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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.16 no.1 Rio de Janeiro jun. 2013

 

ARTIGOS

 

O Psicólogo Clínico e a equipe multidisciplinar no Hospital Santa Cruz

 

Clinical Psychologist and multidisciplinary team in Hospital Santa Cruz

 

 

Shirlei de Vargas Saldanha*; Aline Badch Rosa*; Lilian Rodrigues da Cruz*

Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo é fruto da pesquisa realizada junto ao Hospital Santa Cruz que objetivou investigar como os profissionais da saúde entendem a atuação e as funções do psicólogo no hospital, bem como conhecer o papel e a importância deste profissional na composição da equipe multiprofissional. Para tal, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com os variados profissionais da equipe nas alas São Francisco e UTI Neopediátrica: 2 médicos, 2 Fisioterapeutas, 2 Enfermeiros, 2 Técnicos de Enfermagem, 2 Nutricionistas e 2 Assistentes Social. Os eixos de investigação foram: (1) atribuições do psicólogo hospitalar; (2) importância do psicólogo em uma equipe multiprofissional e (3) interação da equipe multiprofissional. Para a análise de dados, utilizou-se a análise de conteúdo, segundo Bardin. O estudo mostrou que as equipes consideram o trabalho do psicólogo fundamental para o entendimento do processo saúde-doença, bem como para o pacientes e seus familiares.

Palavras-chave: Psicologia, Saúde, Pacientes internados, Equipe de assistência ao paciente.


ABSTRACT

This article is the result of a research conducted at the Hospital Santa Cruz which aimed to investigate how health professionals understand the performance and functions of the psychologist in the hospital, as well as to learn about the role and importance of this professional in the composition of the multidisciplinary team. For this porpose, semistructured interviews were conducted with various professionals in the team of San Francisco wing and Neopediatric ICU: 2 Doctors, 2 Physiotherapists, 2 Nurses, 2 Nursing Technicians, 2 Nutritionists and Social Workers 2. The axes of research were: (1) hospital psychologist assignments; (2) the importance of the psychologist in a multi-professional team and (3) multidisciplinary team interaction. For data analysis, content analysis, according to Bardin was used. The study showed that teams consider the work of the psychologist is fundamental to the understanding of the health-disease process, as well as to the patients and their families.

Keywords: Psychology, Health, Patients admitted, Patient care team.


 

 

Introdução

Embora este promissor campo de atuação do psicólogo em hospitais tenha crescido a partir dos anos 1990, ainda são poucas as pesquisas que discutem o papel do psicólogo e a relação com as equipes multidisciplinares. O psicólogo, enquanto membro da equipe de saúde da instituição hospitalar atua como mediador do vínculo entre paciente e demais profissionais que executam os procedimentos técnicos. Todavia, em prol do bem-estar dos pacientes, é necessária a integração dos membros da equipe, através do diálogo e da troca informações. É importante estar atento as demandas do paciente para que se defina o profissional de referência para o atendimento.

Uma vez que o paciente depende da interação e comunicação dos membros da equipe, também é atravessado por diversos procedimentos técnicos que visam seu bem-estar biopsicosocial, sendo que tais práticas são de extrema importância para que se obtenha boa evolução do quadro clínico, objetivando proporcionar um ambiente saudável para a recuperação da enfermidade.

O artigo é resultado da pesquisa realizada a partir do estágio Integrado em Psicologia, realizado pela primeira autora, sob supervisão das demais autoras. A pesquisa objetivou investigar a compreensão dos profissionais da equipe de saúde sobre a atuação do psicólogo na instituição, a partir da inserção e vivência no local de estágio buscou-se investigar o que a equipe considera atribuição da psicologia e conhecer a importância deste profissional na composição da equipe multiprofissional. Contudo, este estudo também passou a ser de caráter interventivo na instituição observando algumas práticas a serem repensadas pela equipe.

