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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.19 no.1 Rio de Janeiro jun. 2016

 

ARTIGOS

 

Instrumentos de avaliação de resultados em psicoterapia individual com pacientes adultos acometidos por doenças orgânicas: uma revisão sistemática

 

Instruments of evaluation of results in individual psychotherapy with adult patients affected by organic diseases: a systematic review

 

 

Gislaine Chaves1; Sibelle Mendes Piassi Lopes2; Glória Heloise Perez3; Danielle Misumi Watanabe4; Bellkiss Wilma Romano5

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

 

 


RESUMO

Introdução: Mensurar resultados em psicoterapia mostra-se tarefa complexa, diante da subjetividade envolvida neste processo. Na tentativa de contornar essa barreira, instrumentos de avaliação têm sido empregados.
Objetivo: Identificar os instrumentos utilizados para avaliar os resultados de psicoterapia individual com pacientes adultos acometidos por doenças orgânicas.
Método: Revisão sistemática de artigos publicados entre 2004 e 2014 nos bancos de dados: PubMed, LILACS, SciELO, PsycINFO e de teses da PUC, USP e UNICAMP. Critérios de inclusão: estudos em português, inglês ou espanhol; com texto completo gratuito; realizados com seres humanos a partir dos 18 anos, acometidos por doenças orgânicas e cuja psicoterapia foi realizada individualmente.
Resultados: Localizados 1068 estudos, selecionados 6 para análise e identificados 35 instrumentos. Os mais utilizados foram: Beck Depression Inventory e Impact of Events Scale (8% cada), seguidos pelo Hospital Anxiety and Depression Scale (5%).
Os principais elementos avaliados pelos instrumentos foram: depressão (15%), qualidade de vida (12%), ansiedade, estresse, dor e sono (7% cada).
Conclusão: Os instrumentos encontrados avaliam domínios diversos ou sintomas específicos, não tendo sido desenvolvidos exclusivamente para avaliar o processo psicoterápico. A utilização de múltiplos instrumentos em associação relaciona-se à dificuldade de objetivar, ainda que parcialmente, tal processo e seus resultados.

Palavras-chave: Psicoterapia; avaliação de resultados; avaliação de resultado de intervenções terapêuticas.


ABSTRACT

Introduction: Measuring results in psychotherapy appears to be a complex task, given the subjectivity involved in this process. To overcome this barrier, assessment tools have been employed.
Objective: To identify the instruments used to assess individual psychotherapy results with patients suffering from organic diseases.
Methods: Systematic review of articles published between 2004 and 2014 in the databases: PubMed, LILACS, SciELO, PsycINFO and PUC's thesis, USP and Unicamp. Inclusion criteria: studies in Portuguese, English or Spanish; with free full text; with humans over 18 years with organic diseases whose psychotherapy was individual.
Results: Located 1068 studies, selected six for review and identified 35 instruments.
The most used: Beck Depression Inventory Scale and Impact of Events (8%), followed by the Hospital Anxiety and Depression Scale (5%). The main elements evaluated by instruments were depression (15%), quality of life (12%), anxiety, stress, pain and sleep (7%).
Conclusion: The found instruments assess multiple domains or specific symptoms, were not exclusively designed to assess the psychotherapeutic process. The use of multiple instruments in association relates to the difficulty of objectifying, even partially, this process and its results.

Keywords: Psychotherapy; evaluation of results; evaluation of results of therapeutic interventions.


 

 

Introdução

Avaliar o processo psicoterápico e seus resultados tem se mostrado um desafio para clínicos e pesquisadores, devido à subjetividade envolvida neste processo (Peuker, Habigzang, Koller & Araújo, 2009). Atualmente, mensura-se que existam mais de 400 tipos distintos de psicoterapias descritos, contudo, apenas uma pequena parcela deste montante foi avaliada cientificamente com o intuito de comprovar a sua efetividade e os mecanismos de mudança envolvidos, além das condições intrínsecas a este processo e para quais pacientes devem ser empregadas (Quayle, 2010; Roth & Fonagy, 2005).

