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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.16 no.1 Rio de Janeiro jun. 2013

 

ARTIGOS

 

O puerpério e a mulher contemporânea: uma investigação sobre a vivência e os impactos da perda da autonomia

 

The puerperium and contemporary woman: an investigation about the experience and the impacts of loss of autonomy

 

 

Bruna Moreira da Silva Souza*; Simone Flores de Souza*; Dra. Rosana Trindade dos Santos Rodrigues*;

Universidade Anhembi Morumbi - SP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Considerando os diferentes papéis que as mulheres vêm assumindo nas últimas décadas, a sua atuação como mãe também vem se transformando. Através de um estudo descritivo de natureza qualitativa, o objetivo foi descrever a experiência da mulher contemporânea no período pós-parto e verificar se surgem conflitos diante da perda de sua autonomia pessoal e das exigências advindas de seu papel de mãe, nesse mesmo período. Por meio de um questionário estruturado, a pesquisa contou com 10 participantes, todas primíparas. Constatou-se que há perda de autonomia advinda da dificuldade em conciliar as atividades rotineiras com os cuidados para com o bebê. Foi identificado que as mães consideram a renuncia de suas atividades anteriormente comuns, como tranquila, atribuindo ao fato de acreditarem que esta se trata apenas de uma fase. Um dado importante, que retrata a contemporaneidade é a presença da figura paterna que se envolve nas tarefas relacionadas ao bebê, oferecendo maior segurança para a mãe. Embora a hipótese tenha sido confirmada, identificou-se que o maior conflito presente para a puérpera está relacionado ao fato de saber que, ao fim da licença maternidade, terá que retornar ao trabalho e deixar o filho sob os cuidados de outras pessoas. Esse estudo apresentou como relevância o conhecimento sobre a vivência da mulher contemporânea diante da maternidade, que constatamos continuar sendo para a mulher, um acontecimento de grande, senão o de maior importância em sua vida.

Palavras-chave: Período pós-parto, Autonomia pessoal, Conflito (psicologia).


ABSTRACT

Considering women have been undertaking different responsibilities in recent decades, their role as mothers is also changing. Through a descriptive study with a qualitative approach the goal was to describe the experience of contemporary women in the postpartum period, and check whether during this time conflicts arise resulting from their loss of personal autonomy and the demands arising from their role as mother. Performed through a structured questionnaire, the research involved 10 participants, all of which were primiparas. It was found that the results indicated that there is a loss of autonomy arising from the difficulty in reconciling their normal routine activities with the newfound responsibilities of caring for the baby. It was identified that mothers surrender their previously routine activities easily, attributing this to the fact that they believe it is just a passing phase and their normal lives will resume eventually. An important note which retracts the contemporaneity is the presence of a father figure who is supporting the mother and involved in caring for the baby, thereby providing greater security for the mother. Although the hypothesis has been confirmed, it was identified that the primipara's conflict is the fact of knowing that, after the period of maternity leave, she will have to return to work, leaving the baby under the care of other people. This paper presents the experiences of contemporary women during this phase of motherhood, which continues to be one of the most influential and life changing events of their lives.

Keywords: Postpartum period, Personal autonomy, Conflict (psychology).


 

 

Introdução

Puerpério é o nome dado ao período do pós-parto, que tem uma duração aproximada de três meses, nos quais a mulher vivencia uma série de adaptações físicas e emocionais. É também nesse período que a mulher se depara com o confronto entre as expectativas construídas durante a gestação e a realidade trazida pela chegada do bebê (Emídio & Hashimoto, 2008).

O nascimento do bebê é um período emocionalmente vulnerável devido às profundas mudanças intra e interpessoais desencadeadas pelo parto. Maldonado (2002) refere que o puerpério caracteriza-se como um período de transição onde a mulher torna-se especialmente sensível e confusa, com o aparecimento de sintomas ansiosos e depressivos.

