SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.20 número2É preciso, então, falar de MarisaDoenças cardiovasculares: fatores de risco e cognição índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.20 no.2 Rio de Janeiro dez. 2017

 

ARTIGOS

 

Efeito de uma intervenção multidisciplinar educacional em grupo no estresse de pacientes hipertensos

 

Effect of a multidisciplinary education group intervention on stress of hypertensive patients

 

 

Fernanda Magalhães Santos Marinho1,I; Heno Ferreira Lopes2,II, III ; Andrea Torres3,II

IInstituto do Câncer de São Paulo Octavio Frias de Oliveira (ICESP)
IIInstituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
III
Universidade Nove de Julho

 

 

 


RESUMO

Introdução: Uma das principais causas de morbimortalidade mundial são as doenças cardiovasculares (DCV), sendo que esta é a principal causa de morte no Brasil. Dentre os fatores de risco que contribuem para o desenvolvimento das DCV, pode-se destacar o estresse e faz-se relevante apontar que as Diretrizes Brasileiras de Hipertensão ressaltam a importância de seu controle. Objetivo: Avaliar o impacto de uma intervenção educacional multidisciplinar em grupo no nível de estresse individual apresentado por pacientes hipertensos. Materiais e método: Participaram deste estudo 20 pacientes. Os mesmos foram submetidos a uma intervenção educacional multiprofissional em grupo e o estresse dos participantes foi avaliado individualmente com a Escala de Avaliação de Reajustamento Social de Holmes e Rahe, antes e após a intervenção. Foi realizado o cálculo das diferenças relativas para avaliar o quanto se alterou percentualmente o escore de estresse dos pacientes após a participação no grupo. Resultado: Foi observado um aumento do escore de estresse dentre os participantes após a intervenção. Conclusão: Houve aumento da percepção de estresse dos pacientes após a participação no grupo, porém este pode estar relacionado a um movimento psíquico benéfico, como um aspecto mobilizador e necessário para a mudança de comportamento e adesão ao tratamento proposto.

Palavras-chave: hipertensão; educação de pacientes; estresse psicológico.


ABSTRACT

Introduction: One of the principal causes of morbidity and mortality worldwide are the cardiovascular diseases (CVD), and this is the main cause of death in Brazil. Among the risk factors that contribute to the development of CVD stress can be highlighted, and it is relevant to point out that the Brazilian Hypertension Guidelines emphasize the importance of its control. Objective: Evaluate the impact of a multidisciplinary education group intervention in the stress levels presented individually by hypertensive patients. Materials and methods: The study included 20 patients. They were submitted to a multidisciplinary educational group intervention and the stress of the participants was assessed individually with Holmes-Rahe Social Readjustment Rating Scale, before and after the intervention. It was calculated the relative differences to assess how much the percentage of stress shown by patients changed after participating in the group. Results: An increase in stress levels was observed among the participants of the sample afterwards. Conclusion: There was an increase of stress perception of the patients after participation in the group, although this may be related to a beneficial psychic movement, as necessary for behavior change and adherence to the proposed treatment.

Keywords: hypertension; patient education; psychological stress.


 

 

Introdução

Uma das principais causas de morbimortalidade mundial são as doenças cardiovasculares (DCV) (Finucane, Stevens, Cowan, Danaei, Lin, Paciorek, Singh, Gutierrez, Lu, Bahalim, Farzadfar, Riley, & Ezzati, 2011; Farshad, Finucane, Danaei, Pelizzari, Cowan, Paciorek, Singh, Lin, Stevens, Riley, & Ezzati, 2011; Danaei, Finucane, Lin, Singh, Paciorek, Cowan, Farzadfar, Stevens, Lim, Riley, & Ezzati, 2011; Fornari, Giuliano, Azevedo, Pastana, Vieira, & Caramelli, 2012), sendo que esta é a principal causa de morte no Brasil (Ministério da Saúde/DATASUS, 2015; Simão, Pré-coma, Andrade, Correa Filho, Saraiva, & Oliveira, 2013).

Os fatores de risco que contribuem para o desenvolvimento das DCV parecem ter alcançado proporções epidêmicas ao longo das últimas três décadas (Finucane et al, 2011; Farshad et al, 2011; Danaei et al, 2011; Fornariet al, 2012). Entre os principais fatores de risco estão: hipertensão arterial, dislipidemia, diabetes, tabagismo, hábitos alimentares, sedentarismo, obesidade, sobrepeso e fatores psicossociais (Simão et al, 2013). Dentre os fatores psicossociais, pode destacar-se o estresse (Inoue, 2014).