Na tentativa de mensurar os resultados do processo psicoterapêutico, instrumentos de avaliação têm sido empregados. Silva, Nardi e Horowitz (2010) afirmam que osinstrumentos de avaliação com foco psicométrico podem auxiliar na diminuição da dificuldade de estabelecimento de parâmetros objetivos em saúde mental. Além disto, a necessidade cada vez maior de metodologias baseadas em evidências nesta área, bem como a valorização de pesquisas quantitativas em psicologia e psiquiatria, contribui para o aumento da utilização de instrumentos objetivos.

A presente revisão pretende contribuir para o campo da Psicologia no contexto clínico e hospitalar, haja vista o caráter subjetivo intrínseco à prática da psicoterapia versus a necessidade de acessar resultados advindos do processo psicoterápico. Observa-se ainda que, dada a necessidade de contribuir neste campo, conhecer os instrumentos utilizados para tal avaliação seja o primeiro passo para o desenvolvimento de pesquisas posteriores acerca do tema.

 

Objetivo

Identificar os instrumentos utilizados em estudos que avaliam os resultados da psicoterapia individual com pacientes adultos acometidos por doença orgânica.

Objetivos Específicos

Identificar os elementos mais avaliados pelos instrumentos utilizados nos estudos selecionados; e descrever as principais características e dados apresentados pelos estudos selecionados.

 

Método

Delineamento do Estudo

Foi realizada revisão sistemática de literatura.

Estratégias de Busca

A busca por estudos foi realizada nas bases de dados do PubMed, PsycINFO, SciELO, LILACS e nos bancos de teses da Universidade de São Paulo (USP), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Nas bases de dados e nos bancos de teses, foram utilizados os termos indexados e padronizados de acordo com o respectivo vocabulário estruturado (Tabela 1). Os termos selecionados foram cruzados com os operadores booleanos AND, OR ou NOT. Desta forma, a organização dos termos com os operadores booleanos variou de acordo com a base ou o banco de teses, sendo definida conforme apresentada pela Tabela 1.

 

 

Os critérios de inclusão utilizados em todas as buscas foram (Figura 1): (1) estudos publicados entre 2004 e 2014; (2) nos idiomas português, inglês ou espanhol; (3) originais ou revisões, disponibilizados gratuitamente nas bases científicas com o texto completo; (4) realizados com seres humanos a partir dos 18 anos; (5) acometidos por doenças orgânicas em geral e (6) cujo processo psicoterapêutico tenha sido realizado de forma individual.

Os critérios de exclusão foram (Figura 1): (1) estudos cuja população fosse composta por crianças e adolescentes; (2) sem descrição detalhada da utilização do método de avaliação da psicoterapia; (3) estudos realizados com grupos psicoterapêuticos e (4) grupo experimental cuja psicoterapia empregada foi realizada por telefone ou internet.

 

 

Classificação

Para a realização da coleta de dados, a busca nas bases científicas e nos bancos de teses foi dividida entre as pesquisadoras deste estudo. Uma pesquisadora ficou responsável pelas bases PubMed, PsycINFO e SciELO e a outra pela base LILACS e pelos bancos de Teses da USP, PUC e UNICAMP.

Os artigos foram selecionados, primeiramente, através da leitura do título e do resumo, sendo classificados numa planilha que continha os termos: incluído, excluído ou dúvida. Em seguida, independentemente da classificação do estudo, dados sobre doença somática, distúrbios psiquiátricos e tipo de abordagem terapêutica utilizada foram coletados para futura análise.

Após a realização da coleta de dados em todas as bases e bancos de teses, os estudos classificados como "dúvida" foram avaliados pelas duas pesquisadoras, sendo sua classificação final definida por consenso. Posteriormente à classificação de todos os estudos encontrados, os dados obtidos foram analisados. Os estudos que se repetiram mais de uma vez foram computados uma única vez.

Por fim, os estudos selecionados foram lidos na íntegra. Suas informações foram analisadas detalhadamente e sintetizadas para apresentação dos resultados.

 

Resultados

Produção encontrada

A busca realizada para identificar os instrumentos utilizados em estudos que avaliam os resultados da psicoterapia individual com pacientes adultos acometidos por doença orgânica totalizou 1068 estudos. Entre eles, 330 citados no PubMed, 53 encontrados no PsycINFO, 55 no SciELO, 102 no LILACS, 101 no banco de teses da USP, 89 na PUC e 338 na UNICAMP.

