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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.17 no.2 Rio de Janeiro dez. 2014

 

ARTIGOS

 

Grupoterapia com pacientes psicóticos: relato de uma experiência

 

Group therapy with psychotic patients: experience report

 

 

Janice Dombrovski dos Santos1, I; Sandra Yvonne Spiendler Rodriguez2, I; Eliane Moreira Fay3, II

IFaculdade do Desenvolvimento do Rio Grande do Sul – Porto Alegre – RS
II
Hospital Espírita de Porto Alegre – Porto Alegre – RS

 

 


RESUMO

O presente trabalho é um relato de experiência vivenciada durante o estágio de Psicologia Clínica em uma instituição psiquiátrica, no trabalho de psicoterapia grupal como estratégia de intervenção junto a pacientes psicóticos internados. Tem por objetivo apresentar as possibilidades de promoção da saúde mental destes pacientes, considerando as características da psicose e as peculiaridades de seu manejo, bem como contribuir para a produção de conhecimento em trabalhos desenvolvidos na área da psicologia. Realizaram-se quatro encontros semanais com duração de uma hora, com pacientes femininas, em grupos abertos com média de 24 participantes. A experiência permitiu constatar que o grupo é um importante instrumento no auxílio da redução dos sintomas relacionados à crise, no aumento das potencialidades individuais de cada paciente e na possibilidade de estimular a criação de laços sociais entre psicóticos. Ao longo da prática, pode-se perceber a importância do preparo técnico e pessoal do profissional que se propõe a trabalhar com intervenções com grupos.

Palavras-chave: grupos; psicóticos; intervenção.


ABSTRACT

The present work is an account of experience lived during the stage of clinical psychology in a psychiatric institution, the work group psychotherapy as an intervention strategy with hospitalized psychotic patients. It aims to present the possibilities for mental health promotion of these patients, considering the characteristics of psychosis and the peculiarities of its management, as well as to contribute to the production of knowledge in Psychology. Four weekly meetings were held, lasting one hour each, with female patients in open groups, with an average of 24 participants. The experience allowed us to verify that groups is an important tool to aid in the reduction of symptoms related to the crisis, by increasing the individual potential of each patient and by stimulating the creation of social ties among psychotic patients. Throughout the practice, it was possible to realize the importance of technical and personal preparation for the professional who intends to work with group intervention.

Keywords: groups; psychotic; intervention.


 

 

Introdução

A atenção à saúde emocional do ser humano deve estar focalizada em qualquer circunstância do seu desenvolvimento, necessitando de enfoque especial no momento de adoecimento do indivíduo, pois, nessa circunstância, vemos surgir fragilidade, medo, desconforto e ansiedade, comuns na situação de hospitalização (Bezerra Júnior, 1992).

Em relação a estes aspectos mencionados do adoecimento humano, a psicoterapia de grupo é considerada uma importante modalidade de tratamento em saúde mental, proporcionando espaço para a fala e para a escuta. Neste contexto faz-se uma breve abordagem das principais contribuições teóricas dos grupos.

 

Principais contribuições teóricas dos grupos

Ao rever a história da Psicologia dos Grupos, Zimerman e Osório (1997) sinalizam que a primeira experiência com grupo é atribuída ao americano Joseph H. Pratt em 1905 com pacientes que sofriam de tuberculose. Ele observou que os pacientes, ao compartilharem seus problemas, demonstraram maior confiança e esperança, e isso gera melhora. Essa prática estendeu-se aos doentes mentais e depois aos pacientes com outras patologias.

Uma importante contribuição para a compreensão dos grupos foi preconizada por Freud, que não deixou de considerar a importância do homem enquanto ser social, estudando as origens da sociedade humana e dos ritos religiosos e mitológicos. Em "Psicologia das massas e análise do eu" (1921/2013, p.19), Freud postulou que "a psicologia individual também é ao mesmo tempo psicologia social". O objetivo de sua teorização era compreender o que mantém um grupo unido. A partir disso, apresentou importantes contribuições a respeito do mecanismo de identificação no grupo, indicando que por meio do processo de identificação e idealização, as pessoas elegem um líder que se tornará o responsável por todos e por todas as decisões do grupo, capaz de amar a todos sem distinção. Outro autor importante para a psicanálise de grupo foi Bion (1961/1975), que refere que há três suposições básicas presentes em todo grupo humano: o suposto de dependência, o suposto de luta e fuga e o suposto de acasalamento. Para ele, às vezes, os objetivos do grupo são interrompidos ou ocasionalmente promovidos por emoções inconscientes, pois ansiedades psicóticas estão presentes e os supostos básicos seriam formas do grupo se defender destas ansiedades.

