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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.17 no.1 Rio de Janeiro jun. 2014

 

ARTIGOS

 

Câncer na adolescência e suas repercussões psicossociais: percepções dos pacientes

 

Cancer in adolescence and its psychosocial effects: perceptions of patients

 

 

Itala Villaça Duarte1; Iolanda de Assis Galvão2

Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, Paraná, Brasil

 

 


RESUMO

Na adolescência, período de transformações e descobertas num processo de construção da personalidade, ser diagnosticado com câncer traz impacto emocional e mudanças psicossociais. Este artigo objetiva compreender o processo de adoecimento e as repercussões psicossociais a partir da percepção dos pacientes que se submeteram ao tratamento oncológico durante o período da adolescência. Trata-se de uma pesquisa qualitativa desenvolvida com 25 pacientes de um Centro de Alta Complexidade em Oncologia localizado no sul do Brasil. A coleta de dados foi realizada através de entrevista semiestruturada e a análise se respaldou na teoria da Análise de Conteúdo proposta por Bardin. A partir das falas dos pacientes, construímos quatro categorias relevantes de respostas: Comunicação diagnóstica e possíveis reações; Percepção do tratamento e internação; Relações interpessoais; Vida pós-tratamento e suas lembranças. Tais categorias demonstram que o impacto e as mudanças psicossociais muitas vezes são inevitáveis, mas podem ser minimizados quando os profissionais compreendem as percepções e dificuldades dos pacientes frente ao adoecimento. A partir do exposto, faz-se necessário oferecer um atendimento humanizado e integral, bem como proporcionar uma relação profissional-paciente pautada num vínculo confiável que venha a contribuir em todo o curso do tratamento.

Palavras-chave: adolescência, câncer, tratamento.


ABSTRACT

In adolescence, a period of transformation and discoveries in a personality building process, being diagnosed with cancer brings emotional impactand psychosocial changes. Considering that, this article aims to understand the illness process and the psychosocial repercussions the perception of patients who underwent cancer treatment during the adolescence period. It is a qualitative research conducted with 25 patients from a High Complexity Oncology Center, located in Southern Brazil. The data collection was conducted through semi structured inter views and the data analysis was conducted using the theory of Content Analysis proposed by Bardin. From the patients speeches four main categories of responses were built: Diagnostic Communication and possible reactions; perception and hospitalization; Interpersonal relationships; Aftercare life and its memories. Such categories show that the impact and psychosocial changes are often unavoidable, but can be minimized when professionals understand the perceptions and difficulties of the patients regarding the illness. Considering that, it is necessary to offer a humanized and integral care, as well as providing a professional-patient relationship guided in a reliable bond that will contribute throughout the course of the treatment.

Keywords: adolescence, cancer, treatment.


 

 

Introdução

Conforme a Lei n. 8.069 (1990), a infância compreende a fase do nascimento até os doze anos e a adolescência até os dezoito anos. Nesses períodos da vida, o sujeito está em constante desenvolvimento e crescimento físico, emocional, intelectual e social.

A adolescência, especificamente, é uma fase de grande ebulição devido às diversas mudanças ocorridas nesta passagem entre o ser infantil e o ser adulto. É uma etapa evolutiva e peculiar ao ser humano, na qual ocorre o processo maturativo biopsicossocial, sendo influenciado pelas características sócio-culturais circunstantes, como também pelos vínculos familiares e afetivos, valores e crenças (Osório, 1992; Ribeiro & Rodrigues, 2005).

Nesse processo de amadurecimento, os adolescentes passam por momentos de crise e desequilíbrio, ambivalência de desejos, de construção da personalidade e identificações, e busca por sua autonomia (Osório, 1992; Outeiral, 1994; Ribeiro & Rodrigues, 2005; Iamin & Zagonel, 2011). É um processo de se (re)conhecer, uma possibilidade de vir-a-ser.

Assim, a adolescência remete à concepção de vitalidade e produtividade, de planos e perspectivas para o futuro, sem muito espaço para considerar as possíveis intercorrências, como o adoecimento, cuidados hospitalares e a morte (Kovács 1992; Rona & Vargas, 1994). Isto porque o adoecimento e a necessidade de realizar um tratamento podem ser sentidos como uma inviabilização, temporária ou não, dos seus sonhos e objetivos, tendo em vista as mudanças e adaptações necessárias (Capitão & Zampronha, 2004).

Esta percepção pode ser ainda mais intensificada quando existe a possibilidade ou confirmação do diagnóstico de câncer, devido às representações sociais e às restrições que o tratamento ocasiona na vida do sujeito. Esta doença, apesar dos avanços tecnológicos e científicos, ainda é bastante temida, carregada de preconceitos e intimamente relacionada à dor e morte na nossa cultura (Barbosa & Francisco, 2007; Ribeiro & Rodrigues, 2005; Rezende, Schall & Modena, 2011).

Este contexto ameaçador se apresenta como um período tenso e mobilizador de sentimentos tanto no paciente quanto na família podendo trazer a presença constante de angústia, ansiedade e medo. Medo em relação ao tratamento, à dor, à possibilidade de morte, causando muita insegurança (Kovács, 1987; Bigheti & Valle, 2008). Além disso, os adolescentes vivenciam várias situações que podem ser sentidas como estressantes, entre as quais numerosas idas ao hospital e internamentos repetidos, intervenções diagnósticas, de tratamento e de avaliação, por vezes dolorosas e ansiogênicas, e ainda com os efeitos adversos dos tratamentos, destacando as alterações da imagem corporal (Rona & Vargas, 1994; Menossi & Lima, 2000).