Do total encontrado, foram excluídos 1062 estudos por motivos diversos. Inicialmente, 37 estudos foram excluídos: 32 (86%) por repetirem outro estudo já encontrado; 3 (8%) que estavam em formato de carta ao editor e 2 (5%) cujo texto não estava disponível para visualização.

Foram excluídos também 402 estudos que não apresentavam nenhuma relação com o tema pesquisado. Ainda foram excluídos 623 estudos, sendo que destes, 344 (55%) não abordavam o critério de doença orgânica, 153 (24%) tratavam apenas de intervenção em grupo, 111 (18%) versavam sobre transtornos psiquiátricos em geral e 15 (2%) se referiam à criança ou adolescente.

Ao final, 6 estudos atenderam aos critérios de inclusão e foram selecionados para análise, assim como os instrumentos utilizados pelos mesmos.

Publicações Selecionadas

A tabela 2 ilustra as principais características dos estudos selecionados.

 

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Entre os 6 trabalhos, 5 (83%) foram publicados em inglês e estavam indexados no PubMed, enquanto apenas 1 (17%) encontrava-se em português e foi localizado no acervo do banco de teses da PUC.

Destaca-se que 3 (50%) trabalhos foram publicados no ano de 2012, enquanto os demais correspondem aos anos de 2011, 2010 e 2005. Os Estados Unidos foi o país com maior número de publicações, sendo responsável por metade dos trabalhos. A China, Holanda e Brasil foram responsáveis pelo restante.

Em relação às informações contidas nos resumos, 3 (50%) mencionavam parte dos instrumentos utilizados na pesquisa, 2 (33%) apontavam apenas aqueles utilizados para elegibilidade da amostra e 1 (17%) não descrevia os instrumentos utilizados.

Sobre a abordagem psicológica utilizada, a abordagem cognitivocomportamental (TCC) predominou em 4 estudos (66%), sendo que em 2 destes (50%) foi adaptada de acordo com a condição clínica da população analisada. A TCC também foi complementada com outra abordagem/técnica psicoterápica em 2 estudos (50%) ou método não psicológico em 1 estudo (25%).

Nos 2 estudos cuja abordagem não foi a TCC, a técnica variou. Em um deles foi utilizada uma intervenção psicológica cuja abordagem não foi especificada e no outro foi utilizada a psicoterapia corporal.

Em relação à quantidade de sessões psicoterapêuticas semanais realizadas, observou-se um número mínimo de 6 sessões (aproximadamente, um mês e meio) e um máximo de 72 sessões (um ano e 6 meses). A duração de tempo das sessões também variou entre 20 minutos e 1 hora e 40 minutos.

Sobre as características da amostra, o câncer foi a condição clínica mais presente na população pesquisada em 3 (50%) estudos e o transtorno depressivo maior foi a comorbidade mais comum também em 3 (50%) dos estudos selecionados.

Em 5 (83%) estudos, as intervenções foram conduzidas por psicólogos. Deste total, 3 (60%) foram realizadas por psicólogos clínicos, 1 (20%) por psicólogos da saúde e 1 (20%) por psicólogos clínicos ou estudantes da área.

Em 1 (17%) estudo, a intervenção foi realizada por uma enfermeira em nível de mestrado que foi treinada por psicólogo experiente no assunto.

Todos os estudos possuem delineamento experimental, sendo que 4 (67%) são ensaios clínicos com características de controle e randomização. Destes, 1 (25%) é também multicêntrico e 1 (25%) foi realizado de modo prospectivo. Os 2 (33%) restantes, comparam a mesma população antes e depois da intervenção.

Os trabalhos concluem que houve melhora significativa de sintomas em 5 (83%) deles, não sendo encontrada diferença significativa em 1 (17%).

Instrumentos Encontrados

Os instrumentos mais utilizados pelos estudos incluídos nesta revisão estão listados na Tabela 3. Foram divididos em categorias, de acordo com a temática abordada.

 

 

Foi encontrado um total de 35 instrumentos utilizados para avaliação de psicoterapia nos estudos selecionados. Destes, 2 (6%) instrumentos foram mais utilizados: Beck Depression Inventory (BDI - BDI-II) e Impact of Events Scale (IES), cada um com 8%, seguidos pelo Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS) com 5%. Os demais instrumentos foram citados apenas uma vez, correspondendo, cada um, a 2% do total encontrado.

