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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.16 no.1 Rio de Janeiro jun. 2013

 

ARTIGOS

 

Uma contribuição às reflexões sobre os aspectos emocionais e o papel do psicólogo na Hemodiálise

 

A contribution to reflections about emotional aspects and the psychologist role on Hemodialysis

 

 

Fernando A. Figueira do Nascimento*

Comitê de Ética em Pesquisa, Universidade Santa Cecília

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo tem o objetivo de contribuir com a reflexão sobre os aspectos emocionais vividos pelo paciente em tratamento hemodialítico e a possibilidade de atuação do psicólogo neste contexto. As buscas por uma melhor qualidade e a necessidade de construção de novas possibilidades de vida contrastam com a ideia e o risco permanente de morte, a impotência e a perda (parcial ou total) da autonomia ocasionada pela Insuficiência Renal. O psicólogo como integrante da equipe de saúde, tem papel fundamental nos cuidados destes aspectos já que interferem diretamente na adaptação, decisões e aderência do paciente ao tratamento.

Palavras-chave: Psicologia da Saúde, Psicologia Hospitalar, Hemodiálise, Insuficiência Renal Crônica.


ABSTRACT

This article aims to contribute to the discussion on the emotional aspects experienced by patients undergoing hemodialysis treatment and the possibility of the psychologist in this context. The search for better quality and the need to construct new possibilities of life contrasts with the idea and the constant risk of death, impotence and loss (partial or total) autonomy caused by kidney failure. The psychologist as a member of the healthcare team, plays a fundamental role in the care of these aspects as they contribute directly to adaptation decisions and adherence to treatment.

Keywords: Health Psychology, Psychology Hospital, Hemodialysis, Chronic Renal Failure.


 

 

Introdução

O trabalho de psicólogos em instituições, hospitais, postos de saúde, clínicas particulares, nas estratégias em saúde pública, é uma realidade. Quayle (2003, p. XVII). Dispomos de diferentes perspectivas e aportes teóricos para compreender o processo de adoecimento e as relações entre o sofrimento físico e psíquico. Dedicaremos-nos aqui a apontar alguns dos aspectos psicológicos relacionados à Insuficiência Renal Crônica com o objetivo de contribuir com a reflexão sobre a atuação do psicólogo neste campo.

A cada ano, conforme nos indicam os dados estatísticos apresentados pelo Censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia, aumenta o número de pessoas que necessitam do tratamento hemodialítico para continuar vivendo1.

O problema torna-se ainda mais preocupante quando entre as causas apontadas para o surgimento da Insuficiência Renal Crônica estão a Diabetes Mellitus e a Hipertensão Arterial Sistêmica2. Estes dados já colocam a Doença Renal como uma preocupação e um desafio à Saúde Pública. Vale a pena lembrar, como nos indica o estudo de PASSOS et al (2006, p 37), a grande prevalência da Hipertensão na população brasileira3.

A Insuficiência Renal Crônica afeta progressivamente e de forma irreversível o funcionamento renal. A perda das funções provocará diversos efeitos sobre o organismo. Os rins são responsáveis pela eliminação de toxinas do sangue através de um sistema de filtração, pela regulação da formação do sangue e da produção dos glóbulos vermelhos, pela regulação da pressão sanguínea e pelo controle químico e de líquidos do corpo (Hricik et all, 2002, p. 69). A progressão da doença renal é lenta e silenciosa e o organismo consegue adaptar-se até suas fases mais avançadas. No último estágio da doença renal (a fase pré-diálise) os primeiros sintomas começam a aparecer e as análises laboratoriais evidenciam várias alterações. O paciente apresenta níveis elevados de fósforo e PTH, anemia estabelecida, acidose (sangue ácido), elevação do potássio, emagrecimento e sinais de desnutrição, piora da hipertensão, enfraquecimento ósseo, diminuição da libido, diminuição do apetite e cansaço. Ainda devido à retenção de líquidos, o paciente pode não notar o emagrecimento, já que o peso pode se manter igual ou até mesmo aumentar. O paciente perde massa muscular e gordura, mas retém líquidos, podendo desenvolver pequenos edemas nas pernas.