 

Sobre o psicólogo hospitalar

O ambiente hospitalar é um contexto que coloca em ambivalência os sentimentos de “vida e morte, cura e sofrimento, qualidade de vida plena e limitada, alegria e tristeza” (Baptista & Dias, 2003, p. 56), de modo que expõe o paciente e a família ao sofrimento por encontrarem-se em situação de vulnerabilidade e sofrimento. O paciente fica longe de sua rotina doméstica e do círculo social ao qual convivia, muitas vezes colocando em risco sua resposta e evolução ao tratamento.

A psicologia tem papel importante em todas as áreas da vida humana, seja no trabalho, na família, nas relações sociais e principalmente em relação a saúde. De acordo com Campos (1995), o psicólogo como profissional em promoção de saúde, “atua tanto na prevenção como no tratamento” (p.62).

A atuação do Psicólogo em hospitais visa o atendimento a pacientes em situações de vulnerabilidade frente a complicações de saúde. Conforme a autora citada anteriormente este profissional de saúde abrange o indivíduo, a área social e de saúde pública “buscando sempre o bem-estar individual e social” (p.14), integrando as informações de toda a equipe profissional que está em cuidado do paciente.

Toda a equipe de saúde acaba por ouvir as angústias e medos do paciente, porém é o psicólogo que tem o olhar e atenção na escuta, desfazendo-se apenas da preocupação com o quadro orgânico. A Psicologia Hospitalar, para Angermani- Camon (1996), “é o renovar da esperança de que a dor seja entendida de uma forma mais humana”, de modo que se aprenda a escutar os sentimentos trazidos frente às situações de dor física e sofrimento, da família que sofre junto ao paciente, aos profissionais que se envolvem com a dor e também sofrem por conta desse envolvimento. Sendo assim, o autor diz que “a Psicologia Hospitalar passa a ocupar um lugar na instituição hospitalar de decisão, sendo parte do tratamento instituído e oferecido ao paciente” (p.25).

O psicólogo precisa fazer uma avaliação geral das condições emocionais do paciente, saber de quem foi a solicitação de atendimento, motivo da internação, sentimentos do paciente em relação a doença e a internação, saber a rotina diária antes da internação para compreender as reações emocionais e o modo de enfrentamento da doença.

O indivíduo em condições de internação hospitalar está debilitado por estado de saúde de quadro orgânico, e em conjunto as questões clínicas desencadeiam a ansiedade, a angústia, traços depressivos momentâneos e diversas dúvidas sobre a patologia que o paciente desenvolveu. Além dos sintomas clínicos, emergem os sintomas psicológicos. Uma das causas da angústia é o entendimento do desenvolvimento da patologia, dos sintomas, possíveis seqüelas, medicação, tratamento, da vida após a alta hospitalar. O paciente precisa de atenção da equipe médica, da equipe de enfermagem, e de intervenção psicológica. É necessário discutir sobre a doença com o paciente para que ele possa entender sobre o efeito que este fato tem representado em sua vida

Junto ao paciente em internação está a família e as relações sociais que este já estabeleceu fora do âmbito hospitalar. A família sofre em algumas situações a mesma angústia que o paciente na busca de informações sobre a doença. É muito importante que a família esteja envolvida e a par da evolução do tratamento. Sendo assim, Campos (1995) diz que o médico deve informar ao paciente e seus familiares sobre a real situação e que “ao psicólogo cabe a tarefa de trabalhar os conteúdos emocionais que emergem, as fantasias, os medos, as dúvidas” (p.41), assim como também assistir os familiares. A autora também fala que dentro do hospital o apoio psicológico existe no sentido de acalmar o estado emocional tanto do paciente quanto dos familiares, “avaliar como a doença está inserida na estrutura psíquica”, como que a família e o paciente entendem as fantasias que criaram e como estão vivendo a situação (p. 78–79).

