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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.16 no.1 Rio de Janeiro jun. 2013

 

ARTIGOS

 

A criança e o adolescente com câncer em Casa de Apoio: projetando vivências

 

Children and adolescents with cancer in Support Home: projecting experiences

 

 

Adryene Milanez Rezende*; Patricia de Paula Santos*; Ana Cristina Magalhães Cerqueira*; Julio Lapertosa Viana*; Celina Maria Modena*

Associação Unificada de Recuperação e Apoio - AURA

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Apesar dos avanços científicos na área de oncologia infanto-juvenil, o tratamento ainda causa diversas repercussões tanto físicas, quanto emocionais e sociais. A fim de identificar e minimizar o impacto da doença diversos recursos podem ser utilizados como as técnicas projetivas. No caso de crianças e adolescentes, a utilização de desenhos tem demonstrado ser um instrumento de grande valia. Desta forma, para esse artigo foram utilizados três desenhos com a finalidade de aproximar da vivência emocional do paciente: desenho livre e temático (subdividido em experiência da doença e aspectos afetivos relacionados à Casa de Apoio). O universo da pesquisa compreendeu onze pacientes de cinco a quatorze anos, hospedados em uma Casa de Apoio localizada na cidade de Belo Horizonte, (MG). Os desenhos apresentaram agressividade reacional, utilização de figuras que demandam proteção e afeto, projeção da autoimagem, bem como alteração da figura humana. Os dados sinalizam a necessidade recorrente de programas de humanização do atendimento e a importância de espaços para o diálogo e projeção das vivências, que proporcione uma melhor qualidade de vida e minimização das implicações do tratamento.

Palavras-chave: Câncer, Criança, Adolescente, Técnicas projetivas.


ABSTRACT

In spite of scientific advances in the de child-youth oncology area, the treatment still has several physical, emotional and social repercussions. In order to identify and minimize the impact of the disease, a number of resources may be applied, such as the projective techniques. In the case of children and adolescents, the use of drawings has proven itself greatly valuable a tool. Three drawings have been used in this article, so as to come closer to the patient's emotional experience: free and thematic drawing, subdivided into experience with the disease and affective aspects related to the Support Home. The research universe comprehended twelve patients ranging from five to fourteen years of age, hosted at a Support Home located in the city of Belo Horizonte, MG. The drawings show great reactive aggressiveness, with the use of figures demanding protection and affection, self-image projection, as well as alteration of the human figure. The analyzed data sign towards the recurrent need for care humanization programs and the importance the due room for dialogue and experience projection, providing a better quality of life and minimizing the implications of the treatment.

Keywords: Cancer, Child, Adolescent, Projective techniques.


 

 

Introdução

O avanço científico na área de oncologia infantojuvenil vem aumentando os índices de cura e sobrevida. Isso se deve aos intensos estudos em relação à própria doença, principalmente, quando o diagnóstico é precoce (Parada et. al, 2008).

Entretanto, as sucessivas hospitalizações com todas as suas implicações físicas e biopsicossociais, se traduzem como um período “marcante” na vida do sujeito (Silva, Silva, Nascimento, & Santos, 2010). Ao ser hospitalizado, este é lançado em um ambiente desconhecido e imprevisível, o que gera grande apreensão e sofrimento, pois, exige um afastamento de tudo o que lhe é familiar e conhecido, traz experiências de isolamento, abandono e distanciamento de laços afetivos e sociais (Silva, 2010).

As modalidades de tratamento contra o câncer infantil acarretam uma série de efeitos colaterais como a queda de cabelo, alterações no peso, mutilações, dentre outras. O processo da doença induz a criança e o adolescente a ter que enfrentar a descaracterização física decorrente dos tratamentos. A criança e o adolescente reagem ao câncer e ao tratamento ancorado em sua idade, estágio de desenvolvimento psíquico, o tipo de terapêutica e seus efeitos colaterais, limitações impostas, compreensão sobre a doença, assim como as reações familiares (Fan & Eiser, 2009).