Quando os rins já não funcionam corretamente, há a necessidade de se fazer diálise. Na maioria das vezes o tratamento deve ser feito para o resto da vida, se não houver possibilidade de ser submetido a um transplante renal. A cada ano, cerca de 21 mil brasileiros precisam iniciar tratamento por hemodiálise ou diálise peritoneal. Raros são aqueles que conseguem ter pelo menos uma parte do funcionamento dos rins recuperada o bastante para deixarem de necessitar de diálise, e poucos têm a sorte de receber um transplante renal. A cada ano somente 2.700 brasileiros são submetidos a um transplante renal! (Romão Junior, 2004)

Neste texto compartilharemos algumas experiências e dados relacionados à nossa prática clínica com doentes renais. Claro que a maneira como apresentaremos aqui nossas ideias não tem a pretensão de abranger todo o tema, mas sim possibilitar alguma reflexão sobre o debate da inserção do psicólogo no tratamento hemodialítico.

 

O tratamento

Se o ser humano vive, como escreveu SANTOS (2003, p. 03), em uma espécie de adormecimento, esperando nunca despertar para sua finitude e impotência diante da morte, portanto para a castração, um aspecto presente no adoecimento é a ruptura de sua história de vida (Canesqui, 2004, p. 31). Esta ruptura posiciona o sujeito diante de sua evitada e inevitável finitude e a formas de enfrentamento e sentido da doença, vale lembrar, é uma experiência singular.

Diferente portanto, do saber médico que muitas vezes tratará a enfermidade a partir de seu quadro nosológico com variáveis de certo modo previsíveis, a experiência singular da enfermidade, conforme Alves (1993, p. 267), tem sempre uma história particular constituída de e por experiências diversas. Conforme escreveu a autora:

A interpretação da enfermidade tem uma dimensão temporal não apenas porque a doença, em si mesma, muda no decorrer do tempo, mas também porque a sua compreensão é continuamente confrontada por diferentes diagnósticos construídos por familiares, amigos, vizinhos e terapeutas. O conhecimento médico de um indivíduo está continuamente sendo reformulado e reestruturado, em decorrência de processos interativos específicos. (p. 267)

Algumas patologias crônicas, como a Hipertensão e a Diabetes possibilitam a continuidade da vida profissional e social, permanecem “mascaradas” muitas vezes em função até de sua negação. Outras, como a Insuficiência Renal Crônica, afetam de maneira repentina e direta a vida dos pacientes. Não há máscara possível para o corte que se impõe. A finitude é desvelada. Por si só, aqui já estaríamos diante de uma das fontes do mal-estar que assola o humano. Conforme escreveu Freud em seu texto Reflexões sobre tempos de guerra e morte, “[...] no inconsciente cada um de nós está convencido de sua própria imortalidade” (1976, p. 327).

Em outras palavras: o diagnóstico de uma doença crônica faz emergir a questão da morte e, conforme observam Santos e Sebastini (1996, p. 149), não só no paciente, mas também na equipe que se vê de frente da impossibilidade de oferecer a cura.

Diante destes primeiros aspectos da experiência de adoecimento (a ruptura da história de vida e a experiência diante da finitude), as reações emocionais dos pacientes sobre a notícia de um tratamento médico sem perspectiva de término podem ser diversas. No entanto, alguns deles surgem com maior frequência. Obviamente estas reações dependerão das características de personalidade, no apoio que poderá receber da família e da equipe e nos recursos internos disponíveis para o enfrentamento de sua nova condição (Almeira e Meleiro, 2000, p. 28- 29).

Escreveu Kubler Ross (1998, p. 43 e ss.) em seu livro Sobre a morte e o morrer, que o paciente e sua família ao receberem o diagnóstico e perceberem a gravidade da doença podem viver marcados estágios rumo à aceitação. A autora nos apresenta uma ordenação destes estágios, mas nos alerta que nem sempre são sucessivos, lineares, mas que o percurso do doente crônico é também feito de idas e voltas. Estes estágios são: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.

Encontramos em parte dos pacientes que iniciam a hemodiálise, atitudes e pensamentos otimistas quanto ao tratamento e em um retorno possível das funções renais. Em oposição a isso, há aqueles que apresentam uma atitude de grande pessimismo e isolamento, sobretudo acentuados pelas mudanças de seu papel sócio-familiar e pela alta taxa de mortalidade entre os pacientes renais4. As mudanças ocasionadas na vida do paciente são, como dissemos anteriormente, imediatas ao início do tratamento.

