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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.17 no.2 Rio de Janeiro dez. 2014

 

ARTIGOS

 

O processo do morrer inserido no cotidiano de profissionais da saúde em Unidades de Terapia Intensiva

 

The dying process into health professionals' daily life working in Intensive Care Units

 

 

Clarissa Pires Pereira1; Sandra Ribeiro de Almeida Lopes2

Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo – SP

 

 


RESUMO

Objetivou-se verificar junto a profissionais de medicina e de enfermagem, que trabalham em UTIs, suas percepções e atitudes acerca da morte e as estratégias de enfrentamento utilizadas no cotidiano profissional. Foram realizadas entrevistas individuais e semi-estruturadas. Os dados foram submetidos à análise qualitativa a partir da identificação das categorias: tempo de atuação e idade dos profissionais, enfrentamento da morte e características do ambiente de trabalho. Identificou-se que, quanto maior o tempo de atuação profissional maior a facilidade para lidar com a morte. Independentemente da idade e do tempo de experiência do profissional, a morte é mais difícil de enfrentar quando se trata de um paciente criança/jovem, que está em sofrimento ou é vítima de uma morte trágica. O enfrentamento da morte no trabalho trouxe mudanças no âmbito pessoal, no que se refere a repensar e valorizar mais a vida e o contato com as próprias famílias. O trabalho em UTI foi caracterizado como árduo e cansativo, sendo o tema da morte pouco abordado no trabalho, no meio familiar e mesmo durante a graduação. Conclui-se sobre a importância da criação de espaços dentro dos hospitais onde possam ser abordadas as vivências e as dificuldades enfrentadas no cotidiano desses trabalhadores.

Palavras-chave: Morte; Profissionais de saúde; Unidade de Terapia Intensiva.


ABSTRACT

The purpose of this study is to verify with health and nursing professionals, who work in intensive care units, their perceptions and attitudes about death and dying, and their coping strategies in daily professional life. Individual and semi-structured interviews were conducted. The data was subjected to qualitative analysis based on the identification of the categories: work time and age of the professionals, coping with death and work environment characteristics. The data pointed that the longer the professional has worked, the easier to deal with death. Regardless the age and the professional experience, death is considered more difficult to cope with when it regards a child or young patient under suffering or is victim of a tragic death. Dealing with death in the workplace brought about changes on a personal level on rethinking and valuing life, and the contact with their own families. Working in the ICU was characterized as tiring, being the subject of death rarely addressed in the workplace, either within the professionals' family circle, or even during the undergraduate degree. It concludes on the importance of creating spaces within the hospitals where the experiences and difficulties faced by these workers in their daily life can be addressed.

Keywords: Death; Health professionals; Intensive Care Unit.


 

 

Introdução

Morte e morrer

A morte é um dos mais fidedignos problemas da existência humana, sendo discutida ao longo de todos os tempos. Kovács (1992) aponta que não existe apenas uma morte, e sim várias, presentes em todo o processo evolutivo do ser humano, sendo que cada indivíduo tem a sua própria percepção do que representa a morte, atribuindo a esta formas, qualidades e personificações. São diversos os fatores que interferem na maneira de reagirmos à morte, tais como idade, saúde, cultura, religião, educação e vida social (Salomé, Cavali & Espósito, 2009).

Antigamente, toda a comunidade vivenciava a morte e tal experiência possibilitava que os sujeitos pensassem em sua própria finitude (Moreira & Lisboa, 2006 citado por Fernandes, Iglesias & Avellar, 2009). Com o passar do tempo e o avanço da tecnologia, a morte passou a ocorrer nos hospitais e foram descobertas causas e curas para diferentes enfermidades, contribuindo, nesse sentido, para o aumento dos anos de vida da população e para uma mudança em relação ao modo de lidar com a morte (Kubler-Ross, 1996). Como desfecho dessas modificações houve um aumento também no número de problemas de ordem emocional, fomentando nessa direção, uma necessidade de se entender e de lidar com as questões diante da morte e do ato de morrer.

