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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.20 no.1 Rio de Janeiro jun. 2017

 

ARTIGOS

 

Pacientes em cuidados paliativos sob a luz das Defesas Maníacas: relato de experiência

 

Patients in palliative cares under the light of the Manic Defenses: report of experience

 

 

Franciele Amador Malta Ribeiro1, I, II; Felipe Canterji Gerchman2, II

IUniversidade do Oeste de Santa Catarina, Florianópolis, SC
II
Hospital Santa Clara do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, RS

 

 


RESUMO

De acordo com a definição pela Organização Mundial da Saúde (OMS), Cuidados Paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida. A fim de compreender o funcionamento psíquico destes pacientes, este trabalho objetiva descrever aspectos da experiência do Serviço de Psicologia do Hospital Santa Clara, parte da rede hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, relacionada ao atendimento de pacientes terminais acompanhados pela equipe de cuidados paliativos, com ênfase na compreensão de defesas maníacas propostas por Melanie Klein. Identifica-se o uso destas defesas em parte dos pacientes como uma ferramenta favorável no manejo psicológico. Este entendimento também corrobora com a ideia de que o paciente é terminal, porém ainda com possibilidades terapêuticas.

Palavras-chave: cuidados paliativos; mecanismos de defesa; psicanálise.


ABSTRACT

According to the definition of the World Health Organization (WHO), palliative care consists in the assistance promoted by a multidisciplinary team that aims to improve the life's quality of the patient and its family, in face of a life threatening disease. In order to understand the psychic functioning of these patients, this study aims to describe aspects of the experience of the Hospital Santa Clara's Psychology Service, part of the hospital network Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, related to the care provided to terminals patients followed by the team of palliative care, with emphasis on understanding of the Manic Defenses as proposed by Melanie Klein. The use of these defenses by some patients has been identified as a favorable tool in psychological management. This understanding also corroborates the idea that the patient is terminal, but also with therapeutic possibilities.

Keywords: defense mechanisms; palliative care; psychoanalysis.


 

 

Introdução

De acordo com a definição pela Organização Mundial da Saúde (OMS), Cuidados Paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida. Dentro das intervenções realizadas com pacientes em cuidados paliativos estão as chamadas medidas de conforto, uma série de cuidados de ordem física e psicossocial que visam promover a maior qualidade de vida possível para os pacientes, tanto como busca evitar procedimentos invasivos e intervenções desconfortáveis que, em termos nosológicos, não poderiam mais possibilitar modificação da doença. Conforme Ferreira, Lopes e Melo (2011), o psicólogo desempenha um papel importante no tratamento de paciente em cuidados paliativos, ao trabalhar questões relacionadas ao sofrimento psíquico e à ressignificação da experiência de adoecer. Em concordância, pode-se acrescentar a opinião de Porto e Lustosa (2010) quando afirmam que a atuação do psicólogo, neste contexto, possibilita uma prática mais integral das ações em saúde. Estas autoras enfatizam a busca pela dignidade humana frente à morte, e a possibilidade de maior humanização dos cuidados oferecidos ao paciente em tratamento paliativo.

O presente trabalho foi desenvolvido a partir do atendimento psicológico a pacientes sem possibilidade de tratamento modificador da doença e seus familiares em unidade de internação, e que estavam em acompanhamento pela equipe de Cuidados Paliativos de um hospital geral, Hospital Santa Clara (HSC), parte da rede hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre/Rio Grande do Sul. Este estudo objetivou, a partir dos questionamentos a respeito da morte e formas de enfrentamento, abordar a relação entre ameaça à vida e defesas maníacas. Este relato de experiência, também, propõe um espaço de reflexão e discussão para os profissionais que trabalham na área dos cuidados paliativos.

 

Método

Este trabalho é um relato de experiência profissional a respeito do acompanhamento da rotina de pacientes em cuidados paliativos internados, realizado por membros do serviço de Psicologia de um hospital geral de Porto Alegre, durante um período de cinco meses O trabalho da psicologia baseou-se em promover cuidados psicológicos ao paciente e seus familiares. Os encaminhamentos para o Serviço de Psicologia chegam através de consultorias, ou seja, a equipe solicitante preenche um formulário via intranet que é recebido por e-mail pela psicóloga responsável. As solicitações também ocorrem por meio do contato direto dos médicos do Serviço de Cuidados Paliativos.