Detectou-se também que os estudos encontrados nesta revisão utilizaram mais de um instrumento de avaliação, em média 6 por estudo.

Utilizando-se as categorias selecionadas, a Tabela 4 foi elaborada para melhor visualização dos elementos abordados pelos instrumentos encontrados.

 

 

Os instrumentos empregados para avaliação da depressão predominaram, sendo mencionados por 6 vezes (15%), seguidos pelos instrumentos que avaliam qualidade de vida, citados por 5 vezes (12%), e aqueles instrumentos que avaliam a ansiedade, reação de estresse aos eventos traumáticos, dor e sono, cada um referido por 3 vezes (7%).

 

Discussão

Através dos resultados obtidos, observou-se que os instrumentos analisados dividem-se entre aqueles que abordam domínios diversos (autoeficácia, autoestima, confiabilidade do diagnóstico psiquiátrico, definição e alcance de metas, estado de saúde geral, estratégia de enfrentamento, impressão clínica global, participação em terapia de reabilitação, qualidade de vida, reação de estresse aos eventos traumáticos, satisfação e sono) ou sintomas específicos (ansiedade, ansiedade-depressão, depressão, dor, fadiga e estresse).

Foram três os instrumentos mais frequentemente empregados: O Impact of Events Scale (IES), uma escala de medida, breve, de baixo custo e de fácil aplicação, voltada à avaliação de estresse subjetivo aos eventos da vida em geral, assim como nas particularidades que envolvem tais eventos (Horowitz, Wilner & Alvarez,1979). Tal escala foi utilizada em todos os estudos cuja amostra era composta por pacientes com câncer (Brothers, Yang, Strunk & Andersen, 2011; Chan et al., 2005; Greer et al., 2012), demonstrando que esta condição clínica fora reconhecida pelos pesquisadores como possivelmente traumática e que o IES poderia colaborar com a avaliação dos níveis de estresse decorrentes. O Beck Depression Inventory II (BDI-II) instrumento largamente utilizado para detectar depressão ou medir a severidade de episódios depressivos (Beck, Steer & Brown, 1996), também foi citado por dois estudos cuja população fora diagnosticada com câncer (Brothers et al., 2011; Chan et al., 2005). E o Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS), escala composta por duas subescalas de ansiedade e depressão desenvolvida para utilização em doentes com doença orgânica e em tratamento ambulatorial (Bjelland, Dahl, Haug & Neckelmann, 2002), que também foi utilizada em dois estudos (Greer et al., 2012; Kootker, Fasotti, Rasquin, Heugten & Geurts, 2012) cujos participantes foram diagnosticados com câncer ou Acidente Vascular Cerebral (AVC).

Salienta-se que os instrumentos encontrados nos estudos selecionados possuem foco objetivo e analisam itens específicos, não tendo sido desenvolvidos exclusivamente para avaliar o êxito do processo psicoterápico. Este resultado demonstra que, nos estudos selecionados, os resultados em psicoterapia são avaliados através de instrumentos variados, ora específicos, ora gerais, considerando o caráter subjetivo envolvido no processo psicoterápico em si e às dificuldades de mensurar tais aspectos. Desta maneira, sugere-se que a utilização de variados instrumentos em associação nos estudos se justifica como uma tentativa de contornar tais barreiras. Outra possível justificativa pode estar associada à escolha dos instrumentos em relação ao enquadre ou à finalidade terapêutica, estabelecendo critérios específicos a serem avaliados. Além disto, a ausência de instrumentos que avaliam exclusivamente a psicoterapia parece estar associada à dificuldade em objetivar, ainda que parcialmente, aspectos das atividades intrapsíquicas do paciente, do terapeuta e da comunicação entre eles.

Em relação às características dos estudos incluídos, os resultados apontam que a maior parte foi publicada em inglês, mesmo nos estudos desenvolvidos em outros países, como Holanda e China. Este dado pode ser entendido a partir de outros estudos que mencionam que muitos países optam também pela publicação neste idioma com o intuito de que o periódico seja acessado e lido pelo maior número de interessados, uma vez que as revistas com maiores fatores de impactos sejam publicadas neste idioma, considerado como elementar à pesquisa científica (Fiorin, 2007; Iglesias & Batista, 2010).