As informações que os pacientes recebem dos médicos a nível clínico sobre o problema de saúde apresentado nem sempre os deixam tranquilos, na maioria das vezes o paciente precisa de uma escuta, um momento em que possa externalizar seus sentimentos frente a situação atual. Sendo assim, o psicólogo que é membro da equipe multiprofissional do hospital, vai ao encontro do paciente em seu leito oferecendo o apoio que este precisa. É neste momento que ele fala sobre seus medos, sentimentos de culpa, sobre a família; em várias situações observa-se que além do problema de saúde que vem sendo motivo de internação, o paciente apresenta outras queixas que são possíveis de trabalhar com a família durante o período de estadia na unidade hospitalar. Conforme Oliveira e Sommermam (2008) é comum as famílias terem um encontro desorganizado com o membro da família que encontra-se doente, e principalmente se ele for uma “figura significativa e fundamental” (p.121). Nestes casos o psicólogo deve reforçar que este momento especial, a preocupação tem de ser com o paciente e seu tratamento, desfazendo-o de preocupações externas.

Para tanto, as autoras citadas, destacam que o funcionamento da família que estava em equilíbrio e harmonia agora se reorganizará em função da pessoa que está hospitalizada, encarando a readaptação das rotinas domésticas e de visitas frequentes ao hospital. Os sentimentos do paciente irão refletir nos sentimentos dos familiares e a estrutura psíquica desta família é que vai dizer se precisarão de um “terceiro elemento” para ajudar na elaboração dos momentos de adaptação (p. 122).

A família tem função fundamental na recuperação do paciente, seu apoio e acolhimento.

...podem garantir ao paciente a integridade da sua subjetividade, que muitas vezes fica diluída no ambiente profissional e impessoal do hospital, auxiliando-o a fortalecer-se internamente, suportando o afastamento do mundo externo e lidando com situações aversivas e difíceis, como procedimentos, exames e cirurgias (Oliveira & Sommermam, 2008, p.124).

A função de apoio e base para o familiar hospitalizado também gera desgaste físico e emocional, fazendo com que em algumas situações os outros membros cuidadores do doente necessitem de atendimento psicológico.

Quanto a postura do psicólogo, este precisa estar inteirado sobre o funcionamento do hospital, conversar com os profissionais da equipe de saúde sobre os aspectos emocionais e impressões dos familiares do paciente, como também ter informações sobre o quadro clínico (Oliveira & Sommermam, 2008, p.124-125). É fato considerável também em questões de evolução e resposta ao tratamento aquele paciente que acredita na equipe de saúde e tem segurança nos profissionais que estão lhe assistindo.

 

O serviço de Psicologia Clínica no Hospital Santa Cruz: SIAP

O Serviço Integrado de Assistência Psicossocial – SIAP, criado em janeiro de 2011, é um serviço oferecido pelo HSC aos pacientes em internação que necessitem de atendimento psicológico e/ou serviço de assistência social. Neste setor trabalham uma psicóloga e duas estagiárias de psicologia, três assistentes sociais e duas estagiárias de serviço social. Os atendimentos são solicitados pelos médicos, enfermeiros, pacientes e/ou familiares; o suporte é oferecido a toda a área de abrangência do HSC.

Dentre as demandas atendidas pelo serviço é possível mencionar casos de abandono, negligência, violência, maus-tratos, adoção, dependência química, vulnerabilidade social, não aceitação a tratamentos médicos, entre tantos outros.

Como a maioria dos atendimentos clínicos eram realizados junto ao Serviço Social, resolveu-se unir os dois serviços. Desde então as duas áreas trabalham unidas fortalecendo o acolhimento aos pacientes. Sempre que observada a necessidade, os pacientes são encaminhados após a alta hospitalar para a rede socioassistencial do município, como o Programa Bem-Me-Quer, Conselho Tutelar, CAPS, CAPS AD, CAPSIA, Serviço Integrado de Saúde – SIS, COPAME, CEMAS, Defensoria Pública.

Os atendimentos psicológicos são solicitados pelas equipes quando estas percebem que o paciente (e/ou sua família) está fragilizado e necessita de intervenção para amenizar o sofrimento psíquico causado pela hospitalização e pelas possíveis sequelas da doença. Logo, o contexto de atuação é multi e interdisciplinar e o trabalho integrado contribui para melhorar a humanização do atendimento. Os pedidos de atendimento psicológico quase sempre partem dos médicos, enfermagem ou familiares, muito raro do próprio paciente.