Nesta acepção, a projeção da vivência do processo saúde-doença permite a ressignificação bem como auxilia na redução das adversidades e estabilização psíquica em alguns casos (Stuckey & Nobel, 2010). Na área da saúde, a utilização de técnicas projetivas em crianças e adolescentes com câncer surge como possibilidade de expressão gráfica de vivências emocionais importantes, uma vez que o desenho permite a reprodução a nível simbólico dos pensamentos e sentimentos (Rezende, Brito, Malta, Schall, & Modena, 2009). As técnicas projetivas se destacam como recursos potencialmente funcionais para a avaliação psicológica da criança e do adolescente, subsidiando a compreensão de condições dinâmicas e de alguns aspectos estruturais do psiquismo (Peres, Santos, Rodrigues & Okino, 2007; Silva, Pasa, Castoldi & Spessatto, 2010).

O presente estudo foi desenvolvido com o objetivo de analisar a influência do câncer nas relações psicossociais.

 

Percurso Metodológico

Local da pesquisa

A pesquisa foi realizada na Associação Unificada de Recuperação e Apoio - AURA, localizada em Belo Horizonte, no Estado de Minas Gerais. Trata-se de uma associação civil de direito privado, de caráter beneficente e sem fins econômicos, declarada de Utilidade Pública Municipal, Estadual e Federal com registro e Certificado de Filantropia do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), que se mantém através de apoio e parcerias com representantes do setor privado, público e comunidade. A Casa de Apoio AURA oferece suporte terapêutico global às crianças e adolescentes portadores de neoplasia maligna como complementação do tratamento médico/ hospitalar mediante uma assistência interdisciplinar. Esse suporte inclui: Serviço Social; Enfermagem; Psicologia; Psicopedagogia; Terapia Ocupacional; Fisioterapia; Fonoaudiologia; Odontologia e Nutrição e Dietética.

Coleta de dados

Foram selecionados, por meio dos prontuários pertencentes à Casa de Apoio AURA, pacientes voluntários, portadores de câncer, com capacidade de se expressarem através da linguagem verbal e gráfica. Num segundo momento, foram realizados encontros individuais com os pacientes e responsáveis, com o intuito de informar e esclarecer sobre a pesquisa. A fase de campo teve duração de seis meses e contemplou onze pacientes com idade entre cinco e quatorze anos.

As técnicas projetivas foram aplicadas individualmente em uma sala reservada e em condições apropriadas para o desenvolvimento deste trabalho. Foi entregue aos pacientes a folha de papel ofício em branco, na posição horizontal, lápis de cor, grafite apontador e borracha. Essa técnica compreende um instrumento de avaliação psicológica que utiliza o desenho como fenômeno expressivo. Facilita a projeção de elementos da personalidade e de áreas de conflitos com o propósito de avaliação ou terapêutica. O teste do desenho pode ser uma expressão consciente, como também incluir símbolos disfarçados e fenômenos inconscientes (Campos, 2005). Para a primeira produção solicitou-se um desenho livre. Na segunda, que desenhasse algo que remetesse à experiência da doença. Já o terceiro desenho, refere-se à Casa de Apoio e/ou o que mais gosta na Instituição. As recomendações técnicas preconizadas por Trinca (2010), quanto ao ambiente e estrutura, foram adotadas como referencial para a coleta dos desenhos bem como os diálogos a respeito das produções com os pacientes após sua conclusão.

Análises dos dados

Os dados foram, minuciosamente, analisados por cinco pesquisadores cujas análises individuais foram realizadas seguidas dos cruzamentos de dados, buscando os pontos em comuns e observações concordantes. Depois, foram analisados os pontos e observações discordantes na busca de consenso. Os desenhos foram analisados considerando os aspectos relatados por autores referências em testes projetivos (Bacarji & Gramacho, 2005; Buck, 2003; Campos, 2005; Corman, 1979; Di Leo, 1991; Retondo, 2000; Van Kolck, 1984)

Ética em Pesquisa

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Pesquisas René Rachou/Fiocruz (Parecer 267.767) e autorizada pela Instituição participante. O nome dos pacientes é fictício uma vez que, devem-se lhes assegurar a privacidade. Os responsáveis e/ou pais, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e os pacientes a partir de doze anos de idade, o Termo de Esclarecimento.