Entretanto, apesar de a literatura, no decorrer de tantos anos, vir apresentando ricos estudos que comprovam que o puerpério é um período de conflitos em que se alternam na mulher sentimentos de alegria, medo, alívio, ansiedade, realização, dúvidas, entre outros; pouco se discute sobre a vivência do mesmo, com um foco na mulher contemporânea em consequência às diferentes atuações na sociedade e, portanto, dando importância ao momento do puerpério com a visão da perda de autonomia que a mulher tende a vivenciar neste momento.

Neste estudo será discutido o cenário da mulher contemporânea, como sendo a que desvincula sexo de procriação, se insere no mercado de trabalho, concilia o governo de si mesma com a preservação de papéis e valores tradicionais (mãe, educadora dos filhos, organizadora do espaço doméstico, esposa), vendo-se definitivamente inserida na lógica do individualismo contemporâneo (Kahhale e Maluf, 2010).

As diversas facetas da maternidade demonstram que é um assunto complexo. Atualmente, um dos pontos de dificuldades se dá em função da vida moderna, que nem sempre contribui com essa fase de transição. O dia-a-dia em ritmo acelerado, com um individualismo exacerbado, só dificulta o processo. Dentro deste contexto, como as mães são auxiliadas em sua árdua tarefa? E com o suporte social diminuído, como passa a ser percebida a maternidade, com prazer ou algo penoso? A mãe deixa de ter próximos a ela seus parentes e vizinhos para dividir o “olhar a criança” (Wright, 1995; Stern, 1997).

Ao considerar as complexas diferenças entre a mulher de décadas atrás e a mulher atual, torna-se imprescindível avaliar a maneira como esta segunda vivencia o puerpério, considerando também os impactos psicológicos que esse período pode ter em sua vida. Afinal, para ela a maternidade pode ser apenas uma opção entre tantas outras responsabilidades. Já a primeira, já vinha ao mundo com apenas duas funções: a de ser mãe e de cuidar da família.

Assim, o interesse nesse estudo surgiu da necessidade de investigar o impacto do puerpério, porém, com um foco na realidade da mulher contemporânea, partindo da hipótese de que esta tende a sofrer alguns conflitos neste período em consequência da perda de sua autonomia, devido aos diferentes papéis adquiridos na sociedade, ao longo dos anos.

Portanto, o presente estudo tem como objetivo descrever a experiência da mulher contemporânea no período do puerpério e verificar se surgem conflitos diante da perda de autonomia e das exigências advindas de seu papel de mãe, nesse mesmo período.

 

Método

Para investigar o problema formulado em relação à perda da autonomia da mulher contemporânea no período do puerpério, julgou-se conveniente a utilização do estudo descritivo com abordagem qualitativa, considerada adequada para um maior aprofundamento do fenômeno pesquisado. Turato (2005) em definição sobre os qualitivistas diz que não é diretamente o estudo do fenômeno em si que interessa a esses pesquisadores, seu alvo é, na verdade, a significação que tal fenômeno ganha para os que o vivenciam.

Como instrumento de estudo foi utilizado um questionário estruturado (AnexoII) para a análise dos dados e subsequente interpretação e discussão dos resultados obtidos. A partir das respostas obtidas no questionário realizou-se uma análise do conteúdo baseada na orientação descrita por Bardin (2009).

A pesquisa foi realizada em dois consultórios médicos particulares, sendo um de ginecologia e obstetrícia e o outro de pediatria. Em ambos, os próprios médicos, ao atender uma paciente pertencente ao público-alvo da pesquisa, explicavam sobre o projeto e solicitavam a participação da mesma. Além disso, houve a participação de duas puérperas pertencentes ao grupo de colaboradores de uma empresa.

Esta pesquisa obedece às normas éticas conforme a resolução 196/96, foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa sob o número do CAAE 04932813.7.0000.5492. A pesquisa apenas teve início após a leitura, compreensão dos objetivos do estudo e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (AnexoI) por todas as participantes.

