo vista como um divisor de águas para a entrada da vida adulta.

A grande maioria das adolescentes referiu que suas gestações não haviam sido planejadas, no entanto, revelaram sentimentos positivos em relação à criança e a maternidade. Na fala de algumas mães podemos perceber a vinda do bebê para preencher um vazio afetivo:

R.R.S-17 ANOS: Eu não esperava ser mãe tão cedo, mas aconteceu. Estou feliz por ser mãe, e ter mais uma companhia do meu lado. Eu não tenho resposta certa por enquanto porque fui mãe agora a pouco, não passei ainda pela experiência de saber o que é ser mãe.

A.M.L-18 ANOS: É complicado, mas é bom. Pelo menos eu não fico só em casa, tem divertimento pra mim.(Ansiosa)

Algumas adolescentes referem o significado de ser mãe atrelada à realização de cuidados com a criança, não só ao cuidado físico – alimentação, trocar as fraudas... – como também ao emocional – carinho, amor –, ou seja, proteger o filho de todas as formas.

M.M.P-17 ANOS: Tudo novo. Tem que ter cuidado. Muita experiência. Cuidar direito dele, saber educar.

L.S.S-15 ANOS: Pra mim ser mãe é cuidar, dar amor, carinho, educação, amamentar.

Conforme Andrade, Ribeiro e Silva (2006 apud SOUZA, 2009), o significado de cuidar não está somente atrelado aos cuidados convencionais, porém se apresenta na estimulação, apego, preservação e amor. As mães adolescentes também compartilham das representações sobre os cuidados maternos incutidos nas falas sociais e estas influenciam o seu fazer e a noção de mãe provedora de afetos e cuidados.

Os aspectos positivos vivenciados com a chegada da maternidade são percebidos de diferentes modos pelas adolescentes, e são influenciados pelo ambiente no qual estão inseridas, suas visões de mundo, e suas experiências individuais. Portanto, manifestam-se de forma bastante heterogênea (SOUZA, 2009).

G.M.S-16 ANOS: Mais ou menos, porque menino dá muito trabalho.(Depressiva)

D.P.F-16 ANOS: É tudo de bom, pois foi a melhor coisa que poderia me acontecer, principalmente se você tiver uma coisa linda como minha filha.

A.S.S-17 ANOS: É uma coisa um pouco difícil.

As adolescentes percebem que a vivência da maternidade lhes proporcionou condições para que elas amadurecessem emocionalmente. Ao assumirem novas responsabilidades e desenvolverem habilidades de cuidados comuns aos adultos as adolescentes parecem refletir sobre uma mudança subjetiva que está acontecendo.

A maternidade propicia à mãe adolescente a vivência de sentimentos de prazer, amor e felicidade que suscitam realização no cuidar, apesar das dificuldades encontradas e promovem uma relação afetiva e harmoniosa na interação com seu filho. Tais sentimentos que afloram desde o nascimento do filho, e em síntese são representados pelo amor, impulsionam toda experiência de cuidar e fazem com que a mãe adolescente desenvolva estratégias para superar as dificuldades e alcançar os objetivos de cuidar do seu filho da melhor maneira possível, para que ambos tenham um futuro melhor (GONTIJO; MEDEIROS, 2008; Andrade, Ribeiro e Silva, 2006 apud SOUZA, 2009).

A.R.S-16 ANOS: Bom. É uma emoção muito grande. Espero dar um futuro melhor a minha filha. Ver ela crescer com paz e saúde.

M.R.A-16 ANOS: Para mim ser mãe é uma etapa da vida que atravessa muitas barreiras, que você tendo força e coragem consegue passar por cima de tudo e vencer cada obstáculo.

A maternidade requer que a adolescente tome para si uma série de cuidados relativos às necessidades de seu filho, e nesse contexto, as experiências prévias com o cuidado de outras crianças podem representar um meio facilitador para a adaptação da adolescente em seu novo papel.

A.P.S.R-18 ANOS: É uma experiência boa, nova, cuidar de uma criança, ter aquele carinho, amor. Eu cuidava do filho da minha tia, mas não tinha aquele prazer de ter, sabe?