O estresse possui um papel importante e decisivo na etiologia e progressão das DCV (Gallo, Roesch, Fortmann, Carnethon, Penedo, Perreira, Birnbaum-Weitzman, Wassertheil-Smoller, Castañeda, Talavera, SotresAlvarez, Daviglus, Schneiderman, & Isasi, 2014), visto que é associado a elevações agudas de pressão arterial, alterações na reatividade cardiovascular (Inoue, 2014; Lipp, 2007; Lipp, 2006; Malagris, Brunini, Moss, Silva, Esposito, & Ribeiro, 2009; Quintana, 2011; Nomura, Prudencio, & Kohlmann Jr, 1995; Fonseca, Coelho, Nicolato, Malloy-Diniz, & Silva Filho, 2009), alterações neuroendócrinas, disfunção endotelial e de mecanismos de coagulação, ligadas ao processo de arterosclerose (Inoue, 2014; Gallo et al, 2014). Também atua de forma indireta, por exemplo através de hábitos de vida, como o tabagismo e o hábito de comer compulsivamente (Gallo et al, 2014; Perez, 2013).

Historicamente, o conceito de estresse foi desenvolvido por Hans Selye (1907-1982) através de experimentos com animais, nos quais ele observou reações orgânicas em comum como respostas a um agente indesejável ("estressor") (Perez, 2013; Margis, Pincon, Cosner, & Silveira, 2003).

Selye escolheu o termo estresse baseando-se no conceito físico de mesmo nome, que diz respeito ao grau de deformidade que uma estrutura sofre quando é submetida a uma sobrecarga. Dessa forma, ele associou um acontecimento de caráter biológico a um fenômeno que ocorre com a matéria inorgânica, buscando se referir ao estado do organismo em adaptação e resposta ao ambiente (Perez, 2013).

Essa reação de adaptação, que visa reestabelecer o equilíbrio do organismo, foi nomeada por Selye em 1956 de "Síndrome de Adaptação Geral" (SAG) (Perez, 2013).

Segundo o pesquisador, diante de um estímulo estressor, a SAG se inicia com a "fase de alarme", para que o organismo possa acionar suas defesas buscando o equilíbrio e o retorno à sua homeostase. No caso da persistência desse estado de alerta, nosso organismo não retorna ao repouso e começa a concentrar este processo de reação interna num determinado órgão, sendo chamada de "fase de resistência". Diante da continuidade da ameaça, isso exige que o organismo fique em um estado permanente de mobilização, então ele pode ter como conseqüência um colapso do órgão, o desenvolvimento de uma patologia ou até a morte súbita, caracterizando a "fase de exaustão" (Perez, 2013; Arantes & Vieira, 2010).

Ou seja, este desequilíbrio e essa desorganização mental, a longo prazo, estaria possivelmente associado acompanhada de somatizações (Arantes & Vieira, 2010), incluindo as DCV (Inoue, 2014).

Especificamente falando da relação entre estresse e hipertensão arterial, existem diversos estudos relacionando o estresse psicossocial e o impacto de sentimentos como a raiva e a hostilidade como promotores de alterações na reatividade cardiovascular (Inoue, 2014; Lipp, 2007; Lipp, 2006; Malagris et al, 2009; Quintana, 2011; Nomura et al, 1995; Fonseca et al, 2009), tanto no indivíduo normotenso quanto no hipertenso (Lipp & Rocha, 1994). Porém, ainda são objetos de investigação os mecanismos pelos quais o indivíduo torna-se hipertenso após longos períodos de exposição ao estresse (Lipp & Rocha, 1994).

Uma possível explicação para tal fato seria a hipótese de que a reatividade cardiovascular se deve originalmente a uma reação do corpo diante de um estímulo estressor, o que não seria necessariamente um problema, pois depois de cessada uma situação geradora de estresse de curta duração, é reestabelecido o equilíbrio (Lipp& Rocha, 1994), sendo considerada uma "fase de alarme" de adaptação.

Porém, ao passar por períodos prolongados de estresse, o corpo permaneceria em um estado de alerta constante – também caracterizado pelas fases de "resistência" e "exaustão", o que poderia levar ao desenvolvimento da hipertensão arterial (Lipp & Rocha, 1994). Faz-se importante apontar que as Diretrizes Brasileiras de Hipertensão ressaltam a importância do controle do estresse (Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2010).

As equipes multiprofissionais incluem-se neste cenário através de uma abordagem não farmacológica e agem na prevenção e tratamento das DCV e da hipertensão arterial (Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2010). No entanto, um grande desafio lançado a estes profissionais da saúde está relacionado a adesão, principalmente quando há necessidade de alteração no estilo de vida (Péres, Santos, Zanetti, & Ferronato, 2007).

