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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.19 no.2 Rio de Janeiro dez. 2016

 

ARTIGOS

 

Psicologia Hospitalar: avaliação e intervenção comportamental em um caso com diagnóstico de Febre Reumática

 

Hospital Psychology: assessment and behavioral intervention in a case with diagnosis of Rheumatic Fever

 

 

Camilla Volpato Boering1

Universidade Federal de Santa Catarina

 

 


RESUMO

Este artigo tem por objetivo apresentar a avaliação e as intervenções nos comportamentos de um paciente de 9 anos, o qual passava por um período de hospitalização, acometido por Febre Reumática. Com base na abordagem cognitivo-comportamental, fez-se os relatos e registros do paciente e pôde-se descrever as contingências das quais seu comportamento era função. Deste modo, ensinou-se ao paciente maneiras do manejo desta situação. Pode-se dizer que os encontros foram produtivos, densos, trabalhados no aqui-agora, com início, meio e fim cada um, para se adequar à realidade hospitalar. Constata-se que o trabalho teve êxito, pois o paciente realmente passou a se comportar mais adequadamente, e o mesmo pode ser afirmado em relação à sua mãe.

Palavras-chave: hospitalização na infância; febre reumática; internação; cognitivo-comportamental.


ABSTRACT

This article aims to present the assessment and interventions in the behavior of a 9-year-old patient, who was undergoing a period of hospitalization, affected by Rheumatic Fever. Based on cognitive-behavioral approach reports and records of the patient were made and were able to describe the contingencies of which his behavior was function. Thus it has been taught to the patient the ways of handling this situation. It can be said that the meetings were productive, dense, worked in the here-now, with beginning, middle and end to each meeting, in order to suit the hospital reality. It appears that the work was successful because the patient really started to behave more appropriately, and the same can be said in relation to his mother.

Keywords: hospitalization in childhood; rheumatic fever; hospitalization; cognitive-behavioral.


 

 

Introdução

A infância é uma etapa fundamental no desenvolvimento humano, marcada pelas atividades físicas intensas, sendo que estas são necessárias para que a criança possa ir aos poucos conhecendo o ambiente à sua volta e assim, consequentemente, crescer saudavelmente e aprimorar seu conhecimento sobre o mundo. Para que ela possa percorrer esta etapa de sua vida sem prejuízos é necessário gozar de saúde. Porém, no decorrer de seu desenvolvimento, as crianças passam também por períodos de doenças, o que muitas vezes pode ser acompanhado de hospitalização. O adoecimento e a hospitalização na infância são eventos não esperados para esta fase do ciclo vital, assim, são considerados como momentos de crise para a família (Oliveira, Gabarra, Marcon, Silva & Macchiaverni, 2009).

Segundo Martins e Silvino (2010), o adoecimento na infância, bem como a hospitalização, são experiências estressantes que exigem da criança uma rápida e contínua adaptação por motivo de constantes mudanças no seu cotidiano. Estes fatores de adaptação podem contribuir para o desenvolvimento de algumas psicopatologias ou comportamentos inadequados (Barros, 2003).

Há, ainda, a variabilidade entre os pacientes, pois cada um apresenta uma história com relação às interações entre stress e enfrentamento de situações estressoras, delineadas desde muito cedo no ciclo vital (Lipp, Frare & Santos, 2007; Zakir, 2010).

A infância caracteriza-se por ilimitada energia, pela curiosidade e inquietude, pela intensa atividade corporal, intelectual e afetiva. Deste modo, a prática pediátrica precisa se desenvolver a ponto de promover qualidade de saúde, não deixando com que a hospitalização e as necessidades médicas prejudiquem as necessidades emocionais, sociais, intelectuais e recreacionais, além da necessidade de atender os pais, de modo a prestar-lhes suporte no cuidado dos filhos (Ceccim, 1997).

O objetivo deste estudo é apresentar um caso clínico que consta da caracterização, avaliação e intervenções cognitivo-comportamentais, com a intenção de, por meio da apresentação deste, subsidiar futuras intervenções de profissionais com este público.

