SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.17 número1Construção de vínculo e possibilidade de luto em Unidade de Tratamento Intensivo NeonatalO acolhimento em Saúde no Brasil: uma revisão sistemática de literatura sobre o tema índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.17 no.1 Rio de Janeiro jun. 2014

 

ARTIGOS

 

Mulheres tratadas de câncer do colo uterino: uma análise da questão conjugal

 

Women treated for cervical câncer: an analysis of marital issue

 

 

Luiziane Medeiros Schirmer1; Fernanda Voigt Miranda2; Ítala Villaça Duarte3

Hospital Erasto Gaertner – Curitiba, Paraná, Brasil

 

 


RESUMO

A compreensão das representações de conjugalidade em mulheres submetidas ao tratamento de câncer do colo uterino é relevante pois indica a intenção de um cuidado mais completo e abrangente no âmbito da saúde da mulher. Este estudo tem como objetivo investigar as representações de conjugalidade e as possíveis repercussões do adoecimento e seu tratamento na esfera conjugal em mulheres tratadas por câncer do colo uterino, sob a perspectiva da paciente, durante e após o tratamento. Trata-se de pesquisa qualitativa, sendo entrevistadas 15 mulheres, com idades entre 18 e 65 anos, atendidas pelo SUS. Os dados foram tratados pelo método da Análise de Conteúdo, resultando em quatro categorias temáticas: afetividade, convivência, comunicação e relacionamento sexual. Nas três primeiras, as mudanças ocorridas foram tanto benéficas quanto prejudiciais. Na última, foram relatadas apenas mudanças prejudiciais. Conclui-se que o adoecimento por câncer do colo uterino e seu tratamento têm grande influência na relação conjugal, tanto durante quanto após o tratamento. Haja vista a relevância da relação conjugal no enfrentamento de uma doença e seu tratamento, torna-se indispensável que a equipe de saúde atente-se para a necessidade de um cuidado mais completo e abrangente, proporcionando, dessa forma, um tratamento mais integral à saúde da mulher.

Palavras-chave: Câncer do Colo Uterino, Relacionamento Conjugal, Saúde da Mulher.


ABSTRACT

The apperception of the conjugal representations among women who have undergone cervical cancer treatment is relevant as it points to a more complete and more comprehensive care in the health of a woman. This study aims to investigate the conjugal representations and the possible outcomes of illness in women treating cervical cancer in a conjugal environment, from the patient's perspective, meanwhile and after the accomplishment of the treatment. This is a qualitative research, with 15 women interviewed, aged between 18 and 65 years, under the care of SUS. The data were treated by the Content Analysis method, resulting in four thematic categories: affectivity, acquaintanceship, communication and sexual relationship. Among the first three, the occurred changes were both beneficial as prejudicial. In the last one, only prejudicial changes were reported. In conclusion, the Cervical Cancer illness and its treatment, both in the meanwhile as after its accomplishment, are largely influenced by conjugal relationship. Considering the relevance of conjugal relationship to face an illness and its treatment, it is indispensable to have a medical team aware of the needs of a more complete and comprehensive care, rendering, in this way, a full treatment to the health of women.

Keywords: Cervical Cancer, Marriage, Woman's Health.


 

 

Introdução

Apesar do câncer do colo uterino ser uma doença prevenível através do rastreamento citopatológico e com grande possibilidade de cura quando diagnosticado em seu início, ainda é considerado um importante problema de saúde pública (Anton & Carvalho, 2013). De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA, 2014), esse é o terceiro tumor mais frequente na população feminina, ultrapassado apenas pelo câncer de mama e colorretal, sendo a quarta causa de morte de mulheres por câncer no Brasil. Também segundo os dados do INCA, as estimativas indicam 15.590 novos casos da doença em 2014.

O tratamento para essa neoplasia é composto de cirurgia, quimioterapia e radioterapia, sendo que a definição do tipo de intervenção terapêutica dependerá do estadiamento da doença, tamanho do tumor e fatores pessoais, como idade e desejo de ter filhos (INCA, 2014). A cirurgia é a abordagem de escolha nos estádios iniciais, podendo ser o suficiente e, nos casos avançados, a associação de radioterapia e quimioterapia concomitante é o tratamento padrão (Anton & Carvalho, 2013).

Esses tratamentos podem causar diferentes reações adversas, como dor, alteração gastrointestinal, radiodermite e sangramento, havendo também a possibilidade de acarretar sequelas físicas permanentes, como menopausa precoce, falta de lubrificação, fibrose e estenose do canal vaginal e necessidade de ostomia (Segal, 1994). Além dessas alterações físicas, podem surgir outras de caráter psicológico, emocional e social, relacionadas à imagem corporal, autoestima, conceitos de identidade pessoal, feminilidade, sexualidade, relações íntimas, qualidade de vida e perspectivas futuras (Alves, 2008).

De maneira geral, o adoecimento por câncer constitui um evento traumático na vida do paciente e de seus familiares. As mudanças físicas, psíquicas e de papéis sociais, além da ruptura de planos futuros e da rotina de vida causadas pela doença e seus tratamentos alteram a dinâmica de vida do paciente e interferem consequentemente no funcionamento familiar (Melo et al., 2012; Carvalho, 2008).

A literatura e a prática clínica mostram que a família torna-se um importante suporte para enfrentar tal situação (Barros & Lopes, 2007), sendo o cônjuge um dos componentes dessa rede. No que se refere ao ajustamento psicológico e à qualidade de vida do paciente, o apoio do parceiro pode ser particularmente relevante.

Entretanto, é fundamental considerar que o cônjuge também apresenta dificuldades e necessidades ao longo do processo de doença e tratamento. Dessa forma, ao serem evidenciadas essas questões que envolvem tanto o paciente quanto o cônjuge, enquanto indivíduos, torna-se indispensável questionar em que aspectos a relação conjugal pode ser influenciada pelo adoecimento/tratamento.