 

Resultados

A amostra contou com 10 participantes do sexo feminino, com idade entre 20 e 38 anos: sete profissionalmente ativas - em licença maternidade, e três sem atuação profissional; no período entre uma semana a três meses do puerpério, sendo que oito delas estavam entre os dois primeiros meses desse período.

Todas as participantes relataram ter deixado de realizar alguma atividade neste período. A atividade física foi a mais citada e, em segundo lugar foi o trabalho. Para a metade delas foram as tarefas domésticas e, apesar de serem a minoria, as atividades como vida social e cuidados com a aparência, também foram descritas. A maioria avaliou o período do puerpério como tranquilo, em consonância com as expectativas. Três participantes consideraram o puerpério como um momento gratificante e outras três como um momento de dedicação ao filho. Para algumas das participantes foi considerado agitado e cansativo e para outra como um período que exige planejamento.

Em relação às mudanças de hábitos ocorridas no período, destacou-se a necessidade de readequação da rotina para as tarefas mais simples do dia-a-dia, além da dificuldade em conciliar as horas de sono com a nova rotina, citada pela metade da amostra. Oito participantes relataram encontrar dificuldades em coordenar a maternidade com as atividades cotidianas, devido ao fato de o bebê exigir bastante atenção e da dificuldade em se separar dele. E uma das participantes mencionou como dificuldade o palpite de amigos e familiares nas mais diversas situações.

Quando questionadas sobre a intensidade de preocupação a respeito de não conseguirem retomar suas atividades, obtivemos como um maior número de respostas, a média consideração, assim como a preocupação sobre não conseguir ser uma boa mãe, e também a preocupação sobre não conseguir ser uma boa esposa. Já a respeito de não se realizar enquanto mulher, a maioria respondeu atribuir baixa intensidade, assim como a preocupação sobre não voltar a ter a mesma beleza física.

Nove participantes contavam com a ajuda do marido e/ou de alguns familiares em relação aos cuidados com o bebê.

Entre as mulheres que estão de licença maternidade, o sentimento que se destacou foi o de felicidade por poder cuidar do bebê nesse período. Porém, uma participante relatou preocupação por ficar fora do mercado de trabalho, outra relatou sentir-se apreensiva com o momento de ter que retornar ao mesmo - deixando o bebê sob os cuidados de outras pessoas. Para outra, esse é um tempo necessário para se adaptar a nova rotina, e uma delas relatou ter deixado o trabalho para poder se dedicar ao bebê.

Quando questionadas sobre os sentimentos em relação a retornar ao trabalho, foram relatados os sentimentos de tristeza, insegurança, angústia e preocupação, uma vez que não gostariam de ficar longe dos filhos. Apenas uma das participantes respondeu que se sentia tranquila, pois só retornaria ao trabalho após sete meses.

Em relação ao sentimento de culpa, seis participantes declararam não experimentá-lo nesse período. E para as que disseram se sentir culpadas, o sentimento foi atribuído à necessidade de retorno ao trabalho e a não identificação do motivo do choro do filho. Duas das participantes não responderam à essa questão.

Todas as participantes relataram se sentir tranquilas se necessitam abrir mão de realizar alguma atividade, anteriormente comum, como ir ao shopping ou ao salão de beleza, devido às tarefas como mãe. Essa tranquilidade foi atribuída ao fato de acreditarem que essa abdicação se trata apenas de uma fase.

Sobre os desejos das entrevistadas no período do puerpério, o que se destacou foi que os filhos tivessem saúde, seguido pelo desejo de ser boa mãe e esposa. Foram constatados também os desejos de poder parar de trabalhar para poder se dedicar aos filhos, de “dar conta do recado”, de que o bebê passe a dormir bem e de continuar feliz.