 

Resultados e Discussões

Os resultados serão apresentados por paciente com a inclusão dos desenhos e suas análises. As produções com a letra “A” refere-se ao desenho livre, “B” ao temático sobre a experiência da doença e “C” para o desenho temático sobre a Casa de Apoio.

 

 

 

 

 

 

No desenho livre, a adolescente faz um autorretrato, demonstrando ser esse um momento em que se prioriza. Os braços para trás podem indicar falta de confiança (Van Kolck, 1984). A cabeça grande em relação ao corpo demonstra aspirações que também podem ser percebidas em relação ao cabelo representando uma situação almejada, uma vez que, no momento da produção do desenho a paciente apresentava alopecia. Além dessa inclusão diferente do real, a paciente também teve a amputação de um membro inferior. Possuía dificuldade para aceitar a doença e suas repercussões, bem como a utilização de cadeiras de rodas, muleta e principalmente a perda da perna. A ausência de base para a figura associada à utilização de elementos ausentes na época (cabelos e perna) intensifica a possibilidade de afastamento da realidade. A roupa desenhada compreende o uniforme da escola como desejo de retorno à antiga rotina.

O desenho 1B caracteriza desvitalização, o hospital é o único foco, dando ideia de isolamento. Apresenta uma porta larga através do qual é realizado o contato com o ambiente, entretanto se encontra fechada e com a maçaneta em evidência demonstrando sensibilidade defensiva (Campos, 2005). Tal característica é consonante a realidade dos pacientes oncológicos que vivenciam procedimentos invasivos.

Na figura 1C, reproduz a si mesma desenhando a atividade que mais gosta de realizar na Casa de Apoio. Observa-se que, as figuras humanas são pouco elaboradas e não possui elementos da face. Os três desenhos são monocromáticos, indicando situação emocional carregada de elementos negativos, podendo significar: medo, angústia, solidão, frustração que respondem a mudança brusca dos seus hábitos e insegurança frente à doença e seu tratamento (Di Leo, 1991).

 

 

 

 

As três produções deste paciente chamam atenção pela similaridade das características dos desenhos como localização, cor, tamanho, pressão e caracterização do traçado. Os desenhos se encontram no 4º quadrante podendo indicar passividade, atitude de expectativa diante da vida e desejo de retornar ao passado (Van Kolk, 1984). Tais características são, algumas vezes, recorrentes no decorrer do tratamento oncológico, como: esperar melhoras em seu quadro clínico, bem como voltar ao período anterior ao processo de adoecimento e suas implicações. Possuir um comportamento dependente e ansioso pode fazer parte do universo de crianças, que nesta fase temem as mudanças bruscas da vida, necessitando de apoio e atenção. Tal característica pode ser encontrada na simbologia de desenhos tão pequenos em meio a uma página (Retondo, 2000). O desenho livre de uma flor, pequena e solitária, foi apagado e reproduzido ainda menor. Para Bacarji e Gramacho (2005), a flor pode simbolizar investimento e busca de afeto. As pétalas foram desenhadas semelhantes ao coração, pequeno e solitário, representado no desenho 2C sobre a Casa de Apoio, fortalecendo a busca por carinho para enfrentar as mudanças pertinentes ao tratamento. Segundo as autoras, a expressão de flor e coração são indícios positivos de solicitação de afeto no enfrentamento da doença.

No desenho temático 2B, representou a Casa de Apoio a qual aparece como uma casa de desenho animado cuja porta é a boca e as janelas são os olhos, apresentando de forma simples e sem detalhes, podendo refletir, segundo Di Leo (1991), uma necessidade de aconchego frustrada pela ausência de tato pessoal para conseguir aproximação com outras pessoas. A ausência de cor nos três desenhos mostra situação emocional carregada de elementos negativos como demonstrado na análise da paciente anterior.