Compreende-se relação conjugal como sendo um tipo de vínculo afetivo que resulta da união formal ou consensual entre duas pessoas adultas que decidem formar uma família (Amazonas, Dias & Santos, 2009), sendo constituída por um processo dinâmico e interativo entre o casal, influenciada por aspectos individuais e culturais (Mosmann& Feres-Carneiro, 2006). Diante da literatura pesquisada, destaca-se a recorrente busca em explorar o conceito de conjugalidade, satisfação ou qualidade conjugal, não havendo consenso, porém, acerca das dimensões e variáveis que compõem uma relação amorosa, o que é consequência de seu caráter multidimensional (Mosmann& Feres-Carneiro, 2006).

De acordo com Feres-Carneiro(citada por Amazonas, Dias & Santos, 2009), a relação conjugal envolve duas das mais significativas dimensões da vida: aliança e sexualidade. A primeira dimensão é entendida como uma relação de troca, tanto de bens materiais quanto afetivos e simbólicos, e a segunda é vista de maneira mais ampla do que a relação sexual em si.

Segundo a teoria de Olson (1991) – cujo modelo de funcionamento familiar e conjugal é um dos mais estudados, existem três principais dimensões a serem consideradas acerca desse tema. São elas: a coesão, que diz respeito aos vínculos emocionais que se estabelecem entre o casal, sendo uma medida geral da proximidade afetiva da relação; a adaptabilidade, que se refere à capacidade de adaptação do sistema frente a mudanças; e a comunicação, que tem como característica a função social de compartilhar informações, exercendo influência sobre as outras duas dimensões.

Considerando a variedade de abordagens acerca do assunto, este estudo tem como objetivo inicial levantar quais são as representações de conjugalidade para as mulheres pesquisadas, ou seja, compreender as dimensões envolvidas na relação conjugal e, a partir daí, conhecer as possíveis repercussões do adoecimento por câncer do colo uterino e seu tratamento na esfera conjugal. Para isso, são considerados dois momentos distintos: durante e após o tratamento.

 

Método

A presente pesquisa foi realizada em um hospital oncológico, que está localizado na cidade de Curitiba e é certificado pelo Ministério da Saúde como Centro de Alta Complexidade - CACON III, após submissão e aprovação sob o Protocolo P. P. nº 2085 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da referida instituição. Trata-se de um trabalho de abordagem qualitativa, que busca uma compreensão particular daquilo que estuda, por meio do qual o pesquisador procura entender os fenômenos segundo a perspectiva dos participantes (Nogueira-Martins & Bógus, 2004).

A amostra foi estabelecida conforme os preceitos da saturação teórica (Fontanella, Ricas & Turato, 2008) e composta por 15 pacientes compatíveis com os seguintes critérios de inclusão: ser do sexo feminino, com idades entre 18 e 65 anos, tratadas de câncer do colo do útero pelo Sistema Único de Saúde, no período de 2005 a 2010, que possuíam um relacionamento estável na admissão do tratamento no referido hospital e que aceitaram participar do estudo. As pacientes foram selecionadas por meio da agenda de consultas do Serviço de Ginecologia e do prontuário interno eletrônico (Tasy), de acordo com os critérios de inclusão citados acima.

Antes da consulta com o médico, na sala de espera, a pesquisadora convidava a paciente selecionada a participar do estudo, informando-a verbalmente sobre a proposta do mesmo. Diante do seu consentimento, era realizada a entrevista após a consulta médica, em uma sala reservada, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, constando o objetivo da pesquisa, garantia do anonimato, informações relacionadas ao estudo, bem como outras considerações éticas, seguindo as recomendações da Resolução nº 196/96 de CNS, vigente no momento da pesquisa, que rege as normas em pesquisa envolvendo seres humanos.

Os dados foram coletados através de entrevista semiestruturada, sendo que o roteiro constituiu-se de perguntas abertas a fim de explorar os significados trazidos nas falas das pacientes acerca de suas representações sobre conjugalidade e percepções sobre seus próprios relacionamentos conjugais durante e após o tratamento. Esses depoimentos foram gravados - com prévia autorização das entrevistadas - e transcritos, garantindo assim a integridade das respostas para posterior análise.

Para análise dos dados utilizou-se a Análise de Conteúdo, que trabalha as significações das mensagens emergentes das falas das pacientes (Bardin, 2002). No caso desta pesquisa, dentre as várias técnicas de Análise de Conteúdo, utilizou-se a Análise Temática para compreensão dos dados fornecidos nas entrevistas, que explora o conteúdo das transcrições organizando e estruturando o material segundo as fases sequenciais de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados (Minayo, 1998).

Sendo assim, o conteúdo das entrevistas foi analisado e classificado em categorias temáticas, realizado por meio de um método indutivo, pois foram formadas através das falas das entrevistadas, tendo como objetivo principal abarcar a proposta deste estudo. Salienta-se que, muitas vezes, nas respostas das pacientes foram encontradas duas ou mais categorias ao mesmo tempo, e que essa classificação foi feita por uma questão didática para análise dos dados, mas entende-se que as mesmas são interligadas e influenciam-se mutuamente.

 

Resultados e discussão

A partir dos dados obtidos por meio das entrevistas e do prontuário eletrônico interno (Tasy) das pacientes participantes da pesquisa, em relação à caracterização da amostra, tem-se que a idade das mesmas variou de 25 a 62 anos, sendo que uma paciente encontrava-se na faixa etária de 20 a 29 anos, cinco estavam na faixa de 30 a 39 anos, três possuíam idade de 40 a 49 anos, cinco de 50 a 59 anos e uma entrevistada estava na faixa de 60 a 65 anos. Ressalta-se que o câncer do colo uterino é raro em mulheres até 30 anos e sua incidência aumenta progressivamente até ter seu pico na faixa de 45 a 50 anos (INCA, 2014).

Essas estimativas mostram que a doença incide em uma fase importante da vida das mulheres, pois para a grande maioria, a questão do exercício da conjugalidade está presente, sendo que o adoecimento e a necessidade de tratamento podem acarretar consequências duradouras para essa dinâmica. Observa-se que no momento da entrevista, 14 das 15 pacientes estavam em um relacionamento – o mesmo que haviam mencionado no momento da admissão no hospital.