O doente estressado desafia a conduta médica, quando se mantém em uma ocupação estressante, sem períodos de férias, ou mesmo quando utilizase de recursos como o cigarro ou o comer compulsivo como principais fontes de prazer. Dessa forma, o paciente não consegue aderir ao tratamento e retardar a evolução da sua doença e o médico também fica impotente frente à falta de recursos terapêuticos (Perez, 2013).

Levar o paciente a assumir um compromisso com o tratamento é uma tarefa complexa e vários fatores podem estar associados à ela, dependendo das características do usuário e da doença, hábitos culturais e de vida, tratamento medicamentoso, nível de informação sobre a doença, motivação, dificuldades institucionais, e ainda, problemas relacionados com a equipe de saúde(Simão et al, 2006; Lipp, 2007; Fajardo, 2006; Franca, Biaginni, Mudesto, & Alves, 2012).

Sendo assim, este trabalho teve como objetivo verificar o efeito de uma intervenção educacional em grupo coordenado por uma equipe multidisciplinar voltada para indivíduos hipertensos com fatores de risco para doenças cardiovasculares, avaliando o impacto no estresse individual dos pacientes neste processo.

 

Objetivo

Avaliar o impacto de uma intervenção educacional multidisciplinar em grupo no nível de estresse individual apresentado por pacientes hipertensos.

 

Método

Desenho do estudo

Trata-se de um estudo experimental de caráter quantitativo.

População estudada

Foram recrutados pacientes matriculados no ambulatório de Hipertensão Arterial do Instituto do Coração (InCor), incluindo aqueles com idade superior a 18 anos e os que apresentassem diferentes fatores de risco para doença cardiovascular. Foram excluídos os pacientes impossibilitados de se locomover aos locais de reunião e com comprometimento renal. Os candidatos foram contatados pelo telefone registrado em prontuário para a realização do convite para a intervenção, com participação de forma voluntária.

Para traçar o perfil sócio demográfico da amostra, foram coletados dados do prontuário eletrônico dos participantes, incluindo sexo, idade, estado civil, grau de instrução e ocupação.

Procedimentos

Uma equipe multiprofissional formada por assistente social, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, médicos, nutricionistas e psicólogo foi responsável por conduzir a intervenção.

Realizou-se esse estudo após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

A intervenção teve a finalidade de promover uma melhora da qualidade de vida através da mudança de estilo de vida, visando incentivar a adoção de hábitos saudáveis, especialmente em relação aos padrões alimentares e a prática de exercícios físicos, além de favorecer a adesão ao tratamento medicamentoso para o controle adequado dos níveis pressóricos, glicêmicos e lipídicos.

Os encontros tiveram duração aproximada de 1h30min, semanalmente, com temática variada em cada um, contando sempre com a participação de dois ou mais profissionais envolvidos.

Foram realizados treze encontros no total, incluindo:

  • Avaliação inicial pelos profissionais das diferentes áreas de atuação com aplicação de instrumentos e exames físicos;
  • Apresentação do programa;
  • Intervenção em grupo, que incluiu nove encontros para a realização de oficinas e palestras educativas, abordando temáticas que incluiram: mudança de hábito alimentar e orientação nutricional; a importância e benefícios da prática regular de exercícios físicos; informações sobre doenças crônicas (hipertensão arterial e diabetes), sintomas mais comuns, medicamentos utilizados e o uso correto destes; acesso a informações sobre os direitos sociais e benefícios previdenciários e assistenciais oferecidos para doentes crônicos; espaço de reflexão e sensibilização do impacto emocional, social e familiar diante do processo de adoecer; aspectos emocionais relacionados à alimentação; influência do estresse e sua relação com o estilo de vida; recursos de enfrentamento utilizados diante de situações estressantes, incluindo técnicas de relaxamento.
  • Avaliação final e reaplicação dos instrumentos e exames físicos;
  • Fechamento do programa e realização de feedback.

Instrumentos da pesquisa

Foi utilizada a Escala de Avaliação de Reajustamento Social de Holmes e Rahe, que baseia-se na proposição de que as mudanças geradas por eventos vitais e significativos exigem do indivíduo um reajuste social e geram um desgaste e estresse que podem influenciar no agravo de problemas de saúde.

Consiste em uma lista de 43 acontecimentos que são apresentados ao participante e para cada ocorrência afirmativa de evento durante o período de um ano atribui-se um escore.

Realiza-se a soma simples dos escores e o total é avaliado nas seguintes classificações: 150 pontos ou menos indica baixa probabilidade de ter um problema de saúde induzido pelo estresse em um período de 2 anos; 150 a 300 pontos indica 50% de probabilidades de ter um problema de saúde em um período de 2 anos; e acima de 300 pontos indica 80-90% de probabilidades de ter um problema de saúde em um período de 2 anos (Holmes & Rahe, 1967).