 

 

 

 

 

 

No desenho livre, Luan produziu um carro do futuro bem elaborado, com muitos detalhes, podendo refletir uma esperança no amanhã longe dos problemas atuais. Quanto à disposição da figura na página, a análise mostra a colocação dos três desenhos de forma bem equilibrada mostrando reagir de forma adequada às pressões do ambiente (Retondo, 2000).

O desenho 3B, reflete a rotina da sessão de quimioterapia, no qual diversos pacientes realizam, simultaneamente, o procedimento e, alguns possuem acompanhantes, entretanto diminutos. A produção sugere desvalorizar o cuidador, devido ao seu tamanho em relação aos pacientes (Corman, 1979; Retondo, 2000), o que poderia estar relacionado à impotência destes diante dos procedimentos invasivos realizados. O soro e o puxador da porta são demarcados como foco do momento descrito, uma vez que a maçaneta demonstra a impossibilidade de deixar o ambiente devido à imposição ao tratamento, o qual é fortemente reforçado pela terapêutica. Ao retratar os pacientes, Luan deixou de inserir a boca nas figuras, podendo significar dificuldade de verbalizar o que sente.

Já no desenho 3C, referente à Casa de Apoio, os sujeitos já possuem boca demonstrando estar em um local acolhedor, o qual promove exteriorização de emoções, desejos e conflitos. A pouca elaboração dos elementos da face das crianças, nos desenhos 3B e 3C, indicam segundo Buck (2003), uma tentativa de negar os problemas e uma autoimagem enfraquecida. A ausência de cor nos três desenhos mostra situação emocional carregada de elementos negativos.

 

 

 

 

 

 

O desenho 4A, mostra uma boa adaptação gráfica com equilíbrio em suas dimensões, representadas por linhas firmes e continuas, demonstrando que a criança se apresenta segura e confiante, pois o desenho foi elaborado com muitos detalhes, além de ter se incluído nas produções 4B e 4C. Os três desenhos são bem coloridos com apresentação de detalhes.

No desenho livre, a expressão da flor indica uma busca positiva por afeto, além de suas raízes representarem maior sensibilidade (Van Kolck, 1984). O hospital projetado (4B) apresenta estrutura semelhante à Instituição onde Victor realiza o tratamento oncológico. As figuras na janela representam os pacientes que necessitam de internação, demonstrando ser um momento marcante para o participante, confirmado ao relatar ser este o momento mais difícil do processo. A internação limita o paciente tanto na forma física quanto na social, pois o restringe transitar livremente, estar ao lado das pessoas que gosta e realizar diversas atividades, podendo ocasionar dificuldades emocionais em vivenciar o tratamento.

A figura 4C representa os jogos como atividade lúdica que mais gosta de realizar na Casa de Apoio. As cores indicam alegria, refletindo as vivências emocionais que o sujeito projeta no papel, segundo Van Kolck (1984). O rosa e tons vermelhos claros utilizados em abundância significam flexibilidade e sentimentos de afeto, corroborando com as impressões acima.

 

 

 

 

 

 

Os componentes do desenho livre 5A, árvore, casa e flor não possuem apoio, demonstrando dificuldade de contato com a realidade (Retondo, 2000). Introversão e introspecção são características observadas na paciente, podendo estar presentes na representação da copa da árvore tendendo ao lado esquerdo, bem como a casa vista como se estivesse distante do observador (Van Kolk, 1983). A casa projetada possui duas portas, como se apesar da timidez solicitasse uma aproximação. A presença de nuvem no desenho indica a pressão do ambiente (Bacarji e Gramacho, 2005) como representação de um tratamento prolongado e invasivo ao qual se submete. Quanto aos traços gráficos, os desenhos se encontram centralizados, embora apresente traços curtos que, segundo Di Leo (1991), pode representar sentimentos de inferioridade e introspecção.