O hospital, local especializado para o tratamento, pode ser compreendido como um lugar que possibilita a melhora, a cura e consequentemente a vida com novas descobertas, relacionamentos e amizades. No entanto, pode haver também a concepção de que seja um ambiente hostil e ameaçador pelos procedimentos, desconhecimento e distanciamento da família e, muitas vezes, associado à iminência da morte.

Nesta nova realidade, observa-se que a rotina do paciente e família, bem como os hábitos comuns da fase juvenil sofrem modificações no processo de doença e hospitalização, e a maneira como estes sujeitos passarão por este período pode ser influenciada pelo tipo de tratamento e suporte multidisciplinar e psicossocial. Consideram-se também os recursos de enfrentamento, ou seja, as estratégias visando a adaptação à situação atual através da minimização dos fatores estressantes, da reorganização do cotidiano, favorecendo um novo significado para a experiência (Iamin & Zagonel, 2011).

Diante do exposto, quando o adolescente adoece, vivencia mudanças corporais, emocionais, familiares e sociais, além da busca pela identidade e autonomia, inerentes da faixa etária, simultaneamente com a ameaça e o sofrimento advindo da doença e tratamento, transitando entre a condição de ser saudável para a condição de estar doente (Gameiro, 2012). Por isso, torna-se relevante compreender as questões peculiares da adolescência concomitantes ao processo de adoecimento oncológico, tratamento e hospitalização, bem como conhecer as representações e repercussões desta vivência e suas necessidades sob o ponto de vista do adolescente, sendo este o objetivo deste estudo.

 

Método

Esta pesquisa ocorreu no Serviço de Pediatria de um hospital oncológico na região sul do Brasil, cujo projeto, sob o protocolo nº 2.082, foi previamente submetido à avaliação e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição. A pesquisa se propôs a conhecer as percepções dos pacientes que, durante a adolescência, foram submetidos ao tratamento oncológico, e que, atualmente, estão na faixa etária acima dos 18 anos, em proservação. Ressalta-se que este Serviço de Pediatria disponibiliza acompanhamento médico aos pacientes pelo período de dez anos após o término do tratamento, tendo em vista a possibilidade de recidiva ou uma segunda neoplasia neste período, mesmo que neste espaço de tempo os pacientes alcancem a maioridade.

A seleção dos participantes aconteceu pelo acompanhamento da agenda do ambulatório médico do setor da Pediatria através do prontuário eletrônico (TASY) com objetivo de verificar dentre os pacientes agendados quais eram sujeitos elegíveis à pesquisa, conforme os critérios de inclusão estabelecidos. No dia em que estes pacientes compareciam ao hospital, após a consulta médica, a pesquisadora, em uma sala no Setor de Pediatria, explicava o estudo e os convidava a participar. Aqueles que concordaram foram entrevistados após leitura, explicação e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Ressalta-se que os sujeitos deste estudo participaram de forma voluntária, esclarecida e consentida conforme os preceitos éticos presentes na Resolução nº 196/96 de CNS, vigente no momento da pesquisa, que rege as normas em pesquisas com seres humanos.

A amostra se constituiu de 25 pacientes, sendo 11 do sexo feminino e 14 do sexo masculino. Estes pacientes, no momento da entrevista, tinham idade entre 18 e 31 anos, realizaram o tratamento cuja duração variou entre 5 meses e 4 anos e estavam fora de tratamento de 45 dias até 16 anos. As patologias das quais padeciam os pacientes presentes nestegrupo foram: leucemia linfóide aguda (8), linfoma de Hodgkin (7), osteossarcoma (4), tumor de células germinativas (2), leucemia mielóide aguda (1), rabdomiosarcoma em região pré-auricular (1), adenocarcionoma em pulmão (1) e tumor de células gigantes em sacro (1).

A coleta de dados ocorreu através de entrevista semiestruturada, instrumento que favoreceu aos sujeitos melhor expressão dos conteúdos contribuindo e enriquecendo os resultados da pesquisa. Estas entrevistas foram gravadas e, posteriormente, analisadas qualitativamente de acordo com a metodologia de Análise de Conteúdo, proposta por Bardin (1977), uma vez que se acredita que tal técnica possibilite uma interpretação mais aprofundada dos significados acerca do tema para esta população.

De acordo com a teoria de Bardin (1977), a análise de conteúdo se organiza em três fases: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. Na primeira fase, as entrevistas foram transcritas em protocolos individuais. Na segunda, foram identificadas as possíveis Na terceira e última fase, fez-se as correlações e interpretações dos dados categorizados, voltando-se atentamente aos pressupostos teóricos que embasam o estudo, e que serão apresentadas e discutidas ao longo deste trabalho.

 

Resultados e Discussão

As unidades de categorização foram construídas conforme a relevância, frequência e objetivos deste trabalho, e são as seguintes: 1) Comunicação diagnóstica; 2) Percepção do tratamento e internação; 3) Relações interpessoais: amigos, família, pacientes e equipe; 4) Vida pós-tratamento e suas lembranças.