Convém enfatizar também a contribuição de Kurt Lewin a partir de 1936 sobre o campo grupal e a formação de papéis. Sua hipótese era que o sujeito representa no grupo os mesmos papéis que executa na vida. Os principais papéis estudados por Lewin foram os de bode expiatório, porta-voz, radar, instigador, sabotador, vestal, apaziguador, obstrutor, atuador e líder (Zimerman, 2000).

A modalidade apresentada neste relato de experiência foi de grupo psicoterápico de orientação analítica. De acordo com Zimerman e Osório (1997), estes podem ter uma finalidade de produzir insights destinados a mudanças caracterológicas ou podem limitar-se a benefícios terapêuticos como a remoção dos sintomas, alívio das ansiedades e resolução de crises. Além disso, buscam promover uma melhor adaptabilidade nas inter-relações familiares, profissionais e sociais e objetivam a manutenção de um estado de equilíbrio psíquico no caso dos pacientes psicóticos.

Do ponto de vista da coordenação do grupo, ao grupoterapeuta cabem funções bastante específicas. Conforme Zimerman e Osório (1997, p.40) os principais requisitos, que em termos ideais são indispensáveis na formação e prática de um grupoterapeuta, são: 1) gostar de grupos e acreditar nessa modalidade terapêutica; 2) capacidade de ser continente; 3) capacidade de empatia; 4) capacidade de intuição; 5) capacidade de discriminação; 6) capacidade de manter-se inteiro em sua identidade pessoal e de grupoterapeuta; 7) senso de ética; 8) ser um modelo de identificação; 9) capacidade de comunicação; 10) capacidade de extrair um denominador comum da tensão grupal; e 11) capacidade de síntese.

Além disso, é preciso conhecer muito bem os fundamentos básicos de cada escola, além da psicanalítica e a partir daí construir seu estilo próprio e autêntico de trabalhar psicanaliticamente, fazendo as necessárias adaptações às peculiaridades do campo grupal, com suas leis dinâmicas específicas.

 

O paciente psicótico

O que define a situação psicótica de um indivíduo, segundo Zimerman (2000), é o fato de que há no seu psiquismo um grau de ruptura com a realidade. O juízo crítico e o senso de realidade, principalmente em situações de crise, estão seriamente prejudicados e a maioria apresenta alterações na sensopercepção, com alucinações auditivas e visuais. Por isso é que o tratamento psicanalítico de pacientes psicóticos deve levar em conta a invenção de recursos que possam possibilitar minimamente a sua ligação com o outro, na expectativa da construção de um laço que leve em consideração a construção de respostas pelo sujeito psicótico para aquilo que o invade.

Sabe-se que, por sua especificidade estrutural, o psicótico resiste ao grupo, marcado por uma relação muito particular com a linguagem, relação que o deixa fora do discurso e, por isso, distante do sentido compartilhado em uma dada comunidade. O estabelecimento de vínculos sociais encontra, neste aspecto, um grande obstáculo, pois estar fora do discurso é estar fora de um conjunto significante capaz de habilitá-lo a um vínculo com o outro e, portanto, de ligá-lo a esse outro. Aliás, o significante desligado parece sempre rondar esse paciente, aspecto razoavelmente fácil de observar no cotidiano do hospital, tanto nas experiências dissociativas quanto na experiência paranoica: desligado do outro, desligado de si mesmo, desligado de seus pensamentos, desligado de seu corpo, desligado do sentido (Vinogradov & Yalom, 1992).

No contexto da psicoterapia, Vinogradov e Yalom (1992) sugerem que no manejo de grupos com pacientes psicóticos em internação integral devam ocorrer ajustes técnicos tais como: considerar o tempo de um grupo como sendo de uma sessão em função da rotatividade dos pacientes devido a admissões e altas; minimizar o conflito e salientar o apoio; foco no aqui-e-agora, especialmente nas relações interpessoais; proporcionar estrutura no setting por meio da repetição consistente de eventos.