 

Discussão

A idade das mulheres que participaram do estudo apontou para uma compreensão de que encontram-se em período bem produtivo da vida, em ascensão profissional, portanto, tendo que se dividir entre as atividades profissionais e a maternidade. Um dos focos do estudo foi, justamente, a maneira de a mulher contemporânea lidar com essa divisão de papeis, durante o puerpério. Tomando como base a literatura pesquisada, a hipótese foi de que ela sofreria alguns conflitos devido a uma possível perda de autonomia, mas foi constatado que os conflitos se atribuem a diversos fatores e que ter que renunciar tantas de suas tarefas anteriormente habituais não é o maior gerador de conflitos, em conformidade com a literatura que afirma que “o puerpério é um período em que a mulher fica bastante vulnerável, com sentimentos de insegurança, ansiedade e muitas dúvidas sobre como cuidar corretamente do bebê” (Dickstein, Maldonado e Nahoum, 1996).

A amostra constou de mães primíparas, ou seja, que tiveram seu primeiro filho, o que implica em um momento repleto de novidades, como novos sentimentos, nova rotina, novas atitudes das pessoas que as cercam - uma vez que os familiares e amigos também querem participar desse momento; entre tantas outras mudanças.

Muitas vezes, a dependência e a fragilidade da criança são vivenciadas como assustadoras, e a própria mulher pode se sentir desamparada, com medo de não saber cuidar do filho e até mesmo de fazer-lhe mal; ao mesmo tempo, quer ajuda e teme uma “invasão de território”, onde tenha que dividir o filho com as outras pessoas que dele cuidam, fazendo-a sentir-se passada para trás, afastada do bebê. (Dickstein, Maldonado e Nahoum, 1996, p.139).

A partir dos dados coletados, foram identificadas algumas questões de grande relevância sobre o puerpério. Ao analisar sobre como as participantes consideravam esse período constatou-se que as respostas para “conturbado” foram dadas pelas participantes que se encontravam dentro do primeiro mês do puerpério. Entre as outras participantes, que se encontravam entre os dois e três meses desse período, a resposta para esta questão foi de que o mesmo é tranquilo. A partir disso pode-se considerar que o primeiro mês do puerpério tende a ser mais conturbado para as mães. Porém, verificou-se que pode ter havido uma diferente interpretação do termo “tranquilo” entre as participantes, ou uma dificuldade em classificar esse momento tão importante de suas vidas, como conturbado. Essa constatação vem do fato de a grande maioria da amostra ter entrado em contradição ao ter caracterizado o puerpério como um período tranquilo, mas no momento de escrever se este estava de acordo com suas expectativas, denominaram-no como cansativo, agitado, mais difícil do que imaginavam e diferente do que consideravam ideal; citando ainda a dificuldade de realizar as atividades rotineiras, de fazer tudo acompanhada do bebê, ou ainda ter que lidar com o “palpite dos familiares e amigos”. Essas descrições sobre o puerpério vêm de encontro com as ideias de Dickstein, Maldonado e Nahoum (1996).

Um dado que pode ser considerado importante é que nove das dez participantes relataram contar com a ajuda do marido nesse período, o que parece ser um fator que contribui positivamente para o bem-estar físico e emocional das mães. De acordo com Dickstein, Maldonado e Nahoum (1996, p.152), estudos tem demonstrado a participação do pai como contribuição para o desenvolvimento saudável da criança.

A participação dos pais em relação aos cuidados com o bebê e com as tarefas domésticas é algo característico da contemporaneidade, que vem acompanhado das mudanças dos relacionamentos entre os casais, também como consequência dos novos papeis que a mulher vem assumindo, na sociedade. Assim, poder receber ajuda de pessoas a sua volta, como por exemplo, o pai, aumenta o sentimento de auto-confiança e satisfação emocional melhorando a relação com o bebê (Maldonado, 2002).