Sendo assim, o vínculo do psicólogo com pacientes e familiares começa a se formar desde o primeiro atendimento e o acompanhamento segue até a alta hospitalar ou o óbito. Durante o acompanhamento de pacientes sem possibilidade de tratamento modificador da doença, nota-se uma série de respostas psicológicas, entre elas as defesas maníacas que foram observadas como forma de enfrentamento da situação. O estudo traz vinhetas de casos de pacientes e seus familiares que passaram por este processo e foram atendidos pelo estagiário da equipe de Psicologia do HSC. Os dados de identificação foram alterados com o intuito de preservar a identidade dos pacientes e familiares acompanhados. Para fundamentação dos aportes teóricos, serão utilizados autores psicanalíticos, desde os mais clássicos até os contemporâneos, além de pesquisadores da psicologia hospitalar.

 

O Paciente Paliativo no Contexto Hospitalar

O modo com que se entende a morte é pessoal, porém é possível perceber mudanças na concepção geral deste fenômeno ao longo dos tempos. Botega (2012) comenta que a concepção de morte foi passando de um mito coletivo, enfrentada através de dispositivos culturais, para um mito individual, em que cada sujeito depende dos seus mecanismos de defesa e de enfrentamento para lidar com ela. Cassorla (2006) afirma que, além da angústia de aniquilamento, é despertado um sofrimento pelo não saber, já que não seria possível imaginar um estado de não existência. Este autor acrescenta que há, também, uma resistência dos profissionais da saúde para lidar com este tema, por ver a morte como uma inimiga. Krieger e Neto (2005) chamam atenção para a relação destes pacientes com a equipe, pois destacam que o paciente poderá repetir aspectos de suas relações passadas e presentes em sua relação com a equipe, assim como em atendimento individual, o paciente transfere com o terapeuta suas formas de se relacionar.

Prade, Castellato e Silva (como citado em Knobel, 2008) destacam a necessidade de compreender a singularidade do sujeito e explorar os estilos de enfrentamento utilizados, auxiliando o paciente a elaborar suas fantasias, medos, expectativas e frustrações. O paciente em cuidados paliativos está exposto à variadas perdas que podem afetar a capacidade de lidar com a situação, sendo importante a promoção de continência emocional, tanto para si quanto para os familiares destes pacientes.

Freud (1914/1953), em seu texto Introdução ao Narcisismo, já dizia que "o homem enfermo retira catexias libidinais de volta para seu próprio ego" (p.180). Klüber-Ross (1996) contribui para o entendimento do processo de enfrentamento da morte dividindo-o em cinco estágios: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação. Quando há complicações na adaptação de pacientes à doença ou à hospitalização, outros mecanismos de defesas mais primitivos podem ser mobilizados (Botega, 2012), como a clivagem (splitting), identificação projetiva, negação psicótica, idealização primitiva, onipotência e ataques.

Adler e Buir (1972, como citado em Botega, 2006) afirmam que, ao lidar com pacientes que utilizam mecanismos de enfrentamento primitivos, não se deve confrontá-los. Bion (1966) acrescenta a continência como uma forma de acolher pensamentos caóticos, transformá-los em elementos pensáveis para que possam dar lugar a uma linguagem estável. Em relação ao trabalho com os familiares, a falta de apoio pode ampliar a magnitude do sofrimento e ser um fator a mais no desenvolvimento de um luto patológico (Santos, 2009).

 

Defesas Maníacas

Propõe-se que o entendimento das defesas maníacas, tal como propostas por Melanie Klein (1934/1996, 1940/1996), seja de grande valia para a ampliação do entendimento da dinâmica psíquica de pacientes em cuidados paliativos. Klein (1934/1996) propõe que na fase inicial do desenvolvimento infantil, o ego do bebê ainda não é capaz de conceber a realidade de forma integrada, por esta razão percebe o mundo com um olhar dicotomizado, onde os objetos internos e externos, sob influência do mecanismo de cisão (splitting), tornam-se bons ou maus. Nesta etapa, há uso maciço de projeções, e o bebê acaba por perceber os objetos maus como perseguidores, pois projeta sobre eles sua própria agressão. Klein chama esta posição de esquizo-paranóide, e explica que será necessária a introjeção de objetos percebidos como bons para que a criança possa, gradativamente, confiar no mundo (externo e interno) e passar a integrar os objetos.