Os desenhos 5B e 5C vão diminuindo de tamanho em relação ao primeiro e as cores não são mais utilizadas. A partir desse momento emerge a lembrança do tratamento e tudo parece perder a cor. No desenho 5B se representa sozinha deitada em um leito podendo indicar sentimentos de menos valia e desamparo. A estrutura hospitalar é pouco elaborada, não possui base, porta e janela, podendo remeter, segundo Campos (2005), à dificuldade em estabelecer contato e comunicação tanto direta quanto de forma secundária com o ambiente. Não foi encontrada na literatura, referência à utilização de lâmpadas nos desenhos. Contudo, pode-se supor que a representação dupla deste elemento estaria correlacionada aos seus traços de personalidade. Considerando que a paciente é introvertida, demonstra dificuldade de socialização e redução da autoestima, as lâmpadas apareceriam como possibilidade de ser vista e aceita. A figura humana representada não possuiu braços, o que segundo Van Kolck (1984), remete à forte sentimento de inadequação, incapacidade de lidar com os problemas interpessoais e sentimento de futilidade em continuar a luta pela vida. Tais características são consonantes a paciente e o difícil momento que vivenciava após três anos de tratamento e prognóstico fora de possibilidade terapêutica. Ao comparar as duas últimas produções, é possível identificar que o marco da doença é estabelecido pela presença de cabelo evidenciada no desenho 5B, em que apresenta a paciente se submetendo ao tratamento, entretanto, não é registrado em 5C. O uso de cores no desenho 5A reflete as vivências emocionais segundo Van Kolck (1984), demonstrando indícios de um futuro melhor, ao contrário dos desenhos 5B e 5C que indicam dificuldade emocional de se adaptar a sua difícil situação.

 

 

 

 

 

 

No desenho livre, a flor aparece como representação de afeto e possuiu um sorriso expresso indicando animismo, o qual é comum na idade em que a criança se encontra. O desenho possui ausência de base como dificuldade de manter contato com a realidade (Retondo, 2000), no entanto mostra reconhecer sua vivência na representação do desenho 6B, que retrata um dia no hospital. Nesta produção, a mãe sentada na cadeira a qual transparece pelo corpo é representada como acompanhante e figura de afeto e segurança. A paciente ainda se encontra na fase de transposição do realismo intelectual onde a cuja transparência é marcante (Luquet, 1979). Observa-se uma identificação com a mãe e autoimagem positiva ao se retratar em tamanho maior, refletindo ter boa autoestima. As figuras apresentam muitos cabelos e semblantes de tranquilidade durante a internação.

A Casa de Apoio (6C) possui poucos detalhes, podendo indicar insegurança e sentimento de vazio. O caminho que reduz de tamanho pode demonstrar um desejo encoberto de manter-se distante, bem como dificuldade de contato com o ambiente, refletidos também na porta fechada e ausência de janelas (Buck, 2003). A utilização apenas do lápis grafite reflete os aspectos negativos de se adaptar a nova realidade vivida (Van Kolck, 1984).

 

 

 

 

 

 

A ausência de base para a árvore no desenho livre demonstra dificuldade de contato com a realidade, além de ausência de detalhes e outros objetos, podendo indicar um sentimento de vazio que é transmitido pela figura isolada na folha. A árvore segundo Di Leo (1991), pode ser uma representação de autorretrato.