Comunicação Diagnóstica

A consulta médica em que é realizada a comunicação diagnóstica pode ser permeada por intensas emoções, temores e expectativas visto que o paciente e sua família já realizaram diversos exames e aguardam por uma confirmação ou não de uma doença. Essas emoções podem ser intensificadas quando há a possibilidade do diagnóstico ser câncer devido ao estigma social de ser uma doença intimamente relacionada à morte, ao sofrimento e à dor (Ribeiro & Rodrigues, 2005; Barbosa & Francisco, 2007; Rezende et al., 2011).

É neste contexto emocional que o adolescente e seu responsável recebem o diagnóstico e a proposta de tratamento. A descoberta do câncer traz consigo a incerteza da vida, ameaça dos planos e do futuro podendo gerar diferentes sentimentos sobre o que está acontecendo e o que está por vir (Iamin & Zagonel, 2011). Neste momento da vida, o adolescente que se encontra "descobrindo o mundo, produzindo novos saberes e exercendo uma nova identidade" (Jesus & Gonçalves, 2006, p. 549) passa também a vivenciar uma nova realidade.

Ao se deparar com esta realidade, na ocasião da consulta médica, em algumas circunstâncias esses sentimentos advindos do impacto do diagnóstico podem dificultar a compreensão do que é explicado e orientado pela equipe médica (Moreira & Macedo, 2003). Isto pode ser evidenciado na fala do entrevistado 6: "Entender assim, eu não consegui entender, porque eu estava tão nervosa. Eu só chorava na hora".

O adolescente pode ser acompanhado por um hebiatra, profissional da medicina especializado nesta faixa etária. No entanto, nem todas as instituições de saúde contam com este especialista em seu quadro funcional, ficando os adolescentes sob os cuidados dos pediatras, como é o caso do local onde se realizou a pesquisa. Apesar dos médicos, em sua formação, aprenderem que o contexto do atendimento envolve obrigatoriamente a tríade médico-responsável-paciente, quando atendem crianças a interação tende a se estabelecer na relação díade médico-responsável, pois estas geralmente não participam tão ativamente das decisões, devido à idade e ao processo de desenvolvimento cognitivo e psicológico (Gabarra & Crepaldi, 2011; Kohlsdorf & Seidl, 2011).

Esta dinâmica pode se repetir com pacientes adolescentes que, na maioria das vezes, possuem condições cognitivas de compreender, estrutura psicológica e desejo de participar e decidir sobre seu próprio tratamento, sobre sua vida. Em relação a esta conduta médica o entrevistado 15 comenta: "A única coisa que a Dra [da cidade de origem] me falou que era uma doença grave e com urgência mandaram chamar os pais. Daí já foram pra outra sala, me deixaram numa lá e foram pra outra sala".

A ausência de informações e esclarecimentos sobre a doença, tratamentos e procedimentos necessários, ao invés de proteger os pacientes, pode dificultar a assimilação e organização pessoal frente à situação (Brandão, 2000 citado por Lemos, Lima & Mello, 2004). Quando isso acontece, o adolescente pode utilizar de recursos imaginários para buscar compreender o que está vivenciando. Além disso, pode comprometer a confiança entre o paciente, família e equipe (Leal, 2003).

Este cenário possibilita o aparecimento de repercussões emocionais como medo, ansiedade e insegurança, como também a recusa ao comprometimento e adesão ao tratamento. Neste momento de fragilidade física e, às vezes, psíquica, "ser posto em seu lugar de sujeito responsável é extremamente importante para aqueles de quem a doença se apoderou" (Veiga & Leitão, 2009, p. 27).

Ainda em relação à participação do paciente no momento do diagnóstico, Kohlsdorf & Seidl (2011), a partir de estudos realizados, comentam sobre seus benefícios, como: a percepção dos pacientes terem suas características individuais e necessidades psicossociais compreendidas possibilitando uma maior satisfação e confiança na equipe, maior retenção das informações, e maior adesão e colaboração com o tratamento. Com isso, pode-se favorecer uma melhor qualidade no autocuidado e consequentemente diminuição das internações e retornos ao hospital.

Outro aspecto refere-se à importância da clareza e objetividade da comunicação, a qual deve ser adequada ao entendimento do paciente, pois o uso de termos predominantemente técnicos apresenta-se como um dificultador na compreensão das informações e/ou interfere na relação com os profissionais (Gabarra & Crepaldi, 2011). Esta situação é exemplificada neste trecho do entrevistado 10: "É, disseram você tem um tumor no sacro, tal. Eu sabia que não era coisa boa, mas eu não sabia exatamente o quê que era". O entrevistado 15 reforça essa questão quando diz: "Não sabia de que se tratava, como é que era, o que significava essa palavra leucemia".

Ademais, o médico deve ponderar quais e o quanto de informações podem ser transmitidas, cuidando com a comunicação não-verbal que pode ser também tão representativa e carregada de significados. Deve-se respeitar o desejo do paciente e o seu desenvolvimento cognitivo e emocional para participar e escutar o seu diagnóstico, considerando seu funcionamento prévio, ou até mesmo a preferência que sejam os pais ou outro profissional os interlocutores desta comunicação (Leal, 2003).