 

Caso Clínico

O paciente F., 9 anos, reside numa cidade do Vale do Itajaí, e estuda numa escola pública, frequentando o 4º ano. Mora com sua mãe, a qual divorciou-se há um ano, e com duas irmãs de 12 e 2 anos. Não tem mais contato com o pai, e afirma que não quer mais vê-lo, por ter feito sua mãe sofrer e por não pagar pensão.

Foi internado na Pediatria devido a fortes dores pelo corpo, as quais lhe impossibilitavam a deambulação, e até mesmo movimentos pequenos para se virar na cama. Os médicos diagnosticaram seu quadro clínico como febre reumática, e a internação tornou-se necessária para uma melhor adesão ao tratamento.

Após um período de internação de 10 dias, o paciente encontrava-se com menos dores, o que levou os médicos a lhe concederem alta médica. Conquanto, após 27 dias, ele teve que retornar ao hospital e ser internado novamente, devido a outra crise de reumatismo, associada a uma anemia profunda que lhe conferia uma aparência pálida, e um comportamento muito apático. Segundo o médico, as dores pelo corpo se deviam em grande parte à anemia.

O paciente passou por exames de Raio-X, exames de sangue, punsão lombar e foi submetido a duas transfusões de sangue durante a sua segunda internação. O paciente relatou que esta era sua quarta internação no hospital, sendo que as duas primeiras se deram por causa de uma pneumonia e de uma infecção intestinal, quando ele era menor.

Durante as duas internações, ele ficou grande parte do tempo sozinho, posto que sua mãe o acompanhava apenas durante a tarde. No final desta, sua mãe ia para casa cuidar da filha mais nova, pois ela ainda amamentava e não tinha com quem deixá-la. Durante a noite ele ficava sozinho, e pela manhã também ficava, salvo quando sua irmã vinha lhe fazer companhia.

Durante a segunda internação, demonstrou uma grande vontade de ir para casa, pois sua mãe havia feito mudança no dia em que ele fora internado, e ele queria muito conhecer sua casa nova.

O paciente, aos poucos foi percebendo a necessidade e importância de sua medicação, bem como da realização de exercícios para melhorar seu tônus muscular, o qual encontrava-se enfraquecido. Frente às dificuldades de movimentação que ele apresentava, permanecia deitado a maior parte do tempo.

Febre Reumática

A febre reumática, conforme Gori (2012) é uma enfermidade provocada por uma bactéria chamada Estreptococo Beta Hemolítico do grupo A. A infecção ocorre na orofaringe (garganta) e a doença se manifesta de 2 a 3 semanas após a infecção. Para tanto, é condição fundamental uma anterior infecção por estreptococos do grupo A.

Esta constatação foi possível pois, após muitos anos de estudos, os médicos clínicos observaram que os casos de febre reumática sempre surgiam em sequência de surtos de amigdalite ou escarlatina, e assim, de acordo com Souto (2012), extensas pesquisas epidemiológicas, imunológicas e clínicas concluíram ser o estreptococo do grupo A o agente causal da doença.

A doença ocorre predominantemente em crianças na idade escolar entre 5 e 15 anos, susceptíveis, isto é, com tendências a desenvolver doença, embora nem toda criança com problemas de infecção na garganta irá ter febre reumática. Para tanto, conforme Todd (1997), a susceptibilidade à febre reumática também é evidente em faixas etárias maiores, bem como, em grupos social e economicamente desfavorecidos.

De acordo com Souto (2012) os principais sintomas e sinais da infecção por estreptococo A são: febre alta, dor ao engolir, amígdalas dilatadas, gânglios ou caroços doloridos no pescoço, vermelhidão nas mucosas da garganta e do céu da boca e pontos esbranquiçados ou com pus no céu da boca e nas amígdalas.

Em termos científicos, conforme o mesmo autor, a febre reumática é uma complicação tardia nas infecções das vias superiores causadas por estreptococos do grupo A e caracteriza-se por lesões inflamatórias que afetam primariamente as articulações, o coração e o tecido subcutâneo.

