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Revista da SBPH

Print version ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.16 no.2 Rio de Janeiro Dec. 2013

 

ARTIGOS

 

O paciente oncológico e suas relações de encontro

 

Patients with cancer and their encounter relationships

 

 

Adriane Garcia Salik*

Instituto de Oncologia do Paraná

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Os procedimentos para o tratamento do câncer habitualmente se realizam em centros de atendimento coletivo, onde há uma movimentação de considerável no número de pacientes. Quando o paciente oncológico chega nestes serviços, depara-se com as histórias e com a visão de outros pacientes adoecidos. Este artigo teve por objetivo discutir o impacto emocional evocado no encontro entre pacientes no processo inicial de tratamento quimioterápico para levantar e discutir os fatores mais citados pelos pacientes e compará-los aos já reconhecidos na literatura. Como método, utilizou-se um conjunto de vinhetas clínicas que retratam as repercussões narradas pelos pacientes ao encontrar outros pacientes adoecidos. Destacou-se que o encontro com o outro paciente pode gerar angústias, medos, desesperança, mecanismos de defensivos e identificação, esta última podendo ocasionar em generalizações e privá-lo da própria experiência. Em contrapartida, os sentimentos de identificação podem auxiliá-lo também no enfrentamento. Por fim, o encontro informal de pacientes tende a corroborar com o encontro também com a própria condição de doente que, através da intervenção psicológica, desenvolve a elaboração do próprio adoecimento no paciente.

Palavras-chave: Paciente Oncológico, Relações de encontro, Psicologia analítica.


ABSTRACT

Cancer treatment usually occurs in oncological centers, where there is a considerable influx of patients. Thus, when a patient arrives in one of these centers for treatment, she or he will interact to the stories and appearance of sick patients in gathering areas. The present study aimed to discuss the emotional impact resulted in patients in the beginning of chemotherapy treatment after his encounter with other long-term patients and compare them with literature. Therefore, methodology used was based on clinical narrative to raise and discuss most evident and recurrent psychological factors mentioned during clinical counseling. The most psychological factors raised were distress, fear, despair, defensive mechanisms, and identification. The last one may occasionally cause him generalizations and deprive him from coping. Concluding, the informal meeting of oncological patients trends to corroborate the meeting between patient and itself during sickness, which throughout psychological intervention, develops the patience own coping.

Keywords: Cancer patients, Relations meeting, Analytical psychology.


 

 

Introdução

O paciente que recebe um diagnóstico de câncer não apenas adentra a um eixo diagnóstico, pelos sintomas e prognósticos estatísticos, mas entra para um grupo, pois toda doença representa também um grupo. Grupos estes que a partir de suas experiências e tratamentos resultaram em protocolos de tratamentos que podem ter possibilitado a cura, controle da doença, recidiva ou morte de pacientes. Fazer parte de um grupo diagnóstico, portanto, torna o paciente conectado impreterivelmente às inúmeras pessoas que já passaram pela doença e estes tratamentos.

Os procedimentos para o tratamento do câncer ocorrem em centros de atendimento oncológico, nos quais existe considerável movimentação de pacientes. Quando o paciente oncológico chega nestes serviços, traz consigo expectativas e fantasias a respeito dos doentes ali tratados, depara-se com as histórias contadas por pessoas na sala de espera, ou apenas pela visão deste outro adoecido. No decorrer do processo de tratamento tais fantasias, imagens e receios vão sendo desmistificados, na medida em que o paciente vai estabelecendo contato com outros pacientes.

Estes encontros informais entre os pacientes tem sido pouco discutidos na literatura, apesar de uma ampla gama de estudos que se voltam para a perspectiva de grupos para pacientes com câncer, como em (Yalom & Leszcz, 2006); (Gomes & et al, 2008); (Osório, 2007); (Kaplan & Sadock, 1996); (Bottomley, 1997). Contudo, a partir da experiência de escuta em psicologia clínica, alguns destes pacientes relatam sobre o que ouviram, sentiram e viram sobre os outros pacientes. Por meio da recorrência dos conteúdos que envolvem o paciente com o encontro com os outros doentes que este artigo tem como objetivo discutir o impacto emocional evocado no encontro entre pacientes no processo de tratamento quimioterápico.