A doença orgânica mais presente nas amostras dos estudos selecionados foi o câncer (Brothers et al., 2011; Chan et al., 2005; Greer et al., 2012). Compreende-se que o predomínio desta condição pode estar atrelado ao possível impacto psicológico causado pelo diagnóstico e às diferentes respostas emocionais advindas deste processo. Autores descrevem os inúmeros sentimentos que podem emergir, apontando evidências consideráveis de que pacientes com câncer apresentam maior tendência à depressão, ansiedade e baixa autoestima, quando comparados com a população saudável, o que também pode explicar o maior índice, nesta revisão, de estudos abordando esta temática (Brothers et al., 2011; Chan et al., 2005; Greer et al., 2012; Satin, Linden, & Philips, 2009).

A depressão destacou-se como a comorbidade psíquica mais frequente nos estudos selecionados (Brothers et al., 2011; Kootker et al.,2012; Nascimento, 2012), de forma que até naqueles em que não aparecia enquanto comorbidade, também foi investigada (Chan et al., 2005; Jungquist et al., 2010). Brothers et al. (2011) e Kootker et al. (2012) apontam que este transtorno é cada vez mais comum na população geral, podendo acarretar prejuízos em diferentes aspectos da vida do indivíduo. Entende-se que tais prejuízos podem impactar, inclusive, na aderência dos participantes às intervenções psicoterápicas propostas pelos estudos, de modo que a avaliação de tal transtorno se torna importante, tanto como objeto de intervenção psicoterápica como para controlar um possível viés nos resultados de intervenções psicoterápicas de pacientes com outras morbidades.

Em relação aos diversos elementos avaliados pelos instrumentos encontrados, a depressão apresentou maior predominância, seguido por instrumentos de qualidade de vida, ansiedade, stress e dor. Notou-se que a maioria dos estudos selecionados utilizam simultaneamente instrumentos de avaliação da depressão e qualidade de vida (Brothers et al., 2011; Chan et al., 2005; Greer et al., 2012; Jungquist et al., 2010; Kootker et al. 2012), demonstrando assim grande relação entre estes dois campos, uma vez que a depressão está, frequentemente, associada a prejuízos importantes em diversas áreas, o que pode afetar diretamente a qualidade de vida do indivíduo. A maior frequência de instrumentos relacionados à ansiedade, stress e dor pode ser compreendida, uma vez que tais elementos podem ser capazes de impactar psicologicamente no processo de adoecimento orgânico.

Na década de 60, a melhora de sintomas já era avaliada por escalas específicas. Contudo, Malan (1963) considerava que somente a remissão sintomática não seria preditora de que o paciente se beneficiaria do processo terapêutico. Diante disto, criou uma escala de avaliação de resultados, mas que apresentou diversas dificuldades de utilização, por se basear em aspectos globais e clínicos do paciente, sendo considerada vaga, para uma escala que pretendia ser objetiva. Mintz (1981) também apontou que a pesquisa em psicoterapia tem apresentado uma série de dificuldades, sendo uma das maiores a de encontrar uma metodologia que possa avaliar adequadamente os seus resultados.

Entretanto, a avaliação de resultados de psicoterapia talvez não possa ser compreendida enquanto uma metodologia, mas como um método de avaliação customizado, que seja capaz de atender aos diferentes paradigmas da área. Outra possível dificuldade em se avaliar os resultados psicoterápicos diz respeito à complexa tarefa de se avaliar objetivamente os aspectos subjetivos envolvidos no processo em si.