Análise estatística

Foi realizada análise estatística utilizando o método de cálculo das diferenças relativas dos escores antes e depois da intervenção, sendo: , A = escore antes e D = escore depois (Morettin & Bussab, 2003).

A partir da utilização deste método, estamos obtendo quanto se altera percentualmente o escore de estresse do paciente após a intervenção.

 

Resultados

De um total de 336 pacientes elegíveis e matriculados no ambulatório de Hipertensão Arterialdo InCor, 314 foram excluídos da intervenção: 219 recusaram por motivos diversos; 34 não puderam ser contatados por telefone; 32 estavam acamados; 15 apresentavam doença renal crônica dialítica; e 14 eram falecidos. Foram incluídos na pesquisa 22 pacientes, havendo duas desistências ao longo da intervenção, totalizando 20 participantes.

A média de idade entre os participantes foi de 62,3 ± 11,5 anos e a Tabela 1 mostra a caracterização sócio-demográfica da amostra.

 

Tabela 1 – Caracterização sócio-demográfica da amostra (n=20) – InCor/HCFMUSP - 2016

 

A partir das aplicações da Escala de Avaliação de Reajustamento Social de Holmes e Rahe, foram obtidos os escores apresentados na Tabela 2.

 

Tabela 2 – Escores antes (A) e depois (D) obtidos a partir das aplicações do instrumento - InCor/HCFMUSP – 2016

 

Observou-se a partir dos escores obtidos nas aplicações antes (A) e depois (D) que houve alteração das faixas de classificação nas quais os pacientes se encontram, que estão demonstradas na Tabela 3.

 

Tabela 3 – Distribuição de frequência dos pacientes de acordo com a alteração das faixas de classificação do valor do escore após a intervenção - InCor/HCFMUSP - 2016

 

A Tabela 4 mostra as Diferenças Relativas calculadas através dos escores antes (A) e depois (D) da intervenção.

 

Tabela 4 – Tabela de Diferenças Relativas dos escores antes (A) e depois (D) da intervenção - InCor/HCFMUSP - 2016

 

Considera-se que D < A é uma redução no escore de estresse, cujo valor obtido no cálculo da Diferença Relativa é positivo e D > A significa um aumento no escore de estresse, então o valor obtido através da Diferença Relativa tem valor negativo.

Como podemos ver na Figura 1 a maioria dos pontos apresentam valores negativos para a variável "Diferença Relativa", então a conclusão é a de que os indivíduos pioraram, ou seja, apresentaram um escore depois (D) maior do que no momento anterior (A) à intervenção.

 

Figura 1 – Diferença relativa das observações - InCor/HCFMUSP – 2016

 

Ou seja, por meio da análise estatística realizada foi possível concluir que há diferença nos escores dos pacientes de uma aplicação para a outra, isto é, houve aumento no escore da Escala de Avaliação de Reajustamento Social de Holmes e Rahe na segunda aplicação.

 

Discussão

No presente trabalho, foi proposta a avaliação do efeito da intervenção em grupo multiprofissional no nível de estresse individual apresentado pelos pacientes, sendo observado um aumento do escore de estresse dentre os participantes da amostra.

Faz-se necessário pontuar que a expectativa inicial do trabalho era de que a presente intervenção contribuísse para que os participantes pudessem lidar melhor com o estresse da vida diária, de forma a reduzí-lo e minimizar seu impacto, visto que dados da literatura ressaltam a importância do controle do estresse (Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2010).

Apesar disso, considerando que o conceito de estresse se refere ao estado do organismo em adaptação e resposta ao ambiente (Perez, 2013), faz sentido que o estresse aumente de fato após a intervenção, pois qualquer evento que favoreça uma quebra do equilíbrio do organismo exigindo adaptação pode ser fonte de estresse.

É claro que não pode ser desconsiderada a possibilidade de que o aumento do escore de estresse detectado pelo instrumento não esteja exclusivamente associado à intervenção, visto que a lista de acontecimentos vitais inclui eventos que podem ocorrer de maneira aleatória na rotina do participante e não necessariamente são contemplados pela ação do grupo.

Ainda assim, o aumento do escore de estresse após a participação no grupo possivelmente estaria relacionado ao fato de que os indivíduos foram estimulados pela intervenção a refletirem sobre seu estilo de vida e a relação com o processo de adoecimento, focando na mudança ou criação de hábitos, sendo que isso exigiu um reajustamento social.

