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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.20 no.1 Rio de Janeiro jun. 2017

 

ARTIGOS

 

Revivendo perdas: um estudo com pacientes hospitalizados em uma unidade de internação

 

Reliving losses: a study with hospitalized patients at a hospital unit

 

 

Gabriela Santos Florisbal1; Tagma Marina Schneider Donelli2

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, Porto Alegre, RS, Brasil

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como objetivo compreender a vivência hospitalar de pacientes internados em um hospital geral da região de Porto Alegre/RS, e que já houvessem vivenciado uma perda afetiva devido à morte de um parente. Foram entrevistados cinco pacientes que estavam hospitalizados na unidade de internação, no ano de 2015. Realizou-se uma entrevista semiestruturada, sendo os conteúdos gravados, transcritos e analisados de forma qualitativa pelo método de análise de conteúdo. Foram estabelecidas quatro categorias: (1) história da perda familiar, (2) histórico de saúde, (3) experiência da hospitalização e (4) revivência da perda. Os resultados revelaram que o processo de hospitalização é um fator desencadeante para a revivência de perdas afetivas, independente do tempo transcorrido desde a perda. Além disso, o trabalho de escuta do psicólogo hospitalar precisa transcender o processo de hospitalização, pois os dados observados indicam que o paciente pode manifestar através do corpo adoecido o sofrimento diante da perda.

Palavras-chave: processo de luto; hospitalização; revivência de perdas.


ABSTRACT

The aim of this study was to understand the hospital experience of patients hospitalized at a general hospital in Porto Alegre/RS, which had already experienced an emotional loss due to the death of a loved relative. Five patients hospitalized at a hospital unit were interviewed in 2015. Semi-structured interviews were conducted, recorded, transcribed and qualitatively analyzed by content analysis method. Four categories were established: (1) history of family loss, (2) health historic, (3) hospitalization experience and (4) reliving of loss. Results revealed that the process of hospitalization is a triggering factor for the reliving of affective losses, independently of the time passed since the loss occurred. Furthermore, the listening work of hospital psychologist needs to transcend the hospitalization process, because the observed data indicates that the patient can manifest the suffering in face of the loss through the ill body.

Keywords: mourning process; hospitalization; reliving of losses.


 

 

Introdução

De acordo com o Ministério da Saúde (2004), o hospital é considerado um "estabelecimento de saúde destinado a prestar assistência médica e hospitalar a pacientes em regime de internação" (p. 61). Ao ler esta definição, o sujeito que nunca vivenciou o processo de hospitalização não tem conhecimento da dimensão que o ambiente hospitalar pode assumir em sua vida. Ao chegar ao hospital, o sujeito adoecido necessita adaptar-se a um novo estilo de vida (Oliveira & Rodrigues, 2014) e, embora as necessidades biológicas e orgânicas precisem ser prontamente atendidas, as questões psicológicas deverão ser consideradas simultaneamente (Goidanich & Guzzo, 2012).

Segundo Botega (2012) e Simonetti (2004), cada paciente reage e enfrenta o processo de internação hospitalar de maneira diferente. No entanto, é possível descrever algumas experiências que, geralmente, o paciente que está inserido neste contexto vivência. Angerami-Camon (1984, 1988) ressalta o que Goidanich e Guzzo (2012) seguem pontuando na contemporaneidade, como o fato do paciente ser identificado por um número de leito, onde compartilha um pequeno quarto com dois, três ou mais pacientes, comprometendo sua identidade e privacidade. A pesquisa de Lenardt, Hammerschmidt, Pívaro e Borghi (2007) também descreve os constrangimentos enfrentados por pacientes idosos durante o período de hospitalização, onde dentre cinco categorias encontradas, uma delas é a internação em quarto coletivo, reforçando a ideia de que o ambiente hospitalar é invasivo e despersonalizante.

Além disso, durante a internação é necessário lidar com a espera, pois é preciso esperar pelo medicamento, pela hora de tomar banho, pela alimentação, pela visita do médico, pelo horário de receber a visita dos familiares, o que compromete a autonomia (Angerami-Camon, 1984, 1988; Goidanich & Guzzo, 2012). Por fim, o paciente necessita conviver com a separação da família, da casa, do trabalho e dos demais fatos relacionados à sua vida. Goidanich e Guzzo (2012) destacam as separações e os rompimentos nas relações afetivas como algo inerente à hospitalização. Santos, Slonczewski, Prebianchi, Oliveira e Cardoso (2011) mencionam que estas separações são fatores que desestabilizam o paciente e sua família.

Também compreendido no processo da hospitalização, o sujeito adoecido depara-se com diferentes formas de perdas, ou seja, a própria internação hospitalar é considerada um processo de perda (Souza, Moura & Corrêa, 2009; Vasco, 2009). Conforme Simonetti (2004), estas perdas podem ser destacadas como imaginárias ou reais. Compreende-se que as imaginárias estão relacionadas com a perda nas relações afetivo-sociais e, em alguns casos, alterações na funcionalidade do corpo. Por outro lado, as reais são constituídas pela perda de algum órgão ou membro, perda financeira relacionada ao custo da hospitalização, perda temporária do emprego devido às faltas, perda da autonomia, entre outras. Para Parkes (2009), as perdas de ordem psicológica, física e afetiva são nomeadas de perdas múltiplas.

