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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.20 no.2 Rio de Janeiro dez. 2017

 

ARTIGOS

 

Suporte psicológico aos pais na Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal: encontros possíveis e necessários

 

Psychological support for parents in the Neonatal Intensive Care Unit: possible and necessary encounters

 

 

Raíssa Ramos Rosa1; Maria Estelita Gil2

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)

 

 


RESUMO

A internação de um filho na Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (UTIN) é acompanhada por diversos sentimentos, tais como de frustração, incompetência e culpa, além de temores frente ao desconhecido e incertezas quanto à recuperação do neonato. A UTIN caracteriza-se por ser um ambiente altamente tecnológico, sendo priorizados os cuidados com a saúde física do recém-nascido. Assim, este artigo foi desenvolvido a partir da experiência acadêmica e profissional de prática psicológica em UTI Neonatal de um hospital universitário de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, referência em atendimentos a recém-nascidos. Serão abordados fragmentos de atendimentos individuais e grupais compreendidos através do referencial psicanalítico. As intervenções propostas destacam o suporte psicológico aos pais através do holding, ou seja, da sustentação das necessidades emocionais dos mesmos. Por fim, destaca-se a importância da escuta empática do psicólogo frente às singularidades de cada paciente.

Palavras-chave: recém-nascidos; neonatologia; psicologia; intervenção psicológica.


ABSTRACT

The hospitalization of a child in the Unit of Neonatal Intensive Care (NICU) is accompanied by several feelings, such as frustration, incompetence and guilt, besides fears facing the unknown and uncertainties concerning the newborn's recovery. The NICU is characterized by being a highly technological environment, prioritizing the care of the physical health of the newborn. Therefore, this article was developed as from the academic and professional experience of psychological practice in Neonatal ICU of a university hospital in Porto Alegre, Rio Grande do Sul, a reference in newborns treatment and care. Fragments of individual and group care will be approached and understood through the psychoanalytic referential. The proposed interventions highlight the psychological support to parents through holding, that is, the support of their emotional needs. Finally, stands out the importance of the empathic listening from the psychologist to the singularities of each patient.

Keywords: neonates; neonatology; psychology; psychological intervention.


 

 

Introdução

A Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (UTIN) foi desenvolvida na década de 1960 (Ministério da Saúde, 2011) e se caracteriza por realizar os cuidados necessários aos recém-nascidos enfermos (Rocha et al., 2012). A principal demanda de internação é devido à prematuridade, que se caracteriza pelo nascimento com idade gestacional inferior a 37 semanas, sendo muito pré-termo os bebês nascidos entre 33 e 28 semanas e extremamente pré- termo os nascidos com idade gestacional inferior a 28 semanas (Organização Mundial da Saúde [OMS], 2015). Possui causas multifatoriais e é considerada uma condição complexa que tem se tornado um problema de saúde pública nos países industrializados (Nix & Ansermet, 2009). No Brasil, o Ministério da Saúde (2011) também alerta para o alto percentual de morbimortalidade neonatal devido à prematuridade.

A UTIN caracteriza-se por ser mecanizada, ruidosa, contínua e fortemente iluminada, haver grande movimentação da equipe, além de rotinas e normas específicas (Ministério da Saúde, 2011). Este ambiente caótico acarreta ao recém-nascido vivências potencialmente estressoras: ocorre manipulação frequente; os procedimentos são invasivos e dolorosos; há ruídos acima do limite recomendado; há odores estranhos e desagradáveis; não há agrupamento de tarefas pela equipe, além do bebê raramente ficar mais de uma hora sem ser estimulado, impedindo assim seus ciclos de sono. O Manual Técnico do Método Canguru, denominado "Atenção Humanizada ao RecémNascido de Baixo Peso" (Ministério da Saúde, 2011), traz explicações detalhadas a respeito do desenvolvimento fetal, destacando o fato do Sistema Nervoso Central estar em pleno desenvolvimento em casos de prematuridade. Assim, as vivências descritas podem causar respostas de estresse comportamental cujos processos estão relacionados a alterações neurodesenvolvimentais e no funcionamento social e emocional.

Evidencia-se, deste modo, a importância da presença dos pais junto ao seu filho na UTIN como figuras que podem minimizar as experiências estressoras do bebê. Além deste importante papel, diversos estudos, como o de Klaus e Kennel (1992), demonstraram a importância do contato físico e emocional para o desenvolvimento do vínculo mãe-bebê logo após o nascimento, favorecendo o desenvolvimento emocional saudável do recémnascido. Autores como Donald Winnicott (1966/2013), Melanie Klein (2000) e John Bowlby (1984) atribuem à figura materna, como cuidadora principal, um papel fundamental nos momentos iniciais da vida do bebê. Diante disso, é de fundamental importância discutir de que modo a maternagem ocorre diante do contexto de internação numa UTI Neonatal.