Ainda, conforme esta autora, na medida em que o sujeito se desenvolve, ocorre maior capacidade do ego de lidar com a realidade externa e interna, tornando-se possível (dentro do desenvolvimento normal) integrar os objetos e perceber o mundo como um todo. Nesta posição, chamada por Klein (1934/1996) de "posição depressiva", novas formas de ansiedades surgem e, com isto, produzem-se mudanças nos mecanismos de defesa utilizados pelo sujeito, aumentando o uso da introjeção como meio de tentar garantir a preservação do bom objeto internalizado e do próprio ego identificado com o objeto.

Klein (1934/1996) considera "o estado depressivo como sendo o resultado de uma mescla de ansiedade paranóide, sentimentos de desespero e defesas, relacionados com a perda iminente de todo objeto amado" (p. 372). Com a percepção de objetos totais, vem à tona uma aflição relacionada aos ataques sádicos fantasiados na posição esquizo-paranóide e uma necessidade de reparação dos objetos como tentativa de superar as ansiedades depressivas. A autora propõe que quando o processo de reparação se mostra dificultado, defesas maníacas podem ser mobilizadas para lidar com a angústia (Klein, 1934/1996, 1940/1996).

Conforme Bronstein (2008), as defesas maníacas podem envolver a identificação com um superego sádico idealizado que se dá quando há predominância de ansiedades paranóides e culpa persecutória, bem como a evacuação do superego e o triunfo do ego sobre este, como forma de lidar com as ansiedades depressivas. Em ambas é possível observar o uso de negação da dor psíquica, tentativa do ego de alcançar um estado onipotente, bem como triunfo e desprezo pelo objeto. A própria Melanie Klein entende as defesas maníacas como uma forma de lidar com a perda daquilo que é valorizado pelo sujeito, através de uma tentativa de negar sua importância, desprezar, dominar e controlar o objeto, utilizando um sentimento de onipotência que gera uma sensação de triunfo sobre o sofrimento iminente (Klein, 1934/1996, 1940/1996).

Estas defesas ocorrem como forma do ego se proteger do desespero total. Incluem mecanismos que já estavam em uso na posição esquizo-paranóide, como o splitting, identificação projetiva, negação, etc., que são direcionados contra a experiência de ansiedade depressiva e culpa. Ainda os mecanismos de defesa buscarão negar ou inverter a experiência de dependência do objeto (Segal, 1966). Rosenfeld (1960, como citado em Bronstein, 2008) ainda coloca que há uma relação destas defesas, tanto com as ansiedades depressivas como com as paranóides. Pode-se ainda acrescentar o entendimento que Henry Rey (1994, como citado em Bronstein, 2008) fez deste conceito, descrevendo-o como um meio de enfrentar a ansiedade de desintegração.

 

Discussão

As defesas maníacas foram constatadas em parte dos casos acompanhados pelo serviço de psicologia, em situações nas quais os pacientes encontravam-se em um contexto fortemente ansiogênico, diante de uma real ameaça à preservação do ego e dos bons objetos internalizados. Pôde-se observar o uso de cisão e identificação projetiva, com consequente aparição de pensamentos com conteúdo persecutório que alternavam com relações de objeto idealizadas, tal como explicado por Klein (1940/1996). Um exemplo deste mecanismo pode ser ilustrado pela paciente Dona J, mulher ao redor dos 50 anos de idade, diagnosticada com neoplasia, sem possibilidades de cura. Embora ciente da terminalidade, alegava não receber explicações e atenção suficiente de certos membros da equipe, enquanto apegava-se a outros profissionais dizendo frases como "não sei o que seria de mim sem teus atendimentos".

Com esta citação podemos exemplificar o uso da cisão, em que a percepção de Dona J. a respeito dos profissionais que lhe atendem parece não estar totalmente integrada. Estabeleceu com partes da equipe relação conflituosa, sendo estes os responsáveis pela comunicação de seu diagnóstico. Estes membros da equipe se tornaram alvo de projeções, com consequente sentimento de incompreensão e mau cuidado. Desta forma, a paciente não conseguiu reconhecer a equipe responsável pelo diagnóstico como sendo a mesma equipe responsável pelas medidas terapêuticas. Podemos compreender a parcela de membros da equipe que foram alvo das projeções como sendo percebida tal qual um objeto mau e os demais membros da equipe como objeto bom. O uso deste mecanismo como defesa para lidar com a ansiedade relacionada a um óbito próximo fez com que a paciente idealizasse parte da equipe, como forma de salvar o ego do aniquilamento.