Ao nos depararmos com os dados de literatura que apontam a importância do controle do estresse (Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2010)e o associam a possíveis somatizações (Arantes & Vieira, 2010), incluindo o aparecimento das DCV (Inoue, 2014), torna-se quase automático classificar o estresse como algo de caráter negativo, que deve ser evitado. Todavia, tal julgamento pode se tornar controverso.

De acordo com Lipp e Rocha (1994) o termo estresse pode ser utilizado para descrever nossa reação diante de uma situação de tensão que amedronte ou emocione a pessoa profundamente. Tal manifestação não se restringe a eventos negativos, mas também inclui eventos positivos que podem emocionar o indivíduo de modo marcante e dizem respeito à reação de adaptação que é exigida diante de uma mudança, seja ela para melhor ou para pior.

Na escala utilizada para o presente trabalho, por exemplo, se um dos participantes assinala no inventário que houve uma mudança em seus hábitos alimentares, ele soma 15 pontos a mais no escore total. Ou seja, no atual contexto, esse reajustamento do indivíduo poderia ser considerado positivo uma vez que está associado a adesão do tratamento não-farmacológico; mas ao final isso vai refletir em um aumento do total do escore de estresse.

Sendo assim, pode-se apontar que uma das possíveis limitações do estudo seria referente ao instrumento, em relação ao fato de que a escala classifica todos os eventos em uma mesma categoria e exclui a maneira com que cada indivíduo percebe subjetivamente o impacto daquele acontecimento.

Um mesmo evento pode afetar pessoas de diferentes formas e representar diferentes significados na vida do sujeito. Perez (2013) e Lipp e Rocha (1994) afirmam que é a interpretação que o sujeito confere a um evento que o torna estressante.

No estudo realizado por Silva, Pais-Ribeiro e Cardoso (2004) com pacientes diabéticos, utilizou-se uma escala de avaliação do estresse que tem o diferencial de avaliar os eventos de vida como desejáveis ou não, além de permitir avaliar separadamente o estresse positivo, o estresse negativo e o estresse total apresentado pelos indivíduos.

Ainda assim, o mesmo artigo ressalta o quão incomum ainda é a diferenciação de estresse positivo e negativo na maioria dos estudos publicados na literatura, sendo que tal fato contribui para inconsistência nos achados sobre o papel do estresse na doença crônica (Silva, Pais-Ribeiro, & Cardoso, 2004).

A polêmica em torno da utilização científica do termo estresse é discutida há décadas. Filgueiras e Hippert (1999) ressaltavam o fato de que a imprecisão no uso deste conceito inviabiliza a realização de afirmações concisas sobre o estresse, sendo que no presente artigo defende-se que essa discussão ainda se faz atual. Apesar disso, o estresse continua a ser uma queixa existente, seja por parte dos profissionais de saúde ou dos pacientes que os procuram.

Apesar de não ser um dos objetivos específicos do trabalho, é relevante destacar que na intervenção em grupo o feedback dos pacientes incluiu relatos do quanto a informação obtida influenciou de maneira positiva na identificação de sintomas da patologia, percepção da necessidade de auto-cuidado e melhora da auto-estima, resultando em uma maior implicação com o tratamento e favorecendo a mudança do estilo de vida. Também foi observada a melhora dos controles pressóricos, glicêmicos e lipídicos.

Sendo assim, pode-se apontar que mesmo com o aumento no nível de estresse dentre os participantes, observou-se que 70% (n=14) dos pacientes se mantiveram na mesma faixa de escore em ambas as aplicações do instrumento, ou seja, após a intervenção os indivíduos se mantiveram na mesma faixa de probabilidade de ocorrência de novos problemas de saúde induzidos pelo estresse, portanto o reajustamento social incentivado pelo grupo não estaria associado a um aumento do risco de adoecimento nestes pacientes.

Dessa forma, cria-se a hipótese de que o instrumento captou como aumento do estresse um movimento psíquico, de efeito benéfico, como um aspecto mobilizador e uma reação adaptativa gerada a partir do reconhecimento da necessidade de mudança do comportamento proporcionado pela intervenção e das informações advindas da mesma.

Isto incluiria uma maior implicação dos pacientes em relação a doença, contribuindo para que os indivíduos assumam uma postura ativa diante do tratamento, que pode incluir a adesão ao mesmo.

Tal fato colabora com a proposição de que o modelo de intervenção educacional multidisciplinar possa ser um diferencial em contribuir para a redução do controle de fatores de risco cardiovascular (Lauzière, Chevarie, Poirier, Utzschneider, & Bélanger, 2013).