Amaral e Marques (2011) consideram a hospitalização como algo único em nossas vidas, pois além de um desencadeador de diferentes reações psíquicas, é sinônimo de intensas modificações. Dessa forma, ao longo da permanência do paciente no hospital, o mesmo poderá retomar questões referentes à sua vida. Goidanich e Guzzo (2012) observaram, ao longo dos atendimentos psicológicos hospitalares, que os pacientes mostravam-se angustiados muito mais em decorrência das emoções suscitadas pela internação hospitalar, do que pela hospitalização em si. Goidanich e Guzzo (2012) afirmam ainda que é comum o paciente revisitar perdas e recordar dificuldades vivenciadas. Nesse sentido, os pacientes internados podem relembrar e reviver aspectos relacionados à morte de um ente querido.

Da mesma forma, o reviver perdas anteriores pode estar relacionado a uma das oitos categorias de estresse psicológico que Strain (1978, citado por Botega, 2012) descreve ao falar do paciente hospitalizado, que é o medo da dor e da morte. Isso porque, ao adoecer, os pacientes descobrem que não possuem o controle do próprio corpo, como acreditavam, e por isso a dor e as dificuldades apresentadas pelo corpo produzem pensamentos relacionados à finitude (Goidanich & Guzzo, 2012). Diante destes possíveis pensamentos, é inevitável que o paciente apresente sentimentos pertinentes ao processo de luto. Peralva (2008) ressalta em seu trabalho que este confronto com a própria morte será experimentado pelo sujeito através do processo de perda e, tratando-se de perdas, estes sentimentos serão desencadeadores do processo de luto. Portanto, este luto atual poderá estar vinculado com as vivências de perdas anteriores do paciente, podendo o luto do passado ser revivido durante a hospitalização.

Parkes (2009) acredita que a doença pode ocasionar sentimentos de perda, como foi discutido anteriormente, e estas causarem certas implicações ao paciente, podendo fazer com que o paciente reviva suas perdas anteriores como, por exemplo, de um ente querido. Diante disso, torna-se necessário abordar o processo de luto. Freud (1917/2011) e Worden (2013) descreveram que o luto é a reação produzida face à perda de uma pessoa querida e, apesar do sofrimento associado à perda, é entendida como um processo comum.

Os sentimentos associados ao processo de luto podem ser compreendidos a partir das ideias de Kübler-Ross (1981/2008) sobre as fases de enfrentamento de uma perda, seja ela real ou potencial. Assim, os pacientes hospitalizados atravessam os estágios de negação, raiva, barganha, depressão e, por fim, aceitação da perda. De acordo com a literatura, existe a possibilidade do sujeito não vivenciar, obrigatoriamente, todos estes estágios ou até mesmo vivenciá-los em uma ordem aleatória.

Por outro lado, Bowlby (1973/1998) observa as fases do luto de forma distinta, observando quatro fases, sendo elas: entorpecimento; anseio; desorganização e desespero; e reorganização. Estas fases auxiliam tanto os profissionais de saúde como os familiares a compreenderem os sentimentos de tristeza, raiva, culpa, ansiedade, solidão, fadiga, desamparo, choque, saudade, libertação, alívio, torpor, entre outros que podem ser suscitados nesta situação de intenso sofrimento (Worden, 2013).

Os aspectos do processo de luto devem ser ainda refletidos quanto ao estágio do ciclo vital que o sujeito se encontra. Bromberg (1996), Walsh e McGoldrick (1998), Parkes (2009) e Worden (2013) descrevem em seus livros estas etapas. Entretanto, destaca-se aqui a pesquisa realizada por Silva, Zemuner, Rodrigues, Andrade, Martiniano & Falcão (2012),onde investigou-se, em diferentes grupos etários, as representações da morte e do luto. O estudo apresenta resultados heterogêneos na representação da morte e do luto em relação aos grupos pesquisados. De acordo com os autores, durante a infância, a morte e o luto irão manifestar representações diferentes conforme a idade da criança. As crianças entrevistadas caracterizaram a morte como algo distante de suas realidades individuais, porém conseguiram relacionar a morte como uma punição para as pessoas que violam as leis, representado como uma penalidade. Durante a fase adulto jovem, a morte é considerada como um evento para além dos limites do conhecimento, que é impossível de voltar atrás, e o luto como um ritual a ser vivenciado. Por sua vez, os adultos de meia idade ponderam o processo de luto com deferência, acrescentando em seus sentimentos e pensamentos questões pertinentes a desesperança e a finalização de sonhos e metas. E para os idosos, de modo geral, a relação com o morrer mostra-se mais clarificada, utilizando-se de mais mecanismos emocionais para lidar com a morte e o processo de luto.