Este artigo trata-se de um relato de experiência profissional, de escuta clínica em atendimento psicológico, numa instituição de tratamento quimioterápico no sul do Brasil. Como método utilizou-se o recurso de vinhetas clínicas que retratam as repercussões narradas pelos pacientes ao encontrar outros pacientes adoecidos, para discutir os fatores que são mais citados pelos pacientes e compará-los com os já reconhecidos na literatura. Para a discussão dos dados realizou-se uma pesquisa bibliográfica em bases de dados (Scielo, Bireme, BVS-Psi, Wiley Library) e livros relacionados à temática oncológica e também da perspectiva teórica da Psicologia Analítica de C.G. Jung e Pós-Junguianos.

 

Adoecer: O Paciente na Relação com sua Doença

O relacionamento do paciente com a sua doença nem sempre ocorre de modo imediato, é um encontro que vai se estabelecendo no decorrer da sua trajetória de cuidados com a sua saúde, o paciente passa pelos estágios de: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação, descritos sobre o enfrentamento frente à terminalidade por Klüber-Ross (1996), também pode ser considerado quando o paciente recebe a notícia de câncer no momento do diagnóstico médico.

A relação do doente com a doença vai sendo estabelecida através da observação dos sintomas, pois são geralmente eles que levam o paciente à busca do médico. Antes mesmo de chegar ao atendimento médico, o paciente já traz alguma relação com seu corpo. Certa vez um paciente relatou que procurou ajuda médica porque se olhou no espelho e percebeu que estava com uma expressão diferente, achou que poderia ser o sinal de uma doença, como Moore (1993) enfatiza, que “toda pessoa possui “mapas cognitivos” do seu corpo, cada qual tem a própria imaginação sobre sua aparência interior e sobre o que está acontecendo naquele momento” (p.150).

A relação que cada pessoa estabelece com sua doença explicita a própria dinâmica psíquica, pois ao relacionar-se com a doença é uma forma de deflagrar formas de ser do indivíduo propriamente sua personalidade. Estes modos, como o sujeito pode reagir ao ser acometido pela doença segundo Wenth (2008) são:

Nosso adoecer é matizado pela fantasia arquetípica da qual vivemos a doença: podemos nos sentir ser a vítima de alguém que nos “deixou doentes” ou uma vítima da vida. Heroicamente podemos enfrentar todo o tratamento necessário; fazemos “manha” e queremos cuidado qual uma criança; fingimos que nada está nos acontecendo, pois aos modos de um deus “não posso ficar doente”. (p. 156)

Quando o paciente descobre a doença através de exames de rotina, também se faz notável o cuidado e relação que estabelece com seu próprio corpo. No entanto, existem pacientes que, por exemplo, possuem uma expectativa mágica que só de realizar o exame da mamografia ou qualquer outro exame de rotina, está liberto do câncer, pois é como se magicamente estes exames pudessem evitar a doença. Uma paciente trouxe sua indignação perante os exames que não haviam detectado a doença. Disse: “Mas eu realizei o exame no mesmo mês que sempre faço, como que desta vez apareceu isto?”. Estas reações podem estar evidenciando o modo como o paciente se relacionou com seu corpo e com sua vida até então, sobre isso Sardello (1991) enfatiza que a doença traz a imagem de como vivemos nossa vida.

No início do tratamento quimioterápico os pacientes relatam medos e fantasias pelo estereótipo que virá a apresentar ao mundo, como o rosto que fica arredondado, a ausência dos cabelos e a expressão de doente. Há pacientes que consideram que “o pior desta doença é todo mundo ficar sabendo qual é a sua doença”. A partir dessa ideia pode-se verificar um paradoxo do câncer e tratamento: a doença silenciosa que é escancarada para o mundo pelo tratamento, grita ao mundo e deflagra o sujeito.