No estudo realizado por Sousa, Landeiro, Pires e Santos (2011) abordou-se a temática do efeito do estresse na doença crônica, envolvendo os recursos de enfrentamento utilizados na adesão ao tratamento, especialmente envolvendo a compreensão do sujeito sobre sua doença. Os autores destacam que a resposta de estresse e angústia diante do processo de adoecimento pode ir na contramão do equilíbrio emocional, mas pode trazer complicações futuras no que se diz a respeito do sucesso do tratamento, visto que a partir deste desequilíbrio emocional, o indivíduo busca se adaptar diante da situação conflituosa (Sousa, Landeiro, Pires, & Santos, 2011).

Perez (2013) alerta sobre a tendência de buscar eliminar o estresse através de intervenções externas e de terceiros, como produtos do mercado do bem-estar, caracterizados por procedimentos e produtos relaxantes que prometem trazer o alívio do sintoma, sem levar em consideração o sujeito ali existente. Nesse sentido, o indivíduo estaria buscando atalhos que procuram evitar o contato com as angústias determinantes do sintoma "estresse".

Feitas tais considerações, supõe-se que o estresse é decorrente de uma experiência subjetiva e pode ser um sintoma de que algo não vai bem, portanto não deve ser combatido, mas sim compreendido.

Isso inclui a necessidade de uma maior valorização da saúde mental e vida psíquica, considerando a importância de o indivíduo entrar em contato com suas fontes de angústia, tolerá-las e proporcionar uma reflexão sobre a maneira com que estamos respondendo aos estímulos do ambiente: de que maneira estamos lidando com nossas frustrações? Estamos apenas deixandoas de lado, tornando-as uma fonte de sobrecarga a longo prazo? Ou apenas recorrendo a hábitos de vida não-saudáveis como alívio rápido?

Vale lembrar que, sendo o estresse uma reação adaptativa, a presença de um nível mínimo do mesmo deve ser compreendida como uma desorganização temporária que pode colaborar com o sucesso do tratamento e o perigo se encontra em sua cronicidade, ou na utilização de recursos de enfrentamento que podem ser inadequados e potencialmente geradores de mais problemas e somatizações.

Além da subjetividade, que é apenas parte do complexo painel que compõe os fatores que podem favorecer (ou não) a adesão ao tratamento, não podemos esquecer-nos de valorizar e considerar a influência dos aspectos sociais, que também acrescentam profundidade nos limites de compreensão do fenômeno observado.

A partir dos dados sócio-demográficos da amostra, pode-se questionar que a mesma não necessariamente é representativa de uma população de pacientes hipertensos, visto que no presente estudo houve uma diferença significativa em relação ao gênero dos participantes da intervenção, sendo 80% (n=16) mulheres. Ainda assim, tal achado estaria em conformidade com a ampla apresentação na literatura da maior presença de mulheres nos serviços de saúde, sendo também apontadas as mais variadas justificativas pelas quais isso ocorre (Gomes, Nascimento, & Araújo, 2007; Costa-Junior & Maia, 2009).

Pode-se destacar o elevado número de pacientes que recusaram participar do estudo (219 pessoas) que indica a existência de algumas limitações deste trabalho.

A recusa e indisponibilidade de comparecer às reuniões podem estar relacionadas à atividade laboral como um dificultador, considerando que 55% dos participantes (n=11) são aposentados ou de ocupação do lar. Ainda assim, 45% dos pacientes (n=9) comprometeram-se a comparecer aos encontros conciliando com sua atividade profissional.

Deve também ser considerada como possibilidade a resistência ao modelo de intervenção proposto em relação a diversos aspectos, dentre os quais pode-se apontar: o fato de ser uma abordagem em grupo, associada à possibilidade de exposição de conteúdos pessoais; o caráter de ser uma intervenção educacional e os indivíduos já se sentirem suficientemente esclarecidos sobre suas patologias; o desinteresse por um tratamento nãofarmacológico, sendo que isto inclui a percepção prévia dos convidados de que a mudança deveria partir deles; ou até mesmo a ausência da percepção de sintomas nos indivíduos hipertensos, que favorece com que eles não se sintam doentes e carentes de um tratamento além do que eles já realizam.

A percepção da complexidade desse quadro só enfatiza a importância de um olhar multidisciplinar dos fenômenos relacionados aos processos da doença e da saúde, sendo que considerar o papel da subjetividade do paciente também deve ser decisivo no planejamento das condutas terapêuticas da equipe de saúde.

Sugere-se que para estudos posteriores a temática do estresse poderia ser abordada de forma qualitativa, visando abranger de forma mais ampla a compreensão do sujeito sobre o impacto do estresse em sua vida diária.

Outra possível limitação para este estudo está relacionada à maneira que o instrumento foi utilizado na metodologia, no que diz respeito ao intervalo entre as aplicações do mesmo, que compreenderam um período de três meses. A descrição do instrumento informada pelos autores compreende a ocorrência de eventos em um intervalo de um ano, portanto questiona-se que por conta disso os resultados possam conter um viés importante.

