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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.17 no.1 Rio de Janeiro jun. 2014

 

ARTIGOS

 

Funcionamento sexual, controlo metabólico e qualidade de vida em pacientes com Diabetes Tipo 1 e Tipo 21

 

Sexual functioning, quality of life and metabolic control in patients with Diabetes Type 1 and Type 2

 

 

Maria da Graça Pereira2,I; Ângela Rodrigues3,I; Jónia Santos4,I Susana Pedras5,I; Vera Costa6,I; Olinda Marques7,II; Goreti Lobarinhas8,III

IEscola de Psicologia, Universidade do Minho, Braga, Portugal
II
Hospital de Braga, Serviço de Endocrinologia, Braga, Portugal
III
Associação Diabéticos do Minho, Barcelos, Portugal

 

 


RESUMO

Objetivo: Avaliar a relação e as diferenças no funcionamento sexual, controlo metabólico, e qualidade de vida, em pacientes com diabetes Tipo 1 e Tipo 2. Método: Participaram 116 pacientes com diabetes que preencheram os instrumentos: Funcionamento Sexual Feminino, Índice Internacional de Função Eréctil, Questionário de Adesão na Diabetes e Qualidade de Vida na Diabetes. O controlo metabólico foi avaliado através do valor da hemoglobina glicosilada (HbA1c). Resultados: Na diabetes Tipo 1, o bom funcionamento sexual, nas mulheres, encontrou-se associado a melhor controlo metabólico e esta relação não se verificou nos homens. Na diabetes Tipo 2, maior impacto do tratamento associou-se a menor desejo sexual nos homens. Nas mulheres, mais preocupação com a diabetes relacionou-se com vaginismo. Os pacientes Tipo 1 percepcionaram menor qualidade de vida e mais preocupações com a doença que os pacientes Tipo 2 e apresentaram melhor funcionamento sexual que os do Tipo 2, independentemente do sexo. Conclusão: Este estudo mostra a importância do funcionamento sexual como área de intervenção na diabetes, dado a sua influência no controlo metabólico e na qualidade de vida. Assim, os programas educacionais na diabetes devem incluir a avaliação do funcionamento sexual, e os médicos devem considerá-lo quando avaliam os seus pacientes diabéticos.

Palavras-chave: diabetes, funcionamento sexual, controlo metabólico; qualidade de vida.


ABSTRACT

Introduction: To assess the relation between sexual functioning, metabolic control and quality of life in Type 1 and Type 2 diabetes patients. Method: 116 patients with diabetes participated in the study and answered the instruments: Female Sexual Functioning, International Index of Erectile Function, and Diabetes Quality of Life. Glycemic control was assessed by the value of glycosilated hemoglobin value (HbA1c). Results: For type 1 diabetes, sexual functioning, in women, was associated with better metabolic control and this relation did not occur in men. For type 2 diabetes, the greater impact of treatment was associated with low sexual desire in men. In women, more concern with diabetes was related with vaginismus. Type 1 patients showed lower quality of life and more concerns about the disease than type 2 patients and revealed better sexual functioning than type 2 patients, regardless of gender. Conclusion: This study shows the importance of sexual functioning as an important intervention area, in diabetes, given its implication on quality of life and metabolic control. Therefore, intervention programs need to include an assessment of sexual functioning and health professionals should take sexual functioning in consideration when they asses patients with diabetes.

Keywords: diabetes, sexual functioning, metabolic control, quality of life.


 

 

Introdução

A disfunção sexual é um problema que interfere diretamente no desempenho sexual de um indivíduo (Goldstein et al., 2003). Alguns estudos têm vindo a demonstrar que os indivíduos com diabetes apresentam uma maior tendência para sofrer de uma disfunção sexual do que os não com diabetes (Bacon et al., 2002; Enzlin, et al., 2002; Penson et al., 2003). Cerca de 50% dos homens com diabetes apresentam disfunção sexual, enquanto que nas mulheres a prevalência parece ser ligeiramente menor (Guay, 2001; Jackson, 2004). Os homens são afetados sobretudo pela disfunção eréctil (incapacidade de conseguir ou manter uma erecção suficientemente firme para ter relações sexuais) e problemas ejaculatórios (ejaculação retrógrada, precoce e/ou retardada) (Bacon et al., 2002; Burke et al., 2007; Penson & Wessells, 2004). Os homens com diabetes com disfunção eréctil (DE) apresentam uma disfunção mais severa do que os homens não com diabetes com DE, bem como apresentam pior qualidade de vida (QV) relacionada com a doença (Penson et al., 2003).