Em relação à demanda real de necessidades das entrevistadas, constatou-se que no período do puerpério há uma dificuldade de se separar do bebê já que o mesmo é dependente de seus cuidados. Dessa forma, acabam por renunciar as atividades anteriormente realizadas como: cuidados com aparência, trabalho, atividade física, vida social e, até mesmo as tarefas domésticas. Sendo assim, a mulher acaba por se deparar com uma intensa mudança em sua rotina e os hábitos tem de ser ajustados aos horários do bebê. Porém, a forma como elas mencionam a renuncia das atividades, juntamente com a descrição de outras questões respondidas no instrumento aplicado, dão a ideia de que nesta fase do puerpério as mães participantes do estudo, em sua totalidade, tiveram o sentimento materno despertado, tendo sido mobilizadas pela situação de desamparo do recém-nascido, que por sua vez lhes estimula a vontade de cuidar, nutrir, proteger, e assim, sentemse realizadas por serem capazes de satisfazer o filho em suas diversas necessidades.

Porém, identificou-se como ponto importante, a expectativa sobre-humana e a idealização e culpa por suas falhas e limitações, inerentes a condição humana, citado por Maldonado (2002), relacionando com as dificuldades das puérperas em conciliar as tarefas mais simples do dia-a-dia e até mesmo as necessidades fisiológicas, com a maternidade.

Um dos pontos mais importantes da discussão foi com relação aos sentimentos que as puérperas atribuíram por estarem de licença-maternidade e, portanto, afastadas de suas atividades profissionais, além de como se sentiam em relação ao fato de ter que retornar ao trabalho ao fim da licença. Para Maldonado (2002) a mulher contemporânea que cultiva interesses diversos sejam eles profissionais, sociais, entre outros, o fato de ter um filho acarreta consequências bastante significativas. Privações reais - afetivas ou econômicas, aumentam a tensão, intensificam a regressão e a ambivalência. A preocupação com o futuro aumenta a sua frustração, gerando em consequência, sentimentos que a impedem de encontrar gratificação na gravidez.

As puérperas, apesar de explicitarem estar em conflito acerca de seus sentimentos, não deram significado à sua profissão e sim ao afastamento de seus filhos, sendo esta mais uma demanda característica da amostra estudada. Enquanto algumas expõem que este é um bom momento para cuidar e estar com o bebê e se sentem felizes por isto, outra descreve ter deixado o trabalho para dedicar-se aos cuidados com o bebê e, ainda houve a colocação de uma mãe que respondeu considerar este um tempo necessário para a adaptação da nova rotina. Sendo que apenas uma das participantes respondeu sentir-se preocupada por ficar fora do mercado de trabalho, sendo este bastante competitivo nos dias de hoje, o que talvez explique essa preocupação.

A constatação mais importante do presente estudo foi que o maior conflito vivido pelas participantes está na necessidade de retornar ao trabalho e deixar o filho sob os cuidados de outras pessoas. A partir disso, entende-se que para essas mães, ter que deixar o filho para assumir o papel de profissional implica na inadequação do desempenho do papel de mãe, de forma que da amostra total, nove das participantes relataram algum tipo de sofrimento em ter que deixar o filho sob os cuidados de outras pessoas ao fim da licença, nomeados como preocupação, angústia, tristeza, apreensão e insegurança, conforme a descrição dos relatos de algumas das participantes:

“Me sinto apreensiva, não gostaria de ficar longe do meu filho”. (27 anos, bibliotecária)

“Dá uma certa tristeza / insegurança, pois sabemos que o nosso cuidado com o filho nunca será o mesmo de qualquer outra pessoa”. (34 anos, publicitária)

“Me sinto mal, preocupada e, se possível não voltarei ou procurarei um emprego em meio período”. (32 anos, engenheira)

“Por enquanto não gostaria de voltar ao trabalho. Quero ficar com meu filho pelo menos até que ele complete um ano de idade”. (32 anos, advogada)

“Me sinto mal, não gostaria de voltar logo”. (29 anos, auxiliar administrativo)

“Me sinto angustiada”. (29 anos, professora)

Apenas uma das participantes relatou se sentir tranquila em relação ao momento de retornar ao trabalho, porém, ela atribuiu esse sentimento ao fato de ter postergado seu retorno, tendo ainda sete meses para dedicar-se ao filho. Considerando este resultado, junto às informações da literatura pesquisada - que afirma existirem conflitos relacionados à atuação profissional - é possível supor que estes surgem depois, quando a mulher se vê no momento de fazer a escolha entre voltar ao trabalho ou dedicar-se ao filho em período integral; ou até mesmo quando ela retorna ao trabalho e passa a ter que administrar seus diversos papeis, desde aqueles antigos - como o de cuidar do lar e dos filhos, com os mais atuais - como o de desenvolver-se intelectual e profissionalmente.