Manifestações clínicas diversas – como as dores e inflamações nas articulações, as inflamações no coração, os nódulos sob a pele, as manchas vermelhas e bem demarcadas na pele, e os tremores – podem ocorrer em várias combinações. A lesão no coração pode tornar-se crônica e progressiva, levando à insuficiência cardíaca ou até a morte, muitos anos após o episódio inicial.

A principal complicação é que a maioria dos casos passam despercebidos quando de sua ocorrência, só sendo descobertos posteriormente, através de suas manifestações tardias. O tratamento mais comum é o medicamentoso, como a penicilina, a qual cura a infecção das vias aéreas e previne o aparecimento tardio dos sintomas da febre reumática.

Souto (2012) afirma que a febre reumática pode afetar vários sistemas do organismo, sendo que o quadro clínico da doença pode ser bastante variável, dependendo dos sistemas que foram acometidos, ou da gravidade do envolvimento e da ordem em que os sistemas são atingidos.

Para um efetivo diagnóstico, cinco destas manifestações correspondem aos sinais maiores da febre reumática propriamente dita: cardite ou inflamação do coração, poliartrite ou inflamação das articulações, coreia ou tremores dos membros e face, nódulos subcutâneos e o eritema marginado ou manchas na pele. A febre e as artralgias ou dores nas juntas também podem ser caracterizados como sinais da febre reumática.

A prevenção primária da febre reumática implica em diagnóstico preciso e tratamento apropriado das infecções estreptocócicas da boca, garganta e faringe. Porém, devido à realidade socioeconômica do país, marcada por grande desigualdade social, é difícil garantir o amplo acesso da população aos procedimentos e exames de laboratório que realmente permitem distinguir se existe a infecção por estreptococos nos casos de gripe ou resfriado.

Avaliação do Caso

O primeiro contato com o paciente fez-se no seu primeiro dia de internação, por solicitação de uma enfermeira, a qual solicitou a ajuda da estagiária da Psicologiapara conversar com o menino, visto que ele não estava deixando-a aplicar uma medicação intravenosa, tirando o braço frente a qualquer tentativa da mesma. O paciente chorava e gritava com a enfermeira dizendo que não a deixaria aplicar a medicação, porque doía muito.

Então, após alguns contatos com o paciente, pôde-se perceber que o paciente ficava muito ansioso quando precisava tomar uma medicação intravenosa, e estes momentos eram permeados de muita angústia tanto para o paciente, como para a auxiliar de Enfermagem, pois ele chorava muito.

Nos primeiros encontros estabeleceu-se um vínculo entre o paciente e a psicóloga. Então, falava-se sobre sua vida, o que ele gostava de fazer, o que não gostava, o que ele estava aprendendo na escola, sua rotina em casa e no hospital, como estava se sentindo, e o que ele pretendia fazer ao receber alta.

Também nos primeiros encontros com o paciente, o mesmo se queixava de muita dor e chorava bastante. O fato de pouco conseguir se locomover e a dor, conferiram-lhe uma real posição de paciente e uma quebra abrupta de sua rotina diária, na qual ele corria, brincava, jogava bola e ia para a escola.

Conforme Ortiz (1997), afastar-se do meio conhecido, de sua casa, de sua cama, de seus brinquedos, roupas, família faz com que a criança viva momentos de extrema insegurança, perdendo seus referenciais. Segundo relato do paciente, após ter tido alta pela primeira vez, ele foi para a escola apenas duas vezes, realmente se entregando a uma posição de paciente. Ele afirmou "O médico disse que era para ficar em repouso", e sendo assim, quase não saía de casa, ou sequer, saía da cama.

Conforme Leitão (1993), muitas vezes a hospitalização é tão marcante que a criança se rende, se entrega à nova circunstância de vida, na maioria das vezes apaticamente, numa forma de hospitalismo, que é uma maneira autista de ficar nesta posição.

De acordo com Chiattone (1998), existem diversos aspectos mobilizados na esfera psicológica, em função da doença, tais como: sentimento de impotência frente à doença e à hospitalização; fantasias quanto à patologia, desde suas causas até o comprometimento que possa causar e o sentimento de impossibilidade e de conflito.