Tratando-se da terceira idade, este é o grupo etário que mais utiliza-se do serviço hospitalar, pois é comum a ocorrência de doenças nesta etapa do ciclo vital (Chibante, Santo & Aquino, 2015; Martins, Schneider, Bunn, Goulart, Silva, Gama, & Albuquerque, 2008). Além da perda da saúde física, o idoso vivencia diferentes formas de perdas, sendo concretas ou simbólicas, e que ocorrem muitas vezes em um intervalo curto de tempo. Estas perdas podem estar relacionadas com perdas fisiológicas e funcionais, perdas cognitivas, perdas ocupacionais, perdas de familiares e amigos, etc. (Zinn & Gutierrez, 2008).

Retomando que o processo de hospitalização é um grande desafio na vida do sujeito, para o paciente idoso, este momento torna-se muito mais delicado. Geralmente o idoso necessita mais da presença da equipe de saúde, que segundo Martins et al. (2008) precisa atentar para todas estas perdas que passa o paciente idoso.

Diante dessa realidade, o papel do psicólogo é imprescindível no âmbito hospitalar, que, conforme o estudo de Torezan, Calheiros, Mandelli e Stumpf (2013), cresce constantemente no Brasil. O profissional da área da psicologia que estiver inserido na equipe multiprofissional poderá acompanhar o paciente durante sua hospitalização, proporcionar um espaço que possibilite a reflexão sobre a postura e os sentimentos vivenciados e auxiliar para amenizar o sofrimento gerado ao longo da internação (Amaral & Marques, 2011).

Considerando este panorama, o presente estudo tem por objetivo compreender a vivência hospitalar de pacientes que já tenham vivenciado alguma perda afetiva devido à morte de um parente de primeiro grau por consanguinidade. Espera-se, com este estudo, responder às seguintes questões norteadoras: 1) Pacientes hospitalizados que vivenciaram perdas anteriores têm mais dificuldades para adaptar-se à vivência da hospitalização?; 2) As perdas ocasionadas pelo processo de hospitalização poderão motivar a revivência de perdas anteriores?; e 3) Quais as manifestações psíquicas apresentadas no adoecimento quando o paciente tem uma vivência de perda familiar?

 

Metodologia

Delineamento e Participantes

Trata-se de um estudo descritivo de caráter exploratório de abordagem qualitativa. Foram selecionados por conveniência cinco participantes, sendo quatro mulheres e um homem, com idades entre 67 e 93 anos (média 81,2) e que estavam hospitalizados na Unidade de Internação de um hospital geral, privado, de médio porte, situado no Rio Grande do Sul. Três pacientes eram viúvos, um casado e um divorciado. O período de internação dos pacientes era de no mínimo cinco e de no máximo dez dias (média 8,4). Quanto ao número de internações anteriores, um paciente vivenciava sua primeira hospitalização, enquanto os demais apresentavam uma, duas e até três experiências, exceto um deles, que não soube precisar o número de reinternações, referindo-se como sendo várias. Os principais sintomas que levaram à internação atual destes pacientes foram dor no peito, falta de ar, gripe, cansaço e uma crise de traqueobroncomalácia, que caracteriza-se por uma flacidez nas paredes das vias aéreas, causando colapso da traquéia (Marchiori, Pozes, Souza Junior, Escuissato, Irion, Araujo Neto, Barillo, Souza & Zanetti, 2008).

Em relação ao histórico de perdas, apesar de múltiplas, foram consideradas no estudo aquelas que os pacientes relataram durante a entrevista como sendo relevantes em suas vidas. Foram consideradas apenas as perdas de parentes de primeiro grau por consanguinidade. Desta forma, três pacientes mencionaram a perda de um de seus filhos, enquanto os demais perderam, respectivamente, três irmãos, mãe e irmã. O tempo de perda destes familiares é bastante variado, sendo de no mínimo um mês e de no máximo 42 anos. Os motivos das perdas também são diversificados: acidente de trabalho e automóvel, complicações em decorrência da dependência química de álcool e tabaco e complicações de saúde.

Procedimentos e Instrumentos

Utilizou-se uma entrevista semiestruturada a fim de possibilitar a obtenção dos relatos da vivência e o alcance das informações necessárias. A entrevista foi construída tendo como referência o trabalho de conclusão da especialização de Vasco (2009) e do instrumento de avaliação de luto prolongado validado por Delalibera, Coelho e Barbosa (2011).

Após autorização institucional e a aprovação dos Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e do Hospital, iniciou-se a coleta de dados. Inicialmente, realizou-se um levantamento junto ao Serviço de Psicologia Clínica do Hospital para verificar a presença de encaminhamentos de pacientes que preenchiam os critérios estabelecidos pela pesquisa, tendo-se encontrado três pacientes. Os outros dois pacientes foram identificados através da busca ativa nos postos de enfermagem. Os cinco pacientes contatados aceitaram participar da pesquisa, não havendo recusa e nem desistência de nenhum participante.

Em seguida, realizou-se o contato com cada paciente para apresentar-lhes o objetivo da pesquisa e convidá-los para participar de forma voluntária. Após aceito o convite, agendou-se a entrevista e assinou-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Tanto o primeiro contato com o paciente, quanto a entrevista, ocorreram no leito de internação, respeitando a rotina do hospital e o espaço do paciente a fim de garantir o conforto necessário. As entrevistas foram individuais e todas foram gravadas, por escolha da pesquisadora, para posterior transcrição. Todo o estudo foi conduzido de acordo com os princípios éticos regidos pelas diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa com seres humanos, segundo a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (2012). É importante considerar que os nomes utilizados neste trabalho são fictícios a fim de preservar a identidade dos sujeitos e garantir o sigilo profissional.