Os problemas sexuais nas mulheres diabéticas têm sido menos estudados, mas os estudos sugerem a presença de problemas ao nível do funcionamento sexual nas mulheres diabéticas (Grandjean & Moran, 2007) quando os resultados são comparados com mulheres não diabéticas (Buvat & Lemaire, 2001). Meeking e colaboradores (1998) verificaram, numa amostra de 161 mulheres diabéticas Tipo 1 e 2, que 64% apresentavam reduzida resposta sexual, 70% perda da capacidade de lubrificação, 36% diminuição da sensibilidade e 47% pouco desejo sexual. Neste sentido, os problemas ao nível do funcionamento sexual mais descritos na literatura são sobretudo a perturbação do desejo sexual (desejo diminuído), dificuldades em atingir o orgasmo (anorgasmia), falta de lubrificação e dor durante o ato sexual (dispereunia) (Fatemi & Taghavi, 2009).A falta de lubrificação provoca dor durante a relação sexual, sendo considerada a disfunção equivalente à disfunção eréctil nos homens (Buvat & Lemaire, 2001). Relativamente ao Tipo da diabetes, os estudos são divergentes, mas sugerem que as mulheres jovens e de meia-idade com diabetes Tipo 1, nomeadamente 32 a 61%, apresentam uma prevalência elevada de dispareunia e 42 a 46% das mulheres com diabetes Tipo 2 (Enzlin et al., 2002).Numa amostra de mulheres insulinodependentes, 10% apresentavam falta de lubrificação (Tyrer et al., 1983), bem como os diabetes do Tipo 2 exerciam um impacto negativo no desejo sexual, capacidade orgásmica, lubrificação e satisfação sexual (Schreiner-Engel, Schiavi, Vietorisz, & Smith, 1987). Mais recentemente, confirmou-se a elevada prevalência de disfunção sexual nas pacientes diabéticas Tipo 2 (Fatemi, & Taghavi, 2009). Lindau e colaboradores (2010),através de um estudo com diabetes e com não diabetes, de meia-idade de ambos os sexos, verificaram que a prevalência de atividade sexual era semelhante, independentemente de os indivíduos terem diagnóstico de diabetes. Contudo, os mesmos autores referem que as mulheres com diabetes, em comparação com os homens com a mesma patologia e com mulheres sem diabetes, tendiam a cessar qualquer atividade sexual mais cedo e, apesar de serem uma amostra com uma significante prevalência de disfunções sexuais, a evitar discutir e assumir este Tipo de problemas, refletindo-se na sua QV e adesão terapêutica.

A QV é uma das dimensões fundamentais na diabetes ao nível da intervenção, nesta população (Anderson, Fitzgerald, Wisdom, Davis, &Hiss, 1997; Testa, Simonson, & Turner, 1998). A literatura indica que a QV de vida nos indivíduos com diabetes é mais baixa do que a verificada em indivíduos da comunidade geral sem diagnóstico de doença crónica, mas mais elevada quando comparados com pacientes com outras doenças crónicas variadas (Rubin &Peyrot, 1999). De acordo com Schram e colaboradores (Schram, Baan, &Pouwer, 2009), pacientes com diabetes Tipo 1 e Tipo 2 estão em maior risco de sofrer decréscimos significativos na QV e maior risco de depressão.

No que diz respeito ao Tipo de diabetes e QV, os pacientes com diabetes Tipo 2 que não administram insulina relatam melhor QV do que os pacientes com diabetes Tipo 2 que administram, embora estes últimos apresentem melhor QV do que os pacientes Tipo 1 (Jacobson, de Groot, &Samson, 1994). Pacientes com diabetes Tipo 1 relataram melhor funcionamento físico, mais limitações devido à saúde física, menos limitações devido a problemas emocionais, mais energia, menor ansiedade e percepções de saúde menos favoráveis (Stewart et al., 1994). Por sua vez, Coffey e colaboradores (Coffey et al., 2002) encontraram resultados semelhantes relativamente à QV nos pacientes com diabetes Tipos 1 e 2, no entanto, quando apresentam comorbilidade associada, quer os pacientes Tipo 1 quer os Tipo 2, apresentam menor QV.