A visibilidade da doença toca nos pacientes a ferida da culpa, todos irão saber que o paciente fez algo para adoecer, ou que deixou de fazer, e ele será objeto de múltiplas projeções sobre o estigma do câncer, dos quais ouve dicas e métodos milagrosos para curar-se, pois todos sabem como evitar o câncer, só o sujeito adoecido que não. Kreinheder (1993) afirma que “A maioria das pessoas já se sentem bastante inferiorizadas e culpadas só por estarem doentes.” (p.56), e estas falas acima descritas parecem reforçar este estado de inferioridade que pode acometer o paciente.

Contudo o sentimento de inferioridade localizado numa imagem orgânica essencial, ou seja na imagem da própria doença, guia e guarda o crescimento real da vida psíquica individual, como afirma Hillman (2011). Quando o psicoterapeuta trabalha o modo como o paciente vive esta inferioridade orgânica, pode auxiliá-lo a manter contato com a própria psique, pois existe um valor nos sintomas corporais. O autor segue dizendo que “crescemos e vivemos nossos pontos fracos. Qualquer fantasia de cura que perca de vista este sentido de inferioridade orgânica, a localização particular numa imagem corporal, também perde o próprio sentido de alma.” (p. 22).

Entretanto, Moore (1993) alerta o psicoterapeuta quanto à necessidade de se prestar mais atenção aos múltiplos significados que a doença pode ter ao paciente e ampliar o significado unívoco que os diagnósticos aplicam no paciente. Quando o paciente torna-se este expectador, perde a oportunidade de reencontrar sua imaginação para a própria vida, pois a doença parece apontar para os modos de vida do paciente.

Existem pacientes que possuem uma completa desvinculação com o próprio corpo, como se considerassem seu corpo apenas um aparato para se viver, compreendendo que sua relação com o mesmo é quase inexistente. Como por exemplo, uma pessoa referiu que “fazia anos que estava com o seio esquerdo inchado, estava cada vez maior, mas não tinha tempo para consultar o médico, quando vi tinha se passado um ano e só então procurei o ginecologista”. Nestes casos a relação do paciente com seu corpo é bastante precária, sendo notável a dificuldade em perceber o que é que está acontecendo consigo, demoram a reconhecer o sintoma ou a dar valor ao mesmo, gerando um provável postergar no seu processo de tratamento.

Num estudo sobre o postergar, Holland (1990) citada por Silva (2000) diz que diversas variáveis podem estar envolvidas no postergar o tratamento, como: aspectos sóciodemográficos que podem limitar o acesso dos pacientes ao sistema de saúde, um desconhecimento dos sintomas do câncer, bem como a associação do câncer a um medo excessivo, atitudes de fatalismo e de culpa. Dificuldades emocionais pré-existentes ou desordens psiquiátricas. Bem como a tendência de negar ou reprimir informações inquietantes. A rejeição do papel de ser um dependente, com reforço num sentimento de confiança da integridade pessoal, também se mostra uma variável envolvida no postergar.

 

A Doença nas Relações Familiares do Paciente

Quando um membro da família adoece, ocorrem modificações nos modos de relacionamento com o ente. Algumas famílias podem cristalizar o paciente nos seus próprios estigmas e pré-conceitos em relação ao câncer, como afirmou Silva (2000) “uma variável que interfere no lidar com a doença concerne às crenças que o próprio indivíduo e sua família têm sobre a doença em si”. (Silva, 2000, p. 58), assim como outras, podem habilmente fornecer apoio e conforto. Entretanto, para cada paciente tais reações provocam um arsenal de complexidades que têm de se deparar.

Devido aos efeitos colaterais da quimioterapia, conforme Malzyner (2013) como náuseas e vômitos, mucosites, alopecia, diarréia e/ou constirpação, fadiga, dores, os pacientes referem-se despidos de sua autonomia, a ponto de se sentirem na encruzilhada entre tomar suas próprias decisões ou sucumbir aos desejos ansiosos dos familiares. As relações familiares ficam tingidas de emoções conflituosas e em oposição, como num caso que um paciente falou: “minha esposa está tão desesperada que fica a cada cinco minutos me trazendo comida para que eu me recupere, é difícil não aceitar, mas aceitar não significa que eu vá ficar bom”.