Com relação ao estádio da doença no momento do diagnóstico, duas pacientes apresentavam estádio Ia2, quatro pacientes Ib, duas pacientes Ib1, uma paciente Ib2, uma estava no estádio IIa, três estavam no estádio IIb e duas estavam no estádio IIIb. E quanto ao tratamento realizado, quatro pacientes foram submetidas exclusivamente à cirurgia, cinco realizaram cirurgia e radioterapia adjuvante, quatro haviam feito radioterapia concomitante à quimioterapia e duas fizeram radioterapia exclusiva.

Sabe-se que cada modalidade de tratamento pode trazer diferentes reações adversas, além de sequelas físicas e psicológicas. Posto isso, destaca-se que apesar do diagnóstico de grande parte das pacientes ter sido feito em estádios considerados inicias, ou seja, de I a IIa (INCA, 2014), a maioria necessitou de mais de um tipo de intervenção terapêutica – o que pode ter como consequência maior fragilidade tanto física quanto emocional.

Essa vulnerabilidade emocional pode ocorrer porque o período de tratamento torna-se mais longo e/ou intenso, ocasionando maior desgaste e, somado a esse fator, existem as questões pessoais vivenciadas por cada mulher (como a idade, momento de vida, representação do tratamento, etc.). Sobrepõe-se a isso ainda o impacto do diagnóstico de câncer, que permanece como uma doença culturalmente estigmatizada, sendo relacionada a sentimentos negativos, inclusive à expectativa de morte (Barbosa & Francisco, 2007).

No processo da entrevista, dois aspectos foram enfocados: a representação de conjugalidade das mulheres entrevistadas e as repercussões do adoecimento por câncer do colo uterino e seu tratamento na relação conjugal, contemplando dois momentos distintos – durante e após o tratamento. Diante disso, como representação de conjugalidade emergiram quatro categorias temáticas, a saber: afetividade, convivência, comunicação e relacionamento sexual.

A categoria temática afetividade abarcou aspectos dos vínculos emocionais e afetivos presentes na relação conjugal, como amor, carinho, confiança, amizade e apoio. Pode ser ilustrada pelas declarações das entrevistadas 8 e 6, respectivamente: "Amor incondicional" e "A gente tem que ser bastante amigo". Tal categoria pode ser equiparada à dimensão "coesão" da teoria de Olson (1991), por estar relacionada à proximidade afetiva do casal.

Segundo Magalhães e Feres-Carneiro (2003), o casamento representa uma relação central de forte significação na vida dos sujeitos, sendo uma escolha baseada em laços de afeto e afinidade. Em uma situação de adoecimento, a necessidade de carinho aumenta e a demonstração de afeto poder ter papel significativo no processo de cura (Simonton, 1990), sendo que a proteção e a segurança recebidas do parceiro podem proporcionar alternativas para o enfrentamento dos problemas, estabelecer uma relação interpessoal positiva e um compartilhar afetivo de emoções, dúvidas e preocupações (Silva & Mamede, 1997).

A categoria temática convivência abrangeu aspectos relacionados à dinâmica de interação do casal em situações do dia a dia, como cooperação, companheirismo, respeito e fidelidade.Pode ser elucidada pelas expressões das participantes 2,3 e 10, que citaram "Viver bem"; da entrevistada 7, que referiu "Saber conviver com o outro",e também da entrevistada 12, cujo depoimento foi "Tudo o que vai fazer, todas as coisas ... tem que combinar pra não ir um prum lado outro pro outro". Essa categoria pode ser comparada à dimensão "adaptabilidade" de Olson (1991), uma vez que a capacidade de adaptação está relacionada diretamente à vivência diária e resolução de situações cotidianas adversas.

A construção da vida marital e da dinâmica de interação dos parceiros demanda um grande investimento por parte dos sujeitos envolvidos. Para Feres-Carneiro(citada por Amazonas, Dias & Santos, 2009), toda dificuldade de ser casal reside no fato de o casal encerrar na sua dinâmica, ao mesmo tempo, duas individualidades e uma conjugalidade, ou seja, de conter dois sujeitos – e com isso diversas outras particularidades de cada um, como dois desejos e duas inserções no mundo que, na relação amorosa, convivem com uma conjugalidade, um desejo conjunto, uma história de vida e um projeto de vida de casal, uma identidade conjugal.

A convivência é construída paulatinamente a partir daí, dessa composição entre forças de individualidade e conjugalidade, sofrendo influência tanto do que a modifica quanto do que a perpetua. Em situações específicas como a vivência de uma enfermidade, fatores como a mudança de rotina e possíveis redistribuições de papéis sociais podem interferir de modo expressivo nessa convivência.

A categoria temática comunicação compreendeu aspectos relacionados à comunicação necessária para a manutenção da relação conjugal, como evidenciou a entrevistada 3, mencionando que é preciso "Sempre procurar conversar, não ter segredos". Encontra-se equivalência à dimensão de mesmo nome na teoria de Olson (1991), que tem a função social de compartilhar informações.

Conforme Brehm (1991), as relações de intimidade surgem dentro dos aspectos de comunicação interpessoal e o amor se estrutura a partir disso, sendo que a comunicação tem uma importante tarefa, que é o revelar-se ao outro. Mais especificamente, como nos traz Picheti (2012), a comunicação entre casais em que um dos cônjuges tem o diagnóstico de câncer é um aspecto que contribui para a qualidade de vida e torna-se uma forma de enfrentamento dessa fase, pois é através dela que os casais expressam seus desejos, sentimentos, angústias e medos, sendo um dos aspectos centrais da conjugalidade.

Na presente pesquisa apareceu também a categoria denominada relacionamento sexual, que se refere aos aspectos relacionados à sexualidade, sendo reportada pela participante 15 como "Sexo é importante" e pelas entrevistadas 8, 9 e 12 como "Intimidade". No entanto, diferente das demais categorias encontradas, essa não tem equiparação com o que foi postulado na teoria de Olson (1991).