Em relação a quem revela o diagnóstico, Vieira (2010) comenta que quando o paciente é pediátrico, a comunicação diagnóstica pode ser realizada pelo profissional ou pelos responsáveis. Isto pode ser observado nesta pesquisa em que a comunicação diagnóstica, de acordo com a percepção dos pacientes, ocorreu ora pelo médico, outro profissional da saúde ou mesmo por algum familiar.

O médico é o profissional cuja função é avaliar sintomas, solicitar exames, diagnosticar doenças e comunicá-las tendo por isso o estereótipo de detentor do saber com conhecimentos técnicos para tal desempenho (Trindade, Azambuja, Andrade & Garrafa, 2007). Devido a isto, em algumas situações, a palavra do médico tem valor e credibilidade como expresso na fala do entrevistado 7: "É, que contaram pra mim foi meus pais. Só que daí como eu não quis acreditar, eles me levaram pra médica pra contar".

No entanto, alguns pacientes relataram, de acordo com suas percepções, que familiares comunicaram e elucidaram sobre a doença e o tratamento. Esta percepção pode estar associada ao fato de que os pacientes, devido ao vínculo afetivo, sentem-se mais abertos para questionar e esclarecer suas dúvidas com os familiares, mesmo quando estes não têm preparo e conhecimento técnico para tal função.

Quando outro profissional é solicitado a comunicar ou clarificar o diagnóstico, observa-se como um fator facilitador a aproximação e afinidade existente com o profissional escolhido, ratificando a importância do vínculo entre paciente e equipe, como evidenciado em sequência pelo entrevistado 6: "eu tinha que conversar, principalmente com a psicóloga, eu ia tirar dúvida com ela das coisas". Ressalta-se o trabalho em equipe, preferencialmente interdisciplinar, devido aos vários olhares sobre a mesma situação que podem ser complementares às diferentes reações e necessidades dos pacientes.

Compreende-se a necessidade de avaliar cada caso, considerando as diversas possibilidades de atuação sem se restringir a um protocolo fechado e rígido, permitindo assim um cuidado autêntico, integral e individualizado. Desta forma, a comunicação diagnóstica adequada pode ser considerada um elemento inicial, mas essencial, podendo influenciar no impacto do diagnóstico e tratamento de maneira a facilitar a adaptação e enfrentamento das dificuldades pelos pacientes (Kohlsdorf & Seidl, 2011).

Percepções do Tratamento e Internação

O adoecer oncológico tem como possibilidades de tratamento a quimioterapia, radioterapia, cirurgia e, em alguns casos, transplante de medula. Além disso, há a necessidade de exames e hospitalizações frequentes, como também a vivência de mudanças físicas, emocionais, limites e restrições na rotina diária.

Sobre o tratamento, geralmente, é orientado nas primeiras consultas, antes de iniciá-lo. Observou-se que, apesar de terem sido comunicados, a maioria dos pacientes relatou não ter a real noção ou entendimento de como ocorreria.

Apresentaram inicialmente percepções desde uma doença simples a uma sentença de morte, ou um tratamento comum com rápido retorno às atividades diárias, como elucidado pelo entrevistado 16: "Eu, por mim, pensei que era só um remédio, um medicamento, uma injeçãozinha e ia embora". Outra compreensão acerca do tratamento foi de ser agressivo e necessário por tempo indeterminado, sendo representado neste trecho do entrevistado 6: "Eu imaginava que teria que ficar com medicamento a vida inteira, essas coisas, quimioterapia". Destaca-se também a influência que estas concepções podem ter das informações transmitidas por meios de comunicação ou experiências de outras pessoas que foram acometidas por câncer, como evidenciado pelo entrevistado 12: "Já, eu tinha um tio bem próximo que teve a doença. Só que naquela época como ele morreu, eu achava que ia morrer também, não foi fácil não".

No entanto, pode-se refletir que, em alguns casos, a compreensão real acerca do tratamento somente ocorre quando de fato este começa. É a experiência prática, é o sentir na pele a agulha, o medicamento, que favorece esse entendimento. Isto pode ser confirmado no relato do entrevistado 18: "A gente não esperava como ia ser, só com o decorrer do tempo é que a gente viu como é que era".

E vivenciar o tratamento, muitas vezes, desvela-se como uma experiência difícil de ser suportada podendo "experimentar sentimentos de estranheza, insegurança, revolta, impotência" (Iamin & Zagonel, 2011, p. 428). Diante disso, torna-se importante oferecer um espaço e uma escuta pelos profissionais aos pacientes e familiares com a finalidade de compreender suas percepções, entendimentos e necessidades de orientação e reorientações, e principalmente suas reações emocionais e comportamentais.

Em conseqüência do tratamento, os efeitos adversos são bastante considerados no discurso dos pacientes, em especial as alterações da imagem corporal, como alopécia, emagrecimento, edema. Isto talvez ocorra pelo corpo ser a representação de si mesmo e por expor ao olhar e avaliação dos outros (Iamin & Zagonel, 2011). Associado a isto se tem as mudanças inerentes à puberdade como formação de pêlos e alteração do timbre de voz para os meninos, e delineamento mamário, da cintura e quadril que definem o corpo feminino, tornando-se evidente e valorizado o aspecto físico do sujeito (Almeida, Rodrigues & Simões, 2007).