Após observações sistemáticas do paciente, a psicóloga procurou iniciar uma análise comportamental, na qual são levantadas hipóteses sobre as contingências que operam no controle dos comportamentos, fazendo assim, análises funcionais. Conforme Delitti (1997), análise funcional é um instrumento bastante valioso para a prática clínica e é a partir dela que é possível levantar dados importantes e necessários para o progresso terapêutico.

Realizam-se através da análise funcional a identificação das variáveis e a explicitação das contingências que controlam o comportamento, permitindo que sejam levantadas hipóteses acerca da aquisição e manutenção dos repertórios considerados problemáticos, e assim, possibilitar o planejamento de novos padrões comportamentais.

Através de observações, pôde-se perceber que o comportamento do paciente estava alterado em consequência de sua condição. Ele apresentavase ansioso, tinha crises de choro e não se alimentava bem, o que o tornava mais fraco. Além disso, o paciente demonstrava medo de se mover na cama, tentar sentar ou se locomover, apresentando um comportamento de fuga/esquiva, e assim, ele aumentava o comportamento de ficar imóvel, para diminuir a ocorrência de dores, deste modo, sendo reforçado negativamente. Outro aspecto observado foi a não aceitação da medicação.

F. ficava sozinho na maior parte do tempo, visto que sua mãe o acompanhava apenas durante a tarde, em função de uma filha menor que necessitava também de sua presença. Sua irmã mais velha, certas vezes, fazia-lhe companhia. Quando se fazia presente no hospital, a mãe sempre participava dos atendimentos. A ausência da mãe, o fato de ter que ficar sozinho, vendo os outros pacientes indo embora, outros chegando, e ele permanecendo no hospital são variáveis que aumentavam a ansiedade do paciente. Deste modo, conforme Campos (1995), a mãe e os familiares passam a ver a criança apenas em horário de visita, o que não preenche suas necessidades afetivas e cria uma angústia na família e no próprio paciente.

O comportamento ansioso da mãe contribuía de maneira a intensificar os comportamentos inadaptados de F. A mãe relata que, devido a algumas faltas no trabalho, ela havia perdido o emprego, fato este que intensificava ainda mais a sua ansiedade. Segundo Ortiz (1997), a reação da criança depende muito da forma como seus pais vão reagir a ela. Assim, a ansiedade dos pais é transmitida à criança, fazendo-a sofrer. A família ansiosa tende a perder a flexibilidade e a espontaneidade nas relações pessoais, interpretando mal os acontecimentos e as comunicações verbais.

Desta forma, paralelamente aos atendimentos ao paciente, a mãe também era orientada no sentido de ajudar seu filho, criando condições para que a relação mãe-filho ocorresse de forma mais adequada e salutar para o processo de internação do paciente. Vale ressaltar que estas orientações eram feitas no próprio quarto do paciente, muitas vezes, em sua presença. A psicóloga procurava provocar mudanças na qualidade da relação, elencando a importância de sua presença nesta fase em que ele precisava de alguém ao seu lado, pelo menos até que os médicos encontrassem um tratamento verdadeiramente eficaz para suas dores, e pudessem dar-lhe alta. Após nova análise funcional, a estagiária passou a intervir de modo que os comportamentos inadequados, tais como comportamento ansioso, não aceitação da medicação, comportamento de esquiva frente aos exercícios propostos a sua melhora, fossem alterados, instalando, portanto, novos comportamentos.

Pôde-se observar que o paciente apresentava dificuldades para aceitar a importância da medicação, apresentando percepção distorcida da dor, comportamento de esquiva, principalmente em relação aos procedimentos médicos invasivos e exercícios musculares.

Durante sua primeira internação, tanto mãe como filho apresentavam-se mais ansiosos. F. chorava e reclamava mais, negando-se a receber as medicações e a mãe angustiava-se pelo fato de ter que ficar no hospital, sem entender direito o que seu filho tinha. Porém, ao receber a primeira alta, o paciente foi para casa, ficando só na cama, não saindo de casa, e pedindo constantemente à mãe "Acho que se eu ficar no hospital é melhor, pelo menos lá as dores diminuem".