 

Metodologia

A amostra teve como sujeitos 2 Médicos, 2 Fisioterapeutas, 2 Enfermeiros, 2 Técnicos de Enfermagem, 2 Nutricionistas e 2 Assistentes Social, totalizando 12 profissionais que desenvolvem suas atividades na Ala São Francisco e UTI Neopediátrica deste hospital. A escolha destas duas unidades foi por estas terem o maior fluxo de internações e, consequentemente, o maior número de solicitações para atendimentos psicológicos.

Os profissionais foram convidados a participar da pesquisa com o critério de escolha pelas unidades em que trabalham, sendo os encontros realizados no Hospital Santa Cruz em horário previamente combinado com os participantes.

Os profissionais responderam a entrevista semi-estruturada, conforme Minayo (2003), e junto a estas relataram sobre suas experiências de trabalho em conjunto ao profissional da Psicologia. As perguntas seguiram os eixos norteadores sobre as (1) atribuições do psicólogo hospitalar; (2) a importância do psicólogo em uma equipe multiprofissional e (3) a interação da equipe multiprofissional.

As entrevistas foram gravadas com o consentimento dos sujeitos e posteriormente transcritas para que fosse possível fazer a análise dos dados e discussão de resultados. A análise do conteúdo foi realizada conforme Bardin (1977), sendo esta uma pesquisa de caráter qualitativo.

O estudo foi realizado após a aprovação do Comitê de Ética da UNISC sob o parecer nº 67613. Logo após os entrevistados receberam o termo de consentimento livre e esclarecido.

Os resultados da pesquisa foram elaborados em categorias, de forma a elucidar as questões mais importantes que surgiram nas falas dos entrevistados.

 

Atribuições e importância do Psicólogo na equipe multidisciplinar

Os entrevistados referem primordialmente as percepções que os profissionais têm sobre as funções da psicologia clínica no hospital. Revelam sobre o que acreditam que o psicólogo desenvolva no leito de cada paciente, bem como suas dúvidas sobre tal prática.

Conforme Waisberg et al. (2008), após tantos anos de atuação do psicólogo no âmbito hospitalar ainda é preciso esclarecer melhor suas ações, funcionamento, benefícios, visando o aprimoramento deste serviço e oferecê-lo com qualidade aos usuários. As autoras falam sobre os encaminhamentos para a rede socioassistencial e os aspectos emocionais que o psicólogo precisa dar conta, assim como sobre prevenção e promoção de saúde, preparando o paciente para intervenções cirúrgicas, adesão a tratamentos e por vezes a relação do paciente e seus familiares com a equipe.

É comum a equipe multiprofissional entender o psicólogo como tradutor do médico-paciente-família e enfermeiro-paciente-família. Também entendem que a psicologia atua no sentido de minimizar atritos entre a equipe e o paciente, e com os pacientes mais “deprimidos”. E isto, conforme as autoras citadas, reforça a ideia de que o psicólogo entende das questões subjetivas, o médico das questões orgânicas e o enfermeiro das questões técnicas. Isso distorce a realidade, pois é preciso a implicação dos profissionais em ver o paciente de forma sistêmica. É possível observar na fala: ...Não sei te dizer muito o que é conversado dentro do quarto, na maioria das vezes a gente não acompanha, né? Acredito que seja mais uma conversa, tentar um entendimento, como se diz... minimizar o atrito (entrevistado 11).

Também é papel do psicólogo entender que além do sofrimento emocional, existe o sofrimento orgânico que por diversas vezes é o desencadeador do sofrimento psíquico do paciente internado, porém outras vezes, é ao contrário. O enfermeiro, o fisioterapeuta, o médico... É importante toda a equipe perceber o quanto de sofrimento emocional passa a existir durante o processo de internação, pois mesmo sendo função exclusiva do psicólogo trabalhar estas questões, elas são fundamentais para a evolução do quadro orgânico.