De acordo com Feres-Carneiro(citada por Amazonas, Dias & Santos, 2009), a sexualidade antes separada da vida matrimonial passa, a partir do século XVIII, a ser incorporada a ela e, na sociedade contemporânea, é um dos aspectos mais consideráveis da relação conjugal. Dessa maneira, assinala-se que o conceito de sexualidade vem sendo modificado ao longo do tempo e tornando-se mais significativo à vida pessoal e conjugal.

Vale ressaltar que no senso comum, sexualidade é concebida como sinônimo de genitalidade, e vida sexual, equivalente à relação sexual. Entretanto, Freud atribui um significado bem mais amplo ao conceito, situando-o tanto aquém como além do ato sexual (Bearzoti, 1994). Conforme Macieira e Maluf (2008), a sexualidade carrega consigo o senso de identidade pessoal, a forma de relacionamento e troca afetiva que se estabelece com o outro, além da capacidade física de dar e receber prazer sexual, envolvendo um ritual de intimidade com o próprio corpo e com o corpo do outro.

Refletindo sobre o exposto acerca de relacionamento conjugal e sua correlação com adoecimento/tratamento, observa-se que ambos podem sofrer influências mútuas. Diante da inter-relação entre essas questões, torna-se relevante levantar e compreender as possíveis mudanças vivenciadas por essas mulheres em dois momentos distintos: durante e após o término do tratamento para o câncer do colo uterino.

Destaca-se que para uma análise mais detalhada fez-se necessário observar a natureza das mudanças descritas e com isso classificá-las, conforme cada categoria, em positivas ou negativas. Ou seja, verificar se as mudanças foram consideradas benéficas ou prejudiciais para o relacionamento, segundo a vivência e percepção das entrevistadas.

Em relação ao questionamento acerca de possíveis mudanças no relacionamento conjugal durante a realização do tratamento, 13 das 15 entrevistadas responderam afirmativamente. Dessas, oito alegaram mudanças na categoria afetividade, cinco apontaram mudanças na convivência, duas na comunicação e seis no relacionamento sexual.

Sobre as mudanças percebidas na afetividade, das oito mulheres que citaram essa categoria, quatro falaram em mudanças positivas e quatro em mudanças negativas. Entre mudanças positivas,a entrevistada 5 trouxe que o marido "Ficou mais cuidadoso comigo ainda pra tudo". Já a participante 3 relatou que o companheiro "Ficou mais carinhoso" e "Mais amoroso". Observam-se as mudanças negativas nas declarações das entrevistadas 8 e 12, respectivamente: "Eu não tive apoio" e "Fica um pouco mais frio".

Em referência às mudanças identificadas na convivência,das cinco mulheres que abordaram essa categoria, duas relataram mudanças positivas e três mudanças negativas. Como mudanças positivas, têm-se os exemplos da entrevistada 4 que relatou que o marido "Parou com tudo o que incomodava" e o depoimento da entrevistada 1: "Durante o tratamento ele me deu muita força. Foi muito companheiro". E como mudanças negativas, têm-se os exemplos da participante 11, que disse que "(...) não conseguia olhar para ele e imaginar construir um futuro com ele" e também da 8, a qual afirmou que o companheiro "Não soube passar aquela força que precisava no momento".

A respeito das mudanças percebidas na comunicação, uma das pacientes alegou mudança positiva, como nos mostra a fala da entrevistada 3: "(...) ele sempre acha que alguma coisa a mais que ele que deve tipo falar, assim, saber". Já a entrevistada 12 referiu mudança negativa, o que pode ser observado no seu relato: "(...) não tem briga (...) mas sempre fica um pouquinho mais frio (...)".

Sobre as mudanças no relacionamento sexual, as seis mulheres que trouxeram essa categoria citaram mudanças negativas, como pode ser visualizado na fala da entrevistada 9: "Foi bem complicado (refere-se ao ato sexual) porque senti muita dor", e da entrevistada 7: "(...) Mas o relacionamento (sexual) não é como era antes (...) quando a gente faz uma cirurgia, a gente não fica como era assim. Muda... mas, vai dando, né".

Quanto ao período após o término do tratamento, 13 das 15 pacientes afirmaram a ocorrência de mudanças na relação conjugal. Dessas, sete alegaram mudanças na categoria afetividade, duas consideraram mudanças na convivência, duas na comunicação e 11 no relacionamento sexual.

Com relação às mudanças percebidas na afetividade, das sete mulheres que citaram essa categoria, quatro falaram em mudanças positivas e três em mudanças negativas. No que diz respeito às mudanças positivas, têm-se os exemplos das participantes 1, 3 e 4, respectivamente: "(...) ele ficou mais amoroso! Bem mais! (...)"; "Mais carinhoso" e "A gente tá sendo bem unido agora. Realmente a gente é um casal agora". Acerca das mudanças negativas, observa-se o exemplo da fala da entrevistada 2: "Ele quer dar muita atenção né (...) eu não gosto (...) não gosto que fique assim em cima né... dizendo as coisas, que eu não posso fazer isso, não posso fazer aquilo (...)" e também da 6: "(...) perde bastante intimidade, nossa! (...) eu não vou nem procurar, sabe, porque se eu procurar, talvez ele acha que eu quero mais do que aquilo que eu tô querendo... um abraço ou um beijo".

No que concerne às mudanças na convivência,as duas pacientes indicaram percepções negativas. A entrevistada 12 relatou que "Interfere (mudança) na convivência do dia a dia (...) isso é bem complicado" e a 6 proferiu que "A vida da gente fica assim... muito... se torna muito sozinho, né... um num canto e outro, no outro".

As mudanças percebidas na comunicação foram avaliadas por duas participantes como mudanças negativas. Como exemplo tem-se o relato da entrevistada 6: "Você não tem às vezes muito o que conversar (...)".