Considerando a relevância do tema abordado, o presente artigo se desenvolveu a partir de um relato de experiência do estágio obrigatório em Psicologia Clínica, em uma Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal de um hospital universitário de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Os atendimentos foram realizados aos pais dos bebês internados através de busca ativa na unidade e do encaminhamento da equipe multiprofissional, sendo proporcionados tanto atendimentos individuais quanto grupais. O acompanhamento psicológico se deu primordialmente às mães dos bebês, as quais encontravam-se mais presentes na unidade do que os pais dos mesmos. Para este trabalho, realizou-se uma revisão da literatura pertinente a respeito do tema e selecionaram-se vinhetas de pacientes atendidos que ilustram a vivência em UTIN, sendo preservada a identidade dos mesmos através de nomes fictícios e da alteração de dados que possibilitassem a identificação. Assim, pretende-se permitir a reflexão acerca do suporte psicológico que pode ser oferecido aos pais cujos filhos estão internados nesta unidade hospitalar.

 

A psicologia inserida na UTI Neonatal

Durante a prática de estágio realizada no período de um ano na unidade em questão foram atendidas diversas mães cujos filhos estavam internados por diferentes motivos, como síndromes e malformações. A maioria das internações, no entanto, deviam-se à prematuridade. As figuras paternas também foram acolhidas, porém a sua presença era menos comum na UTIN durante o período diurno. Os atendimentos foram realizados, em sua maioria, ao lado da incubadora dos bebês ou, então, em uma sala privada. Além do acompanhamento individual, também realizou-se semanalmente o grupo denominado "Grupo de Apoio Psicológico aos Pais da UTI Neonatal".

Entende-se que o momento de escuta e compartilhamento oportunizado pelo grupo exerce importante ação terapêutica. Esta ação deve-se pelos participantes estarem vivenciando situações semelhantes e partilharem de sentimentos e anseios comuns, o que pode representar um reasseguramento de que não estão sozinhos em tal vivência. Outros fatores dizem respeito à possibilidade dos mesmos experienciarem a internação de seus filhos de forma menos conflituosa e por se constituir como um espaço propício de estímulo às capacidades positivas dos pais (Bagheto & Jacob, 2011).

Pesquisas relativas aos aspectos psicológicos dos recém-nascidos que passaram por internação neonatal constataram que a principal consequência da prematuridade diz respeito ao impacto que as reações emocionais dos pais exercem no neonato (Alves, 2015; Nix & Ansermet, 2009). O nascimento de um bebê com necessidade de cuidados hospitalares pode apresentar também um impacto negativo no estabelecimento da relação mãe-bebê. Com base nestes estudos, observa-se que a prática psicológica neste contexto constitui-se como preventiva, se ocupando da detecção e intervenção precoce no momento em que as estruturas psíquicas do sujeito, ou seja, do recém-nascido estão em formação (Donelli, 2011).

Seguindo nesta lógica, observa-se ser de grande importância o acompanhamento com as mães dos bebês internados, pois as mesmas apresentam o mundo para os seus bebês (Winnicott, 1964/2013). De acordo com esse mesmo autor, a saúde mental do bebê é constituída pela mãe desde os momentos iniciais, a qual tem como papel oferecer um ambiente facilitador. Este ambiente é favorecido pela puérpera que experimenta o período de sensibilidade aumentada denominado "Preocupação Materna Primária" (Winnicott, 1956/1978), o que lhe propicia colocar-se no lugar de seu bebê, podendo assim identificar e tentar suprir suas necessidades. O período de nove meses de gestação configura-se como um tempo necessário para que essa transformação possa ocorrer, sendo a gestação um período de transformação (Winnicott, 1966/2013). Desta maneira, pode-se pensar que as mães de bebês pré-termo também são prematuras em sua função materna (Bagheto & Jacob, 2011), sugerindo-se a necessidade de maior tempo de adaptação para que a mãe possa acolher o seu bebê (Esteves, Anton & Piccinini, 2011).

No contexto de internação, a puérpera desenvolverá as condições de uma mãe suficientemente boa se for protegida e acolhida neste momento em que são vivenciadas angústias desestruturantes (Bagheto & Jacob, 2011). Levando em consideração as questões emocionais próprias do puerpério, acrescidas da situação de hospitalização do recém-nascido, as intervenções realizadas na UTIN buscam oferecer suporte emocional às mães na medida em que acolhem suas angústias frente ao desconhecido. Essas intervenções podem contribuir de forma preventiva para possíveis dificuldades no desenvolvimento do vínculo mãe-bebê (Fleck & Piccinini, 2013).