O paciente deverá estar presente três vezes por semana em uma clínica de hemodiálise, durante um período que pode variar de três a cinco horas. É longo o tempo que ele terá de dedicar ao tratamento, já que além das horas na máquina, muitas vezes necessita percorrer longas distâncias até o hospital ou a clínica onde realiza suas sessões. Esse tempo e o declínio de sua capacidade física impõem ao paciente o afastamento de boa parte de suas atividades cotidianas.

Além do tempo, o paciente precisará de imediato controlar a ingestão de alimentos e líquidos. Alimentos com alto teor de potássio e fósforo deverão ser evitados ou preparados de maneira a diminuir a quantidade destas substâncias. Estas restrições se estendem a diversos tipos de alimentos como frutas, vegetais, carnes, grãos etc. Evidentemente, aqui não trataremos de aspectos nutricionais5.

Desta forma, o tratamento não é somente o período da sessão, mas é contínuo e exige do paciente mudança repentina de seus hábitos. Conforme Tomaz e Alchiere (2005):

A Insuficiência Renal Crônica enquanto uma patologia cronificadora e insidiosa compromete mais que as funções vitais, debilitando e impondo restrições físicas e psicológicas ao exigir um esforço muito grande dos pacientes para tolerarem e se adaptarem as mudanças de vida e a gradual perda de sua qualidade. (p.63)

Algumas das pessoas que iniciam o tratamento referem conhecimento anterior sobre a doença. Geralmente há casos em sua família, realizou tratamento hemodialítico anteriormente ou ainda estava em acompanhamento com nefrologista. Quando iniciam as sessões reagem “positivamente” frente ao tratamento, principalmente com a diminuição dos sintomas que indicavam a Insuficiência Renal, alguns pacientes mantêm a esperança no retorno do funcionamento dos rins e veem a continuidade da função urinária como indício de cura. Percebe-se ainda que a religiosidade exerce importante papel, já que alguns pacientes, diante da impossibilidade da cura médica, depositam em Deus a esperança de sua melhora. Outras referem que nunca ouviram falar sobre hemodiálise e recordam apenas de episódios já longínquos sobre mortes nos noticiários.

Há ainda pacientes que o iniciam inconscientes e após algumas sessões, quando recuperam a consciência, são surpreendidos com o cateter em seu corpo, com o diagnóstico e com a notícia de sua necessidade. Quanto ao uso inicial do cateter há aqueles que dizem que se sentem como um extraterrestre, mas com as anteninhas no pescoço. Sentem vergonha ao andarem na rua e frequentemente reclamam dos olhares curiosos.

As alterações corporais sentidas pelos pacientes e principalmente seus efeitos também estão presentes naqueles com mais tempo de tratamento. A sensação da FAV (Fístula Artério Venosa), as cicatrizes nos braços devido a Fístulas antigas ou então os aneurismas (caroços) na região da fístula, somados a perda ou aumento de peso, implicam diretamente na imagem corporal do paciente6.

Ao iniciar o tratamento, como vimos, o paciente apresenta ideias sobre o término eminente da vida e a Hemodiálise é vista então apenas como um prolongamento por mais alguns dias, entretanto, existem pacientes que permanecem em tratamento durante vários anos.

A adaptação surge de forma gradual e dentro das possibilidades de elaboração e organização de cada paciente. Esse período é marcado por flutuações de humor e frequentemente sentimentos como raiva e gratidão são direcionados à equipe (Meleti, 1990, p. 156). Sintomas depressivos também podem ser observados depois de um longo tempo de tratamento. Assim como a oscilação entre atitudes de enfrentamento e desistência.

Após algum tempo, começam a surgir dúvidas mais elaboradas sobre a doença, o funcionamento da máquina, o resultado de exames e o material utilizado para realização das sessões. A “qualidade” do vínculo estabelecido com a equipe de profissionais desempenha importante papel no esclarecimento destas dúvidas e na transmissão de novas orientações, o que colabora com a melhor aderência do paciente.

 

O Psicólogo na Hemodiálise

Desde a Portaria nº 82, de 03 de Janeiro de 2000, da ANVISA, a presença de um Psicólogo na hemodiálise tornou-se condição para o funcionamento dos serviços, ainda que esta determinação indique a presença deste profissional ou de um psiquiatra sempre que necessário. Há alguns pontos a se destacar nessa proposta: o primeiro deles é que sem dúvida há um avanço com a inclusão de profissionais da saúde mental no acompanhamento do pacientes em tratamento hemodialítico. No entanto, parece haver uma equivalência entre o psicólogo e o psiquiatra, como se os discursos e as práticas que cada um sustenta fossem os mesmos. A presença do “sempre que necessário”, nos faz refletir sobre quem afinal determina quando é necessário e quais os critérios para isso7. Mas, sobretudo, pode implicar na dificuldade de um acompanhamento a longo prazo destes pacientes, ou ainda um trabalho fragmentado ou descaracterizado8. Mas deixemos estas questões para outro momento.