Na segunda internação, mãe e filho apresentavam-se mais conscientes da importância da internação, da aderência aos medicamentos e da importância de uma boa relação entre eles.

Buscou-se fornecer ao paciente o reforço em um ambiente que se apresentava extremamente aversivo para ele, que dizia: "Aqui é muito ruim, não tem nada para fazer". Utilizou-se de recursos lúdicos, tais como: desenhos, jogos, histórias. Com a utilização destes recursos, o paciente passou a se comportar de forma mais adequada, tendo maior aceitação de sua condição e esclarecendo os companheiros de quarto, os quais tinham medo da medicação intravenosa, da importância da mesma, incentivando-os e ajudando-os a aceitar tal procedimento.

Objetivos do Atendimento

* Formar vínculo com o paciente;

* Amenizar sofrimento frente à internação;

* Proporcionar um momento para que o paciente fale de seus medos, ansiedades, tristezas e angústias;

* Alterar o foco de atenção para situações agradáveis;

* Orientar a família para que esta possa agir de forma adequada com o paciente, reduzindo então a ansiedade deste e de sua família; e

* Intervir de modo que comportamentos inadequados sejam alterados.

Procedimentos Clínicos

Num primeiro momento, realizou-se o vínculo com o paciente e com sua mãe. Nos primeiros encontros da primeira internação, o paciente falou de si, sobre sua família, sua escola, amigos e sua coleção de cartões telefônicos.

Após o feitio do vínculo, o paciente passou a falar mais explicitamente sobre sua dor, sua condição de paciente, sua limitação física, seus planos para quando saísse do hospital, sobre a saudade dos amigos e a vontade de voltar logo para casa.

Com as intervenções, a psicóloga tinha por objetivo levá-lo a perceber a importância da medicação, bem como, da necessidade de seguir as orientações médicas, fazendo exercícios, os quais o ajudariam no alívio da dor. Por mais que estas contingências lhe fossem aversivas, o paciente, aos poucos, passou a entender que eram necessárias, para que ele se sentisse emocionalmente e fisicamente bem.

De acordo com Ortiz (1997) no hospital a criança passa a viver num mundo estranho, no qual as pessoas passam apressadas, usam uma linguagem desconhecida, um local no qual ela irá conhecer outras crianças também enfermas, que a levarão a contestar precocemente valores como a vida e a morte. Ela viverá no hospital momentos que se tornarão inesquecíveis enquanto viver, podendo desencadear problemas físicos, emocionais e intelectuais.

O processo terapêutico ocorreu com o paciente, mas foram feitas orientações à mãe, para que a mesma também pudesse orientar o paciente. Assim, orientava-se o paciente a se comportar de uma forma mais eficaz, em diferentes situações, ou seja, considerar o ambiente, o contexto e as suas reações pessoais.

A orientação dada à mãe foi em relação ao quadro clínico do paciente, visto que na primeira internação a mãe encontrava-se muito preocupada, por não saber ao certo, o que seu filho tinha. Com frequência a mãe se queixava pelo fato de ter que ficar no hospital, sem entender ao certo o motivo da internação do filho. "É horrível ficar no hospital, ainda mais quando os médicos só me enrolam, e não falam o que o meu filho tem". Assim, a mãe recebeu esclarecimentos sobre a febre reumática, enfatizando a necessidade da internação até que o paciente melhorasse da dor e pudesse realizar um tratamento em casa.

No que tange à orientação à mãe, basicamente foi esta a atividade, até porque a mãe pouco tempo permanecia no hospital, sendo difícil o encontro com ela. Para tanto, na segunda internação, mesmo permanecendo pouco no hospital, pôde-se observar que a mãe apresentou comportamentos mais adequados em relação ao filho, aceitando melhor a internação dele, incentivando-o a se locomover e a aceitar a medicação e fazendo-se participativa nas atividades propostas pela psicóloga.

Na orientação à família, a Terapia Cognitivo Comportamental de família é salutar, pois enfatiza sua real importância, ao mesmo tempo em que toma cuidado para não cair no extremo de colocar a orientação de pais como a solução de todas as dificuldades comportamentais infantis. Durante os atendimentos com o paciente, também realizavam-se atividades lúdicas, jogos os mais diversos, leitura de livrinhos de histórias e desenhos livres.