O desenho 7B retrata uma sessão de quimioterapia apresentada à esquerda da folha e em tamanho diminuto, sugerindo introversão e reação às pressões ambientais, o qual também é refletida na produção das nuvens, no desenho 7 C (Retondo, 2000; Bacarji e Gramacho, 2005) . A figura humana expressa no desenho 7B é pequena, semelhante a um bebê, diferenciando de seu porte físico superior às crianças da sua idade. Na Casa de Apoio, observouse que o paciente apresenta comportamento regressivo, sentimentos de inferioridade e dificuldade de aceitar sua imagem física. Notou-se que, em outros momentos o paciente realiza desenhos mais elaborados e compatíveis com seu desenvolvimento cognitivo e intelectual. Nessa pesquisa, a produção dos desenhos realizados pela criança demonstra ausência de investimento na atividade, sugerindo que a doença e o tratamento causam desconforto e sentimentos negativos. A enfermeira expressa remete a uma figura ameaçadora por apresentar mãos em garra, ausência de membros inferiores e estrutura corporal rígida o qual pode demonstrar dificuldade de contato e aceitação do tratamento. A Casa de Apoio (7C) é apresentada como fonte de lazer. No desenho, o sol é representado em duplicidade, o qual indica figura de maior autoridade ou de maior relevância emocional no ambiente do sujeito (Di Leo, 1991), podendo ser representada por pessoas do âmbito familiar ou hospitalar. A Casa foi projetada entre flores sugerindo ser este um local de afeto e carinho. O telhado bem trabalhado indica um ambiente de proteção e uma tentativa do indivíduo se defender das ameaças externas, segundo Buck (2003). As figuras humanas não possuem cabelos como consequência aos efeitos colaterais, demonstrando uma semelhança com sua própria imagem física. Os olhos vazios e ausência de nariz podem representar uma recusa em enfrentar a realidade, como se o mundo estivesse fechado para ele, o que gera uma sensação de desamparo (Campos, 2005). Os dedos pontudos podem indicar agressividade considerada natural no momento vivido pela criança, além de comportamento reativo representado pelas nuvens que amparam todo o desenho (Van Kolk, 1994). Somente o desenho livre possuiu cor demonstrando ser a vivência do tratamento um momento de angústia para o sujeito.

 

 

 

 

 

 

Observa-se que o desenho livre é elaborado. A copa da árvore em tamanho grande demonstra instabilidade a qual pode estar correlacionada às fissuras no tranco representativas de uma situação traumatizante (Campos, 2005). A vivência do adoecimento ocasiona impactos tanto para o paciente, quanto para sua família, tornando-se um momento marcante acrescido do medo das diversas situações incertas e inesperadas. Segundo Bacarji e Gramacho (2005), a presença de nuvens associada aos pássaros apresenta indícios de que o paciente sente a pressão do ambiente, contudo deseja e busca libertar-se dela. Associado a esses dados, a riqueza de detalhes demonstram uma tentativa de superação das vivências e também do medo defensivo expressos nas janelas fechadas e maçaneta focada (Campos, 2005).

O desenho 8B apresenta portas pequenas em relação ao tamanho da casa refletindo dificuldade em estabelecer contato com o ambiente, timidez ou receio nas relações interpessoais (Buck, 2003). É importante ressaltar que neste mesmo desenho, os pacientes são recebidos com a expressão “Seja bem-vindo”, embora possua uma porta intransponível. A outra figura humana agradece com “Obrigado”, porém não tem boca, ressaltando uma provável dificuldade de comunicação com o meio, que também está demonstrado na ausência de janelas que indica um meio secundário de interação com o ambiente (Retondo, 2000).

A produção 8C representa a fabricação de colares com a presença de figuras humanas sorridentes como se demonstrassem gostar da atividade. Os braços são rígidos e afastados do corpo, podendo indicar dificuldade para iniciativa. Já os dedos como palitos demonstram agressividade e também imaturidade presente nos desenhos aquém do esperado para sua idade (Campos, 2005).