Diante dos resultados, observou-se, portanto, que tais dificuldades em avaliar os resultados em psicoterapia parecem permanecer na atualidade, uma vez que a maioria dos estudos associou o alcance de resultados em psicoterapia à melhora de aspectos emocionais, psicológicos e físicos na vida do paciente, além da remissão de sintomas ansiosos ou depressivos, após as intervenções (Brothers et al., 2011; Chan et al., 2005; Greer et al., 2012; Kootker et al., 2012 & Nascimento, 2012). Sendo que, um estudo (Jungquist et al., 2010) manteve a concepção de êxito em psicoterapia associada apenas à remissão de sintomas ansiosos, depressivos, clínicos (como por exemplo, a dor), entre outros. Partindo deste levantamento, é possível notar que os estudos estão de acordo com a premissa proposta por Roth & Fonagy (2005) de quea psicoterapia pode resultar em benefícios na redução de problemas sociais, emocionais e comportamentais, na alteração de condições físicas, bem como favorecer o processo de recuperação de cirurgias ou doenças e colaborar para uma melhor qualidade de vida. Contudo, por outro lado, nota-se que, nos estudos selecionados, a avaliação do alcance de resultados em psicoterapia está atrelada à concepção médica curativa de que um tratamento é eficiente se o agente causador do efeito não se faz mais presente, isto é, se o sintoma foi eliminado.

A abordagem psicoterapêutica que mais parece se aproximar do foco na eliminação de sintoma e, portanto, do modelo médico curativo, por suas características constitutivas, é a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), abordagem predominantemente utilizada nos estudos selecionados (Brothers et al., 2011; Greer et al., 2012; Jungquist et al., 2010; Kootker et al., 2012).

A TCC envolve, basicamente, um conjunto de técnicas e estratégias terapêuticas cujo foco é a mudança de padrão de pensamento (Dobson & Dozois, 2010). Possui o objetivo de melhorar a qualidade de vida do sujeito, possibilitando a este um comportamento mais adaptativo, incluindo a redução de sintomas diversos e restabelecimento da saúde do mesmo (Rangé, 2011). Estabelece tempo limite para a maioria dos tipos de tratamento, além de ser voltada para resolução de problemas de forma estruturada, com objetividade e eficiência, validando cientificamente seus resultados (Knapp & Beck, 2008).

A partir de tais características, pode-se justificar a maior frequência da abordagem TCC nos estudos selecionados, principalmente, pela maior facilidade desta com os aspectos de metodologia de pesquisa quando comparada às outras abordagens psicoterápicas.

Em relação ao alto número de estudos excluídos, isto pode ser justificado pela aparente escassez de estudos que avaliam os resultados de processos psicoterápicos com pacientes acometidos por doenças orgânicas, como se objetivou investigar nesta revisão. Entretanto, é importante ressaltar que foram utilizadas estratégias de busca abrangentes, no intuito de garantir acesso a uma maior quantidade de estudos e, assim, melhor conhecer o panorama de publicações relacionadas ao tema, fato que também pode ter colaborado para a alta porcentagem de exclusões.

Por fim, identificar instrumentos de avaliação em psicoterapia revelou a importância de se estudar mais profundamente o processo de avaliação de resultados em psicoterapia como um todo, o que não foi realizado através desta revisão, devido ao objetivo previamente delineado.

 

Limitações do estudo

Uma limitação na realização desta revisão se refere a um dos critérios de inclusão selecionados pelas pesquisadoras: estudos com texto completo com disponibilidade gratuita de acesso, o que pode ter colaborado para que algum estudo relevante não tenha sido incluído. Além disto, apesar de os estudos que geraram dúvidas terem sua classificação decidida por consenso, a coleta de dados não foi realizada de maneira cegada e independente pelas pesquisadoras.

 

Conclusão

Nesta revisão, foi identificado um total de trinta e cinco instrumentos utilizados na avaliação em psicoterapia individual com pacientes adultos acometidos por doenças orgânicas, distribuídos em seis estudos selecionados através dos critérios de inclusão previamente estabelecidos. Os instrumentos mais frequentemente empregados foram: Beck Depression Inventory (BDI – I e II), o Impact of Events Scale (IES) e o Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS). Os principais elementos avaliados pelos instrumentos foram: depressão, qualidade de vida, ansiedade, estresse, dor e sono.

 

Agradecimento

As autoras agradecem à Leilane Cristine Krutzfeldt Antoniazzi pelo apoio na formatação e revisão ortográfica do manuscrito.

 

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1 Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – São Paulo. E-mail: gislaine.ch@gmail.com.
2 Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – São Paulo. E-mail: bellemendes25@gmail.com.
3 Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – São Paulo. E-mail: gloria.perez@incor.usp.br.
4 Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – São Paulo. E-mail: danielle.watanabe@incor.usp.br.
5 Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – São Paulo. E-mail: psibellkiss@incor.usp.br.

 

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