As entrevistas foram analisadas pelo método de análise de conteúdo proposto por Bardin (2011) e Laville e Dionne (1999). O trabalho de análise versou na transcrição das respostas obtidas pelos entrevistados, no levantamento dos principais temas que apareceram nas respostas fornecidas, no recorte e categorização em unidades temáticas e na descrição, análise e interpretação dos resultados.

A partir do roteiro de entrevista semiestruturado, as seguintes categorias foram estabelecidas a priori: (1) História da Perda Familiar; (2) História da Doença Atual; e (3) Experiência de Hospitalização. Após a leitura e análise do material das entrevistas, reorganizou-se as categorias já existentes e formulou-se duas novas categorias a posteriori: (1) História da Perda Familiar; (2) Histórico de Saúde; (3) Experiência de Hospitalização; e (4) Revivência da Perda. A categoria História da Perda Familiar foi organizada nas subcategorias Perda de um Filho, Perda de um dos Pais, e Perda de um Irmão. Já a categoria Experiência de Hospitalização foi dividida nas subcategorias Aspectos Positivos e Aspectos Negativos.

 

Resultados e Discussão

História da Perda Familiar

A primeira categoria contempla a descrição da história da perda familiar vivenciada pelo paciente ao longo do seu ciclo vital e identificada por ele como significativa. Foi possível observar que três dos cinco entrevistados apresentaram em seu discurso particularidades sobre o histórico do vínculo com o familiar falecido. Dessa forma, considerando que o relacionamento que o sujeito possui com cada familiar tem diferentes maneiras de representação, e implica em diferentes vivências relacionadas à perda, optou-se em descrever, de forma mais detalhada e organizada, em três subcategorias, cada experiência de perda identificada na pesquisa.

Perda de um Filho

A subcategoria Perda de um Filho descreve os elementos deste processo de luto tão significativo, além de discutir os fatores que envolvem o tempo da perda, a fase do ciclo vital que ocorreu a morte e a forma como o familiar morreu. Na presente pesquisa, os participantes Cláudia, Iolanda e Vilson relataram a perda de um filho. As perdas descritas por Iolanda e Vilson são de filhos adultos, sendo estes do sexo feminino e masculino, respectivamente. Já a perda de Cláudia ocorreu quando o filho, do sexo masculino, estava na fase da adolescência. Com relação à forma como ocorreu a perda, Iolanda referiu acidente de trânsito e Cláudia acidente de trabalho, enquanto Vilson citou complicações em decorrência do alcoolismo. O tempo de ocorrência destas perdas variou de 4 a 42 anos, apresentando um tempo médio de 16 anos.

Embora não seja possível determinar como foi vivenciado o processo de luto na época da perda, e tampouco se os participantes da pesquisa seguem enlutados em função dessa perda, é relevante ressaltar que quando ocorre uma perda afetiva, o processo de luto necessita de tempo, e dessa forma alguns casos podem durar anos, enquanto outros podem nunca terminar (Kóvacs, 1992). Destaca-se a possibilidade de um luto permanente após a perda de um filho, pois, considerando as características do vínculo entre pais e filhos, existirá também uma maior dificuldade de separação (Parkes, 2009). Por isso, no mundo ocidental, a morte de um filho é considerada o luto mais intenso e doloroso (Parkes, 2009).

É possível observar tal intensidade na entrevista do paciente Vilson, onde o sofrimento em relação à perda do filho mostra-se mais acentuado do que o experimentado pela perda da esposa, quando diz: "Eu senti muito, olha, eu senti o dobro! Bom, minha patroa tava certa, era doente, mas ele não [...]".

Outro aspecto importante diz respeito à etapa de vida em que se encontrava o familiar falecido. Walsh e McGoldrick (1998) destacam que quando ocorre a morte de adolescentes, geralmente, estas ocorrem em função de acidentes, suicídio, homicídio e câncer. Este dado está de acordo com o caso da paciente Cláudia, pois seu filho faleceu de forma acidental quando estava na adolescência.

Além disso, é importante atentar para o modo como a pessoa morre, pois este mediador também é necessário para entender como ocorre o processo de luto em cada sujeito. No caso das pacientes Cláudia e Iolanda, as mortes ocorreram de forma acidental e inesperada, enquanto para Vilson a perda configurou-se como natural: "Surpresa. Foi tudo surpresa. A gente não esperava, né!?" (Iolanda).

As formas elencadas acima, sobre como as pessoas faleceram, estão catalogadas a partir da sigla (NASH) apresentada por Worden (2013), como "natural, acidental, suicídio e homicídio" (p. 37). Outras dimensões podem ser acrescentadas na forma de pensar a morte, como: proximidade geográfica, repentina ou inesperada, violentas ou traumáticas, múltiplas perdas, evitáveis, ambígua e/ou estigmatizantes.