Rolland (1991) citado por Silva (2000) enfatiza a importância dada à doença pelos pacientes e seus familiares, assim como as atitudes por eles tomadas nas circunstâncias vividas no tratamento, sendo estas determinantes na seleção de estratégias individuais para lidar com a enfermidade.

Contudo, uma das situações mais citadas pelos pacientes é o compadecimento dos familiares e com isso sente medo de ser objeto de pena dos entes. A pena funcionando como símbolo de impotência, denotando o perigo de o paciente sucumbir ao olhar do outro. Quando alguém sente pena, o paciente parece torna-se diluído, decomposto da própria vontade e responsabilidade. Uma paciente, ao falar sobre o olhar dos familiares sobre a sua condição colocou: “Não gosto quando parentes ficam ligando e perguntando como tenho passado, se estou comendo ou se me sinto mal, parece que estou numa condição pior que qualquer pessoa, quero ser tratada igual a qualquer pessoa”. Ser receptor da pena do outro, aparenta ativar um sentimento de incapacidade de gerar a própria vida e enfrentá-la por si mesmo.

 

Encontro: Os Outros Pacientes

Quando o sujeito adoece passa de um indivíduo com uma vida comum, para se tornar “um deles”, muitos pacientes já referiram que ao ver pessoas na rua com lenços e campanhas publicitárias jamais imaginou que poderia ter uma doença como essa, quer dizer, neste jogo relacional é sempre o outro que pode vir a adoecer.

O câncer é o mais temido do que as doenças cardíacas, embora seja mais provável uma pessoa que sofreu de trombose coronária morrer dentro de poucos anos do que uma pessoa que já teve câncer morrer de câncer. Um colapso cardíaco é um acontecimento, mas não dá à pessoa uma nova identidade, transformando o paciente em “um deles”. (Sontag, 1989/2007, p.46).

Nesta dinâmica, o paciente que recebe o diagnóstico de câncer acaba por receber também uma sentença de solidão e isolamento, afinal apenas “ele” adoeceu. A doença isola o indivíduo de sua vida anterior, seus hábitos e rotinas, mas, além disso, o afasta da identificação anterior com seu grupo (seja trabalho, lazer ou família) e coloca-o diretamente num outro grupo: o oncológico.

O paciente irá encontrar no decorrer de seu tratamento inúmeras pessoas que vivem nas diversas circunstâncias de adoecimento. Nestes encontros ocasionais ocorrem trocas de experiências, informações sobre o tratamento, dificuldades inerentes ao processo vivido e geram no paciente algum tipo de impacto emocional.

Os pacientes falam que lhes chamam a atenção nos outros pacientes com estes encontros: as modificações da alopecia, mudanças no peso, como também a exposição visual dos tumores e os odores. Assim como, nas conversas durante a aplicação de quimioterapia sobre: o número de sessões, metástases, histórias pessoais de perdas de autonomia, abandono de familiares entre outras repercussões sobre o que um tratamento de quimioterapia envolve.

Uma paciente que teve a primeira quimioterapia marcada num hospital de referência do tratamento do câncer, disse que ao entrar naquela sala de espera lhe deu uma sensação de agonia, de ver tanta gente sofrendo, coitados destes doentes de câncer (sic). Este encontro com os outros pacientes denota uma problemática: qual o significado simbólico do encontro com este outro adoecido, será que o paciente que ele vê nos outros pode estar retratando suas defesas e dinâmicas intrapsíquicas sobre seu adoecimento?

Este encontro com o outro pode constelar emoções relacionadas à doença, ao tratamento e às situações até então inconscientes para o paciente. Por exemplo, um paciente que negava sua doença, relatou a irritação e dificuldade em ouvir as histórias contadas pelas pessoas durante a aplicação da quimioterapia. Outro paciente disse: “não sou como eles, não me sinto doente”.