 

O relato da experiência

Este trabalho foi realizado em um hospital psiquiátrico de Porto Alegre durante um semestre de estágio de Psicologia Clínica, sempre sob a supervisão de um profissional especializado da psicologia. A atividade de grupos terapêuticos é prática do serviço de psicologia, sendo realizada com todos os pacientes da instituição. Frente à riqueza dos dados emergentes nos grupos realizados com pacientes psicóticos, a acadêmica sentiu-se extremamente mobilizada em efetuar um estudo que caracterizasse essa vivência. Este artigo apresenta alguns dados obtidos através dessa experiência.

Os grupos eram heterogêneos quanto às características pessoais e ao diagnóstico psiquiátrico e aberto (os pacientes podiam entrar e sair, dependendo das admissões e altas). Participaram dos grupos pacientes do gênero feminino com idade variando de 18 a 70 anos de uma unidade da instituição com atendimento através do Sistema Único de Saúde (SUS). Quanto aos diagnósticos psiquiátricos (segundo a Classificação Internacional de Doenças – CID 10), de acordo com os dados coletados nos prontuários, o diagnóstico dos pacientes que frequentaram o grupo variava entre: Transtorno afetivo bipolar (episódios maníacos e depressivos, sendo a grande maioria com sintomas psicóticos), Esquizofrenia e Transtorno psicótico agudo e transitório.

Este relato apresenta a experiência de quatro encontros realizados semanalmente (sempre no mesmo dia e horário), com duração de uma hora, em média com 24 participantes e um coordenador de grupo, no caso, a acadêmica. A atividade era realizada em uma sala específica, com acomodações e espaço adequados, garantindo a privacidade do grupo.

No início de cada sessão, por tratar-se de grupo aberto, retomava-se o estabelecimento do contrato e os objetivos do grupo. O contrato é um acordo verbal inicial com combinações (referentes à confidencialidade dos assuntos desenvolvidos no grupo e das pessoas, regras, atitudes, local, tempo de duração, aguardar sua vez de falar e evitar saídas da sala para irem ao banheiro), que tem o propósito de definir concretamente as bases do trabalho que vai ser realizado (Etchegoyen, 1987).

As pacientes eram convidadas a participar, ou seja, o grupo não tinha caráter obrigatório, assim, a partir do convite, a participação no grupo levava em conta a concordância do terapeuta e o desejo de cada uma de fazer parte. Em geral, perguntavam sobre o que era a atividade, se era um "grupo de conversa" e se poderiam "desabafar". Para algumas pacientes mais confusas era preciso explicar várias vezes de que se tratava a atividade.

No primeiro encontro que foi realizado na sala específica criada para os grupos, observou-se a importância do local adequado criando um espaço continente e seguro. Alguns grupos anteriores foram realizados na própria unidade, no refeitório, sendo este um espaço de livre circulação das pacientes, o que tornava difícil o estabelecimento de um setting grupal. A concentração aos assuntos propostos ao grupo era difícil, pois algumas pacientes bastante desorganizadas permaneciam em constante movimentação no local. O sentimento de pertencimento ao grupo, de estar participando de uma atividade fora da unidade, em uma sala que oferecia privacidade permitiu maior continência do grupo e maior adesão das pacientes durante toda a atividade. Conforme nos diz Zimerman e Osório (1997), o estabelecimento de um setting próprio sugere uma delimitação não só de espaço físico, mas também uma limitação à fragmentação e fragilidade psíquica do paciente psicótico, permitindo personalizar o grupo e distinguir das demais dependências físicas da unidade.

Percebe-se ao longo da experiência de grupoterapia que os principais fenômenos analisados no campo grupal foram: ansiedades, defesas e identificações. Os tipos de ansiedades predominantes foram de desintegração (aniquilamento), paranóides, de desamparo, ansiedade de fusão (despersonalização), de separação, de perda do objeto e do amor do objeto, comuns nos pacientes psicóticos. Muitas vezes essas ansiedades manifestaram-se indiretamente através de acting-out e somatizações e pôde-se confirmar na prática, conforme Zimerman (2000), que a presença de certo grau de ansiedade é terapeuticamente útil, pois permite ao grupoterapeuta exercer a função interpretativa adequada e devolver ao grupo de forma ressignificada.