Perda de um dos Pais

Nesta subcategoria é abordada a perda de um dos pais na vida adulta, embora muitos estudos falem mais sobre a perda dos pais na infância (Kóvacs, 1992; Walsh & McGoldrick, 1998; Parkes, 2009; Worden, 2013). Tamires foi a única paciente que relatou sobre a experiência de perder um dos pais. Além da perda da irmã, que será abordada na próxima subcategoria, a entrevistada vivenciou a perda da mãe. A morte da mãe de Tamires, no momento da realização da entrevista, tinha ocorrido há um mês e os motivos da perda foram complicações de saúde, que já vinham se agravando com o decorrer dos anos.

Parkes (2009) confirma que a perda de um dos pais na vida adulta é algo esperado e por consequência não deverá apresentar alterações graves nos aspectos psicológicos. Porém, quando ocorre do sujeito buscar ajuda especializada devido ao luto pela perda de um dos pais, como no caso de Tamires, que procurou ajuda de um psiquiatra, este tem como característica principal ser solteiro, separado ou divorciado, o que se assemelha ao caso de Tamires, que é divorciada. Este auxílio externo para a elaboração do luto acontece em virtude das pessoas enlutadas acabarem apresentando um vínculo maior com seus pais na vida adulta, dificultando assim o processo de luto (Parkes, 2009).

O vínculo existente entre o familiar sobrevivente e a pessoa que faleceu também é considerado quando aborda-se o processo de luto. Worden (2013) menciona que é necessário atentar para: a intensidade do relacionamento, o tipo de segurança do apego que a pessoa que morreu passava para o sujeito sobrevivente, os sentimentos ambivalentes existentes no relacionamento, possíveis conflitos antes da pessoa falecer e a existência de relacionamentos dependentes.

Perda de um Irmão

A subcategoria Perda de um Irmão também foi considerada nos resultados devido à presença desse tipo de perda na história de Raquel e Tamires. Raquel perdeu três irmãos em razão de complicações em decorrência do tabagismo, e Tamires perdeu sua irmã por complicações na saúde. Na presente pesquisa, as pacientes verbalizaram sentimentos de saudade, de ausência e até mesmo dor emocional.

Na literatura é incomum encontrar reflexões acerca do processo de luto em relação à perda de um irmão, pois os principais estudos e discussões focam na perda de filhos, cônjuges e pais (Bowlby, 1973/1998; Franco & Polido, 2014; Parkes, 2009; Worden, 2013). Embora não seja possível quantificar as dores sofridas pelas perdas, sabe-se que o luto por perda de filho, cônjuge e pais, geralmente, são os mais dolorosos devido à natureza do vínculo estabelecido com estes familiares (Parkes, 2009). Tal aspecto é passível de observação no discurso de Raquel, quando questionada em relação à frequência de dor emocional pela falta dos irmãos falecidos: "Ah gente sente assim, sente sim, bá, são irmãos da gente, né!? Pessoas que convivem com a gente, né!? Pouco, convive pouco, mas convive".

Histórico de Saúde

A categoria Histórico de Saúde descreve os sintomas da internação atual e questões relacionadas ao histórico de saúde, anterior à hospitalização, dos sujeitos entrevistados. Além disso, busca discutir, com base na literatura, os aspectos do adoecimento e da experiência de perda afetiva anterior.

Todos os sujeitos entrevistados encontravam-se hospitalizados na Unidade de Internação por um período mínimo de cinco dias. Ao relatarem sobre o motivo da internação atual, a gripe foi a doença mais comum entre os entrevistados, atingindo três dos cinco participantes (Iolanda, Vilson e Raquel). Outros sintomas foram relatados, como dor no peito, falta de ar, cansaço e, o mais específico, crise de traqueobroncomalácia, referida por Tamires. Além disso, observou-se que todos os entrevistados apresentavam pelo menos uma doença ou procedimento cirúrgico anterior a presente hospitalização.

Tendo em vista que o objetivo do estudo é compreender como a hospitalização se configura quando há a presença de uma perda afetiva na história de vida do sujeito, entendese que é preciso investigar seu histórico de saúde, incluindo a história da doença atual que levou à sua internação hospitalar. Este ponto é relevante, pois teorias e estudos indicam que o aparecimento de doenças orgânicas podem estar associadas a fatores psicológicos (Eksterman, 2010; Perestrello, 1987), o que é ilustrado também pela fala de Tamires: "Que eu acho que muito da minha doença tem a ver com o emocional [...] eu vim parar aqui num estado deplorável".

Straub (2014) dialoga a partir de uma perspectiva biopsicossocial, na qual aspectos biológicos, psicológicos e socioculturais explicam a relação do indivíduo com sua doença. Para Eksterman (2010), a relação mente e corpo está ligada a teorias que versam sobre a psicanálise e a medicina psicossomática. Esta articulação pode não só produzir prazer e saúde, mas também sofrimento, lesão ou doença. Perestrello (1987), também estudioso da psicanálise, acredita que as doenças clínicas e cirúrgicas estão relacionadas à vida psíquica do paciente. Assim, as doenças do soma precisam também ser entendidas em contínua associação com a psique.