Percebeu-se que a discussão multidisciplinar e a comunicação entre a equipe e os pacientes/familiares é de extrema importância para a compreensão do modo com que os mecanismos de defesa ativados interferem nas relações entre as partes envolvidas no tratamento. Isto ganha uma importância ainda maior, tendo em vista o potencial de um receptor de conteúdos projetivos identificar-se com os mesmos, como se fossem seus e, assim, comprometer a relação profissional – paciente através do surgimento de enactments (Gus, 2005; Cavalheiro e Silva, 2014).

Em diversos atendimentos foi possível perceber, em pacientes diagnosticados com doença terminal, uma tentativa de controle onipotente da dor psíquica, acompanhado por projeção e evitação. Foi observado através do discurso dos pacientes que, nestes casos, buscava-se fugir do tema do adoecimento e uma piora do quadro emocional quando confrontados pela equipe. Estes pacientes afirmavam estar resignados, por vezes, tranquilizando a equipe multidisciplinar quanto ao seu estado mental, porém sendo possível identificar um sofrimento implícito através do discurso que traziam, mesmo que de forma indireta, com o uso de personagens que possibilitavam falar de si de modo insaturado (Ferro, 1995).

Certa vez, a mesma paciente, Dona J., se mantinha sorridente e afirmava não ter queixas, ao mesmo tempo em que contava "certas pessoas podem aparentar estar bem, mesmo estando deprimidas por dentro". Entende-se aqui a expressão "certas pessoas", para além da questão projetiva, como um personagem trazido para relação pela paciente com o objetivo de facilitar o contato com a própria experiência emocional, dentro do suportável para seu aparelho psíquico.

Este entendimento mostrou-se importante em termos técnicos, pois desta forma foi possível ampliar a escuta psicológica aos conteúdos implícitos no discurso, sendo por vezes necessário trabalhar as resistências apresentadas de forma indireta, porém respeitando a capacidade de insight como ser singular. A partir dos enredos e personagens trazidos pelos pacientes, a experiência se mostrou, de acordo com o psicanalista italiano Antonino Ferro (1995), quando afirma que "os personagens brotam como necessidade do texto relacional de exprimir emoções e afetos" (p. 36).

Pode-se ainda ilustrar o uso desta forma comunicativa através do atendimento a uma paciente idosa diagnosticada com câncer terminal que se dizia muito preocupada com uma unha encravada no pé de sua filha e afirmava não dar importância para o seu adoecimento. A paciente afirmava "eu fico muito preocupada com os outros" e "eu sei que estou doente, mas só consigo pensar sobre a unha encravada no pé dela", sem conseguir falar diretamente sobre o seu adoecimento. Como tentativa de negar e desqualificar o próprio quadro clínico por uma incapacidade do ego de tolerar a angústia daí derivada, buscava evitar falar sobre o próprio adoecimento e finitude. Podemos inferir que o segundo tema, cuja abordagem direta não se faz devido a sua saturação e potencial traumático, aparece e pode ser trabalhado através do primeiro tema, de modo mais tolerável ao ego da paciente.

Podemos relacionar este episódio à negação maníaca como tentativa onipotente do ego de controlar o sofrimento e triunfar sobre a dor psíquica. Outro exemplo que ilustra esta questão é de um paciente em estado terminal, que dizia-se em paz e conformado com seu prognóstico, fazendo uso de uma tentativa onipotente de triunfar sobre a ansiedade despertada frente ao seu quadro, porém piorando emocionalmente frente a impossibilidade de sustentar estas defesas. Nestes casos e em outros semelhantes, utilizou-se a capacidade do terapeuta de metabolizar os elementos psíquicos intoleráveis para o ego destes pacientes como meio de possibilitar que este venha a apropriar-se, gradualmente, do seu quadro de forma não traumática.

Outra situação em que a negação foi mobilizada como tentativa onipotente do ego de controlar o sofrimento, foi a situação em que o paciente, um homem com cerca de 50 anos de idade, dependente químico, com condição social frágil e diagnosticado com câncer labial, deformações na face sem possibilidades cirúrgicas ou curativas, foi encaminhado para o programa de cuidados paliativos. Inicialmente, afirmava que iria realizar procedimento cirúrgico e curar-se, mesmo após receber explicações sobre seu quadro, dizendo ter esquecido sobre o que lhe foi explicado em cada atendimento. Levantou-se a hipótese que danos cognitivos decorrentes do uso de substâncias químicas poderiam explicar os episódios de amnésia. Entretanto, após uma série de atendimentos ao paciente onde lhe era oferecido espaço de contenção emocional e discussões sobre o caso em rounds (onde era possível trabalhar as angústias da equipe através do diálogo entre os membros), este começou a aceitar seu quadro e mobilizar recursos para enfrentamento, com desaparecimento da possível amnésia.