Ao se analisar o comportamento verbal, Regra (1999) aponta uma metáfora que requer uma faculdade especial de pensamento analógico e considera a extensão metafórica, quando nenhuma outra resposta estiver disponível, e uma situação nova, na qual nenhum termo genérico pode ser ampliado, o único comportamento eficaz pode ser metafórico.

Estas atividades pretendiam levar o paciente a experimentar seu modo de ser, e assim, poderia relatar suas problemáticas, seus medos e suas angústias, visto que as metáforas fazem parte da linguagem do homem, e as crianças utilizam-nas com frequência, sendo seu uso em situação terapêutica amplamente observado.

Deste modo, frente à dificuldade do paciente em relatar o que sentia, fez-se uso de desenhos, para facilitar a sua expressividade.

Num primeiro momento, ao ser solicitado a fazer um desenho sobre como se sentia no hospital, F. desenhou um leito todo em cor preta, desenhando-se sobre a cama, todo em preto. O detalhe do desenho é que ele desenhou o seu braço com o músculo voltado para baixo "Desenhei assim porque é como eu estou me sentindo: fraco". Ao ser perguntado o que significava ser fraco, ele respondeu: "Significa não poder fazer o que se tem vontade, porque não se tem força". Ele relatou ainda que não tinha ânimo nem para brincar, que era uma coisa de que ele gostava muito de fazer, e então, ele se limitava a ficar deitado na cama, assistindo televisão.

 

 

Outro desenho feito pelo paciente representava um homem muito grande e forte, com roupas estranhas, "piercings", e muitas tatuagens. Ele afirmou que gostava muito de tatuagens, mostrando à psicóloga algumas tatuagens adesivas que ele mesmo tinha se aplicado. Quanto ao desenho, ele não mostrou identificação com o mesmo, salvo o detalhe das tatuagens, afirmando que o desenho era uma tentativa de fazer um boneco "o mais estranho possível".

 

 

Outra atividade proposta foi a confecção de um texto para o dia seguinte, no qual ele poderia escrever sobre o que ele pensava sobre o hospital e sobre como era estar internado. Esta atividade foi proposta como tarefa, a qual ele não cumpriu, dizendo que não gostava de escrever, e que se fosse para escrever alguma coisa ele gostaria que a psicóloga estivesse junto. Assim foi feito, na presença da psicóloga, ele escreveu algumas linhas sobre o hospital e o fato de estar internado, enfatizando que achava "ruim estar ali".

Durante os atendimentos também foi trabalhado com o paciente a importância da necessidade de ele tentar se locomover, fazendo exercícios para o pescoço e pernas, fortalecendo, então, o tônus muscular, o que possibilitaria que ele se sentisse mais forte e ágil nos movimentos. Sendo assim a psicóloga fazia os exercícios para que ele observasse o modelo, e em seguida o fizesse. Neste caso, foi usada a modelação, na qual o paciente observava o comportamento modelo. A mesma propôs que quando ele recebesse alta, não ficasse só em casa, como o fizera na vez anterior, aproveitando para ir à praia jogar bola ou caminhar.

A maioria dos atendimentos foi realizado no quarto, porém, alguns foram realizados na sala de recreação. Nestes atendimentos, brincava-se com jogos, como por exemplo, o resta-1, o jogo de varetas e dominó, sendo que nestas ocasiões, normalmente outras crianças se envolviam.

F. demonstrava grande interesse por alguns desenhos animados que passavam na televisão no período da manhã, como o "Dragon Ball Z", e quando os atendimentos ocorriam neste horário, a psicóloga procurava conversar sobre a história do desenho a que ele explicava: "O Dragon Ball Z tem que juntar o maior número de androides, e assim, ele fica cada vez mais forte". Novamente, o paciente elencou a questão da oposição ao "estar fraco", afirmando que gostaria de estar forte como o personagem.