Mesmo com as transformações culturais e históricas é possível perceber ainda nos dias de hoje que falar sobre a morte representa um tabu. Nesse sentido, cada sujeito deve repensar sua relação com a morte para que a alienação em relação a ela não lhes promova traumas e sequelas psicológicas.

Morte no contexto hospitalar

Antigamente, as pessoas morriam em casa, ao lado de seus familiares, fato que foi substituído pelas máquinas e aparelhos hospitalares. A sociedade contribui para cada vez mais as pessoas serem mantidas vivas, ligadas a máquinas, aparelhos ou computadores (Kubler-Ross, 1996).

O desenvolvimento da tecnologia médica fez com que os hospitais se tornassem instituições para cura. Diante disso, cabe a pergunta se o papel das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) é salvar vidas ou prolongar mortes (Kóvacs, 2008), fato que contribui para que a UTI seja vista como um ambiente causador de estresse, desgaste e situações de difícil enfrentamento (Preto & Pedrão, 2009).

Com o avanço da tecnologia, a medicina prolongou a vida e o processo de morrer. Isto pode acarretar um intenso sofrimento no profissional da área da saúde, uma vez que são destinados a cuidar e conviver com pacientes gravemente enfermos (Marta, Marta, Filho & Job, 2009).

Há uma ideologia na instituição hospitalar de que esta equivale ao local de cura e saúde, não havendo espaço para o morrer (Machado, 1997 citado por Fernandes, Iglesias & Avellar, 2009). Porém, é necessário que as instituições hospitalares reconheçam que tal contexto produz sofrimento emocional aos trabalhadores. Se não existir a intervenção por meio de projetos psicossociais que abordem as rotinas e plantões, assim como todas as questões que giram em torno disso, o profissional de saúde não irá encontrar um espaço no local de trabalho que dê algum tipo de suporte para as suas dificuldades e frustrações cotidianas (Silva & Ruiz, 2003).

Profissionais de saúde e a morte

Ser portador de uma doença que possa interromper a vida é algo delicado, sofrido e que causa medo. Tal medo pode desaparecer quando o paciente adquire confiança no profissional e, para isso, este não pode fugir, recuar ou mesmo temer essa situação, uma vez que a premissa máxima é de que o paciente é aquele que procura uma pessoa que o cure e o médico é procurado para salvar o indivíduo e proporcionar tal cura (Amaral, Achette, Barbosa, Bruscatto & Kavabata, 2008).

Há uma ênfase nos cursos na área da saúde para os procedimentos técnicos, e não para uma formação mais humanista (Bifulco, 2006). Pois, "podemos ajudar nossos pacientes a morrer, tentando ajudá-los a viver, em vez de deixar que vegetem de forma desumana" (Kubler-Ross, 1996, p. 48). A reação do paciente não depende somente de como o médico lhe diz uma notícia, mas é de extrema importância o modo como tal notícia é comunicada (Kubler-Ross, 1996).

Segundo Doyle (1999) citado por Bifulco (2006), quando a cura não é mais possível, o profissional de saúde deve aliviar o sofrimento, proporcionar bem-estar físico e emocional ao paciente, oferecer assistência aos familiares até o enfrentamento do luto.

Com o desaparecimento do luto pela sociedade capitalista, as instituições hospitalares passaram a ser o refúgio da morte e do sofrimento. O profissional de saúde faz parte de uma sociedade que não aceita o sofrimento, entretanto, tem que conviver com ele, resultando em intensos sentimentos e ansiedades para aqueles que assumem os cuidados do paciente (Pitta, 1990 citado por Fernandes, Iglesias & Avellar, 2009).

Para Kovács (1992), diante da morte de um paciente, o narcisismo do médico fica ferido, ele pode sentir impotência, culpa ou até mesmo raiva e isto faz com que o cuidado ao doente fique destinado principalmente aos enfermeiros. Vale ressaltar que os sentimentos e as expectativas dos profissionais da saúde são diferentes de acordo com a especialidade escolhida.

Quando há um contato mais próximo e prolongado com o paciente e seus familiares, é mais comum que as experiências e sentimentos dos profissionais de saúde sejam intensamente dolorosos e potencialmente traumáticos. De acordo com Salomé, Cavali e Espósito (2009), o enfermeiro considerado como bom profissional é aquele que, com o passar dos anos de profissão, torna-se "frio" em suas ações, não demonstrando emoções.