Em relação aos índices de ansiedade e depressão, não foi possível observar uma correlação entre eles e as representações que as adolescentes possuem sobre a maternidade. Nos recortes acima é possível perceber que adolescentes que apresentaram índices normais de ansiedade e depressão têm, por vezes, o mesmo discurso que as que possuíram índices de ansiedade e/ou depressão. Por exemplo, as falas de duas adolescentes, já vistas acima, quando falam sobre a mudança de vida proporcionada pela maternidade, retratam bem este fato:

K.M.S-16 ANOS: Cuidar, responsabilidade, pensar o que vai fazer. Quando tem um filho muda tudo. Estou feliz. Eu mudei, antes eu saia muito.

T.Q.S-16 ANOS: É ótimo. Muda muitas coisas em minha vida para melhor.(Depressiva)

Numa leitura rápida, sem ter visto os resultados de sua escala de ansiedade e depressão (HAD), pode-se pensar que K.M.S estaria com algumas das patologias, por aparentar estar ressentida de não mais poder sair da mesma forma que antes. No entanto, a mesma possui índices normais para ansiedade e depressão, enquanto T.Q.S que aparenta estar com níveis normais, por demonstrar que a maternidade aparece para melhorar sua vida, possui nível de depressão elevado. Deste modo, fica evidente que as representações sociais acerca da maternidade na adolescência não influíram de forma significativa nos índices de ansiedade e depressão.

 

Considerações Finais

As representações sociais acerca da maternidade na adolescência são as mais diversas e possuem os mais diferentes significados para as adolescentes. As informações advindas das escalas de ansiedade e depressão sugerem que o nível sócio-econômico, grau de escolaridade, faixa etária e estado civil, são alguns dos fatores que podem influenciar o nível de ansiedade e depressão entre as mães adolescentes.

Algumas adolescentes apresentaram dificuldades em responder a única pergunta aberta no questionário. A pergunta era: "o que é ser mãe pra você?" Esta pergunta apresentou dificuldades em ser respondida, possivelmente por ter suscitado emoções, que porventura, não tenham sido vivenciadas durante a gravidez. Assim, as adolescentes parecem refletir sobre seu novo papel – ser mãe –, gerador de uma mudança subjetiva, a partir do confronto consigo mesma.

O fenômeno da maternidade e adolescência além de estar relacionado aos aspectos de maturação biológica e psicológica estão sob efeitos de outros fatores importantes como os ambientais e sociais. Portanto, quando se observa este fenômeno, faz-se necessário conhecer o mundo social dessas jovens e apreender como vivem no contexto psicossocial.

A alta taxa de ansiedade e depressão observada evidencia a importância da capacitação dos profissionais dos serviços de saúde a fim de identificar e intervir precocemente essas patologias, através de um olhar e escuta diferenciada; uma vez que estas patologias influenciam na relação mãe-bebê, podendo fragilizar ou até interromper esse vínculo.

Sugere-se realização de novos estudos, porém, em caráter longitudinal, objetivando melhor caracterizar a ansiedade e depressão nas mães adolescentes, além de descartar outras possibilidades, tais como a depressão pós-parto e o baby blues. As entrevistas foram realizadas enquanto as pacientes ainda encontravam-se internadas no hospital antes da alta para casa com o bebê e isto pode ter interferido nos relatos das perguntas abertas, principalmente por se tratarem de enfermarias com vários leitos. Um outro ponto a ser destacado é que o próprio ambiente hospitalar possa ter influenciado no aumento dos níveis de ansiedade, entretanto, consideramos os números apresentados aqui como relevantes e que merecem ser observados com cautela, principalmente pela fragilidade emocional que muitas mães adolescentes apresentaram. O que mostra, mais uma vez, a necessidade da capacitação das equipes de saúde para que além de observar o que é apresentado no puerpério, possa, estar atenta a esses aspectos ao longo de todo o pré natal e no seguimento após a alta hospitalar.

 

Referências

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* Psicólogos Clinicos.
** Doutora em Saúde Materno Infantil pelo IMIP; Especialista em Psicologia Clínica; Coordenadora do Grupo de Estudos da Violência do IMIP.
*** Doutor em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento pela UFPE; Especialista em Psicologia Hospitalar; Supervisor do Laboratório de Avaliação Psicológica do IMIP; Professor da Faculdade Pernambucana de Saúde.
1 No final de todas as falas das adolescentes foram colocados os resultados da Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD). Os índices foram: "Ansiosa" – está com o índice de ansiedade alto; "Depressiva" – está com o índice de depressão alto; e quando os índices encontram-se dentro da normalidade, não são há inferência ao final da fala.