Então, este corpo em desenvolvimento concomitante com os efeitos adversos que alteram a imagem corporal pode refletir nos comportamentos e vínculos sociais, nos aspectos psicológicos relacionados à construção da personalidade/identidade, e nas reações emocionais frente ao diagnóstico e a proposta terapêutica. Acerca disso, Iamin & Zagonel, (2011) comentam sobre a tendência ao isolamento podendo ser também ratificado no exemplo do entrevistado 15: "eu tomei um medicamento que me inchou bastante então eu não me sentia muito agradável lá fora e ficava mais trancafiado em casa... No colégio eu não ia, quando estava fazendo o tratamento".

Ainda sobre esse comportamento de isolamento, encontra-se o desejo de esconder o que a doença e o tratamento expõem por representar sua concretude e sua visibilidade para si e para os outros. Isto pode ocorrer com o uso de perucas, lenços e bonés devido à alopécia. A externalização da doença e os conteúdos emocionais envolvidos podem estar associados à importância do olhar do outro como espelho para si próprio. Devido a isso, os profissionais de saúde, principalmente, devem considerar o significado e o valor que essa nova imagem corporal pode ter para cada paciente, tratando deste assunto com cuidado e respeito.

No contexto do tratamento, a internação é um recurso terapêutico muitas vezes sentido como um ambiente inicialmente ameaçador, com equipe e pacientes desconhecidos, com procedimentos invasivos que podem causar sofrimento e dor, além de normas e rotinas inexistentes na sua vida até então, vivenciando assim um novo papel (Ribeiro & Rodrigues, 2005; Jesus & Gonçalves, 2006). O hospital traz restrições de convívio social e familiar, vida pessoal e profissional em uma fase da vida em que o sujeito está buscando autonomia e independência. A seguinte fala do entrevistado 19retrata esta problemática: "Mas era ruim porque era uma época que eu fazia tudo, estudava, ia pra escola, trabalhava e por causa da doença eu não podia fazer mais nada".

O entrevistado 2 comenta "não gosto muito de ficar internado. Não tem aquela liberdade que você tem em casa". A partir deste relato, pode-se refletir sobre a percepção do papel modificador da rotina e regras de funcionamento do hospital bem como da equipe, podendo gerar no paciente a sensação de perda de controle sobre si mesmo e sua vida, representando uma privação da liberdade.

Esta percepção quanto à internação, muitas vezes, pode se intensificar quando há necessidade do paciente ficar em quarto de isolamento. Quanto a isso, o entrevistado 4 diz: "No quarto, você pode sair. Pode ir lá fora, você vai no refeitório. E no isolamento não. Não podia sair do quarto, só uma televisão. Eu acho que o isolamento é terrível". Nestes momentos, pode-se ter a percepção de confinamento devido à restrição de espaço e do convívio com as pessoas ou, então, como um agente reforçador da separação com o mundo externo, inclusive do ambiente hospitalar, equipe e pacientes.

Outro aspecto dificultador da internação é perceber a dor, sofrimento e morte do outro, exemplificado pelo entrevistado 10: "E é difícil aqui nesse hospital porque toda hora tem gente passando mal". Quando experienciam isto, os pacientes podem considerar a possibilidade de vivenciar a mesma situação. Essa possibilidade do sofrimento e morte de alguém que goza de saúde e/ou juventude geralmente é um fato apenas percebido, mas não reconhecido, e com o adoecimento e tratamento permite que se torne algo possível, ainda mais com o estigma da doença oncológica. (Brum, Guido, Linch, Umann & Zuge, 2009). Esta questão é retratada pela fala do entrevistado 12: "Você tá tratando uma doença que aquilo pode tirar a vida. Então, nossa é horrível".

De acordo com as entrevistas, outra situação destacada foi a presença de pacientes com diferentes faixas etárias nas enfermarias. Uma vez que o adolescente tende a formar grupos identificatórios (Osório, 1992), o fato de estar junto a crianças menores pode trazer incômodo e dificultar emocionalmente durante o período de internação. Verifica-se isso no discurso do entrevistado 12: "Com os pacientes, eu não me dava muito bem com as crianças. Eu ficava em um quarto que tinha muita criança, daí choravam a noite toda, ai eu ficava meio brabo assim por não conseguir dormir".

Observa-se a importância de oferecer um espaço que respeite os direitos, garanta a confidencialidade, segurança e privacidade, ao mesmo tempo que proveja ações educacionais e recreacionais adequadas e em consonância com as necessidades desta fase do desenvolvimento (Almeida et al., 2007). No entanto, é imprescindível salientar que mesmo com estes recursos à disposição do paciente, nem sempre o mesmo irá se beneficiar para vivenciar o adoecimento e tratamento. Cada paciente apresenta, conforme suas características individuais, recursos diversos de enfrentamento. O entrevistado 19 comenta sobre isso: "Eu acordava só pra comer, tentar comer quando conseguia e depois voltava a dormir". Neste caso, percebe-se a ingestão de remédios com objetivo de dormir durante grande parte do dia paramanter-se isolado de tudo que remetia à vivência atual.

Essa estratégia de manter-se distanciado dificulta o estabelecimento de novas relações, no ambiente hospitalar, com pacientes e equipe. Essa maneira de lidar com a realidade talvez possa demonstrar um receio quanto à fragilidade do corpo e sua finitude, ou então uma inquietação pelo fato da doença ter aparecido em um momento da vida representativo de autonomia, liberdade, independência e vida social ativa.