As defesas surgem como uma proteção contra o desconforto causado por necessidades não satisfeitas e emoções não expressas, o que inclui um sofrimento por estímulos esmagadores (opressores). Para conseguir viver e adaptar-se tão bem quanto possível, várias pessoas precisam manter estas necessidades, sentimentos e lembranças traumáticas longe da consciência. Alguns mecanismos de defesa do ego (formas de rejeição das ansiedades primitivas) de cunho bastante regressivos e disfuncionais tornaram-se evidentes no decorrer das atividades grupais. A presença da dissociação como processo defensivo nos dá uma indicação altamente confiável de que abuso mental, físico ou sexual possa ter ocorrido num período anterior da vida de uma pessoa. Em alguns casos a dissociação é uma reação ao abandono precoce, experiências quase fatais, sofrimento agudo prolongado ou negligência provocada, o que foi possível confirmar nos relatos de praticamente todas as pacientes internadas. O evento traumático não suportado psiquicamente fica como um caroço inteiro engolido e isolado, iniciando uma perda de contato com as necessidades de relacionamento e uma fragmentação do ego através de um conjunto de defesas complexas que resulta em dissociação (Erskine, 2014).

A resistência foi manifesta pelas pacientes nas formas de não aceitação da internação, interrupção dos medicamentos, mudança no foco do assunto debatido, conversas paralelas, tentativas de mudanças do contrato como idas e vindas ao banheiro e solicitações de querer retornar para a unidade. A negação mágico-onipotente (própria dos estados psicóticos na qual a realidade exterior é negada e substituída por uma criação de outra realidade ficcional) surgiu em vários discursos nos quais algumas pacientes referiam não ter necessidade de ficarem internadas, pois estavam muito bem. As identificações projetivas, caracterizadas por aspectos inconscientes do paciente que ele nega e atribui ao grupoterapeuta, tendo inconscientemente a esperança que este compreenda e devolva transformado, nomeado e simbolizado.

A aquisição de um sentimento de identidade coeso e harmônico resulta do reconhecimento e da elaboração das distintas identificações parciais que, desde os primórdios foram se incorporando no indivíduo através da introjeção de valores dos pais e da sociedade (Zimerman, 2000). Conforme já dito anteriormente, no mecanismo defensivo da dissociação, sendo esta uma reação ao abandono precoce, experiências quase fatais, sofrimento agudo prolongado ou negligência, é muito provável que o processo identificatório destas pacientes tenha sido extremamente prejudicado e os modelos não tenham exercido sua função.

No paciente psicótico existe a dificuldade de acesso ao social e ao simbólico, ou seja, àquilo que o faria reconhecer-se como componente de um grupo no qual se estabelecem os laços sociais. Assim, teoricamente, se o psicótico não participa de um grupo, se ele não realiza uma identificação idealizada a um significante padrão – ilusão que assegura a consistência do grupo – podemos pensar então na possibilidade de que ele possa se servir da estruturação lógica do grupo e, portanto, da estruturação lógica do laço social, amparada pela identificação e pela idealização, não ficando privado desta experiência.

Neste aspecto constatou-se que a pessoa do grupoterapeuta, como um novo modelo para identificações foi de grande importância para o grupo. Em diversas situações também foi possível identificar durante os compartilhamentos de algumas pacientes de seus sentimentos e sofrimentos, manifestações de apoio das demais e movimentos de cabeças em concordância com o que era verbalizado, sugerindo uma provável identificação com esse sofrimento. Neste contexto Bechelli e Santos (2004, p. 248) discutem que:

Grupos com pacientes sofrendo da mesma condição facilitam a identificação, a revelação de particularidades e intimidades, o oferecimento de apoio ao semelhante, o desenvolvimento de objetivo comum, a resolução das dificuldades e dos desafios que se assemelham. Ao mesmo tempo, reduz o isolamento social e possível estigma, associado, dependendo da gravidade da doença e ao padecimento que a própria pessoa se impõe.