Na psicanálise, pode-se discutir tal questão a partir do que Minatti (2012) propõe sobre o mal-estar no corpo, pois a dor surge como um mecanismo para dar voz a um pedido de atenção. Minatti (2012) ainda aponta que a dor é uma forma de sofrimento e, sendo assim, não é possível eliminar a dor que o sujeito apresenta, pois esta é a única forma que o sofrimento encontrou para se expressar. Ademais, estas dores do corpo, geralmente, são ouvidas por familiares, amigos, vizinhos, profissionais da saúde, a grande maioria médicos, na busca de uma ajuda para dar sentido à dor.

Quando trata-se de indivíduos enlutados, Parkes (1998), um dos mais conceituados estudiosos do tema de perda e luto, menciona o quanto muitas doenças físicas e até mesmo mentais estão sendo atribuídas à experiência de perda de um ente querido. Parkes (1998) sugere ainda que os sentimentos e os comportamentos ocasionados pelo luto podem estar mascarados nas queixas relatadas aos médicos. Tal acontecimento pode ocorrer devido à dificuldade do sujeito elaborar o luto ou, até mesmo, da falta de conhecimento sobre o processo de enlutamento (Worden, 2013). É evidente que não é possível afirmar que todos os casos envolvendo perdas afetivas estão diretamente ligados ao fator adoecimento, mas é importante atentar para a comunicação da dor, que pode muitas vezes encontrar no sistema somático uma forma de expressão (Parkes, 1998).

Nos casos entrevistados, observa-se que há possibilidade dos pacientes ainda estarem sofrendo com a(s) perda(s) que vivenciaram ao longo de suas vidas. Verifica-se ainda o quanto a fragilidade do corpo adoecido ajuda o paciente a evocar um sofrimento que não é só físico, mas de outra ordem, de outra época, como a perda de um ente querido. Durão (2015) aponta que escutar o relato sobre as condições do paciente no contexto hospitalar, permite conhecer a história deste sujeito para além do órgão lesionado, pois, muitas vezes, durante este discurso o paciente consegue relatar algum evento importante que marcou sua vida, como uma perda inesperada, e a partir disso, em alguns casos, compreender como a doença foi desencadeada. Além disso, o hospital acaba se tornando um ambiente propício para estes pacientes devido ao alto número de pessoas na equipe para escutá-los.

Experiência da Hospitalização

A categoria Experiência da Hospitalização foi organizada em duas subcategorias, para uma melhor discussão dos dados encontrados. Esta categoria, de modo geral, aborda tanto os aspectos positivos, quanto os aspectos negativos de estar hospitalizado a partir da fala dos pacientes.

Aspectos Positivos

A subcategoria Aspectos Positivos descreve os pontos benéficos de estar hospitalizado na visão dos pacientes entrevistados. Diferentemente da subcategoria de Aspectos Negativos, que será apresentada posteriormente, esta teve poucos elementos considerados positivos durante o processo de hospitalização. Dos conteúdos explicitados surgiram as seguintes questões: atendimento da equipe, possibilidade de restabelecimento da saúde e divisão do quarto coletivo com pacientes que apresentam a mesma patologia.

A dimensão do atendimento realizado pela equipe surgiu de forma mais intensa. Os sujeitos entrevistados utilizaram várias formas para nomeá-la: o carinho, a atenção, o cuidado, a competência, o tratamento, a gentileza e/ou o acolhimento, como disse Iolanda: "Muito bom, bem tratada, muito feliz que estou aqui...Todos me tratam muito bem, são muito atenciosos, todos. Muito bom mesmo, estou gostando de estar aqui".

Este dado é bastante relevante quando se trata de pacientes que sofreram alguma perda familiar, pois em uma das pesquisas realizadas por Parkes (1998) identificou-se que pessoas enlutadas permaneceram no hospital por um período de tempo quatro vezes maior do que aqueles sujeitos que não estavam enlutados. Este resultado só confirma o quanto os pacientes que apresentam uma perda de um familiar podem aumentar a frequência de suas consultas médicas e idas ao hospital por uma necessidade de ajuda.

Importante destacar que na presente pesquisa todos os pacientes entrevistados verbalizaram para algum membro da equipe, pelo menos uma vez, aspectos relacionados à perda em questão. Esta situação decorre, possivelmente, em função dos participantes ainda estarem sofrendo com a(s) perda(s), e/ou pelo motivo de que a equipe (médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, etc.) se mostram disponíveis aos pacientes durante o processo de hospitalização (Gazotti & Prebianchi, 2014).

Aspectos Negativos

A subcategoria Aspectos Negativos descreve os pontos que são considerados pelos pacientes entrevistados como desconfortáveis durante a experiência de hospitalização. Esta subcategoria apresenta uma maior diversidade nos assuntos, como: ansiedade, alteração do sono, quarto coletivo, saudade de casa e dos familiares, alimentação e a espera, como ilustra a fala de Vilson: "Ah, a gente fica meio...nunca fiquei, né...a gente fica, uma coisa assim...ansioso, muito ansioso, muito ansioso".