Nestes relatos é possível observar que no seu modo de ouvir e olhar os “outros” doentes o paciente deflagra o seu próprio manejo emocional com sua situação intrapsíquica vivida, pois o não se sentir incluído pode evidenciar a própria exclusão da doença em si mesmo. A doença no outro evoca a própria condição de doente, abrindo brechas para a reflexão e para que o sujeito se depare com as transformações que serão inevitáveis.

O encontro com outro ser humano, que também tinha uma vida com suas rotinas e peculiaridades, que também adoeceu assim como ele, quer dizer, neste encontro pode surgir o sentimento de ligação e identificação com a própria condição.

Quando o paciente consegue elaborar que existem outras pessoas vivendo a sua situação de modo similar parece constelar-se um sentimento de comunidade, no sentido de pertencimento, Jung (1976/2011) afirmou que “a comunidade pode conferir ao indivíduo coragem, decisão e dignidade que ele perderia facilmente no isolamento” (p.131). A exemplo disso uma paciente relatou a ocasião que estava na igreja e inesperadamente algumas pessoas vieram ao seu encontro e travaram uma conversa longa e satisfatória, conseguiu perceber que outras pessoas tem algo em comum a ela, sentiu-se menos só no processo que estava vivendo e referiu ter mais ânimo para enfrentar outras etapas do seu tratamento que estavam por vir.

Alguns pacientes referem o pavor que sentiram ao ouvir as histórias de outros pacientes, de que há possibilidades de recidiva da doença, apesar dos esforços contrários. Quando o paciente se depara com a desesperança dessas outras vivências, angustia-se sobre sua condição, fica minuciosamente atento a todos os sintomas e efeitos adversos do tratamento, ele parece precisar encontrar uma segurança de que vença e ganhe a batalha contra o câncer.

O encontro entre os pacientes durante o tratamento, portanto, pode evocar uma desordem de interpretação dos fatos, de que a doença precisa ser monitorada de maneira obsessiva e o paciente mesmo em tratamento precisa ouvir os sinais do corpo, pois qualquer sinal pode ser inevitavelmente a progressão da doença. Muitos pacientes relatam no processo analítico sobre o pânico de que a doença volte. Ele pensa que se em outros pacientes aconteceu, pode ocorrer consigo também.

Os encontros com outros pacientes podem evocar também sentimentos de angústia e medo, pois o contato com vivências mais difíceis podem contagiar o paciente que está suscetível pela sua situação de tratamento. Sobre as vicissitudes dos grupos humanos Jung (1976/2011) refere que:

Em um grupo maior de pessoas ligadas e identificadas entre si por um estado de ânimo peculiar, cria-se uma vivência de transformação que tem apenas uma vaga semelhança com uma transformação individual. É um fato que, quando muitas pessoas se reúnem para partilhar uma emoção comum, emerge uma alma conjunta que fica abaixo do nível da consciência de cada um. (p.128)

O psicoterapeuta, portanto, precisa estar atento às fantasias evocadas no paciente sobre a doença dos outros, pois pode se tornar vulnerável ao diluir-se na totalidade do grupo podendo privar-se da própria experiência. Jung (2011) sobre contagio de emoções diz que “grupos, comunidades e até mesmo povos inteiros podem ser tomados por epidemias psíquicas”. (p.272). Ou seja, no processo psicoterapêutico é necessário trabalhar as diferenças subjacentes a cada adoecimento, além de uma ampliação da consciência de si mesmo, pois há sempre o perigo que o paciente apenas se veja pelo outro

De qualquer forma é através do encontro com este outro que se pode realizar a introspecção, olhar e escutar o outro pode evocar um refletir sobre a própria vida. Uma paciente relatou: “antes de olhar e ver todas aquelas pessoas se tratando, pensava no por que eu tinha adoecido, agora penso que não sou única nem a última pessoa a ter esta doença”.