Considerando a descrição de Maldonado (2002) de que o puerpério é um período bastante vulnerável à ocorrência de crises, devido às profundas mudanças intra e interpessoais desencadeadas pelo parto, e de Gilles (2000), ao descrever que para a mulher, o fato de se dividir entre dois mundos vem acompanhado de conflitos e de interrogações, de uma busca de conciliação, que é frequentemente fonte de culpa e de insatisfação; gerou-se a expectativa de relatos queixosos e de que o puerpério fosse ser referido como uma fase de dificuldades. Entretanto, apesar de terem surgido na pesquisa, respostas condizentes com os textos referenciados, como as de que as puérperas não conseguem realizar atividades voltadas para si mesmas (ir ao shopping, ao salão de beleza, etc.), essas questões apareceram, em unanimidade, de forma suavizada, como se não fosse importante para o momento. Ou seja, as percepções que elas têm desse conflito são justificadas de maneira que esta privação se trataria apenas de uma fase e que, portanto, todas se sentiam tranquilas em relação ao fato de terem que renunciar algumas atividades. A partir dessas informações foram obtidas respostas para a investigação sobre a mulher sofrer ou não a perda de sua autonomia no período do puerpério, o que pode ser constatado que sim, visto que o bebê demanda uma atenção muito grande, fazendo com que a mãe acabe por dedicar-se quase que exclusivamente aos seus cuidados, como pode ser verificado nos seguintes relatos, ao serem questionadas sobre as mudanças relacionadas às tarefas simples do dia-a-dia, ocorridas após a chegada do bebê:

“Os horários são regulados de acordo com as mamadas, ou seja, a rotina é regulada de acordo com o sono do bebê”. (34 anos, publicitária)

“O tempo fica mais curto, principalmente as noites de sono”. (30 anos, bancária)

“O sono da noite é interrompido”. (29 anos, professora)

“Quando estou sozinha com o bebê, é preciso levá-lo junto para todas as tarefas”. (32 anos, engenheira)

“Mudou tudo, mas o pior é ficar sem dormir”. (38 anos, analista tributária)

“Os horários destas ações são todas em consonância com o horário do bebê”. (32 anos, advogada)

Neste sentido Soifer (1986) citado por Felice (2000), discute que “o período puerperal é descrito por como uma etapa de “delimitação entre o perdido - a gravidez - e o adquirido - o filho. Também de delimitação entre devaneio, fantasia inconsciente e realidade. Segundo a autora, esta múltipla delimitação é realizada por um lento e gradual processo elaborativo, o qual apresenta alternância depressivas (pelas ilusões não concretizadas e fantasias de perda ou impotência) ou persecutórias (mantidas nos elementos difíceis apresentados pela realidade), e maníacas ou de negação”.p. 29

Comparando os dados obtidos na presente pesquisa com a literatura estudada, é possível refletir sobre a dificuldade que as mães podem encontrar em assumir seus conflitos em relação aos cuidados do filho, visto que este lhe trouxe a responsabilidade de ser mãe - papel este que no imaginário coletivo traz uma série de responsabilidades e, acima de tudo, um amor incondicional advindo de um instinto materno que já nasceria com a mulher. Dessa forma, como seria, então, para a mulher admitir que ela tem outras necessidades ou até prioridades, além do desejo de estar com o filho e de suprir todas as suas necessidades? A partir do que Soifer sugeriu a respeito das fantasias e da negação, essas mães não poderiam estar negando essas dificuldades, como uma maneira de sentirem-se “mães corretas”, ou ainda “verdadeiras mães”?