 

 

 

 

 

 

No desenho livre 9A, cada elemento demonstrado possui uma base individual indicando contato com a realidade, entretanto com aspectos de solidão e isolamento. As flores são grandes refletindo uma necessidade de afeto excessiva. O tronco da árvore, segundo Di Leo (1991), representa o domínio emocional ou ainda um autorretrato inconsciente, já seu nódulo indica um trauma psíquico, o qual pode estar relacionado à vivência do adoecimento permeada por procedimentos invasivos. Esse trauma associado à pressão do ambiente simbolizado pelas nuvens presentes nos três desenhos pode demonstrar a influência do contexto hospitalar, bem como as novas experiências psíquicas e emocionais decorrentes do tratamento. Ainda nesse contexto, observa-se que a única parte cromática da figura humana (9A) são os cabelos que estão em destaque. Porém, a paciente ainda confronta o real e o desejo, pois inicialmente os desenhou como os da figura 9B, posteriormente apagou uma parte reduzindo seu tamanho como representação da realidade.

Na produção 9B, desenhou o hospital com a presença de duas enfermeiras como representação da experiência do tratamento. Ao lado da instituição foi elaborada uma flor como sinônimo de proteção e afeto. Em relação à atividade que mais gosta de realizar na Instituição, a paciente registra a utilização do computador (9C). Nos desenhos 9B e 9C, o hospital e a Casa de Apoio apresentam estrutura física semelhante, entretanto, Flávia não se inclui, podendo indicar uma vivência traumática do adoecimento relacionada aos ambientes ameaçadores que remetem ao tratamento. Estas produções são acromáticas, o que pode indicar sentimentos negativos como angústia, medo e insegurança.

 

 

 

 

 

 

As três produções apresentam cores intensas e vivas além de forte pressão ao desenhar, podendo demonstrar vitalidade e confiança (Retondo, 2000). A situação da criança em relação à doença é positiva, visto que realiza somente exames periódicos preventivos, já retornou ao âmbito familiar e escolar e não apresenta efeitos colaterais como alopecia. Ressalta-se, portanto, a diferença desta produção para os desenhos das outras crianças em tratamento. Quanto à disposição na página, a análise mostra a colocação das três produções de forma bem equilibrada, podendo refletir o momento positivo descrito acima.

As figuras humanas presentes em 10B e 10C possuem os braços rígidos e afastados para os lados, sugerindo sensação de incapacidade e dependência, além de olhos vazios e dedos em garfo representantes de imaturidade (Retondo, 2000). Essas atribuições podem ocorrer em criança após o adoecimento, visto que durante o tratamento alguns pacientes apresentam tais características como forma de defesa interna e proteção.

No desenho 10C, a paciente se representa em tamanho maior que a outra criança, demonstrando boa autoestima como indicado por Corman (1979). O uso intenso de cores nos três desenhos indica a vivência de um momento permeado de elementos positivos, podendo refletir a euforia ao se afastar do momento difícil com perspectivas futuras.

 

 

 

 

Os desenhos de Mauro são qualificados como grandes, sugerindo reação às pressões ambientais, que no caso de um paciente portador de câncer podem ser causadas tanto pela doença e seu tratamento quanto por suas repercussões psíquicas e sociais. No desenho livre apresenta um palhaço como lembrança do final de semana anterior em que participou de um espetáculo de circo. As figuras humanas presentes em suas produções são características da transição da garatuja ordenada com figuras “girino” para fase pré-esquemática com movimentos circulares e longitudinais em formas reconhecíveis (Luquet, 1979).

O desenho 11 B representa um dia no hospital com a presença de dois médicos, Mauro deitado e a mãe ao lado. Os outros elementos não foram descritos pela criança. O paciente e o médico são os únicos que possuem braços e mãos, entretanto somente o profissional de saúde os utiliza para realizar um procedimento. Com exceção do médico, os demais integrantes possuem olhos vazios e, os da mãe, acrescido de pequeno ponto simbolizando o choro. Tal característica pode representar recusa em enfrentar a realidade e inibição (Retondo, 2000). A presença somente de um membro familiar é resultante da realidade do paciente que possui apenas a mãe acompanhando seu tratamento, já que se encontra distante de seus familiares e amigos que residem em outra localidade. O paciente não tem boca, como se demonstrasse não ter voz diante dos procedimentos invasivos realizados no hospital. Dentre as figuras humanas somente o paciente possui tronco o qual está ligado a um tratamento realizado pelo profissional.