Com relação às mudanças no relacionamento sexual, as 11 entrevistadas que citaram essa categoria compreenderam como mudanças negativas, o que pode ser visualizado nos depoimentos das participantes 6, 11, 10, 7, 12 e 4, respectivamente: "(...) parece que quando vai ter uma relação, aquilo tá tudo (...) como se estivesse colado"; "Não consigo me soltar muito, não relaxo"; "Não tenho aquela vontade"; "É ... o corpo muda. Porque a gente fica com uma dor aqui e outra ali, né"; "Você já não tem aquela intimidade, né, com o marido" e "(...) sexualmente a gente não tá bem ainda (...)".

A partir da análise dos relatos, a presente pesquisa mostrou que cerca de 90% das entrevistadas perceberam a ocorrência de mudanças no relacionamento conjugal tanto durante quanto após o término do tratamento para o câncer do colo uterino. Em relação às categorias afetividade, convivência e comunicação, foram identificadas tanto mudanças positivas quanto negativas, enquanto que na categoria relacionamento sexual foram constatadas somente mudanças negativas.

As categorias afetividade e convivência parecem estar diretamente relacionadas aos cuidados diante do adoecimento e tratamento, situação que envolve necessariamente questões afetivas e mudanças na rotina do dia a dia. Trata-se de um período com prováveis modificações dos papéis sociais,muitas incertezas, medos, inseguranças e ansiedades. Isso pode ser identificado na fala da entrevistada 12:

Então... quando você tem saúde tudo é 10 pra você, agora quando você tá com um problema de saúde, um dia bom, um dia não... aí então fica difícil. Você pensa como vai ser o futuro... como vai ser pra frente (...).

Vivenciar esses aspectos pode fragilizar emocionalmente as pacientes a ponto de algumas necessitarem de maior compreensão, afeto e flexibilidade por parte de quem compartilha a vida com elas, entendendo isso como atitudes positivas, enquanto que outras podem perceber esses cuidados como sentimentos de pena e compaixão, remetendo à percepção negativa. Isso fica evidente no relato da entrevistada 6: "(...) porque tô passando por tudo isso... e ele tem que ter muita paciência (...)" – percepção positiva da necessidade de compreensão; e da entrevistada 2: "Ele ficou agora bem cuidadoso (...) eu não gosto porque parece que eles tão com dó da gente" – percepção negativa dos cuidados despendidos pelo parceiro.

Atrelado a isso, observa-se que a comunicação quando se faz presente e é adequada pode ser concebida como um aspecto de cuidado e atenção, interferindo de forma favorável na dinâmica da conjugalidade e no enfrentamento do adoecimento e tratamento. Em contrapartida, quando há lacunas na comunicação, a relação entre os parceiros fica deficitária, pois o revelar-se ao outro não acontece, estabelecendo-se uma falta de expressão e compartilhamento dos sentimentos e emoções vivenciados. Esses aspectos podem ser constatados no depoimento da entrevistada 3: "(...) a gente vive bem, conversa bastante assim (...)" – percepção positiva; e também da 6: "Muda no silêncio, né... você fica muito quieto (...)" – percepção negativa.

A categoria relacionamento sexual foi associada, invariavelmente, a mudanças negativas tanto durante quanto após o término do tratamento. De maneira geral, foram relatadas pelas participantes alterações da imagem corporal, diminuição da autoestima, da libido e da intimidade com o cônjuge, perda da fertilidade, bem como alterações físicas, como fibrose e estenose vaginal, gerando dor durante o ato sexual.

Observa-se com isso que o câncer do colo uterino e seus tratamentos podem ser vivenciados como uma agressão à sexualidade tanto em termos fisiológicos quanto emocionais, mudando de maneira negativa esse aspecto da conjugalidade e, consequentemente, alterando a dinâmica do casal. Nesse sentido, podem surgir sentimentos de castração da feminilidade, haja vista que há uma mutilação de um dos órgãos que conferem simbolicamente à mulher esse caráter (Nunes, Gomes, Padilha, Gomes & Fonseca,2009; Teitelrot, 1980). A castração também diz respeito, no caso, à perda da fertilidade, sendo que tais aspectos físicos e psicológicos têm significativa influência na vida sexual e consequentemente na vida conjugal dessas mulheres e seus parceiros.

De acordo com Macieira e Maluf (2008), o funcionamento sexual do casal após o adoecimento – mesmo que considerado satisfatório antes do aparecimento da doença, pode sofrer uma desorganização, a partir do estresse físico e emocional, da dor, da insegurança e do medo decorrentes do câncer e/ou do tratamento. Sendo assim, essa situação pode acarretar sofrimento isolado de cada um, sem compartilhamento da dor, solidão ou tristeza. Um exemplo é o relato da entrevistada 12:

(...) não tem briga, não tem nada (...) mas um pouco mais distante, fica (...) de ambos os lados, não só do lado dele como do meu (...) mesmo porque a gente fica meio assustada também né (...) pelo fato de medo de sentir uma dor, qualquer coisa que volte a doença.

Nota-se que a categoria relacionamento sexual foi citada diversas vezes pelas mulheres entrevistadas nos dois momentos, entretanto, apresentou uma frequência maior no momento após o término do tratamento. A partir disso, pode-se pensar que durante o tratamento o foco acaba sendo a sobrevivência e, após esse período, outros aspectos da vida vão sendo retomados, tornando-se tão importantes quanto antes. Assim sendo, a qualidade conjugal pode ser prejudicada, uma vez que podem ocorrer alterações físicas e/ou psicológicas, fazendo-se necessário que a equipe de profissionais dedique atenção a esses aspectos e direcione cuidados também para a esfera da sexualidade durante todo o processo.

É interessante destacar que, através da revisão de literatura e da prática clínica, observa-se que há diferentes aspectos envolvidos em cada tipo de tratamento. Em geral, as consequências do tratamento com radioterapia têm maior impacto na atividade sexual, o que é indicado na afirmação da entrevistada 13: "(...) eu fiquei triste quando eu fiz a 'radinho', porque ela me judiou muito né. Você sabe que ela queima a gente, né... e no queimar então eu sentia muita dor na relação sexual (...)".