Enquanto alguns pacientes reagem desta forma, outros podem, com o decorrer do tratamento, reconhecer e se familiarizar com o ambiente hospitalar e com os profissionais envolvidos nos seus cuidados, sendo elucidado pelo entrevistado 11: "No começo era ruim. Você chegava, ficava, não passava os dias, não passava as horas. Depois foi acostumando. Chegava, conhecia todo mundo. Já chegava brincando já".

Ainda nesta perspectiva, o paciente pode vir a compreender que realizar o tratamento representa menor tempo de hospitalização, mais tempo de vida e que está vencendo a doença, conforme o relato do entrevistado 12: "Cada quimio significava um dia a menos que eu tinha que ficar no hospital, e cada dia a menos que eu ficava no hospital era uma vitória sobre a doença, sabe?". Quando o adolescente se familiariza com o tratamento, o hospital, a equipe de saúde e os demais pacientes, ele também pode descobrir novas formas de viver, buscando alternativas para minimizar o sofrimento e as dificuldades dessa trajetória, e aprendendo a valorizar e vivenciar cada momento à sua maneira.

Relações Interpessoais: Amigos, Familiares, Pacientes e Equipe

A experiência de adoecer pode vir acompanhada por mudanças na rotina diária, considerando a escola, atividades de lazer e alimentação, transformação da imagem corporal, incertezas quanto ao tratamento, dor e perdas. Estes aspectos podem influenciar nos vínculos afetivos, seja pelo distanciamento ou pela maior aproximação.

Diante da fragilidade física e emocional, da possibilidade de morte arraigada na representação social do câncer, é comum acontecer uma maior aproximação dos familiares com o paciente, demonstrando uma postura de proteção, acolhimento e cuidado. O entrevistado 12 expõe esta questão: "Na família, tem aquele negócio, você é mimado né. A família mima mesmo. Então em casa, em casa era só mimo. Acho que em casa, o pessoal é protetor".

Alguns entrevistados parecem ter sentido essa aproximação e proteção dos pais como limitante e excessiva, gerando o sentimento de falta de autonomia e liberdade. Tal fato pode ser exemplificado a seguir pela fala do entrevistado 12: "Em casa, eles me seguraram muito.'Não pode fazer isso, não pode fazer aquilo'. Então fica chato, porque eu sabia o que eu podia fazer ou não".

Em contrapartida aos vínculos familiares, a maioria dos pacientes relatou ter percebido um distanciamento das amizades pregressas à doença, como descrito pelo entrevistado 3: "Eu tinha um monte de amigos. Depois que eu fiquei doente, eu fiquei com um pingadinho só de amigos, assim, que se preocupou comigo, que ia me visitar. Era bem pouco. Não tinha muito".O entrevistado 11 também comenta: "Teve uns amigos que, tipo, se afastaram, né? Eles pensaram 'ele pode passar essa doença pra mim mesmo, não vou chegar muito perto'. Teve uns amigos que me excluíram de um certo grupo". Acerca disso, Ferreira e Garcia (2008) apontam como um dos fatores que podem influenciar este afastamento é o estigma atrelado ao câncer, no caso como algo contagioso, sendo relevante maior divulgação e desmitificação dos pré-conceitos e fantasias acerca da doença por meio de materiais de informação e educação em saúde.

Outro aspecto dificultador nestas relações interpessoais podem ser as divergências de interesses e preocupações, bem como as alterações ou restrição nas rotinas e atividades (Ferreira & Garcia, 2008). Isto pode ser observado na fala do entrevistado 15: "A maioria a gente se encontrava jogando bola, então eu já não podia jogar, nem saia muito de casa, ficava mais em casa". Essa restrição pode ocorrer pela permanência no hospital ou, em algumas circunstâncias, ser indispensáveis nos períodos de repouso domiciliar e precaução com ambientes públicos e fechados.

Por vezes, o comportamento de se distanciar pode acontecer por parte do próprio paciente que opta por restringir o contato com os amigos levando a uma modificação dos relacionamentos (Ferreira & Garcia, 2008). Isto pode ser evidenciado pela narrativa do entrevistado 15: "muitos eu fiquei meio isolado. Não tive mais aquela afinidade, meio que me retirei um pouco. Fiquei mais no meu canto".

Esse comportamento pode ser intensificado pelos efeitos adversos do tratamento devido ao receio de brincadeiras pelas mudanças da imagem corporal, como presente no relato do entrevistado 15: "eu já tava sem cabelo, já ficava nervoso quando eles [amigos] iam, achava que iam zuar com a minha cara, fazer brincadeiras, piadinhas de mau-gosto". Essa postura representa um possível recurso defensivo diante da situação vivenciada podendo variar para cada sujeito conforme suas características pessoais, visando, no momento, sua integridade psíquica.

Os afastamentos, independente dos motivos, podem ser sentidos como perda e interferir no enfrentamento do adoecimento. Uma vez que a adolescência é, ao mesmo tempo, um fenômeno individual e social, observa-se a importância da presença e acompanhamento dos familiares e/ou amigos, sejam estes anteriores à doença ou vínculos construídos desde então, sendo comumente relatada a formação de nova rede social com equipe, pacientes e seus familiares (Ferreira & Garcia, 2008). O entrevistado 17 corrobora isso quando diz: "Na verdade, tinha bastante amigos. Mas depois assim poucos vieram me procura, mas agora to conquistando novos amigos".