Em termos de controlo metabólico, um bom controlo prediz uma melhor QV física, mental e sexual, bem como uma boa adesão terapêutica (Camacho et al., 2002; Rubin &Peyrot, 1999). Consequentemente, um bom controlo metabólico está associado a uma redução no risco de comorbilidade a médio e longo prazo, como por exemplo a retinopatia, pé diabético ou insuficiência renal (Gatchel&Oordt, 2003), o que se reflete na QV dos indivíduos com diabetes.

O presente estudo teve por objetivo avaliar, em pacientes com diabetes Tipo 1 e 2: a relação entre a qualidade de vida, funcionamento sexual e controlo metabólico; avaliar a existência de diferenças, nas variáveis psicológicas acima referidas, entre diabetes com Tipo 1 e 2; e a relação entre duração da doença, qualidade de vida, funcionamento sexual e controle metabólico.

 

Método

Participantes

A amostra é constituída por 116 pacientes com diagnóstico de diabetes. Destes, 75% são Tipo 2 e 43,1% são do sexo masculino. Em termos de duração da doença, 37% tem a doença há 17 anos, 20% entre 11 e 20 anos e 11% superior a 20 anos. Nos pacientes com diabetes, a distribuição etária variou entre os 25 anos e 82 anos sendo a média de 55 anos. Relativamente às habilitações literárias, a maioria possui o ensino primário (49%) seguindo-se o ensino secundário (18,1%). Apenas 9% dos pacientes com diabetes da amostra possuíam o ensino superior.

Procedimento

A amostra de com diabetes foi recrutada na Associação Diabéticos do Minho e num hospital público, ambos na zona Norte de Portugal. Para ser elegível para participar no estudo, os doentes tinham: 1) possuir um diagnóstico de diabetes Tipo 1 ou Tipo 2 e 2) idade superior a 18 anos; 3) ser capazes de responder por escrito aos instrumentos. O critério de exclusão foi a presença de perturbações psiquiátricas graves. Os pacientes foram informados pelo seu médico, no caso do hospital, ou pela médica coordenadora da Associação, dos objetivos e procedimentos envolvidos no estudo e assinaram um consentimento informado. A participação foi voluntária.

Instrumentos

- Funcionamento Sexual Feminino (Rosen et al., 1997; Nobre, 2003). Trata-se de um questionário de autorresposta, constituído por 20 itens, que pretende avaliar sete fatores do funcionamento sexual feminino: interesse/desejo sexual, excitação sexual, lubrificação, orgasmo, satisfação sexual, dor sexual e vaginismo. O IFSF permite determinar índices para cada subescala, bem como o índice total de funcionamento sexual. Resultados mais elevados indicam melhores índices de funcionamento sexual (exceto nas subescalas dor e vaginismo). Os estudos psicométricos do instrumento revelam uma elevada consistência interna, com alfa de Cronbach superior a 0,82.

- Índice Internacional de Função Eréctil (Rosen et al., 2000; Nobre, 2003) constituído por 20 itens, que permite avaliar cinco dimensões do funcionamento sexual masculino: função eréctil, função orgásmica, desejo sexual, satisfação sexual, satisfação geral e ejaculação prematura. Tal como o instrumento anterior, o IIFE permite igualmente determinar os índices de cada dimensão avaliada, bem como o índice total de funcionamento sexual. Resultados mais elevados são indicadores de melhor índice de funcionamento sexual. Os estudos psicométricos sugerem uma consistência interna razoável, com alfa de Cronbach superior a 0,73.

- Questionário da Qualidade de Vida (Jacobson, 1994; Almeida & Pereira 2005) constituído por 47 itens, divididos por três subescalas: satisfação com o tratamento, impacto do tratamento e preocupação com a diabetes. Resultados mais elevados indicam menor qualidade de vida. Este instrumento apresenta elevada consistência interna com alfa de Cronbach de 0,97.

O Controlo glicémico foi determinado a partir do valor de hemoglobina glicosilada (HbA1c) constante no processo clínico do diabético. Altos valores de hemoglobina representam pior controlo metabólico.

Análise de Dados

Para avaliar as relações entre as diferentes variáveis em ambos os grupos de pacientes foi utilizada a correlação de Pearson. Ao nível das diferenças entre com diabetes Tipo 1 e 2, foi utilizado o teste de Mann-Whitney dado não estarem presentes os corolários para uso de estatística paramétrica.