O desenho da figura 11C expressa Mauro em um momento de lazer na Casa de Apoio, jogando videogame. Nota-se que, associado ao desenho 11A nos momentos de diversão ele possui voz e escolha, aparecendo assim a boca como fonte de expressão de suas vontades e opiniões.

 

Considerações finais

A utilização dos desenhos como técnica projetiva demonstrou ser um instrumento de grande valia na avaliação das vivências de crianças e adolescentes portadores de câncer. Favoreceu a exteriorização de conteúdos internos, uma vez que exigiu um grau de elaboração e criação pessoal.

Em relação ao desenho livre (representados pela letra A), das onze produções, oito apresentaram conteúdos do meio ambiente, ora como uma autoproteção, ora como espaço comum em sua vivência e lembranças passadas. Somente uma produção caracterizou-se expressamente como figura humana, a qual foi permeada por desejos e negação das repercussões do tratamento. Foi representando também um carro do futuro e um palhaço como demonstração de interesse atual.

Nos desenhos temáticos, que representam a vivência da doença (representados pela letra B), seis produções apresentaram conteúdos relativos aos procedimentos durante o tratamento, como quimioterapia e rotina hospitalar no qual aparecem deitados. Duas produções apresentaram o hospital com visão frontal e um transparecendo seu interior com a presença de duas enfermeiras. Apenas dois desenhos apresentaram a Casa de Apoio, como vivência da doença, excluindo qualquer representação hospitalar e sua rotina. Essas produções sugerem em sua maioria, desvitalização e isolamento.

Nos desenhos da Casa de Apoio (representados pela letra C), o brincar apareceu em oito produções, evidenciando tal atividade como prazerosa, além de possuir também conteúdos que podem ser trabalhados durante o atendimento profissional. Alguns representaram videogames e computadores os quais fazem parte do desejo dessas crianças e adolescentes em acompanhar a evolução das novas tecnologias, visto que precedem de famílias carentes que não possuem tais recursos. Nessa instituição, os pacientes aprendem a manusear esses equipamentos e tem a oportunidade de desenvolvimento cognitivo por meio dos jogos e atividades. Os demais desenhos foram representados pela estrutura física externa da Casa de Apoio e por um coração como símbolo de afeto.

Quanto ao uso de cores, apenas dois pacientes produziram os três desenhos solicitados em tons cromáticos, demonstrando possuir no momento recursos internos positivos que permitam novas formas de enfrentamento da doença.

A realização de todos os desenhos acromáticos, elaborados por seis pacientes, bem como a omissão da alopecia por meio de sombreamento e cor em cinco produções, demonstra a necessidade de intervenções psicossociais que auxilie no enfrentamento do câncer e seus efeitos colaterais entremeados de conflito.

Três desenhos livres apresentaram cores seguidos de desenhos temáticos acromáticos. Tais elementos sugerem que as produções livres são uma forma mais suave, serena e espontânea de apresentar sua condição emocional, enquanto os desenhos temáticos incitaram as vivências do adoecimento e tratamento como elementos permeados de angustia e medo.

Diante desses dados, observa-se que, muitas vezes, quando o sujeito recorda dos momentos da doença a vida perde um pouco a cor, demonstrando a importância de ações humanizadas voltadas para a projeção e elaboração dessas vivências. Nota-se, portanto, a necessidade de dar voz ao paciente e permitir o diálogo, representados pela ausência de boca nos desenhos, que remetiam a vivência da doença e que tiveram esse elemento presente nos momentos de lazer. Todas essas ações de atenção ao paciente possibilitarão uma melhor qualidade de vida e minimização do sofrimento.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Adryene Milanez Rezende
E-mail: adryene@cpqrr.fiocruz.br

 

 

* Associação Unificada de Recuperação e Apoio - AURA, Belo Horizonte (MG). E-mail: adryene@cpqrr.fiocruz.br