A experiência, em concordância com os autores citados, demonstra a importância de uma abordagem que ofereça espaço de acolhimento para as angústias e que não tenha um caráter de confronto. Foi possível observar uma maturação nos mecanismos de defesa utilizados pelos pacientes e familiares, tais como diminuição da negação e cisão, com consequente aumento da integração objetal, além de maior organização psíquica, conforme a equipe ofereceu continência afetiva. Este ponto pode ser ilustrado no exemplo de um atendimento a uma familiar, mãe de um paciente em estado terminal, que muito mobilizada frente ao quadro tentou convencer a equipe sobre sua percepção do caso. Ela se dizia convencida quanto à existência de certos sintomas que poderiam estar trazendo sofrimento ao paciente. Quanto mais a equipe respondia para a familiar, buscando confrontar suas percepções, tanto mais ela diminuía o vínculo com a equipe e regredia na forma de lidar com suas angústias. A postura continente por parte da psicologia possibilitou uma melhor comunicação com a familiar e avanço no processo terapêutico.

Em nossa prática, podemos compreender estes conceitos no momento em que o paciente entra em contato com a impossibilidade de cura ou poucos meses de vida, e muitas angústias são acionadas, entre elas a de aniquilamento. Possivelmente, em uma estrutura psíquica mais limítrofe, o ego busca recursos em defesas primitivas. A partir das reflexões iniciadas, faz-se possível concordar com Stedeford (1986), quando afirma que "Jamais alguém deveria dizer a um paciente terminal: 'Sinto muito, nada mais pode ser feito para ajudá-lo'" (p. 13). Pode-se constatar que há medidas psicoterapêuticas para auxiliar os pacientes que se encontram em tratamento paliativo, bem como aos seus familiares. A análise das defesas maníacas no trabalho com pacientes em cuidados paliativos no contexto hospitalar é só um, dentre os vértices que se abrem para confirmar a afirmativa de Stederfod.

 

Considerações Finais

A reflexão sobre os mecanismos de defesa no trabalho com pacientes paliativos, a partir dos atendimentos realizados em estágio, mostra-se uma experiência gratificante com potencial de proporcionar crescimento a nível profissional e pessoal para os que dela participam. Como foi discutido neste estudo, lidar com a iminência da morte provoca diversas consequências emocionais também para o profissional que acompanha este paciente. Como vimos, pode ser uma ferramenta favorável se pensada em conjunto com supervisores e equipe nos momentos de supervisão da psicologia e rounds multidisciplinares. Este entendimento também corrobora com a ideia de que o paciente é terminal, porém ainda como possibilidades terapêuticas.

Portanto, a compreensão do uso das defesas maníacas possibilita um melhor entendimento do quadro psíquico de certos pacientes em cuidados paliativos, aumentando as possibilidades de estratégias terapêuticas a serem utilizadas pelos psicólogos e demais profissionais que trabalham nesta área. Contudo, também se pode perceber que a extensão do tema ainda deixa em aberto uma quantidade considerável de hipóteses a serem examinadas em possíveis trabalhos futuros, tal como as possibilidades de tratamento e a análise de tais defesas no funcionamento da equipe de saúde.

 

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1 Mestre em Ciências da Reabilitação com ênfase Neurológica (UFCSPA). Especialista em Psicologia Hospitalar. Atuação como psicóloga clínica e supervisora de estágio no Hospital Santa Clara do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, do período de jun. 2013 a jun. 2015. Psicoterapeuta de Orientação Analítica. Docente do curso de Psicologia da Universidade do Oeste de Santa Catarina. Psicóloga Assistencial do Hospital e Maternidade São Miguel/Joaçaba – SC. E-mail: franciele.ribeiro@unoesc.edu.br
2 Psicólogo, estagiário do Hospital Santa Clara do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, do período de jul. 2014 a jul. 2015. E-mail: fcgerchman@gmail.com

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