Até aqui mencionamos de maneira geral diversos aspectos do paciente submetido ao tratamento: desconhecimento da doença e do tratamento, ansiedade relacionada ao risco de morte, prevalência de sintomas depressivos, mudanças na vida sócio-familiar, diminuição da libido e as diversas alterações corporais.

É importante lembrar, conforme escreve Ornelas (1999, p. 22), que a compreensão e elaboração dos conhecimentos sobre a saúde e a doença (crenças, valores e afetos), possuem o caráter de representações que o homem tem a respeito de si mesmo e das condições a que está submetido, assim como as formas de cura e proteção contra os perigos.

As características que veremos adiante a respeito da dinâmica psicológica formam uma rede de sentidos articulada e envolvente. O paciente sente-se preso e impotente em encontrar formas de continuar vivendo. É comum se referirem à máquina de hemodiálise como uma prisão. Talvez esta rede seja um dos fatores que proporcionem em muitos pacientes a perda de sentido da vida e de perspectivas quanto ao futuro, ressaltando então a ameaça eminente da morte pela impotência do indivíduo, marcada inclusive pelas perdas físicas. (Reis et all, 2008, p. 339)

O surgimento da doença renal muitas vezes é representado a partir de uma “causa moral”: o desleixo com a saúde e os excessos (principalmente entre pacientes diabéticos e hipertensos), a vida sedentária ou motivos místicos.

No ano de 2010 realizamos uma pesquisa com pacientes que apresentavam elevado número de ausências nas sessões. Entre as questões propostas, uma buscava analisar a maneira que o paciente compreendia a causa da Insuficiência Renal. Entre as respostas obtidas estavam: andar de pés descalços em ruas não asfaltadas, falta de cuidado com a saúde, sedentarismo, automedicação ou uso inadequado de medicamento, não tomar banho, não ingerir água e dificuldades de seguir as recomendações do tratamento para a Diabetes e a Hipertensão. Estas respostas pareciam indiciar a ideia de culpa pela falta cometida e pelo consequente aparecimento da doença.

A ideia do excesso ou da falta fundamenta a culpa moral pela doença. Em outras palavras, o que foi prazeroso anteriormente é associado à causa da doença: o diabético que não fez a dieta9, o hipertenso que abandonou o tratamento, o corpo que se entregou a ociosidade etc. O corpo-prazer cede lugar ao corpo-martirizado pelas agulhas, marcado pelos limites e pela não-cura. Marcas que estão presentes no próprio corpo. Marcas da colocação e uso de cateteres, Fístulas Arteriovenosas (FAVs) e outros procedimentos que o paciente se submete. Ao mesmo tempo, além de merecimento, encontramos a ideia de penitência e castigo associados à enfermidade10.

Enquanto a culpa pode ser relacionada com a responsabilização, a relação causa-efeito, o castigo é diferente. Além de apresentar também a relação causa-efeito ele acrescenta ao adoecimento o tom de uma punição divina. Enquanto a responsabilização passa pela elaboração e ressignificação, a ideia de castigo dificulta esse processo. A culpa e a responsabilização, apesar de incluírem o Outro, encontram-se ao alcance do indivíduo, enquanto o castigo evidencia a total submissão do sujeito a um Outro divino e supremo11. A culpa é do sujeito, e ainda que no discurso tenham alguma relação, o castigo é da vontade divina, inacessível a não ser por seus efeitos.

Por outro lado, a culpa, escreveu LOBO (2011, p. 92) ao analisar a melancolia, é intensificada pela forma cruel com que o ideal (do eu) invade severamente o eu. A autora nos apresenta então uma diferença entre o mecanismo presente na neurose obsessiva e na melancolia: enquanto na primeira o eu tenta se livrar da culpa, na segunda se admite e se submete a ela.