Do ponto de vista dos elementos da dinâmica grupal, identificou-se a representação de alguns papéis desempenhados pelas pacientes nas atividades realizadas, conforme a evolução dos assuntos trabalhados e as ansiedades manifestas em relação aos mesmos. O papel de radar que, segundo Zimerman (2000), cabe ao indivíduo mais regressivo do grupo por captar mais rapidamente os primeiros sinais de ansiedades que emergem e por não possuir capacidade psíquica de processar simbolicamente o que captou, expressa essa ansiedade em sua própria pessoa por meio de inquietação, abandono da atividade e somatizações. Pela característica do paciente psicótico justamente na incapacidade de simbolizar, este foi o papel mais representado nos grupos.

Outro papel identificado durante a realização dos grupos foi o de sabotador, que, conforme Zimerman (2000), é expresso por meio de inúmeros recursos resistenciais, na qual o paciente procura obstaculizar o andamento do grupo. Esse fenômeno ficou evidenciado quando em um momento da atividade uma paciente manteve conversas paralelas com as demais ao seu lado, falava concomitantemente com outras pacientes, demonstrou dificuldade em atender ao manejo verbal da terapeuta e escutar, queria sair para ir ao banheiro desde o início da atividade, mas acabou não indo. Em outro dia de atividade identificou-se o papel do sabotador sob a forma de negações aos assuntos debatidos, mudanças no foco do assunto introduzindo demandas fora do contexto do grupo, necessidade de preferência da paciente em suas reivindicações e intolerância com as demais pacientes. Este papel foi representado em todos os grupos por pacientes de difícil manejo, portadoras de excessivas defesas narcisistas.

Outro papel evidenciado foi o de porta-voz, sendo, de acordo com Zimerman (2000), aquele paciente que manifesta aquilo que o restante do grupo pode estar, latentemente, pensando ou sentindo. Esta comunicação se efetivou por meio de solicitações de assuntos a serem discutidos, verbalização de emoções e sentimentos, na solicitação de cópias de um texto que foi lido para reflexão em uma das atividades. Em todos os encontros abriu-se espaço para discussões, esclarecimentos de dúvidas e compartilhamento de sentimentos.

Em relação ao grupo de pressupostos básicos, sabe-se que, de acordo com Bion (1961/1975), funcionam nos moldes do processo primário do pensamento e, portanto, obedecem às leis do inconsciente, conservando as mesmas características que as reações defensivas mobilizadas pelo ego primitivo contra as ansiedades psicóticas. Nos grupos foi possível a observação na maioria das sessões de supostos básicos de luta e fuga, o que alude a uma condição em que o inconsciente grupal está dominado por ansiedades paranóides.

Neste relato de experiência faz-se necessário registrar a riqueza do aprendizado e das vivências da acadêmica no manejo com o grupo como grupoterapeuta. Não sem demora, através da contratransferência constatou-se que coordenar um grupo de psicóticos exigia certo desprendimento no que se refere a um setting ideal. Em alguns encontros as pacientes apresentavam-se desagregadas, excessivamente persecutórias e inquietas. Em outros, elas simplesmente saíam da sala durante a sessão, retornando alguns minutos depois. O grupo parecia funcionar sob uma constante ameaça de desintegração que precisava a todo o momento ser trabalhada pela coordenadora no sentido de garantir a existência daquele espaço, a partir de sua presença atenta e constante. Foi preciso inventar recursos para manter o grupo coeso de forma que a estruturação do grupo pudesse ser a estruturação de cada uma.

A livre associação de ideias que foi permitida durante as atividades, em muitos momentos possibilitou que a coordenadora pudesse ir extraindo um denominador comum do conteúdo emergente na dinâmica grupal e integrar de forma significativa ao grupo, desta forma reduzindo as ansiedades e resistências. Possibilitou também a transformação de alguns significados patogênicos, nomeando as experiências emocionais trazidas pelas pacientes.

Em muitos momentos, em uma resposta contratransferencial, foi necessário a grupoterapeuta conter suas próprias angústias em função de nem sempre compreender os elementos que gravitavam na dinâmica grupal ou ficar com dúvidas dos sentimentos despertados, evitando que eles invadissem a sua mente.