Com a radioterapia pode ocorrer, por exemplo, o surgimento de fibrose e estenose, que são a diminuição da elasticidade e o estreitamento da vagina, respectivamente. Como consequência disso, além de complicações na relação sexual, também pode haver dificuldade na realização de exames, como o preventivo, muitas vezes interferindo no acompanhamento médico posterior. Para que casos assim sejam prevenidos ou minimizados, torna-se fundamental que todos os membros da equipe multiprofissional forneçam as orientações precisas à paciente e ofereçam os serviços apropriados desde o princípio.

Já a quimioterapia pode trazer consequências significativas na autoimagem e autoestima, visto que, de uma forma geral, algumas de suas reações adversas mais conhecidas e perceptíveis são a debilidade física e a queda de cabelo, o que pode interferir no reconhecimento da feminilidade da paciente. Tal fato pode ser exemplificado pela entrevistada 10, ao relatar que "(...) quando o médico falou pra mim que eu tava com câncer, era maligno e ia cair meu cabelo... nossa, eu fiquei desesperada! (...) agora eu não tenho assim vontade de ter relação". Esses aspectos também podem ocorrer diante de amputações e cicatrizes acarretadas por intervenções cirúrgicas, os quais podem ser observados na afirmação da participante 7: "(...) antes a gente é uma, depois é outra, né. Depois que eu fiz cirurgia... é difícil né... tirei o útero tudo, né (...)".

Percebe-se com esses dados e com o que a literatura apresenta que uma doença como o câncer e seus tratamentos podem trazer mudanças nos modos de relação de interdependência das pessoas envolvidas, sendo que essas alterações podem gerar um estado de equilíbrio ou o contrário em seu cotidiano (Almeida, 2006). No que se refere ao que determinará esse estado, ressalta-se que a vivência compartilhada do casal, considerando a relativa continuidade e estabilidade desse vínculo, fundamenta-se e estrutura-se na identidade conjugal, a qual é forjada na trama identificatória dos parceiros, que vivenciam uma relação baseada em laços afetivos e na noção de complementaridade. Nessa identidade estão presentes aspectos inconscientes (motivações, desejos e fantasias) e aspectos conscientes, que se referem principalmente ao projeto de vida do casal (Feres-Carneiro & Magalhães, 2000).

Acrescenta-se que o processo no qual se dá a conjugalidade geralmente é pensado a partir da reatualização da trajetória edípica dos parceiros (reatualização de conflitos primitivos), além do compromisso inconsciente que sustenta a escolha amorosa. Desse modo, os parceiros se deparam com a oportunidade de elaborar alguns conflitos de forma produtiva, criativa, ou permanecer repetindo sintomaticamente aspectos patológicos na relação conjugal (Feres-Carneiro & Magalhães, 2000).

Dentro dessa perspectiva, a forma como está configurado o processo de conjugalidade entre o casal, sua história prévia e a qualidade desse relacionamento podem ser determinantes no modo de enfrentamento da situação de doença e seu tratamento. Ou seja, esses elementos podem influenciar a maneira como esses parceiros posicionar-se-ão como casal diante dessa nova realidade, o que pode vir a fortalecer ou fragilizar os laços amorosos já estabelecidos.

A partir disso, pode ocorrer a manutenção de um casamento ou a sua ruptura, sendo que a rigidez e a estereotipia estão relacionadas à patologia, enquanto que a flexibilidade e a possibilidade de mudança apontam para a saúde (Feres-Carneiro, 1994). Das participantes da pesquisa, a única que se separou do parceiro referiu que a ruptura ocorreu durante o adoecimento/tratamento, o que é ilustrado através do depoimento da entrevistada 11:

(...) depois que eu passei por tudo o que eu passei (refere-se à doença) (...) foi o momento que eu tomei minha decisão de ficar sozinha (...) foi durante o tratamento. Que até então era bom... meu casamento era mil maravilhas... os planos, ter filhos, sabe, de subir na vida, ir pra frente, construir as coisas... Aí no momento que o médico falou que eu não podia ser mãe daí eu só pensava naquilo, só vinha aquilo na minha cabeça: 'mãe-família, mãe-família' (...) daí desmoronou totalmente (refere-se ao relacionamento).

No caso dessa paciente, a rigidez e a impossibilidade de mudança diante da desestabilização imposta pelo adoecimento/tratamento ocasionaram a ruptura do relacionamento conjugal. O fato de todas as outras entrevistadas permanecerem em seus relacionamentos, a despeito das dificuldades relatadas, traz à tona mais reflexões a partir dos dados relativos à categoria afetividade, a qual foi bastante citada tanto em relação a mudanças positivas quanto negativas no relacionamento conjugal durante e após o tratamento.

No que se refere às mulheres que consideraram mudanças positivas no âmbito afetivo apesar do impacto da doença, pode-se pensar que o adoecimento e tratamento tenham proporcionado um estreitamento da relação conjugal, podendo ser esse um dos motivos para a continuidade e manutenção do relacionamento. Por outro lado, através dos discursos das entrevistadas, pôde-se perceber a necessidade de uma rede de apoio para auxiliá-las no enfrentamento das dificuldades advindas do adoecimento e tratamento e, dessa forma, o receio das consequências ao abdicar desse apoio, mesmo que não satisfatório, pode ser fator decisivo frente à escolha de permanecer na mesma relação amorosa.

Assim sendo, através da análise dos sentidos subjacentes às falas das pacientes, evidenciou-se que romper o relacionamento atual, e talvez recomeçar uma vida afetiva com outro parceiro após esse período, gera sentimentos de insegurança e incapacidade. Esse apego a uma situação que já está há anos estabelecida, somado ao receio da mudança, pode estar associado ao fato de muitas entrevistadas terem mantido seus relacionamentos conjugais mesmo indicando a ocorrência de mudanças negativas durante e após o tratamento, o que fica evidente na fala da participante 12: "Mas claro, não quero perder o companheiro né... porque são 22 anos... não são 22 dias, 22 semanas... são 22 anos né". Da mesma forma, isso fica visível na declaração da entrevistada 6: "(...) meus filhos são muito novinhos né... eles precisam de mim, assim como precisam do pai... então eu sei que eu tenho que ter paciência (...) tem que relevar (...)".