Será a presença de características depressivas resultantes dessa dinâmica entre estes pacientes? Conforme escreve Almeida e Meleiro (2000, p. 19), a depressão é o resultado da interação de vários fatores: estressores ambientais com variáveis genéticas, psicodinâmicos, desenvolvimentais, cognitivos, sociais e neurobiológicos, e que não há nenhuma evidência convincente na supremacia de um deles. No entanto, os mesmos autores mencionam várias alterações endócrinas em pacientes deprimidos com IRC, alterações do metabolismo de noradrenalina e serotonina, além de anormalidades eletrolíticas que podem gerar ansiedade e alterações de humor.

Independente das causas, podemos perceber na literatura sobre o tema e no contato com estes pacientes, uma profunda mudança que envolve não apenas seu estilo de vida, mas, sobretudo no que se refere a sua identidade e a maneira de se posicionar frente ao mundo. Isso nos conduz a outro importante aspecto que RUSSO (2006) denominou de sofrimento moral:

Ao sofrimento físico provocado por uma doença se acrescenta o sofrimento moral da pessoa que vê seu funcionamento no mundo comprometido: um homem que não consegue cumprir com seu papel de provedor da família, uma mãe que não consegue cuidar apropriadamente dos filhos, um trabalhador que não consegue realizar o que dele é esperado (p. 190)

Vemos, portanto o quanto a experiência de adoecimento ressalta, já na ruptura da historia de vida, as representações que o paciente constrói sobre a doença e suas causas e perspectivas Assim, o que passa a colorir este processo é justamente sua subjetividade e não apenas aspectos profissionais, racionais e orgânicos. Aliás, é aqui que podemos muitas vezes perceber o distanciamento entre o discurso do paciente e o discurso médico-organicista que tende a eliminar ou minimizar a subjetividade. Desta forma, para além do nosológico, é de fundamental importância compreender o que se passa de subjetivo no adoecimento.

O psicólogo tem a função de trabalhar com estes aspectos, de manter vivo o que é de particular mesmo que muitas vezes os procedimentos colaborem para uma maior submissão e eliminação da participação dos indivíduos em seu tratamento. Segundo RUSSO (2006, p. 192) o paciente muitas vezes tem retirado de si o que o marca, o que o singulariza, para ser submetido a um atendimento automático. Será o atendimento mecânico, impessoal, automatizado, um mecanismo de defesa da equipe frente a angustia da morte?

A adaptação do paciente será gradual e muitas vezes poderá apresentar dificuldades e desafios em função da falta de perspectivas e do aparecimento dos sintomas depressivos que podem surgir inclusive como parte do processo de adaptação. As dificuldades de ajustamento à diálise são mais proeminentes durante o primeiro ano após a iniciação do tratamento (Almeida e Meleiro, 2000, p. 19).

A vivência do luto pelas perdas ocasionadas em razão do aparecimento da Insuficiência Renal Crônica é evidente. Este processo envolve a interrupção das atividades profissionais associada à mudança no papel sócio-familiar. A mulher e o homem já não conseguem desenvolver (ou desenvolvem com grande dificuldade) suas atividades cotidianas em razão do declínio físico decorrente da doença. Homens podem sentir de forma acentuada a impossibilidade de continuar sendo o marido, pai ou companheiro provedor e cuidador da família. Mulheres podem sentir, por outro lado, a impossibilidade de cuidar de seus filhos, do trabalho e da casa. As mais jovens verão distante o desejo e a possibilidade de ter um filho já que a gravidez será de risco e envolve uma dedicação ainda maior ao tratamento.

Diante destes aspectos o paciente pode apresentar ambiguidade em relação à vida, às pessoas que estão a sua volta e à equipe técnica. O aumento de peso entre as sessões pode nos indicar que parte desta agressividade está voltada ao próprio eu, além de dificuldades de adaptação, características depressivas e/ou até negação da doença.

As reações agressivas podem ser direcionadas ao próprio eu em um processo similar ao mecanismo da culpa na melancolia, conforme exposto anteriormente, ou ainda aos cuidadores, à família e à equipe de profissionais.