Para os pacientes que vivem uma doença oncológica denota-se a importância que para o paciente é estar em relação, encontrar outras maneiras de ver o próprio processo, pois quando o indivíduo não consegue identificar-se com um grupo pode sentir-se fora de sua própria humanidade. Benioff & Vinogradov (1993) expõe que as contribuições mútuas dos pacientes são consideradas necessárias por proporcionarem uma renovação do autovalor.

Os pacientes que possuem uma doença rara demonstram maior dificuldade em identificar-se com outros pacientes, uma paciente referiu que se sentia muito só e vivendo algo que nenhuma pessoa no mundo havia vivido. Esta paciente sentia-se sem possibilidades de conversar com outros pacientes durante a quimioterapia, afinal pensava que ninguém poderia compreender a sua situação. O sujeito sente-se inferiorizado tanto no sentido de que seu tratamento tenha “mais” probabilidade de não ter cura, como no sentido de soberba em ser um dos únicos humanos a viver esta doença.

Uma paciente que sentia muita raiva por seu adoecimento, ouviu durante a quimioterapia alguns pacientes contarem a história de como tem lutado com inúmeras recidivas. Tais informações a impressionaram, entretanto a auxiliaram a rever sua postura diante de seu tratamento e de sua doença, já que tinha um bom prognóstico.

 

Considerações Finais

Os encontros entre os pacientes oncológicos são tonalizados com os mais diversos matizes, de separar-se de outros olhares e ao mesmo tempo no sentido de ligação com os fatos da vida e com os outros. O paciente que pode trabalhar psicologicamente o impacto emocional desses encontros com os demais pacientes tem a oportunidade em transformar os fatos da vida e em experiência, algo de extrema importância para os pacientes, pois na relação analítica o paciente pode vir a encontrar-se e fortalecer a capacidade de suportar os ferimentos que a doença acomete.

O câncer, como se pode observar, é uma doença transformadora e metaforizada, o qual faz pensar que seu estigma esteja além do ser temido pela representação social de morte, sofrimento, etc., mas possa também ser pensado como medo das transformações. Medo de tudo aquilo que possa transformar a vida ao revés. Temor sobre a capacidade de se recriar e se transformar em algo que não se reconheça e consequentemente ser conduzido, psicologicamente, para aquilo que se é profundamente.

Sontag (2007) explica que:

A doença é a zona noturna da vida, uma cidadania mais onerosa. Todos que nascem têm dupla cidadania, no reino dos sãos e no reino dos doentes. Apesar de todos preferimos só usar o passaporte bom, mais cedo ou mais tarde nos vemos obrigados, pelo menos por um período, a nos identificarmos como cidadãos desse outro lugar (p.11).

É neste espectro de tonalidades emocionais que o trabalho psicoterapêutico vai fiando as relações corpo-mente-doença, é através do trabalhar as imagens de seu próprio adoecimento que o sujeito pode transformar-se. O psicoterapeuta teria então a função de dar espaço de escuta para este adoecido que existe dentro dele mesmo, desde o postergar de um tratamento, até os modos e olhares que o sujeito dá ao seu corpo e à doença. É através do campo psicoterapêutico que o paciente tem a oportunidade de conhecer sua própria humanidade e o psicólogo é aquele que oferta este acolhimento, para que a pessoa possa também acolher-se.

O encontro com o outro inevitavelmente irá ocorrer e o modo como cada paciente reage e é afetado fala de uma dinâmica subjetiva, porque ao encontrar o outro tende a sair do isolamento de suas questões e acaba por encontrar uma gama de outras vivências que, com suas histórias de vida e seu diagnóstico, poderão tanto corromper seu processo quanto fertilizar sua vida, a todo o momento que fizer este encontro.

O presente artigo teve como proposta incitar a reflexão para que outras pesquisas e experiências possam ser construídas, tendo em vista a inesgotabilidade do assunto e importância para a prática clínica em centros de saúde oncológica. Pois a escuta do impacto emocional deste encontro humano, pode vir a tornar-se ferramenta considerável do trabalho psicológico.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Adriane Garcia Salik
E-mail: adriane@iop.com.br

 

 

* Instituto de Oncologia do Paraná. Email: adriane@iop.com.br

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