 

Resultados

Relação entre Funcionamento Sexual, Controlo Metabólico e Qualidade de Vida, em Pacientes Com Diabetes Tipo 1

Os dados presentes na tabela 1 evidenciam uma relação existente entre funcionamento sexual, controlo metabólico, e qualidade de vida. Assim, verificou-se uma relação positiva significativa entre satisfação com o tratamento e a vida e impacto do tratamento (r=0.57, p<0,05), qualidade de vida total (r=0,90, p<0,001), função eréctil (r=0,83, p<0,05) e ejaculação (r= 0,86, p<0,05), sendo estas duas últimas variáveis referentes aos pacientes do sexo masculino, o que significa que os pacientes masculinos que se sentem mais satisfeitos com o tratamento apresentam valores mais elevados nas referidas subescalas.

Encontrou-se uma relação negativa significativa entre o controlo metabólico, nos pacientes femininos, e a lubrificação (r= -0,912, p<0,05). Assim, melhores níveis de controlo metabólico associaram-se a melhor funcionamento sexual feminino, ao nível da lubrificação. Ao nível do controlo metabólico e da qualidade de vida não foram encontrados resultados significativos, nas mulheres. Nos pacientes masculinos, não se verificou nenhuma relação significativa entre controlo metabólico e qualidade de vida embora a tendência seja para que bom controlo metabólico se associe a melhor qualidade de vida e a melhor funcionamento sexual. A tabela 1 apresenta os resultados.

 

Relação entre Funcionamento Sexual, Controlo Metabólico e Qualidade de Vida, nos Pacientes com Diabetes Tipo 2

Em termos de funcionamento sexual e qualidade de vida verificou-se que a satisfação com o tratamento estava negativamente relacionada com a ejaculação nos homens (r=-0,28, p<0,05), e com o interesse sexual (r=-0,52, p<0,05), excitação sexual (r=-0,25, p<0,05), lubrificação (r=-0,35, p<0,05) e satisfação sexual (r=-0,44, p<0,05) nas mulheres com diabetes Tipo 2. Por sua vez, o impacto do tratamento encontrou-se relacionado negativamente com o desejo sexual (r=-0,30, p<0,05) nos homens. Finalmente, maior preocupação com a diabetes relacionou-se com vaginismo (r=0,386, p<0,05) mas também com excitação sexual (r=0,35, p<0,05), e funcionamento sexual global (r=0,35, p<0,05), nas mulheres.

No que diz respeito ao controlo metabólico, verificou-se que nos pacientes do sexo masculino existe uma correlação negativa significativa com o desejo sexual (r=-0,87, p<0,001), o que significa que quanto pior o controlo metabólico menor foi o desejo sexual nestes indivíduos (valores mais elevados no controlo metabólico indicam pior controlo). A tabela 2 apresenta os resultados.

 

 

Relação entre Duração da Doença, Funcionamento Sexual, Controle Metabólico e Qualidade de Vida em Pacientes com Diabetes Tipo 1 e Tipo 2

Não se verificaram relações significativas entre a duração da doença e as variáveis funcionamento sexual, controlo metabólico e qualidade de vida, nos doentes Tipo 1. Apenas se verificou que as mulheres com diabetes Tipo 2, com maior duração da doença, apresentavam melhor funcionamento sexual global (r=0,35; p<0,05).

Diferenças entre Pacientes com Diabetes Tipo 1 e Tipo 2 ao nível do Funcionamento Sexual, Controlo Metabólico e Qualidade de Vida

No que concerne às diferenças entre pacientes com diabetes Tipo 1 e Tipo 2, verificaram-se diferenças significativas entre os dois grupos. As mulheres Tipo 1 apresentam melhor funcionamento sexual ao nível do desejo sexual (Z=-2.59, p<.05); excitação sexual (Z=-2,66,p<.05), satisfação sexual (Z=-2,31, p<0,05); e melhor funcionamento sexual geral (Z=-2,25, p<0,05) que as Tipo 2. Os pacientes com diabetes Tipo 1 apresentam mais preocupações com a diabetes (Z=-2.92, p<.01) e menor qualidade de vida total (Z=-1,97, p<0,05). A Tabela 3 apresenta os resultados.