Sendo assim, diante dos dados e das considerações expostas, percebe-se a complexidade do cenário de adoecimento por câncer do colo uterino e seu tratamento, bem como algumas de suas implicações na vida da pessoa acometida por essa doença. Destaca-se, por isso, a importância de ser dispensada a devida atenção às especificidades da situação, e a necessidade de que todos os profissionais envolvidos conheçam as demandas desse contexto e contemplem as particularidades de cada indivíduo.

 

Considerações finais

Perante os resultados desta pesquisa, observa-se que o adoecimento por câncer do colo uterino e seu tratamento têm grande influência na relação conjugal, tanto durante quanto após o tratamento, de acordo com a percepção de mulheres que vivenciaram esse processo. Percebe-se ainda, que as mudanças ocorridas nas dimensões relatadas como componentes da conjugalidade – afetividade, convivência, comunicação e relacionamento sexual – podem ser vivenciadas de maneira positiva ou negativa.

As categorias afetividade, convivência e comunicação apresentaram relatos de mudanças positivas e negativas, sendo que o tipo de mudança estava relacionado, de maneira geral, a aspectos subjetivos das entrevistadas e à dinâmica prévia do casal. Entretanto, a categoria relacionamento sexual apresentou somente citações de mudanças negativas.

Tendo em vista a relevância da relação marital na vida das pessoas e, mais especificamente, no enfrentamento de uma doença e seu tratamento, torna-se indispensável que a equipe de saúde atente-se para a necessidade de um cuidado mais completo e abrangente. Desse modo, os atendimentos devem incluir intervenções que ponderem as dimensões da relação conjugal das mulheres que são submetidas ao tratamento para o câncer do colo uterino.

Um dos pontos que merece destaque é o relacionamento sexual, o qual sofre mudanças negativas, mas muitas vezes não é abordado ao longo das consultas. Salienta-se que a maioria das mulheres entrevistadas trouxe os relatos sobre esse assunto mais ao final da entrevista, indicando que questões atreladas à sexualidade ainda são consideradas interditas, apesar do papel mais ativo que o tema exerce atualmente em nossa sociedade. Esse fato, associado ao investimento na sobrevivência durante o tratamento, pode vir a dificultar a verbalização da paciente sobre essa temática no momento das consultas, além de prejudicar a abordagem e a escuta de quem a atende, tornando-se imprescindível que os profissionais de saúde revejam suas intervenções e facilitem a comunicação, dedicando maior atenção às questões sexuais da paciente ao longo de todo o processo.

Enfatiza-se também que, devido aos avanços terapêuticos, há melhores índices de controle/cura da doença, com consequente aumento da sobrevida, tornando-se fundamental que, desde o princípio, sejam realizadas reflexões e ações também voltadas para a qualidade de vida após o tratamento. Tais atitudes permitem disponibilizar de forma precoce os serviços que se fizerem necessários, uma vez que as possíveis sequelas do tratamento para essa doença podem trazer consequências significativas a curto e longo prazo.

Com o intuito de oferecer um tratamento integral, que contemple todos os aspectos envolvidos em uma situação de doença, revela-se primordial o atendimento multiprofissional, abrangendo diferentes áreas da saúde que têm seu trabalho específico, mas são complementares umas às outras. Esses profissionais, ao trabalharem em equipe, poderão atuar de maneira mais efetiva na evolução do quadro clínico como um todo, proporcionando inúmeros benefícios à paciente.

De uma forma geral, evidencia-se que o acompanhamento psicológico, desde o momento inicial de investigação e diagnóstico, poderia ser benéfico, tanto como um espaço de escuta, como para eventuais encaminhamentos e orientações. Além disso, há questões que poderiam ser mais bem compreendidas no cenário de um atendimento psicológico, especialmente relacionadas à conjugalidade, pois muitas vezes esses aspectos não recebem a devida atenção, seja pela falta de tempo, seja pelas características inerentes a cada profissão.

A relevância deste estudo reside no fato de se compreender melhor algumas das questões implicadas no contexto do adoecimento por câncer do colo do útero e tratamento, com foco na subjetividade dessas mulheres em relação a possíveis repercussões na vida conjugal. Dessa maneira, há possibilidade de reflexão sobre as atuações das equipes de saúde em oncologia de modo a oferecer um atendimento mais global a essas pacientes, proporcionando uma escuta mais atenta às suas demandas, a qual muitas vezes é prejudicada por diversas razões, seja por mecanismos de defesa, medo, preconceito, razões socioculturais, entre outras.

Para pesquisas futuras, podem ser estabelecidos paralelos entre o discurso da paciente e de seu cônjuge, a fim de verificar as percepções de cada um. Ou ainda, buscar conhecer a percepção dos profissionais que cuidam dessas pacientes, com foco na atenção despendida às perspectivas tratadas neste estudo. Essas contribuições viabilizariam uma compreensão mais detalhada e contextualizada, o que possibilitaria um tratamento mais integral e humanizado.

As questões referentes a esse contexto não se encerram aqui, sendo essencial a continuidade de pesquisas acerca do tema. Ressalta-se que se trata de um assunto com ainda pouca produção literária de apoio e de extrema importância para a saúde da população, especialmente para a saúde da mulher.