Conforme Freitas e Cosmo (2010):

A relação médico/paciente é constantemente permeada por fantasias, medos e expectativas; o paciente espera que os profissionais que o acompanham possam lhe garantir ajuda, compreensão e esclarecimentos. Essa pode ser uma relação de muita tensão, já que as ações dos médicos são impregnadas de sentimentos que podem ser úteis ou prejudiciais ao doente. (p.27)

Concordamos com as autoras quando lembram que:

Toda a equipe de saúde deve ser responsável por lidar com a dimensão do sofrimento do paciente, pois os desejos do indivíduo também são direcionados não só ao médico como também aos demais profissionais em um ambiente multidisciplinar. (p.28)

É importante ainda lembrar que, conforme Kurita e Pimenta (2003, p. 418 e ss) citando Rapley (1997), frente a todos os efeitos que mencionamos, vários fatores influenciam na aderência do paciente, inclusive a relação estabelecida com a equipe multidisciplinar, além de variáveis socioeconômicas etc.

É fundamental então que a equipe esteja preparada além do conhecimento técnico, para lidar com os aspectos projetivos que são direcionados a ela.

Quanto à equipe, citaremos um último aspecto: a dificuldade de lidar com a morte transformando-a em um “tabu” (Resende et all, 2007, p. 87). Conforme a experiência das autoras, quando havia o falecimento de um paciente, a reação da equipe era o silêncio. Agia-se como se nada tivesse acontecido: “os sentimentos e as falas ficavam velados”.

 

Compartilhando experiências

Apresentaremos brevemente nesta última parte, algumas propostas e intervenções que desenvolvemos em nosso trabalho com doentes renais em uma clínica de hemodiálise. Os projetos são realizados com a participação da equipe multidisciplinar, e fazem parte de um conjunto de ações que se somam aos atendimentos clínicos, ao acompanhamento de familiares e a realização de grupos com os cuidadores. Estratégias que objetivam em última instância a preservação da identidade, ressignificação e elaboração da atual condição do sujeito e conquista de sua maior autonomia. Em outras palavras, estratégias que buscam trabalhar a questão do sofrimento psíquico e a construção de novos sentidos a partir da experiência da enfermidade.

Durante os últimos dois anos e meio desenvolvemos o Projeto Informativo. A proposta é a construção de um jornal mensal que se caracterize como um espaço onde pacientes podem escrever suas ideias, apresentar dúvidas, compartilhar experiências e obter informações. O jornal Nefro News, que teve seu nome escolhido em uma votação, é redigido por pacientes e pela equipe técnica. Pacientes pesquisam sobre os temas que escolheram e escrevem os textos. O objetivo, além de informá-los, é levá-los a uma reflexão sobre o papel que exercem frente ao adoecimento e ao próprio tratamento. E, sobretudo, acentuar a possibilidade de apropriar-se não só deste processo, pois assim tudo continuaria a girar em torno da doença e não do sujeito, mas também de se reapropriar da vida, da voz, de si.

O projeto se mantém com a participação e com os textos produzidos pelas pessoas em tratamento. Há períodos de maior e/ou menor produção, o que fez com que organizássemos uma equipe responsável por sua confecção. Notamos que entre os participantes o reconhecimento e a valorização de sua produção provocou efeitos positivos na diminuição de alterações de humor e agressividade. Por outro lado, os textos produzidos nos conduziram a importantes reflexões e construções sobre a continuidade da vida e as perspectivas em relação ao transplante, entre outros temas.

O Projeto Eu sei, eu faço, surgiu em 2009 e tem como objetivo preservar a identidade dos pacientes resgatando sua história e motivando a manutenção de suas habilidades e atividades cotidianas. Percebemos que muitos dos pacientes atendidos possuíam habilidades artesanais e que inclusive aumentavam sua renda com a venda deste trabalho. No entanto, após o surgimento da Insuficiência Renal Crônica alguns abandonavam essas atividades, até mesmo em razão do processo de adaptação, que abrange alterações orgânicas, sociais e emocionais, como, por exemplo, não mais encontrarem sentido em sua continuidade. Desta forma, apresentamos aos pacientes a possibilidade de exposição do seu material. Percebemos ainda, que atendíamos outros pacientes que em sua história de vida foram professores de música ou pintura, gostavam de escrever ou desenhar, e propomos a exposição de sua arte, mesmo sem o fim de gerar ou aumentar renda.

O material selecionado pelo paciente foi exposto no espaço do tratamento (na sala de recepção) junto com a apresentação que ele redigiu sobre seu trabalho e de si mesmo. Como resultado, além do ganho que alguns conseguiram com a venda de seus produtos, percebemos a elevação da autoestima, valorização e confiança com o resgate da história de vida.