 

 

Discussão

Na diabetes Tipo 1, os dados evidenciaram uma relação significativa entre o controlo metabólico nas pacientes e funcionamento sexual, sendo que pior controlo metabólico, estava associado a menor funcionamento sexual feminino, ao nível da lubrificação. Por sua vez, os homens que se sentiam mais satisfeitos com o tratamento e seu impacto apresentaram melhor funcionamento sexual (função eréctil e ejaculação) e melhor qualidade de vida. Estes resultados enquadram-se com a literatura, já que os estudos mostram que um bom controlo metabólico permite predizer uma melhor qualidade de vida, bem como melhor funcionamento sexual (Camacho et al., 2002; Rubin & Peyrot, 1999). Os resultados podem ser explicados pelo fato da diabetes influenciar o funcionamento sexual dado os efeitos que provoca nos mecanismos físicos endócrinos responsáveis pelas diversas funções sexuais (Bhasin, Enzlin, Coviello, & Basson, 2007). Assim, ao regular os níveis de glicose que circulam no organismo, os doentes conseguem evitar problemas, ao nível da função sexual.

Na diabetes Tipo 2, maior impacto do tratamento, em termos de qualidade de vida, associou-se a menor desejo sexual nos homens e, por sua vez, maior insatisfação com o tratamento está relacionado com pior funcionamento sexual (ejaculação). Pior controlo metabólico relacionou-se com pior funcionamento sexual (desejo sexual). Estes resultados estão de acordo com o estudo de Ziaei-Rad, Vahdaninia e Montazer (2010) que verificaram que o controlo metabólico não estava associado ao funcionamento sexual a não ser na função eréctil.

Nas mulheres, verificou-se uma relação positiva significativa entre satisfação com o tratamento (subescala da qualidade de vida) e funcionamento sexual (desejo sexual, excitação sexual, lubrificação, satisfação sexual). Assim, as pacientes femininas mais insatisfeitas com o tratamento apresentaram pior funcionamento sexual nas subescalas referidas. Estes resultados estão de acordo com o estudo de Trief e colaboradores (Trief, Himes, Orendorf, & Weinstock, 2001) que mostrou um menor impacto da diabetes associado a melhor qualidade de vida e melhor funcionamento emocional. Por sua vez, pior funcionamento sexual associou-se a pior qualidade de vida, em mulheres. Enzlin e colaboradores (2002) verificaram que as mulheres com pior funcionamento sexual avaliavam a diabetes como tendo um maior impacto na sua vida, apresentavam mais problemas emocionais em se ajustarem à doença e revelavam menor satisfação com o tratamento.

Os resultados também revelaram, nas mulheres, que maior preocupação com a diabetes (subescala da qualidade de vida) estava relacionada com vaginismo. Este resultado vai ao encontro do estudo de Enzlin e colaboradores (2002) que verificaram que as mulheres diabéticas com problemas sexuais percepcionavam pior qualidade de vida. Na realidade, o funcionamento sexual representa uma dimensão de extrema relevância ao nível da qualidade de vida (Wändell & Brorsson, 2000). Estes resultados vão ao encontro de um outro estudo (Buvat & Lemaire, 2001) que mostrou a existência de uma relação negativa entre a preocupação com a diabetes e o funcionamento sexual em mulheres, fato esse que tem uma clara implicação na qualidade de vida da doente e seu parceiro. Interessantemente, a preocupação com a diabetes também se relacionou positivamente com o funcionamento sexual (global, excitação sexual) revelando que este não parece ser afetado pela preocupação com a doença, em termos de qualidade de vida.

Em termos de diferenças entre Tipo 1 e Tipo 2, verificou-se melhor funcionamento sexual nas mulheres Tipo 1 (desejo, excitação, satisfação e funcionamento total). Este fato pode ser explicado pela idade das participantes, visto que efetivamente as doentes Tipo 1 eram mais jovens que as Tipo 2. A literatura sugere um decréscimo no funcionamento sexual, na população em geral, com o avanço da idade, mais saliente em pacientes com diabetes (Wändell & Brorsson, 2000). No entanto, a idade não parece ser a única explicação possível para estas diferenças. O estudo de Enzlin e colaboradores (2002) mostrou que numa amostra de pacientes diabéticas Tipo 1, 27% apresentavam disfunções sexuais, nomeadamente a capacidade de lubrificação encontrava-se diminuída. Por sua vez, Erol e colaboradores (2002), num estudo com mulheres com diabetes Tipo 2, verificaram que existiam uma diminuição no prazer, na sensação clitoriana, na função orgásmica, lubrificação deficitária, melhor funcionamento sexual em geral (usando o FSFI como instrumento de avaliação). Estes dois estudos permitem evidenciar que, independentemente da idade, as pacientes com diabetes Tipo 2 apresentam pior funcionamento sexual que as Tipo 1, visto que ambos os estudos tinham amostras com idades semelhantes (aproximadamente 40 anos). Deste modo, a possível explicação parece residir no fato da diabetes Tipo 2 surgir, geralmente, de forma silenciosa e assintomática. Além disso, também se verifica que quando é diagnosticada (por vezes em análises de rotina), já tem alguns anos de evolução, podendo também coexistirem algumas complicações associadas (Sousa, 2003), nomeadamente problemas no funcionamento sexual (Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal 2001).