Algumas reflexões de Simonetti (2008) acerca da atuação do psicólogo no leito do paciente formulam a seguinte pergunta: “quando o psicólogo entra no quarto do paciente, o que ele faz?” (p.23). A discussão do autor destaca que os outros profissionais examinam os sintomas no corpo, administram remédios, cuidados de higiene, e o psicólogo faz o quê se não há nada para “tocar”? Seu campo de trabalho são as palavras. Não é incomum ouvir na instituição hospitalar que o psicólogo “só conversa”, mas refletindo sobre isso observa-se que apenas o psicólogo na equipe está preparado para isso, sua conversa é muito além de uma simples “conversa”, é a porta de entrada para a (re) descoberta de sintomas e/ou significados que o paciente desconhecia. E por vezes apenas o psicólogo está interessado no que o paciente tem a dizer. Na fala do entrevistado 3 observa-se que este profissional entendo o psicólogo neste contexto como alguém que converse com o paciente: Conversar, tentar entender o que o paciente tá sentindo né? Fazer encaminhamentos quem sabe quando sair daqui pra algum lugar, que precise ter.

 

Situações de Intervenção da Psicologia

O diagnóstico para o psicólogo hospitalar é conhecer a situação existencial e subjetiva da pessoa enferma e sua relação com a doença, enquanto que para o médico o diagnóstico é dado conforme os sintomas. Sendo assim, o psicólogo faz uma descrição do contexto encontrado durante o atendimento, do sofrimento que a doença tem desencadeado no paciente e sua família. O paciente revela ao Psicólogo muitas informações: “queixas, relatos, problemas, sintomas, emoções, atuações, defesas, sua história de vida, seus projetos, desesperanças, dores físicas e psíquicas, etc.” (p. 33). É a partir destes relatos que o psicólogo irá decidir como trabalhar com este paciente (Simonetti, 2008).

Diante da fala dos entrevistados, observa-se em quais situações a equipe multidisciplinar entende que seja necessária a intervenção do Psicólogo enquanto membro da equipe, cada profissional direciona o processo de escuta para um tipo de diagnóstico: ...Casos que o paciente não tem adesão ao tratamento, pessoas mais revoltadas assim... caso também de óbito, né? E aí tem que dar a notícia pro familiar, tá dando aquele apoio, aquele suporte, né, pro familiar e muitas vezes pro paciente mesmo, né? (entrevistado 6).

Acho que aos familiares de pacientes que estão em ambiente de UTI, tanto neopediátrica quanto adulto, também transtornos de ansiedade, pacientes depressivos, questões também de não aderência ao tratamento... (entrevistado 4).

O psicólogo pode encontrar então, um paciente que não está disposto a falar, uma vez que não foi ele quem o chamou. Este desafio precisa contar com uma boa estratégia de envolvimento com o paciente, buscando junto a ele entender os motivos que levaram as pessoas a solicitarem sua intervenção. O psicólogo pode explicar como funciona este atendimento e deixar com que o paciente escolha se quer continuar em acompanhamento ou não (Simonetti, 2008). Sendo então, muito importante a intervenção psicológica e se esta foi solicitada pela equipe do hospital, é possível pedir que este colega inicie junto ao psicólogo o primeiro contato. A equipe entende que o atendimento poderia ser além das solicitações, vejamos nesta fala: Na verdade eu acredito que todos pacientes deveriam de ter assim, porquê é um baque, né, tu descobrir que tá com uma doença, descobrir que vai necessitar de uma cirurgia se isso vai assim ou não ser benéfico, então nesses casos assim claro tem pacientes aqui também com transtornos psicológicos, né, transtornos de... Então, nesses é indiscutível, né?... Mas nos outros eu também acredito assim que tenha que ter até pelo tempo de internação, assim... eu pra mim, seriam todos (entrevistado 2).

 

Equipe Multiprofissional

A formação dos profissionais em saúde deve compreender o paciente em sua cultura, sistema e relação. Ceccim (2011) refere que a atenção tem que compreender o processo de organização da vida do sujeito, que não se pode fazer só a técnica, surgindo aqui o conceito de integralidade como a articulação das ações e serviços de saúde. O autor ainda destaca a psicologia no trabalho em equipes de saúde e que esta profissão não se destina somente ao atendimento individual, mas compõe o campo dos saberes interdisciplinares.