 

REFERÊNCIAS

Almeida, R. A. (2006). Impacto da mastectomia na vida da mulher. Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar, 9(2), 99-113.         [ Links ]

Alves, M. (2008). Influência dos cancros ginecológicos e de mama no ajustamento conjugal. Tese de mestrado. Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação da Universidade de Lisboa, Lisboa.         [ Links ]

Amazonas, M. C. L. A., Dias, C. M. S. B. & Santos, G. A. (2009). Conjugalidades interculturais e relações de gênero. In L. C. Osório & M. E. P. Valle. Manual de terapia familiar. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Anton, C. & Carvalho, J. P. (2013). Tumores do Colo Uterino. In P. M. G. Hoff. Tratado de Oncologia. São Paulo: Editora Atheneu.         [ Links ]

Barbosa, L. N. F. & Francisco, A. L. (2007). A subjetividade do câncer na cultura: implicações na clínica contemporânea. Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar, 10(1), 9-24.         [ Links ]

Bardin, L. (2002). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.         [ Links ]

Barros, D. O. & Lopes, R. L. M. (2007). Mulheres com câncer invasivo do colo uterino: suporte familiar como auxílio. Revista Brasileira de Enfermagem, 60(3), 295-298.         [ Links ]

Bearzoti, P. (1994). Sexualidade: um conceito psicanalítico freudiano. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 52(1), 113-117.         [ Links ]

Brehm, S. (1991). Las relaciones intimas. In S. Moscovici (Org). Psicologia Social I (pp. 211-236). Barcelona/Buenos Aires/México: Ediciones Paidós.         [ Links ]

Carvalho, C. S. U. (2008). A necessária atenção à família do paciente oncológico. Revista Brasileira de Cancerologia, 54(1), 87-96.         [ Links ]

Feres-Carneiro, T. (1994). Terapia de casal: ruptura ou manutenção do casamento? Temas em Psicologia, 2(2).         [ Links ]

Feres-Carneiro, T. & Magalhães, A. S. (2000). Retorno da conjugalidade sobre a subjetividade dos parceiros: Uma questão para a clínica psicanalítica do casal. Estados Gerais da Psicanálise. OnLine. Recuperado em 13 de janeiro, 2014, de http://egp. dreamhosters.com/EGP/141-retorno.shtml        [ Links ]

Fontanella, B. J. B., Ricas, J. & Turato, E. R. (2008). Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cad. Saúde Pública, 24(1), 17-27.         [ Links ]

Instituto Nacional de Câncer – INCA (2014). Tipos de câncer: colo do útero. Rio de Janeiro: INCA. Recuperado em: 27 de maio, 2014, de http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home/colo_utero

Instituto Nacional de Câncer – INCA (2014). Tipos de câncer: colo do útero/tratamento. Rio de Janeiro: INCA. Recuperado em: 27 de maio, 2014, de http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home/colo_utero/tratamento

Instituto Nacional de Câncer – INCA (2014). Controle do câncer do colo do útero. Rio de Janeiro: INCA. Recuperado em: 27 de maio, 2014, de http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/acoes_programas/site/home/nobrasil/programa_nacional_controle_cancer_colo_utero/conceito_magnitude

Instituto Nacional do Câncer – INCA (2014). Câncer de colo uterino. Rio de Janeiro: INCA. Recuperado em: 29 de maio, 2014, de http://www1.inca.gov.br/pqrt/download/tec_int/cap1_p1.pdf

Macieira, R. C., & Maluf, M. F. (2008). Sexualidade e câncer. In A. V. Carvalho. Temas em psico-oncologia (pp. 303-315). São Paulo: Summus.         [ Links ]

Magalhães, A. S. & Feres-Carneiro, T. (2003). Conjugalidade e subjetividades contemporâneas: o parceiro como instrumento de legitimação do "eu". Estados Gerais da Psicanálise. OnLine. Recuperado em 24 de junho, 2014, de <http://www.institutounipac.com.br/aulas/2010/1/UBSOC05N1/000229/000/Conjugalidade.pdf>         [ Links ].

Melo, M. C. B., Barros, E. N., Campello, M. C. V. A., Ferreira, L. Q. L, Rocha, L. L. C., Silva, C. I. M. G. & Santos, N. T. F. (2012). O funcionamento familiar do paciente com câncer. Psicologia em Revista, 18(1), 73-89.         [ Links ]

Minayo, M. C. S. (1998). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hacitec-Abrasco.         [ Links ]

Mosmann, C., Wagner, A. & Feres-Carneiro, T. (2006). Qualidade conjugal: mapeando conceitos. Paidéia, 16(35), 315-325.         [ Links ]

Nogueira-Martins, M. C. F. & Bógus, C. M. (2004). Considerações sobre a metodologia qualitativa como recurso para o estudo das ações de humanização em saúde. Saúde e Sociedade, 13(3), 44-57.         [ Links ]

Nunes, M. P. R. S., Gomes, V. L. O., Padilha, M. I., Gomes, G. C., & Fonseca, A. D. (2009). Representações de mulheres acerca da histerectomia em seu processo de viver. Escola Anna Nery, 13(3), 574-581.         [ Links ]

Olson, D. H. (1991). Tipos de familia, estrés familiar y satisfacciónconlafamilia: una perspectiva deldesarrollo familiar. En C. J. Falicov (Com.), Transiciones de La familia. Continuidad y cambio en el ciclo vital (PP. 99-128). Buenos Aires: Amorrortu

Olson, D. H. (2000). Circumplex Model of Marital and Family Systems. Journal of Family Therapy, 22, 144-167.         [ Links ]

Picheti, J. S. (2012). Relação conjugal em situação de câncer em um dos cônjuges. Tese de mestrado. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo.         [ Links ]

Segal, S. M. (1994). Desfazendo mitos: sexualidade e câncer. São Paulo: Ágora.         [ Links ]

Silva, R. M. & Mamede, M. V. (1997). Conviver com a mastectomia. Fortaleza: FCPC.         [ Links ]

Simonton, M. S. (1991). A família e a cura. São Paulo: Summus.         [ Links ]

Teitelroit, B. (1980). Histerectomia e revivência da fantasia de castração: uma exploração através do Rorschach. Psico, 1(2).         [ Links ]

 

 

1 Hospital Erasto Gaertner – Curitiba, Paraná, Brasil.E-mail: luizianemedeiros@yahoo.com.br
2 Hospital Erasto Gaertner – Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: fer_voigt@yahoo.com.br
3 Hospital Erasto Gaertner – Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: Itala.duarte@hotmail.com

Creative Commons License