Pensando nessas questões, Bifulco (2006) aponta a importância de haver espaços na formação de profissionais de saúde onde possa ser discutido o tema da morte e do morrer, a fim de sensibilizá-los e orientá-los, uma vez que tal tema irá fazer parte de suas práticas cotidianas.

Para tanto, o objetivo do presente trabalho foi verificar junto a profissionais de medicina e de enfermagem, que trabalham em unidades de terapia intensiva, suas percepções e atitudes acerca da morte e do morrer, bem como as estratégias de enfrentamento utilizadas por estes no cotidiano profissional.

 

Método

Participantes

O presente estudo utilizou uma amostra de 10 médicos e de 10 profissionais da equipe de enfermagem, incluindo enfermeiros e técnicos de enfermagem, de ambos os sexos, que trabalham em Unidades de Terapia Intensiva (UTI). A escolha dos participantes se deu por tratar-se de profissionais que lidam mais de perto com pacientes graves e, possivelmente, vivenciam a morte como parte da rotina de trabalho, além de a UTI ser o local mais provável de ocorrer a morte de pacientes dentro do contexto hospitalar.

O critério de inclusão dos sujeitos de pesquisa foi ter no mínimo um ano de experiência na área de UTI. A escolha do hospital foi presidida pela necessidade decorrente dos objetivos da pesquisa. Foram escolhidos dois hospitais para a coleta dos dados: um público/universitário e outro particular, ambos na cidade de São Luis (MA).

Atendendo às normas éticas de pesquisa com seres humanos, o projeto foi aprovado pela comissão de Ética em Pesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Após isto, solicitou-se autorização dos hospitais para o desenvolvimento da pesquisa. Em seguida, entrou-se em contato com os sujeitos e foram explicados os objetivos do estudo. Após a leitura da Carta de informação ao sujeito e do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos participantes, iniciou-se a coleta após a aprovação e assinatura dos sujeitos.

Instrumentos e procedimentos de coleta de dados

A coleta dos dados ocorreu no período de dezembro de 2011 a janeiro de 2012. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas seguindo um roteiro previamente elaborado. Optou-se por realizar este tipo de entrevista pelo motivo de articular perguntas previamente formuladas e, ao mesmo tempo, fornecer um contexto para que o tema da morte pudesse ser abordado livremente pelos sujeitos. Além disso, a entrevista semi-estruturada permite que o sujeito expresse conteúdos que não foram previamente abordados e que podem ser potencialmente enriquecedores para o trabalho (Minayo, 1994).

As entrevistas foram individuais, tiveram duração média de 40 minutos, foram gravadas em áudio, seguindo o protocolo de aceitação e posteriormente transcritas, com finalidade de registrar o maior número de conteúdos relevantes provenientes dos profissionais.

Procedimentos de análise de dados

Os dados foram submetidos à análise qualitativa. A pesquisa qualitativa aprofunda-se no universo dos significados, motivos, aspirações, atitudes, crenças e valores das ações e relações humanas. Apreende a intuição, a exploração e o subjetivismo, além de observar os fatos que não podem ser sintetizados à operacionalização e quantificação de variáveis. Portanto, tal tipo de análise visa compreender e elucidar, para além do que pode ser observado e quantificado, a dinâmica das relações sociais (Minayo, 1994).

A partir dos referenciais bibliográficos levantados e de um roteiro de entrevistas pré-estabelecido, realizou-se uma discussão acerca dos conteúdos obtidos, em seguida uma categorização dos temas de maior relevância e, posteriormente, análise dos dados e interpretação destes à luz dos referenciais teóricos da área.

 

Resultados e Discussão

Nos dois grupos de profissionais entrevistados, as respostas emitidas foram de natureza mais técnica e formal e nas respostas às perguntas que abordavam sobre algo mais pessoal houve uma esquiva na maior parte dos entrevistados. Há várias formas de ocultar a questão da morte, tanto no âmbito cultural quanto psicológico. No aspecto psicológico, estão os mecanismos de defesa: negação, repressão, intelectualização e deslocamento (Kovács, 1992). Mecanismos estes possivelmente utilizados pelos entrevistados.