Sobre o resultado de apenas duas respostas positivas para a questão de terem experimentado ou não o sentimento de culpa em algum momento do puerpério, também pode ser atribuído à possibilidade de as mães terem dado respostas mais baseadas no que considerariam como ideal, do que como, realmente, se sentiam. Essa dificuldade de caracterizar esse período como sendo de difícil enfrentamento, também pode ser considerada devido ao fato de duas das participantes não terem respondido à esta questão. Outra possibilidade é que, devido a uma limitação do instrumento de pesquisa, as participantes não tenham realizado uma reflexão sobre o que seria o sentimento de culpa e em que momento ele poderia ter aparecido. Além deste, outros aspectos foram verificados ao longo das respostas acerca da omissão dos conteúdos, reforçando o peso cultural da maternagem. Essas reflexões surgem como necessidade de compreensão dos resultados coletados e o confronto com o que a literatura, que traz o sentimento de culpa como algo muito frequente na maternidade. De acordo com Maldonado (2000), entre tantos sentimentos que a puérpera pode experimentar, está o de ressentimento por sentir que o bebê lhe está roubando ou privando-a de coisas importantes, tais como horas de sono e de repouso, ou pode sentir-se agredida com o choro do bebê, interpretando como censura e acusação, o que gera sentimentos de culpa e inadequação.

 

Considerações Finais

O presente estudo possibilitou verificar que as mulheres vivenciam uma série de mudanças no período do puerpério, desde a considerável diminuição das horas de sono, até a perda de sua autonomia, uma vez que toda a sua rotina é controlada de acordo com os horários do bebê. Esse período traz uma série de sentimentos novos, que passam a participar de suas tomadas de decisão, daquele momento em diante.

Embora a hipótese tenha sido confirmada, identificou-se que o maior conflito presente para a puérpera não está relacionado à perda de sua autonomia ao ter que renunciar suas atividades, mas, sim por saber que ao fim da licença maternidade, terá que retornar ao trabalho e deixar o filho sob os cuidados de outras pessoas.

Foi considerado como limitação do presente estudo o modelo de instrumento utilizado, uma vez que o mesmo apresenta certa objetividade, incapaz de investigar questões mais internalizadas, como as que foram sugeridas como hipóteses, para este público.

Pensando num estudo mais aprofundado sobre as questões envolvidas no puerpério, sugere-se para investigações futuras a utilização de metodologias como a entrevista semi-estruturada, que favorece maior exploração e aprofundamento dos temas investigados.

Esse estudo apresentou como relevância o conhecimento sobre a vivência da mulher contemporânea diante da maternidade e como ela passa a definir a sua representação, pois foi constatado que apesar de tantos papeis importantes na sociedade, além de o de ser mãe, a maternidade continua sendo para a mulher um acontecimento de grande, senão o de maior importância em sua vida.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Simone Flores de Souza
E-mail: flores.si@gmail.com

 

 

* Universidade Anhembi Morumbi, SP. Email: flores.si@gmail.com.
** Agradecimentos:
Agradecemos a algumas pessoas, em especial:
À Professora e Orientadora Dra. Rosana Trindade, por sua dedicação e disposição em nos atender, sempre com atenção às nossas ideias, contribuindo significativamente para o desenvolvimento do trabalho e o nosso crescimento pessoal e profissinal.
À Dra. Marília de Siqueira - ginecologista e obstetra, e ao Dr. Aniello Carbone - pediatra; que nos concederam o espaço para a disponibilização dos questionários, como instrumentos de nossa investigação.
Às participantes da pesquisa, que foram fundamentais para a realização deste estudo.
E por último, mas não menos importante, aos familiares e amigos, que nos apoiaram, nos motivaram e tiveram paciência conosco, durante esse período de tanta dedicação aos estudos e que ainda nos transmitiram confiança, fazendo-nos perseverar mesmo diante das dificuldades.

 

I ANEXO I

 

 

II ANEXO II