 

Conclusão

No presente trabalho, foi avaliado o efeito de uma intervenção multiprofissional em grupo de caráter informativo no nível de estresse individual apresentado pelos pacientes. Observou-se que houve um aumento do nível de estresse dos participantes após a participação no grupo.

Discute-se que o estresse é uma reação adaptativa diante de mudanças e supõe-se que os indivíduos foram estimulados pela intervenção a refletirem sobre seu estilo de vida e a relação com o processo de adoecimento, focando na mudança ou criação de hábitos, sendo que isso exigiu um reajustamento social que foi detectado pelo instrumento utilizado como aumento do nível de estresse.

Os dados encontrados pelo presente estudo colaboram com a proposição de que o modelo de intervenção educacional multidisciplinar possa ser um diferencial em contribuir para a redução do controle de fatores de risco cardiovascular.

Conclui-se que o aumento da percepção de estresse dentre os participantes pode estar relacionado a um movimento psíquico benéfico, como um aspecto mobilizador e necessário para a mudança de comportamento e adesão ao tratamento proposto.

 

Referências

Arantes M. A. A. C., & Vieira M. J. F. (2010). Estresse (3a ed.). São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Costa-Junior F. M., & Maia A. C. B. (2009). Concepções de homens hospitalizados sobre a relação entre gênero e saúde. Psic Teor e Pesq, 25(1), 55-63.         [ Links ]

Danaei G., Finucane M. M., Lin J. K., Singh G. M., Paciorek C. J., Cowan M. J., Farzadfar F., Stevens G. A., Lim S. S., Riley L. M., & Ezzati M. (2011). National, regional, and global trends in systolic blood pressure since 1980: systematic analysis of health examination surveys and epidemiological studies with 786 country-years and 5,4 million participants. Lancet, Feb 12 377(9765), 568-577.         [ Links ]

Fajardo C. (2006). A importância da abordagem não farmacológica da hipertensão arterial na atenção primaria à saúde. Rev Bras Med Fam e Com, 4(1), 107-118.         [ Links ]

Farshad F., Finucane M. M., Danaei G., Pelizzari P. M., Cowan M. J., Paciorek C. J., Singh G. M., Lin J. K., Stevens G. A., Riley L. M., & Ezzati M. (2011). National, regional, and global trends in serum total cholesterol since 1980: systematic analysis of health examination surveys and epidemiological studies with 321 country-years and 3,0 million participants. Lancet, Feb 12 377(9765), 578-586.         [ Links ]

Filgueiras J. C., & Hippert M. I. S. (1999). A polêmica em torno do conceito de estresse. Psicologia Ciência e Profissão, 19(3), 40-51.         [ Links ]

Finucane M. M., Stevens G. A., Cowan M. J., Danaei G., Lin J. K., Paciorek C. J., Singh G.M., Gutierrez H. R., Lu Y., Bahalim A. N., Farzadfar F., Riley L. M., & Ezzati M. (2011). National, regional, and global trends in body-mass index since 1980: systematic analysis of health examination surveys and epidemiological studies with 960 country-years and 9,1 million participants. Lancet, Feb 12 377(9765), 557-567.         [ Links ]

Fonseca F. C. A., Coelho R. Z., Nicolato R., Malloy-Diniz L. F., & Silva Filho H. C. (2009). A influência de fatores emocionais sobre a hipertensão arterial. J BrasPsiquiatr, 58(2), 128-134.         [ Links ]

Fornari L. S., Giuliano I., Azevedo F., Pastana A., Vieira C., & Caramelli B. (2012). Children First Study: how an educational program in cardiovascular prevention at school can improve parents' cardiovascular risk. European Journal of Preventive Cardiology, 20(2), 301-309.         [ Links ]

Franca C. L., Biaginni M., Mudesto A. P. L., & Alves E. D. (2012). Contribuições da psicologia e da nutrição para a mudança do comportamento alimentar. Estudpsicol (Natal), 17(2), 337-345.         [ Links ]

Gallo L. C., Roesch S. C., Fortmann A. L., Carnethon M. R., Penedo F. J., Perreira K., Birnbaum-Weitzman O., Wassertheil-Smoller S., Castañeda S. F., Talavera G. A., Sotres-Alvarez D., Daviglus M. L., Schneiderman N., & Isasi C. R. (2014). Associations of chronic stress burden, perceived stress, and traumatic stress with cardiovascular disease prevalence and risk factors in the HCHS/SOL Sociocultural Ancillary Study. Psychosomatic Medicine, 76(6), 468–475.         [ Links ]