São diversos os fatores que interferem na maneira de reagirmos à morte, tais como idade, saúde, cultura, religião, educação e vida social. Entretanto, foi possível observar por meio das respostas obtidas que, para a maioria dos entrevistados, independentemente de variáveis individuais, é mais difícil enfrentar a morte quanto trata-se de paciente criança e/ou jovem em sofrimento ou nos casos de morte trágica.

Alguns entrevistados afirmaram que experiências pessoais podem contribuir ou não para a forma de enfrentar a morte no âmbito do trabalho, tais como: "Vivenciar a dor do outro é diferente de vivenciar a nossa" ou "O fato de eu encarar a morte na minha vida pessoal mudou muito a minha visão no lado profissional, porque durante muito tempo eu estive do outro lado, eu sendo o familiar do paciente que estava grave e que iria morrer". Estas afirmações nos permitem levantar os seguintes questionamentos: quais outras estratégias poderiam ser utilizadas para o melhor enfrentamento da situação? É preciso passar por uma experiência pessoal para rever sua postura profissional?

O tempo de experiência profissional também pode ser uma variável para facilitar tal enfrentamento, por exemplo, "Quanto mais experiência, mais se aprende a lidar com o insucesso, saber que o paciente vai morrer e que se continuasse tratando iria prolongar o sofrimento do paciente".

De acordo com Salomé, Cavali e Espósito (2009), o enfermeiro considerado como bom profissional é aquele que, com o passar dos anos de profissão, torna-se "frio" em suas ações, não demonstrando emoções. Em algumas respostas tanto da equipe de enfermagem, como dos médicos isto apareceu relacionado ao tempo de experiência profissional, sendo que quanto maior o tempo de atuação, mais natural o trabalho se torna e suscita mais distanciamento dos sentimentos e emoções.

Apesar de o preparo do corpo morto ser um procedimento técnico, o profissional não se acostuma a realizá-los, pois é bastante invasivo e permite que o profissional reflita sobre sua própria morte, fato este causador de intensa angústia (Salomé, Cavali & Espósito, 2009). O preparo do corpo morto como sendo algo difícil foi referido na maioria das respostas pelos técnicos de enfermagem, uma vez que cabe a eles a responsabilidade por fazer tal procedimento.

As respostas de um profissional da enfermagem indicaram que existia uma indiscriminação entre ele, o paciente e a família, decorrente de uma experiência pessoal vivida recentemente. Isto comprova o que Santos (2003) aponta quando salienta que a proximidade do enfermeiro com pacientes que requerem cuidados intensivos ocasiona um estreitamento dos vínculos entre tais sujeitos. Isto pode favorecer a identificação do profissional com o paciente, gerando efeitos danosos para a estabilidade psíquica tanto dos profissionais quanto dos pacientes. Apesar disso, grande parte dos entrevistados afirmou que procura distanciar as questões profissionais das pessoais, com ênfase no comprometimento técnico e profissional.

Dois médicos afirmaram que as más notícias devem ser ditas, mas sem tirar a esperança do paciente. Outro afirmou "Tem paciente que quer saber tudo e enfrenta bem. Com a vivência você consegue saber se o paciente está preparado para receber o diagnóstico ou não. Pelo menos num primeiro momento não tem como falar completamente". Isto condiz com o que comenta Kubler-Ross (1996), pois o médico deve sempre mostrar algum tipo de esperança ao paciente, seja pelo surgimento de novos medicamentos e técnicas, seja por falar que não irá abandoná-lo. Assim, o médico deve dar essa notícia de maneira que o paciente aceite, sem forçá-lo a acolher a realidade, respeitando quando o paciente diz não estar pronto para ouvir.