É relevante para os pacientes estabelecer relações e trocas de experiências não apenas relacionadas à doença e ao tratamento, podendo também abordar assuntos típicos desta fase do desenvolvimento, como namoros, festas, entretenimento, muitas vezes negligenciados neste momento de adoecimento (Veiga & Leitão, 2009). Devido a isso, pacientes e equipe se tornam vínculos próximos e podem vir a representar uma nova família, dada a freqüência e intensidade da convivência, fazendo parte do processo de tratamento (Ferreira & Garcia, 2008). O estabelecimento destas relações pode significar novas possibilidades, vida e esperança, além de desenvolvimento biopsicossocial.

Especificamente sobre a relação entre os pacientes, percebe-se uma identificação pela vivência da doença, alteração da imagem corporal, e mudanças da rotina, buscando as semelhanças para se agruparem.O grupo enquanto lócus de identificação permite ser um espaço seguro e de confiança, podendo favorecer o enfrentamento da doença e tratamento, e tornar essa experiência um evento positivo de amadurecimento.

Quanto à equipe de saúde, observa-se, nesta pesquisa, a importância dos vínculos estabelecidos, em especial com o médico e enfermeiros. O destaque à enfermagem, talvez ocorra, por estes profissionais estarem em maior contato e por concretizarem o tratamento planejado pelos médicos; e o médico por representar a possibilidade de tratamento e cura devido aos seus conhecimentos técnicos e científicos. Isto pode ser elucidado pelo discurso do entrevistado 12: "Tanto os meninos de enfermagem, os médicos também. Nossa, eles são muito bons, além de tá passando confiança, tá fazendo uma coisa que é pra sua vida, que tá totalmente e vai depender deles ali".

Estes profissionais de linha de frente no tratamento tornam-se referência para os pacientes e familiares. Por isso, torna-se relevante cuidar dos cuidadores, oferecendo investimento e melhores condições de trabalho, além da valorização profissional.

Vida Pós-tratamento e Suas Lembranças

A vivência de tratar um câncer tem um simbolismo de vitória devido ao estigma social de ser uma doença incurável. E quando o tratamento chega ao fim, lembranças ficam na memória e outras preocupações do paciente surgem em relação à continuidade da sua vida, estas que por um tempo ficaram suspensas.

As lembranças referidas pelos pacientes apresentam duas vertentes, sendo uma relacionada à percepção de concretude do fim do tratamento como representação da cura, além do convívio, companheirismo e momentos de descontração vivenciados com os demais pacientes, profissionais e voluntários. Tal percepção é evidenciada pelo entrevistado 7: "As lembranças boas assim, tipo, são as festas. Lembranças que eu tenho assim boa é da galera me ajudando, a gente indo pro cinema, saindo daqui de um lugar isolado pra viver o mundo lá fora com a galera".

Em contrapartida, os pacientes ressaltam as recordações referentes à doença e tratamento com a percepção de um período de sofrimento pela freqüência no hospital e distanciamento da família, desconfortos físicos (dor, náusea) e alteração da imagem corporal, restrições e incertezas. A fala do entrevistado 23 retrata algumas destas questões: "Claro, vem uma lembrança de sofrimento, de bastante, né, bastante dúvidas do que seria, se eu, se ia conseguir, se ia curar, se ia acontecer, se ia salvar, né". Outra situação apontada pelos pacientes que traz repercussões emocionais, em especial tristeza e medo, é o falecimento de outros pacientes, conforme o relato do entrevistado 7: "É, tipo quando eu via ou sabia da notícia de algum dos meus amigos que tinha falecido pra mim era bem dolorido porque eu sabia que eu poderia ser o próximo ou não, entende?". Observa-se que vivenciar uma perda num momento de fragilidade física e emocional pode remeter à própria finitude. Nota-se também o receio pela recidiva uma vez que teria novamente que realizar o tratamento e com menos probabilidade de superar a doença, como elucida o entrevistado 4: "Vou falar bem a verdade: eu tenho medo. Cada vez que eu venho consultar, o resultado do exame, eu tenho aquele medo do médico olhar e dizer assim: vai voltar tudo de novo".

Diante destas questões, os pacientes relatam que, além da rede de apoio familiar e dos profissionais e pacientes, a religiosidade pode ser um suporte favorável ao enfrentamento da doença. No entanto, alguns pacientes relatam o desejo e a escolha de tentar esquecer esse período da vida pelo fato dessas lembranças geralmente remeterem às situações de sofrimento e dor, o que pode ser observado no fala do entrevistado 8: "Eu não gosto nem de pensar, lembrar muito. Foi muito dolorido. Sofri bastante no tempo que eu fiz. Não gosto muito de lembrar". Essa tentativa de esquecer pode ser uma estratégia, um recurso defensivo encontrado pelos pacientes desta pesquisa a fim de possibilitar o seguir a vida pós-tratamento.