O Projeto Vamos Juntos tem o objetivo de atuar diretamente no isolamento e retirada da vida social que alguns pacientes experimentam com o surgimento da doença e o início do tratamento. Seu desenvolvimento consiste em saídas ao cinema e outros centros culturais da região com os pacientes. Encontramos maior dificuldade em seu desenvolvimento, principalmente em razão do tempo exigido para o tratamento e da insegurança vivida pelo paciente em relação a sua condição física. No entanto, percebemos o efeito no sentido da valorização do indivíduo, já que muitos entendem (mesmo que não participando efetivamente) como um tipo de reconhecimento e cuidado da equipe em relação a sua condição. Novamente surge a questão da relação profissionais de saúde – pacientes e toda a idealização e fantasias que a circulam.

O Projeto Dia de Jogos tem o objetivo de proporcionar maior interação entre os pacientes. São realizadas gincanas, bingos e outras atividades (damas “gigantes” que facilitam com que os pacientes possam jogar entre si, tiro ao alvo etc) em datas comemorativas ou escolhidas. Além da socialização, objetivamos estimular o paciente para preservação e desenvolvimento de suas habilidades cognitivas e lúdicas. Atualmente planejamos o I Campeonato de Damas.

Todos esses projetos estão em andamento e pretendemos no futuro realizar maiores reflexões e estudos.

 

Considerações finais

É fundamental que o paciente obtenha informações sobre seu tratamento, que se responsabilize e construa uma participação ativa nesse processo. Desta forma, conforme Romano (1999, p. 30), o psicólogo poderá desempenhar uma função “psicopedagógica” e também psicoterapêutica. Psicopedagógica, pois muitas vezes poderá contribuir com esclarecimentos e orientações pontuais sobre o tratamento e a doença renal. Outras vezes o psicólogo poderá contribuir como um facilitador na comunicação efetiva entre o paciente e a equipe técnica que como vimos anteriormente, é permeada por diversas construções idealizadas.

A relação vincular estabelecida com a equipe de profissionais desempenha importante papel que colabora com a melhor aderência do paciente. O vínculo estabelecido parece colaborar ainda para a diminuição de sintomas psicológicos na medida em que o paciente encontra apoio no enfrentamento do tratamento e da doença e estímulo para sua maior autonomia. As atividades realizadas no espaço de diálise podem proporcionar o fortalecimento dos vínculos e o aumento da confiança e assim colaborar para maior aderência.

Os projetos propostos buscam ainda efetivar um deslocamento do olhar da equipe técnica para o sujeito e não somente permanecer na doença. É neste processo que os fatores subjetivos, representações, e crenças sobre a vida e a morte podem ser expressos e colocados como objeto de nossa intervenção.

Além disso, na hemodiálise a prática do psicólogo pode apresentar diversas possibilidades, mas tem o efeito de atuar sobre o impacto da doença no indivíduo e sua família.

O Psicólogo pode atuar visando a reestruturação psíquica do paciente, a manutenção do tratamento, oferecendo suporte aos pacientes no enfrentamento de sua condição e na criação de estratégias para que este enfrentamento resulte e promova melhor qualidade de vida.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Fernando A. Figueira do Nascimento
E-mail: fernandofigueira76@hotmail.com

 

 