Foi possível analisar que para os médicos, a questão de salvar o paciente a qualquer custo e o insucesso ou fracasso quando ocorre o óbito é bem mais intensificada, talvez por considerarem que a eles é atribuída uma responsabilidade maior em relação a tal fato, além de ser algo cobrado pela própria profissão. Entretanto, a diferenciação entre hospital público e privado, referida por alguns entrevistados, permite considerar que a falta de estrutura dos hospitais públicos pode "isentar" os profissionais quando o paciente morre, atrelando a responsabilidade da morte a algo externo, como a falta de recursos.

Para maioria dos médicos, quando ocorre o óbito de um caso que poderia ser revertido, há um sentimento de frustração pelo insucesso ou quebra do sentimento de onipotência, confirmado pelas respostas de dois profissionais da enfermagem. É uma vitória pessoal contra sua própria morte cada vez que o médico atinge a cura do enfermo, contudo, quando este entra em óbito, é como se a morte ganhasse a batalha e levasse tanto o doente, como o médico (Bifulco, 2006).

A questão entre vida e morte e o prolongamento do sofrimento do paciente é presente nas respostas de todos os médicos que trabalham no hospital público e em dois médicos do hospital particular. Possivelmente, isto pode ser atrelado ao fato de que no hospital público o profissional convive mais fortemente com a questão de quem pode ou não se beneficiar do tratamento em UTI. Aqui cabe a questão que Kovács (2008, p.462) aponta: "Qual o real papel das Unidades de Terapia Intensiva? Salvar vidas ou prolongar mortes?" De acordo com Preto e Pedrão (2009), é um dilema ético e profissional essa decisão de quais pacientes serão atendidos na UTI, já que há uma escassez de recursos materiais e humanos. Um médico afirmou que "Isso é uma questão diária, difícil, você vive em uma corda bamba entre realizar trabalho humanizado e distanásia, prolongamento excessivo do tempo de morrer. É muito frustrante quando você fica limitado, quando não consegue realizar seu trabalho direito e acaba evoluindo para o óbito, de certa forma você se sente responsável por aquilo que aconteceu".

Tudo isso contribui para que a UTI seja um ambiente causador de estresse, desgaste e situações de difícil enfrentamento (Preto & Pedrão, 2009). Segundo Baasch e Lane (2011), o profissional da saúde que trabalha em UTI vive um dilema entre satisfação e sofrimento, sendo a satisfação por ter cessado o sofrimento do outro, e o sofrimento devido às condições e limites pessoais, ao contexto de trabalho ou à patologia do paciente, sendo a morte o momento que mais desgasta o profissional que trabalha em UTI.

Com o avanço da tecnologia, a medicina prolongou a vida e o processo de morrer e, isto pode acarretar em intenso sofrimento ao profissional da área da saúde, uma vez que são destinados a cuidar e conviver com pacientes gravemente enfermos (Marta, Marta, Filho & Job, 2009). Essa questão do sofrimento em lidar com pacientes muito doentes por vezes está atrelada à ideia de morte. Por exemplo, uma médica citou como maior dificuldade as perdas, sendo algo frustrante e que causa desgaste. Outra relacionou o óbito de paciente como um grande desgaste e acha muito ruim e difícil dar a notícia de um mau prognóstico ou de morte.

Um entrevistado comentou que tal assunto "não é muito comentado entre os colegas" e atribui isto ao fato de "manter o ambiente de trabalho mais saudável, menos denso. Fugir das questões do dia-a-dia". Será que realmente o ambiente de trabalho fica mais saudável e menos pesado quando as questões que causam mais sofrimento não são conversadas? Dessa forma, possivelmente ocorre apenas um mascaramento de tais questões.

Bifulco (2006) aponta a importância de haver espaços na formação de profissionais de saúde onde possa ser discutido o tema da morte e do morrer, a fim de sensibilizá-los e orientá-los, uma vez que tal tema irá fazer parte de suas práticas cotidianas. Para Kovács (1992), é interessante salientar que mesmo a morte considerada como um fenômeno cultural e histórico, ela é insuficientemente discutida nestes termos, ainda representando um tabu.