Em outro encontro, o paciente mostrou à psicóloga a sua coleção de cartões telefônicos, mostrando-se motivado a trocar os cartões repetidos, salientando qual era o cartão de sua preferência, e o da preferência de sua mãe. O cartão de que ele mais gostava era o de um herói de histórias em quadrinhos, mas ele não soube explicar o porquê.

Através dos relatos verbais foram realizadas atividades para que o paciente contasse sobre sua rotina no hospital. Ao ser indagado sobre o que mais gostava no hospital, ele respondeu que era a televisão, e o que menos gostava era a injeção.

Visto que os atendimentos ao paciente foram realizados em dois períodos muito próximos de internação, pode-se enfatizar que no final da primeira internação não foi feito um desligamento do paciente, visto que ele recebeu alta antes do esperado, e esta não foi trabalhada com a psicóloga. Durante a primeira internação, ocorreram cerca de 5 atendimentos com o paciente e uma orientação à mãe.

Na segunda internação foram realizados quatro atendimentos com o paciente, e duas orientações à mãe. Foi trabalhado desde sua ida para casa, o que foi feito lá neste período de 27 dias, e como estava sendo ter que voltar para o hospital. Relatou que enquanto esteve em casa, ele mesmo havia considerado melhor voltar ao hospital, pois sabia que ali suas dores diminuíam, posto que, tomava a medicação corretamente, e em casa, nem ele e nem a mãe tinham levado o tratamento a sério, até porque sua mãe havia perdido o emprego e não tinha condições para comprar os remédios. No entanto, F. afirmou que agora havia percebido a importância da medicação, visto que com ela, as dores diminuíam. Deste modo, o paciente passou a ser reforçado positivamente pelo uso da medicação, e a mãe constatou que seria necessário procurar o seu ex-marido para pedir dinheiro e poder comprar os remédios.

O paciente também relatou que, ao contrário da primeira internação, desta vez, ele queria voltar para casa logo, e assim, poder conhecê-la, pois sua mãe havia feito mudança enquanto ele estava no hospital. Deste modo, no nosso último encontro, ele fez um desenho de como imaginava que era sua casa, desenhando-a por dentro e vista de cima. Ao terminar o desenho, sua mãe explicou como realmente era a casa, salientando o que ele havia acertado e errado.

F. teve alta pela segunda vez, apresentava-se melhor fisicamente e disposto a seguir corretamente as orientações médicas.

 

Considerações Finais

O paciente desde o início foi bastante comunicativo e interessado, sendo fácil a formação do vínculo.

A psicóloga, ao perceber a extensão de seu controle sobre o comportamento do paciente, enfatizou a relação terapeuta-cliente, propondo intervenções que permitissem ao paciente atingir os objetivos terapêuticos.

Durante os atendimentos, procurou-se tornar o ambiente hospitalar o menos aversivo possível, estimulando o paciente a falar de suas dores, suas angústias, seus amigos, suas saudades, seus medos, enfim, seus sentimentos.

O trabalho contou com a participação da mãe algumas vezes, a qual se tornou mais presente e participativa, ajudando seu filho a desenvolver comportamentos mais adequados, e assim, tornando a internação mais agradável.

Foram feitas trocas de informações com a equipe médica e com a enfermagem, para que se efetuasse uma práxis interdisciplinar e efetiva.

Constata-se que o trabalho teve êxito, pois o paciente realmente passou a se comportar mais adequadamente, e o mesmo pode ser afirmado em relação a sua mãe. Ao retornar para casa, a psicóloga fez um contato com sua mãe, ao que ela afirmou que F. estava fazendo os exercícios, estava saindo de casa para brincar com os amigos e ir à praia, bem como, estava dando continuidade ao tratamento, fazendo uso correto de medicação.

Pode-se dizer que os encontros foram produtivos, densos, trabalhados no aqui-agora, tendo início, meio e fim cada um, devido ao fato de que a realidade hospitalar é bastante incerta, pois ao mesmo tempo em que se está internado, pode-se levar alta e dar lugar a outro paciente.

 

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1 Mestre em Psicologia da Saúde, processos psicossociais e desenvolvimento psicológico – Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: camillabroering@bol.com.br ou millavolbro@hotmail.com

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