Os pontos negativos expostos pelos pacientes reforçam o que Santos et al. (2011) encontrou em seu estudo sobre as solicitações mais frequentes de atendimentos psicológicos no âmbito hospitalar. Dos seis motivos descritos, destaca-se os três mais frequentes que, de certa forma, também surgiram na presente pesquisa: identificação de sintomas psicológicos (ansiedade), comprometimento no processo de adaptação (alteração do sono, quarto coletivo, alimentação) e questões sociais e familiares (saudade de casa e dos familiares).

Além disto, os pontos destacados como negativos pelos participantes da pesquisa corroboram a ideia de que, durante o processo de hospitalização, o paciente sofre diversas formas de perdas. Sendo assim, o sujeito precisa vivenciar o processo de luto para adaptar-se ao novo estilo de vida imposto pela situação de adoecimento. Esta sequência de possíveis perdas e lutos poderá contribuir para que o paciente revisite e reviva outras perdas experienciadas ao longo de sua vida, como, por exemplo, o falecimento de um familiar (Goidanich & Guzzo, 2012). Por outro lado, Parkes (1998) entende que o processo de perdas secundárias ocorre diferentemente, visto que a morte de um familiar seria desencadeante para novas perdas, ou seja, por exemplo, a perda de saúde do sujeito enlutado seria um processo posterior a perda do ente querido.

Revivência da Perda

A categoria Revivência da Perda é a mais importante dentro do estudo realizado, pois identifica questões relevantes da perda e do processo de hospitalização. Nesta categoria pretende-se descrever como ocorre a internação de pacientes que já vivenciaram ou estão vivenciando o processo de luto de uma perda familiar de primeiro grau por consanguinidade.

Todos os cinco entrevistados relataram ter apresentado pensamentos ou sentimentos pertinentes à perda do familiar durante o processo de hospitalização: "Eu pensei porque ele era muito meu amigo. A minha filha também é muito querida e eu achei assim, se ele tivesse aqui [chora] seria melhor". (Cláudia).

Apesar da identificação do luto não ter sido um dos objetivos da pesquisa, as respostas às entrevistas sugeriram que alguns pacientes ainda se encontravam enlutados, pois foi possível observar pensamentos e/ou sentimentos que assemelham-se às fases ou às tarefas do processo de luto (Kübler-Ross, 1981/2008 & Worden, 2013). A existência do luto é possível, mesmo após anos de falecimento do ente querido, pois as fases, ou tarefas, podem ser revividas diversas vezes ao longo da vida (Worden, 2013).

A participante Cláudia, ao falar de sua perda, retoma a ideia de Kübler-Ross (1981/2008) sobre o estágio da Raiva, que configura-se como um momento em que o sujeito revolta-se e questiona-se sobre a injustiça de estar vivendo tal situação, no caso de Cláudia, a perda do filho: "Eu achava que nunca ia me acontecer uma coisa dessa, de perder um filho. Então, aquilo me magoou muito! Por que que não fui eu?".

Nos casos dos pacientes Iolanda e Vilson, entende-se que suas posições frente à perda dos filhos estejam mais apropriadas à tarefa 1 de Worden (2013): Aceitar a realidade da perda. Entende-se que eles reconhecem a realidade da morte, porém ainda não conseguiram atingir a aceitação desta realidade, como conta Iolanda: "O choque muito grande, mas eu to recuperando, né!? É coisa que não passa tão cedo", e Vilson: "[...] eu digo eu nunca me conformei com essa morte". Conforme Worden (2013) para existir uma completa aceitação é necessário um assentimento, tanto intelectual, quanto emocional. A aceitação intelectual é estar consciente do acontecimento da morte e a aceitação emocional é admitir a completa aceitação da informação.

A paciente Tamires, que perdeu sua mãe há um mês e sua irmã há sete meses, durante sua entrevista fala sobre a organização e as decisões que tem assumido com os pertences da mãe, inclusive o apartamento, local em que Tamires vivia com ela. Por meio deste discurso, é possível constatar que Tamires encontra-se na tarefa 2, nomeada por Worden (2009) de Processar a dor do luto. As duas perdas de Tamires são bastante recentes, inclusive, quando a entrevistada fala de uma organização do apartamento e dos pertencentes da mãe, ela também diz de uma organização emocional, ou seja, de permitir-se viver e sofrer tal perda: "Então me dá um tempo pra mim digerir tudo isso aqui, organizar o que eu vou levar, o que é da mãe vai ficar aqui dentro, lógico, mas me dá um tempo".

Tendo em vista que o processo de hospitalização desencadeia experiências de perdas passadas, a presente pesquisa observou que estas por sua vez podem estar relacionadas à perda de um familiar. Destaca-se o tempo da perda pois, como é possível analisar, nos casos dos pacientes entrevistados, o fator tempo não é um determinante para a revivência da perda. Ademais, considera-se o processo de luto como algo inerente à recordação de perdas, pois, embora o estudo não tenha tido a intenção de investigar a presença do luto nos participantes, foi possível constatar que ao trazer à tona aspectos sobre a morte do ente querido, os entrevistados mostraram-se emocionalmente fragilizados, dando margem a sentimentos associados às fases ou às tarefas do luto. Lembra-se ainda que, caso estes pacientes não tivessem vivenciando alguma característica da fase do luto, estes não verbalizariam a qualquer integrante da equipe do hospital sobre a perda.