Gomes R., Nascimento E. F., & Araújo F. (2007). Por que os homens buscam menos os serviços de saúde do que as mulheres? As explicações de homens com baixa escolaridade e homens com ensino superior. Cad. SaudePublica, 23(3), 565-74.         [ Links ]

Holmes T. H., & Rahe R. K. (1967). The Social Readjustment Rating Scale. Journal of Psychosomatic Research, 4, 189-194.         [ Links ]

Inoue N. (2014). Stress and atherosclerotic cardiovascular disease. J Atheroscler Thromb, 21(5), 391–401.         [ Links ]

Lauzière T. A., Chevarie N., Poirier M., Utzschneider A., & Bélanger M. (2013). Effects of an interdisciplinary education program on hypertension: A pilot study. Canadian Journal of Cardiovascular Nursing, 23(2), 12-19.

Lipp M. L., & Rocha J. C. (1994). Stress, hipertensão arterial e qualidade de vida: um guia de tratamento para o hipertenso (1a ed.). Campinas: Papirus. Lipp, M. E. N. (2006). Blood pressure reactivity to social stress in an experimental situation. Rev Ciênc Méd, 14(4), 317-326.         [ Links ]

Lipp M. E. N. (2007). Controle do estresse e hipertensão arterial sistêmica. Rev Bras Hipertens, 14(2), 89-93.         [ Links ]

Malagris L. E. N., Brunini T. M. C., Moss M. B., Silva P. J, A., Esposito B. R., & Ribeiro A. C. M. (2009). Evidências biológicas do treino de controle do stress em pacientes com hipertensão. Psicol Reflex Crit, 22(1), 60-68.         [ Links ]

Margis R., Pincon P., Cosner A. F., & Silveira R. O. (2003). Relação entre estressores, estresse e ansiedade. Rev Psiquiatr RS, 25(1), 65-74.         [ Links ]

Ministério da Saúde, Secretaria Executiva. DATASUS. Informações de saúde. Morbidade informações epidemiológicas. Recuperado em 28 outubro 2015, de http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0203.         [ Links ]

Morettin P. A., & Bussab W. O. (2013). Estatística Básica (8a ed.). São Paulo: Editora Saraiva.         [ Links ]

Nomura P. I., Prudencio L. A. R., Kohlmann Jr O. (1995). Características do indivíduo hipertenso. J Bras Nefrol, 17(1), 13-20.         [ Links ]

Péres D. S., Santos M. A., Zanetti M. L., & Ferronato A. A. (2007). Dificuldades dos pacientes diabéticos para o controle da doença: sentimentos e comportamentos. Rev Latino-Am Enfermagem, Dez 15(6), 1105-1112.         [ Links ]

Perez, G. H. (2013). Arqueologia do Estresse: passado e presente de um conceito. In: Moura, M. D. (Org.). Oncologia: Clínica do Limite Terapêutico? Psicanalise e Medicina (Vol. 1, p. 159-180). Belo Horizonte: Artesã         [ Links ].

Quintana J. F. (2011). A relação entre hipertensão com outros fatores de risco para doenças cardiovasculares e tratamento pela psicoterapia cognitivo comportamental. Rev SBPH, 14(1), 3-17.         [ Links ]

Silva I., Pais-Ribeiro J., & Cardoso H. (2004). Dificuldades em perceber o lado positivo da vida? Stress em doentes diabéticos com e sem complicações crónicas da doença. Avaliação Psicológica, 3(22), 597-605.         [ Links ]

Simão A. F., Précoma D. B., Andrade J. P., Correa Filho H., Saraiva J. F., Oliveira G. M., et al (2013). Sociedade Brasileira de Cardiologia. I Diretriz Brasileira de Prevenção Cardiovascular. Arq Bras Cardiol, 101 (6 Supl.2), 1-63.         [ Links ]

Sociedade Brasileira de Cardiologia / Sociedade Brasileira de Hipertensão / Sociedade Brasileira de Nefrologia. (2010). VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol, 95(1 supl.1), 1-51.         [ Links ]

Sousa M. R. G., Landeiro M. J. L., Pires R., & Santos C. (2011). Coping e Adesão ao Regime Terapeutico. Revista de Enfermagem Referência, 3(4), 151-160.         [ Links ]

 

 

1 Psicóloga - Serviço de Psicologia - Instituto do Câncer de São Paulo Octavio Frias de Oliveira (ICESP) – São Paulo – SP – E-mail: fernandamsmarinho@gmail.com
2 Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e UniversidadeNove de Julho – São Paulo – SP – E-mail: hipheno@gmail.com
3 Serviço de Psicologia - Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – São Paulo – SP – E-mail: andrea.torres@incor.usp.br

Creative Commons License