Os profissionais entendem que é fundamental um trabalho em equipe, sendo fundamental para propiciar um melhor entendimento do quadro do paciente, bem como para a promoção de saúde e bem-estar do mesmo: ...Todos os cursos da área da saúde têm a sua importância, todos tem a mesma importância cada um na sua particularidade, não é à toa que todos falam em interdisciplinariedade, multidisciplinariedade (entrevistado 10).

...Num trabalho multidisciplinar com a nutricionista e a psicóloga a gente consegue atingir os nossos objetivos... Eu não sei trabalhar sozinha... E a gente pode trabalhar muito bem em conjunto, mas um respeitando a área do outro (entrevistado 5).

...A gente se sente muito mais seguro quando a Psicologia tá perto (entrevistado 8).

O psicólogo hospitalar contribui no processo de humanização dos pacientes internados, assim como no processo de evolução do quadro clínico e emocional, verificando suas condições e de seus familiares. Enquanto membro da equipe de saúde desta instituição, também faz parte de seu papel mediar o vínculo entre paciente e demais profissionais que executam os procedimentos técnicos, porém é preciso tomar cuidado neste lugar para não posicionar-se a favor de alguém, pois seu objetivo é entender os processos psíquicos e sociais dos pacientes. O psicólogo está em constante desafio e aprendizado fazendo parte desta equipe, ele deve ser respeitado dentro da equipe e sua presença tem de ser solicitada adequadamente e sua opinião considerada (Waisberg, et al. 2008).

Contudo, os autores nos dizem que:

Há necessidade de se adotar protocolos de atendimento, e manter o diálogo com a equipe, através de discussões de casos, através de evoluções de prontuário com dados relevantes e pertinentes para os profissionais da equipe de saúde sem psicologismos.

Pode-se considerar que um relacionamento entre profissionais satisfatório origina-se da efetiva colocação dos profissionais dentro da rotina da instituição hospitalar, de forma a garantir seu espaço e assim fazer parte efetivamente desta equipe interdisciplinar de forma plena, sem a sensação de estar incomodando, de não ter um lugar para si ou função e ainda nenhuma contribuição a oferecer (Waisberg, et al. 2008, p. 63

Cada profissional deve impor-se sobre suas atribuições e responsabilidades para com os pacientes, mas nenhum saber pode sobressair-se ao outro e desintegrar o paciente em partes.

O trabalho em equipe na saúde ocorre com vários profissionais de diversas formações na área da saúde, cada especialidade compõe o campo de saber que visa o bem-estar biopsicossocial dos sujeitos. Cada equipe elege, empiricamente, o profissional “mais importante!”. Um estudo realizado recentemente por Bonaldi et al. (2007), demonstra na fala de diversos profissionais questões de hierarquização que ainda são presentes e acabam por atrapalhar a articulação entre os membros da equipe. Diversas vezes a prática de um profissional torna invisível a prática do outro e faz com que apareça na equipe apenas os diferentes especialistas de uma mesma categoria, como por exemplo, da classe médica.

O sentimento de que os diferentes trabalhadores são fundamentais para a realização dos serviços reforça a noção de pertencimento a equipe de saúde, produzindo uma outra forma de comprometimento que rompe as fronteiras de seu saber específico ou de um campo de atuação definido (Bonaldi, et al., p.61).

Quanto à inserção do psicólogo na equipe, este deve não apenas incluir-se

...mas sim fixar-se, afirmar-se, interagir. Há, nessa medida, urgente necessidade de delimitação e readequação das ações do psicólogo, bem como de estabelecimento de novos fluxos de comunicação. O ambiente hospitalar interfere no desempenho técnico e na definição da tarefa psicológica (Chiattone, 2000, p.97).

O psicólogo precisa adaptar-se ao contexto hospitalar, sendo este diferente do consultório particular e logo a prática exige também uma adequação de abordagem a ser executada, pois o contexto em que se encontra um paciente em internação hospitalar difere do perfil do paciente de consultório ou clínica de psicologia.