No contexto hospitalar, quando identificada a presença de uma perda significativa na vida do sujeito, entende-se que é importante trabalhar aspectos do processo de luto ou até mesmo questões que dizem respeito ao adoecimento do paciente, pois como podemos verificar, o corpo pode ser um caminho para manifestar as dores da perda. Nestes casos, a escuta do psicólogo precisa estar atenta para além do processo de hospitalização, que normalmente, em virtude do curto tempo de internação hospitalar, acaba sendo o foco do trabalho com o paciente.

 

Considerações Finais

A presente pesquisa partiu do objetivo de compreender a vivência hospitalar de quem já tinha vivenciado alguma perda devido à morte de um ente querido, oferecendo uma contribuição no sentindo de entender como as experiências anteriores, principalmente aquelas relacionadas à perda e ao luto, repercutem nessa vivência, além de trazer benefícios para a compreensão dos processos psicológicos envolvidos na hospitalização e auxiliar no manejo destes pacientes, quando identificados.

Retomando as questões norteadoras deste estudo, observa-se que os pacientes entrevistados apresentaram demandas pertinentes quanto ao processo de adaptação e à hospitalização. Conforme visto ao longo da coleta, todos os pacientes relataram pelo menos para um profissional da equipe aspectos relacionados à perda familiar, denotando pensamento e/ou sentimentos ao longo de sua internação. Por isso é tão importante discutir o trabalho da psicologia no âmbito hospitalar, pois esta irá proporcionar um espaço de escuta diferenciada ao sujeito, considerando suas particularidades e compreendendo o percurso de sua doença (Avellar, 2011).

Destaca-se ainda o papel do psicólogo, pois tratando-se do atendimento psicológico fornecido aos pacientes é necessário atentar para a história da perda familiar, assim como para o histórico de saúde desse sujeito. Apesar da investigação frente ao adoecimento do paciente ser um tópico sempre investigado pela Psicologia Hospitalar, no contexto do paciente enlutado, isso torna-se mais relevante ainda, pois como visto nos resultados da pesquisa e na literatura, o sujeito que perde um familiar pode manifestar doenças físicas (Parkes, 1998).

No que tange à revivência da perda em função das perdas ocasionadas pelo processo de hospitalização, verifica-se que, independente do tempo de falecimento do familiar, o paciente revive sentimentos e/ou pensamentos relacionado à perda anterior, e que estes podem ocorrer em razão da perda de controle do seu próprio corpo ao longo da internação, o que propicia pensamentos sobre a finitude, a perda da autonomia, o rompimento nas relações afetivas, e referindo-se ao perfil da coleta, pacientes idosos, existe também as perdas frente ao processo de envelhecimento (Angerami-Camon, 1984,1988; Goidanich & Guzzo, 2012; Santos et al., 2011).

A revivência da perda de um familiar, durante o adoecimento, proporciona manifestações psíquicas que estão presentes no processo de luto. Sentimentos de tristeza, raiva, culpa, ansiedade, solidão, desamparo, choque, saudade, alívio, torpor, etc. (Worden, 2013). Aqueles pacientes que não conseguem experienciar o processo de luto, possivelmente serão pacientes que irão utilizar de outros mecanismos para dar conta da perda, como, por exemplo, o aparecimento de doenças orgânicas (Eksterman, 2010).

O presente estudo não teve a intenção de investigar a presença do luto nos participantes entrevistados, porém sugere-se, em futuros estudos, tal avaliação. Para concluir, enfatiza-se a importância de atentar cada vez mais para o trabalho com pacientes enlutados. Pascoal (2012) apresenta um trabalho muito interessante realizado no ambulatório do Hospital e Maternidade Mauá, onde há uma assistência psicológica aos pacientes em processo de luto. Estes pacientes encaminhados ao ambulatório são provenientes do próprio hospital e são conduzidos através da equipe médica. Pascoal (2012) realizou um grupo de autoajuda com os pacientes que frequentavam o ambulatório objetivando compartilhar a experiência e difundir a terapia de grupo para enlutados, o que ainda é muito pouco realizado em nosso país.

No momento que houver a criação de mais espaços para trabalhar as questões referentes à perda e ao luto, infere-se que poderá haver uma diminuição de reinternações destes sujeitos ao hospital, assim como, o aparecimento ou o agravamento de doenças orgânicas e ainda alívio do sofrimento ocasionado pelo enlutamento. Entende-se que este trabalho pode-se dar a partir de diferentes momentos, tais como: informar a comunidade sobre as questões do luto e a normalidade de vivenciar tal processo; auxiliar os sujeitos enlutados a exteriorizar e nomear sentimentos relacionados à perda; ressiginificar as emoções e sentimentos da perda a fim de não somatizá-los; e também capacitar a equipe multiprofissional para identificar e acolher pacientes enlutados.

 

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1 Psicóloga Residente do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul – Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS – E-mail: gabriela.florisbal@gmail.com.
2 Psicóloga, especialista em Psicologia Hospitalar, mestre em Psicologia do Desenvolvimento, doutora em Psicologia. Professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica da Universidade do Vale do Rios dos Sinos – UNISINOS – Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS – E-mail: tagmad@unisinos.br
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