A vida pós-tratamento é uma busca por retomar as atividades sociais, bem como planos e expectativas futuras, como se não tivesse tido a doença. Isso pode ser observado pelo discurso do entrevistado 7 quando diz:"Eu me sinto como um piá de vinte anos normal, entende? Ando de skate, jogo bola, jogo vôlei, trabalho. Faço tudo que tipo, tudo que posso fazer eu faço". Os relatos dos pacientes ainda ressaltam a possibilidade de um recomeçar relacionado ao estudo, trabalho, relacionamentos e diversão, como comenta o entrevistado 10: "Uma vida normal. Eu estou trabalhando., estou estudando, estou namorando. Então a vida está seguindo".

Outro aspecto abordado também é a oportunidade de viver com mais autonomia e liberdade, e não sob restrições e limites impostos pela doença e tratamento. Isto é ratificado a seguir pela fala do entrevistado 8: "Estou com a minha vida normal. Era normal, mas faço tudo que eu podia. Não tenho restrição: ah não posso sair no frio, não pode fazer isso, não pode fazer aquilo".

Por fim, estes dados sugerem uma tentativa de reinserção social, novas vivências e responsabilidades, além de possível amadurecimento e aprendizado que influenciam no modo de compreender e experienciar a vida. Encontra-se um novo sentido de vida.

 

Considerações Finais

A adolescência, uma fase de repleta ambivalência de desejo e vontade, de construção da personalidade e identificações, de certa forma, pode repercutir no modo como alguns adolescentes se relacionarão com a descoberta da doença, a vivência do tratamento e das relações que se estabelece com a equipe multiprofissional. Diante disso, o atendimento aos adolescentes requer características diferenciadas em relação às demais faixas etárias.

A começar pode-se refletir sobre o momento da comunicação diagnóstica quando a equipe médica deve apresentar, além do conhecimento teórico e técnico, habilidade interpessoal e sensibilidade aos aspectos afetivo-emocionais do paciente e familiar como recursos que possibilitem uma comunicação e uma relação baseada no respeito mútuo, confiança e empatia. Outro ponto fundamental é que os profissionais, na consulta diagnóstica, considerem, além da família, o adolescente enquanto sujeito ativo e participativo, a quem podem e devem comunicar sobre a doença e tratamento.

Avalia-se, ainda, como significativo a possibilidade do profissional disponibilizar um espaço acolhedor, permitindo o diálogo aberto, sua escuta e atenção para o que o paciente tem a dizer, suas dúvidas, conhecimentos prévios, angústias e medos, considerando-o em sua subjetividade e nos contextos social, econômico e cultural. A partir desta atitude, o médico demonstra sua disponibilidade para esclarecimentos e orientações no momento ou posteriormente, quantas vezes forem necessárias, podendo ser também individualmente, resguardando a confidencialidade do atendimento. Esta dinâmica relacional pode possibilitar uma aproximação com a equipe através do estabelecimento de vínculo e atendimentos mais humanizados, bem como favorecer o enfrentamento e a adesão ao tratamento por parte do paciente e da família.

Para isso, na prática diária, se faz necessário repensar sobre como está ocorrendo a comunicação. A quem, de fato, estamos atendendo? O adolescente, sua família ou os dois? Deve-se colocar a família como porta-voz ou considerar o adolescente no seu processo de adoecimento? Qual o lugar que este adolescente está ocupando no processo de adoecimento? Em que lugar os profissionais de saúde o colocam? Participante ou expectador?

No período do tratamento, especificamente durante as internações, imperativo se faz um investimento em recursos materiais que promovam um espaço e atividades em consonância com sua faixa etária que possam favorecer a adaptação e integração entre os pacientes, uma vez que os vínculos estabelecidos podem minimizar o sofrimento advindo com a doença e as alterações em suas vidas.

Diante do exposto, com o intuito de oferecer um atendimento integral, humanizado e adequado, é necessário que os profissionais de saúde tenham maior conhecimento acerca das particularidades da adolescência, seus processos de desenvolvimento e maturação. Além disso, é relevante considerar também as mudanças psicossociais, além do impacto do diagnóstico e tratamento.

Seguindo este objetivo, é importante que a equipe multiprofissional trabalhe preferencialmente de forma interdisciplinar englobando, além da habilidade técnica e científica de cada área de atuação, a disponibilidade dos profissionais para escutar as percepções, dúvidas, inquietações e dificuldades de cada paciente, visando compreender como vivenciam o adoecimento. Desta maneira, estes profissionais poderão oferecer um acompanhamento individualizado, bem como incrementar intervenções às necessidades desta clientela, considerando recursos humanos e materiais. Dentre algumas possibilidades, tem-se: presença de cuidadores no hospital; processo de aprendizagem através da escolarização hospitalar, incentivo ao convívio social e atividades lúdicas, oportunizando a formação de novos vínculos afetivos.

Destaca-se, portanto, a relevância de mais pesquisas com adolescentes no contexto de doenças crônicas, como câncer, buscando melhor entendimento e compreensão de suas vivências e particularidades, e assim proporcionar uma atenção à saúde adequada às necessidades e de forma integral.

 

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1 Psicóloga Clínica e Hospitalar; Coordenadora e Preceptora da Residência Multiprofissional em Cancerologia - área de atuação Psicologia - do Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: itala.duarte@hotmail.com
2 Psicóloga Clínica e Hospitalar; Preceptora da Residência Multiprofissional em Cancerologia - área de atuação Psicologia - do Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: iolgalmeister@gmail.com

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