Algumas queixas de psicólogos que atuam em hospitais são discutidas no estudo feito por Tonetto e Gomes (2007, p. 90), que muitas “observações clínicas não são prontamente aceitas pelas equipes”. Essas dificuldades geram discussões sobre o modo de inserção do psicólogo em equipes multidisciplinares, e ainda trazem à tona as questões hierárquicas dentro do hospital e a sobreposição de saberes.

Conforme Fossi e Guareschi (2004) a formação da equipe é centrada na pessoa doente que necessita de cuidados, a demanda do paciente é que determinará como vai ocorrer a integração e funcionamento da equipe proporcionando seu bem-estar.

 

Informações sobre o atendimento Psicológico ao paciente

O documento que agrega todas as informações sobre a história de doenças do paciente é o prontuário. Neste, consta todas as informações clínicas e prescrições médicas, os procedimentos técnicos da enfermagem e o material utilizado em cada paciente, a evolução dos atendimentos da psicologia e do serviço social. Os dados lançados no prontuário eletrônico ficam à disposição para o acesso da equipe, onde os profissionais sabem sobre os atendimentos realizados, intercorrências, medicações, diagnósticos e prognósticos do paciente. É o instrumento de comunicação entre os membros da equipe: Eu acho que a comunicação é uma das partes mais importantes, né? Não adianta a gente só solicitar se depois tu não vai conseguir ver a resolutividade disso (entrevistado 8).

O Conselho Federal de Medicina do Distrito Federal (CRM – DF, 2006), diz que o prontuário precisa estar organizado para oferecer seus serviços ao paciente e aos profissionais do hospital envolvidos em seus cuidados, assim como para a administração do hospital.

Serve como instrumento de consulta, avaliações, ensino, pesquisa, auditoria, estatística médico-hospitalar, sindicâncias, prova de que o doente foi ou está sendo tratado convenientemente, investigação epidemiológica, processos éticos e legais, comunicação entre os profissionais de assistência ao paciente, defesa e acusação (p. 11).

Em várias situações os profissionais revelam que não buscam informações clínicas dos pacientes nos prontuários: Busco pessoalmente, eu não leio, deveria ler, mas não leio. Ou pergunto para as Enfermeiras, se a Psicóloga veio... (entrevistado 7). Uma vez que a equipe de enfermagem vem a ser a que tem mais contato com o paciente, os outros profissionais muitas vezes acabam por não ler o prontuário e questionam os colegas sobre os atendimentos que foram realizados o que foi trabalhado com o paciente e/ou familiar. Outra forma de acesso, segundo os profissionais entrevistados, é diretamente a psicologia: Então eu sabia quando ela vinha, ela vinha direto ali, eu falava com ela (entrevistado 3).

 

Considerações Finais

Foi possível compreender o que a equipe multiprofissional entende sobre o papel da psicologia no hospital, assim como esclarecer algumas questões que surgiram durante as entrevistas e verificar como os profissionais se reportam a este serviço na instituição. No acesso aos profissionais, foi possível observar que a equipe está em constante transformação, modificando-se, disposta a receber novos instrumentos que possam aprimorar o ambiente de trabalho e principalmente visando o bem-estar dos pacientes e seus familiares.

Também se pode identificar na fala dos entrevistados, algumas questões a serem esclarecidas sobre o processo de acesso e solicitação dos atendimentos da psicologia neste hospital, sendo que nos momentos das entrevistas em que foram relatadas sobre estes entraves na execução do processo de trabalho, buscou-se uma intervenção de forma a clarificar algumas dúvidas dos profissionais.

Esta pesquisa veio de encontro à prática no campo de estágio, onde foi possível elucidar o que a psicologia representa neste local de ensino, assim como as outras profissões que atuam neste hospital. Sugere-se que se desenvolva outros estudos nesta área de abrangência do Hospital Santa Cruz, uma vez que ainda há muitas questões referentes a Psicologia Clínica a serem exploradas.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Shirlei de Vargas Saldanha
E-mail: shirleisaldanha@yahoo.com.br

 

 

* Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), Email: shirleisaldanha@yahoo.com.br