A coordenação de grupos com pacientes psicóticos requer do coordenador um manejo diretivo, conforme apontam Vinogradov e Yalon (1992, p.148-149):

Os terapeutas devem considerar a vida de um grupo para pacientes internados como sendo de apenas uma sessão e devem lutar para oferecerem algo útil para tantos pacientes quanto possível, durante esta sessão. Uma estrutura de tempo de sessão única demanda eficiência. Não se pode desperdiçar tempo: o líder tem apenas uma única oportunidade para engajar cada paciente e não deve perdê-la. Esta necessidade por eficiência demanda maior atividade do terapeuta. Este deve estar preparado para ativar o grupo, chamar os membros, apoiá-los e interagir pessoalmente com eles.

 

Considerações finais

Os novos contextos e realidades sociais demandam da Psicologia um redirecionamento das reais possibilidades de atuação e intervenção desse profissional em suas práticas. Sofrimentos, doenças, desequilíbrios em conjunto com situações adversas evidenciam a fragilidade social na qual estão inseridos os grupos nas instituições de saúde. Na análise das atividades grupais, observaram-se evidências de fortes influências psíquicas do contexto social atual (estilo de vida contemporâneo), no qual estamos inseridos: falência da função paterna, falha de representantes simbólicos significativos na constituição do sujeito, perda de referência à tradição, crescente clima de violência, dominância de valores e ideais provindos da mídia, estilo de vidas estressantes e dinâmicas familiares adoecidas.

Considera-se que a abordagem grupal constitui uma modalidade rica de sentidos possíveis de proporcionar condições em termos de prevenção e promoção de saúde aos pacientes psicóticos. Os fenômenos específicos do grupo demonstraram ser agregadores e, portanto, consideráveis para o cuidado com o sofrimento psíquico.

Acredita-se que foi possível compreender alguns destes fenômenos grupais, vivenciar a experiência de coordenar o grupo e constatar que os encontros sensibilizaram as participantes enquanto às vivências emocionais, possibilitando a expressão dos medos e ansiedades inconscientes e a ressignificação destes. Partindo desses mesmos princípios, é possível dizer que um psicótico pode se servir da estruturação lógica do laço social sem necessariamente estar inserido nele.

Considera-se que essa experiência pode servir de referência para instituições de saúde e fundamentar ações, devido à possibilidade de aplicação da técnica de grupo em contextos diferenciados, ressaltando que é eficaz para a compreensão do ser humano e facilitando o estudo de um número maior de pessoas que podem ser reunidas em um mesmo espaço e tempo.

 

REFERÊNCIAS

Bezerra Junior, B. (1992). Considerações sobre terapêuticas ambulatoriais em saúde mental. In S. A. Tunis & N. R. Costa (Orgs). Cidadania e loucura: Políticas de saúde mental no Brasil. Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Bechelli, L. P. C., & Santos, M. A. (2004). Psicoterapia de grupo: Como surgiu e evoluiu. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 12(2), 242-249. doi: 0.1590/S0104-11692004000200014.         [ Links ]

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Erskine, R. G. (2014). A psicoterapia da dissociação. Disponível em <http://www.integrativetherapy.com/pt/articles.php?id=49> acesso em 10/04/2014.         [ Links ]

Etchegoyen, H. (1987). Fundamentos da técnica psicanalítica. Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

Freud, S. (2013). Psicologia das massas e análise do eu. In S. Freud, Obras Psicológicas Completas. (Renato Zwick trad.). Porto Alegre: L&PM. (Trabalho original publicado em 1921)        [ Links ]

Vinogradov, S., & Yalom, I. D. (1992). Manual de psicoterapia de grupo (1 ed.). Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

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Zimerman, D. (2000). Fundamentos básicos das grupoterapias (2a ed.). Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

 

 

1 Faculdade do Desenvolvimento do Rio Grande do Sul – Porto Alegre – RS. E-mail: janicedombrovski@yahoo.com.br
2 Faculdade do Desenvolvimento do Rio Grande do Sul – Porto Alegre – RS. E-mail: psicologa07@gmail.com
3 Hospital Espírita de Porto Alegre – Porto Alegre – RS. E-mail: elianefay@gmail.com

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