* Psicólogo, Mestre em História da Ciência, professor na Faculdade Don Domenico e membro do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Santa Cecília. E-mail: fernandofigueira76@hotmail.com
1 Em 2004 o número de pessoas que desenvolveram a Insuficiência Renal no Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia, era de 58.464. Em 2009 o número era de 77.589. Sendo que aproximadamente 35% dos pacientes apresentavam como principal causa da doença a Diabetes. Em 2011, esse número foi de 91.314, sendo a maior concentração de casos na faixa etária entre 19 a 64 anos. Ver em Sociedade Brasileira de Nefrologia, http://www.sbn.org.br/pdf/censo_SBN_2009_final.pdf, acessado em 24/03/2012.
2 Ainda segundo os dados levantados pelo Censo da SBN, A Diabetes e a Hipertensão somam 63,5% de prevalência entre as causas para a Doença Renal. Ainda, conforme Canesqui (2007, p. 87), no Brasil as estatísticas sobre a prevalência da Hipertensão apontam uma oscilação de 5% a 32,7% entre as doenças crônicas
3 Apesar das pesquisas revisadas pelas autoras se restringirem as regiões Sul e Sudeste, nos 13 estudos selecionados, as taxas de prevalência da Hipertensão era de cerca de 20% dos adultos, sem distinção por sexo e com perspectiva de aumento com o avanço da idade. Neste mesmo sentido, o Ministério da Saúde divulgou a poucos dias que 22% da população brasileira sofre com o aumento da pressão arterial.
4 Em 15/04/2012, foi publicado no jornal Folha de São Paulo um artigo que indicava o crescimento na taxa de mortalidade entre pacientes com IRC. Um dos aspectos para isso era a faixa etária dos pacientes: 35% dos pacientes estão acima dos 65 anos de idade. Outros fatores são apontados também: máquinas velhas para o tratamento, com seis anos ou mais de uso, dificuldade de acesso à medicação já que às vezes os pacientes, quando iniciam o tratamento, esperam por dois meses até recebê-los; a dificuldade de vagas para o tratamento e o seu início tardio. Ver http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/930801-mortes-por-doenca-renal-cronica-crescem-38-no-brasil.shtml. Acessado em 15/04/2012.
5 Sobre o tema, o leitor poderá ler o artigo “Aspectos nutricionais e epidemiológicos de pacientes com doença renal crônica submetidos a tratamento hemodialítico no Brasil, 2010”, de BIAVO et all, disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-28002012000300001&lang=pt, publicado pelo Jornal Brasileiro de Nefrologia, vol.34, n.3 São Paulo, Ju-Set/ 2012
6 Uma paciente com histórico de vários anos de depressão e obesidade, certa vez relatou que havia desde o início do tratamento emagrecido 30 quilos e que isso a fazia se sentir como um monstro. Olhava-se no espelho e não se reconhecia.
7 O psicólogo pode ser chamado para atender o “paciente problema” (normalmente aquele que a equipe tem dificuldade de lidar, que se mostra poliqueixoso ou as alterações apresentadas são visíveis pela equipe (depressão, ansiedade, etc) enquanto que outros paciente com alterações emocionais e comportamentais mais leves podem permanecer sem atendimento. Do meu ponto de vista, o trabalho do psicólogo é importante não somente na admissão do paciente, mas nas diversas etapas do tratamento. Assim é fundamental que este profissional tenha autonomia para realizar suas avaliações e atendimentos.
8 Conforme a citada Portaria, no item 6.10 sobre os recursos humanos do serviço de diálise:”O serviço de diálise deve garantir aos pacientes a assistência profissional de nutricionista, assistente social, psicólogo ou psiquiatra, sempre que necessário.” http://www.anvisa.gov.br/legis/portarias/82_00.htm, Acessado em 02/04/2012.
9 Barsaglini (2007), ao escrever sobre o viver com Diabetes apresentou o relato de uma paciente chamada Melissa que além de evidenciar a discrepância entre as prescrições médicas oficiais e as ações dos pacientes, apresenta a dificuldade de adaptação e da dinâmica referida aqui: “Minha irmã quer que eu vá consultar com a nutricionista para ela educar o modo de comer, mas ah, não vou nada, eu já sei até o que ela vai falar, então, não vou! ‘Não pode comer ovo por causa do colesterol, não pode comer isso e aquilo...'Ai, meu Deus, se for, então não tem nada pra gente comer...” (p. 72)
10 Vale mencionar que a associação entre enfermidade e penitência é antiga em nossa cultura. Poderíamos lembrar de Édipo e o surgimento da peste em Tebas, mas há diversos outros exemplos. Em nossa dissertação de mestrado sobre as representações de doença na cultura luso-brasileira do século XVII, encontramos como causa primária da doença a intervenção divina diante das transgressões dos homens. A doença possuía então o duplo papel de punição e purificação do corpo anteriormente entregue ao gozo.
11 Quinet (2012, p.26) conceitua o Outro como o conjunto de significantes que marcam o sujeito em sua história, seu desejo e ideais. Significantes que sustentam suas fantasias inconscientes e imaginárias. Lacan (2008, p.24) nos pergunta o que é o Outro? Tão logo responde: “É o campo da verdade que defini como sendo o lugar em que o discurso do sujeito ganharia consistência, e de onde ele se coloca para se oferecer a ser ou não refutado”. Em resumo, conforme Lobo (2011, p. 184): “A dimensão do Outro para Lacan representa a ordem simbólica, a cadeia significante onde se veiculam as demandas cujas repetições apontam para o registro do desejo”.