Foi possível observar que para os entrevistados, não há espaço para compartilhar as vivências sobre a morte em nenhum desses contextos, como se fosse algo esperado o profissional da saúde saber lidar com a morte no ambiente de trabalho. A maioria dos entrevistados não dispõe de recursos para lidar com o enfrentamento da morte no ambiente de trabalho, afirmando que a única possibilidade ofertada pelos hospitais é a Psicologia, porém está voltada somente para atender as demandas da família e do paciente.

Refletindo sobre essas questões, é de suma importância pensar em um espaço onde a Psicologia possa ser voltada para acolher as questões, os sentimentos, os sofrimentos dos profissionais. "Quanto mais próximos estamos da dor do outro, mais suscetíveis ficamos ao nosso próprio sofrimento e mais cedo ou mais tarde esbarramos nos limites da nossa própria sanidade" (Santos, 2003, p. 50). Alguns entrevistados verbalizam o pedido de trazer a Psicologia mais para perto dos profissionais, de maneira a possibilitar que cada sujeito repense sua percepção sobre a morte para que a alienação em relação a ela não promova traumas e sequelas psicológicas a estes indivíduos.

Se não existir a intervenção por meio de projetos psicossociais que abordem as rotinas e plantões, assim como todas as questões que giram em torno disso, o profissional de saúde não irá encontrar um espaço no próprio espaço laboral que dê algum tipo de suporte para as suas dificuldades e frustrações cotidianas (Silva & Ruiz, 2003).

A UTI tem o objetivo de salvar vidas, sendo o adversário a doença a qual a equipe tem que combater. Entretanto, é de suma importância lembrar que paciente, família e profissional não são um único Ser, e sim cada um tem sua singularidade, cada um precisa ser visto de forma particular. Portanto, é imprescindível que os profissionais possam ter um espaço para conversarem e compartilharem suas vivências e sentimentos, propondo uma maior aproximação do trabalho psicológico aos profissionais envolvidos.

 

Conclusão

Pelo caráter mais técnico e formal das respostas encontradas, poucos sujeitos abordaram abertamente a experiência da morte no ambiente de trabalho como algo difícil e angustiante. Entretanto, a análise das entrevistas realizadas permite afirmar que é mais difícil enfrentar a morte quando se trata de paciente criança e/ou jovem em sofrimento ou nos casos de morte trágica. Além disso, a experiência pessoal pode ser útil para o enfrentamento profissional, desde que bem trabalhada. Outro fator que pode contribuir para ajudar a encarar a morte no âmbito de trabalho é o tempo de atuação profissional, ou seja, quanto maior a experiência profissional, mais fácil lidar com a questão. Não houve uma diferença significativa na forma de lidar com a morte entre as diferentes categorias profissionais.

Conclui-se que há respeito e acolhimento aos pacientes e familiares por parte dos profissionais, porém estes não se sentem acolhidos em sua própria dor. Uma questão bastante presente no discurso de todos os entrevistados que trabalham em hospital público foi o prolongamento do tempo de vida do paciente, talvez por tal instituição dispor de menor oferta de leitos, havendo a questão mais intensificada de quem pode ou não se beneficiar do tratamento em UTI. Para a maioria dos entrevistados, o enfrentamento da morte no ambiente de trabalho trouxe mudanças no âmbito pessoal, em especial no que se refere a repensar e valorizar mais a vida e o contato com suas próprias famílias.

Os profissionais não se utilizam de recursos para o melhor enfrentamento da questão da morte no contexto de trabalho, não conversam sobre suas experiências e sentimentos, nem compartilham com suas famílias, assim como não tiveram preparo durante a graduação para lidar com o tema. Afirmaram ainda que os hospitais oferecem o Serviço de Psicologia, porém este está voltado apenas ao sofrimento de pacientes e familiares. Desta forma, pode-se concluir a respeito da importância da criação de espaços dentro do âmbito hospitalar onde possam ser abordadas as vivências e dificuldades enfrentadas no cotidiano dos trabalhadores.

 

REFERÊNCIAS

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1 Universidade Presbiteriana Mackenzie – São Paulo – SP. E-mail: clarissapsico@hotmail.com.
2 Professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie – São Paulo – SP. E-mail: sandra.lopes@mackenzie.br.

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