Os pacientes com diabetes Tipo 1 apresentaram mais preocupação com a diabetes e pior qualidade de vida, no geral. Estes resultados podem ter a ver com o fato dos pacientes Tipo 1 viverem com a doença há muito mais tempo. Na realidade, os pacientes com diabetes Tipo 1 relataram pior QV do que os pacientes com diabetes Tipo 2 que não tomam insulina (Stewart et al., 1994). De acordo com a literatura, em termos de qualidade de vida, os pacientes com diabetes Tipo 1 apresentam mais limitações devido à saúde física, menos limitações devido a problemas emocionais e percepções de saúde menos favoráveis (Stewart et al., 1994). Por fim, as pacientes diabéticas Tipo 2 com maior duração da doença apresentaram melhor funcionamento sexual global, o que poderá estar relacionado com o fato de estas mulheres terem tido mais tempo de adaptação à doença, o que poderá ter proporcionado um melhor ajustamento à diabetes. Por outro lado, como referem Lindau e colaboradores (2010), o fato das mulheres terem tendência a omitir e, de certa forma, a ignorar possíveis disfunções sexuais causadas por um mal controlo da doença a médio e longo prazo, pode conduzir igualmente à desvalorização dos problemas sexuais.

 

Limitações

A amostra do presente estudo foi limitada, particularmente em termos de pacientes com diabetes Tipo 1, pelo que os resultados devem ser lidos com precaução. Além disso, todos os questionários foram de autorrelato. Investigações futuras deveriam incluir estudos longitudinais e avaliar de que forma o funcionamento sexual tem influência na qualidade de vida e se relaciona com a adesão aos autocuidados e à medicação.

 

Conclusão

Os resultados deste estudo revelaram que os pacientes com diabetes Tipo 1 percepcionam menor qualidade de vida e mais preocupações com a doença que os pacientes Tipo 2. Os homens e as mulheres Tipo 1 apresentam melhor funcionamento sexual que Tipo 2. Finalmente, na diabetes Tipo 2, algumas dimensões do funcionamento sexual, nas mulheres, não parecem ser afetadas pela preocupação com a doença, em termos de qualidade de vida.

Este estudo mostra a importância do funcionamento sexual como área de destaque na intervenção com diabetes, particularmente na diabetes Tipo 2, dado a sua implicação na qualidade de vida do doente. Será também importante, em investigações futuras, incluir os companheiros (as) dos doentes com diabetes e avaliar de que forma o funcionamento sexual dos doentes se encontra relacionado com a satisfação marital e ajustamento conjugal do parceiro e, como estas ultimas variáveis, se relacionam com a adesão terapêutica e qualidade de vida, no doente.

Por último, gostaríamos de referir a necessidade dos profissionais de saúde abordarem os aspectos do funcionamento sexual com o doente com diabetes, dado o seu impacto na qualidade de vida.

 

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1 Este projeto foi financiado pela Bayer Portuguesa.
2 Escola de Psicologia, Departamento de Psicologia Aplicada, Psicologia Clinica e da Saúde, Universidade do Minho, Braga, Portugal E-mail: gracep@psi.uminho.pt
3 Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Braga Portugal. E-mail: angelarodrigues.psi@gmail.com

4 Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Braga, Portugal. E-mail: jonia_santos@yahoo.com

5 Escola de Psicologia, Departamento de Psicologia Aplicada, Psicologia. Clinica e da Saúde, Universidade do Minho, Braga, Portugal. E-mail: susanapedras@gmail.com

6 Escola de Psicologia, Departamento de Psicologia Aplicada, Psicologia Clinica e da Saúde, Universidade do Minho, Braga, Portugal. E-mail: veracosta@gmail.com

7 Hospital de Braga, Serviço de Endocrinologia, Braga, Portugal. E-mail: opmarques@netcabo.pt

8 Associação Diabéticos do Minho, Barcelos, Portugal. E-mail: goretilobarinhas@gmail.com

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