O nascimento prematuro representa a desconstrução da maternidade idealizada (Baltazar, Gomes & Cardoso, 2010), e as mães necessitam se adaptar à falta da "barriga" e dos movimentos do feto antes do tempo previsto (Hall, Kronborg, Aagaard & Brinchmann, 2012). O parto prematuro acontece no caráter de urgência e produz angústia e sofrimento aos pais, os quais esperavam, na maioria dos casos, sair da maternidade com o bebê no colo e receber as tradicionais congratulações no pós-parto (Alves, 2015). Estes aspectos puderam ser percebidos na fala de Milena, cujo bebê apresentava prematuridade extrema: "Eu não vou ter aquela foto tradicional saindo da maternidade no dia seguinte ao nascimento. Não vou ter nem a foto que sempre tiram na sala de parto com os pais e o bebê". A puérpera Renata expressa "A gente planeja tudo... Mas nem tudo sai como a gente planejou", denunciando a impossibilidade de preparação quando o parto ocorre de maneira súbita (Alves, 2015). Autores referem ser o parto prematuro uma ferida narcísica, ocorrendo a ativação de fantasias na puérpera, tais como a de o seu ventre ser "perigoso e hostil", associadas às fantasias de castração, as quais podem perturbar na relação com seu bebê (Brazelton & Cramer, 1992). Em um encontro do Grupo de Apoio Psicológico, Bruna expressou questões relativas à sua ferida narcísica quando relata que: "O que mais me dói é a visão de pena das outras pessoas. Elas me olham como se eu fosse uma coitada...".

Um dos compartilhamentos recorrentes nos encontros do grupo de pais diz respeito ao modo como sentiram-se ao ver pela primeira vez o seu filho na UTIN. Uma das principais reações descritas é a de "choque", o que se deve tanto pela aparência do bebê quanto pelo ambiente da unidade (Alves, 2015). Maria, que já estava vivenciando a internação de seu filho há quatro meses, expressa: "O início é pior, porque a gente não está acostumada com um monte de fios, aparelhos que apitam e sondas...". Por sua vez, nos atendimentos individuais diversas mães revelaram o desconhecimento anterior sobre a existência de bebês com tão baixo peso, como no caso de Milena: "Me assustei quando vi o tamanho da minha filha. Eu só tinha visto bebês maiorzinhos antes, com cara de bebê". Os momentos iniciais do contato mãe-bebê também são marcados pelo medo da morte e por ambiguidades, podendo haver reações de medo de tocar no filho (Melo, Souza & Paula, 2012). Estas questões foram observadas em Solange, que expressava não querer pegar seu bebê no colo por medo de que ele fosse a óbito em seus braços, e em Letícia, que sentia-se insegura para tocar em seu bebê.

O "choque" inicial, além da influência das questões reais da fragilidade do bebê, pode ser explicado pela intensificação do confronto entre o bebê imaginário e o bebê real (Fleck & Piccinini 2013). Deste modo, pode desencadear confusão emocional nas mães, estranhamento do filho e impacto frente às características do "bebê da incubadora" serem tão distintas do bebê imaginário. As mães podem se sentir distantes e experienciarem um sentimento de estranheza ao olhar para o seu bebê (Hall et al., 2012). Mariana, por exemplo, verbalizou: "Ela não se parece nem comigo nem com o pai dela como eu imaginei que pareceria...".

Outro tema recorrente nos grupos de pais diz respeito à saída da maternidade, considerada uma tarefa árdua pela desilusão de sair sem a "barriga" e sem o bebê (Brazelton, 1988; Lebovici, 1987). Uma fala significativa foi a de Maria: "O momento mais difícil foi ir para casa sem o meu filho. Foi uma ruptura, porque enquanto eu estava internada eu ficava o tempo inteiro no hospital", semelhante à de Estela: "Eu fico olhando para as roupinhas dela em casa e pensando que ela não está comigo". A dificuldade em retornar diariamente para casa ao final do dia foi expressa por diversas puérperas, como na fala de Amanda: "Eu estou muito nervosa. Meu bebê está aqui na UTI e eu não consigo ficar longe dele. Quando eu vou embora parece que eu estou abandonando... Eu queria ele em casa comigo".

O ambiente da UTIN dificulta aos pais terem intimidade e privacidade com o seu bebê e inibe comportamentos espontâneos (Hall et al., 2012). Durante um atendimento individual, Bruna verbalizou: "Eu me sinto envergonhada de conversar com meu bebê, tem muita gente em volta". Algumas mães, no entanto, buscam criar o seu próprio espaço para exercer a maternidade no meio da unidade movimentada (Hall et al., 2012), o que foi observado no comportamento de uma mãe que cantava baixinho para o seu bebê com a janela da incubadora aberta. Estes autores também abordam sobre a sensação das mães de estarem exercendo a maternidade nos momentos de contato pele a pele com o bebê (posição Canguru), podendo experienciar um sentimento de orgulho neste momento. Durante um atendimento individual, uma mãe que estava há aproximadamente duas horas realizando contato pele a pele com a filha referiu estar desconfortável devido ao tempo de permanência na mesma posição, mas que, ao mesmo tempo, a sensação de estar em contato direto com a filha fazia com que não se importasse com o desconforto.

prematuridade pode gerar sentimentos de incompetência, frustração e culpa, podendo culminar no sentimento de incapacidade de desenvolver as funções maternas (Bagheto & Jacob, 2011). O sentimento de culpa foi verbalizado por Amanda, Bruna e Fernanda durante os encontros do grupo de pais, respectivamente: "Quando o bebê nasceu todo mundo me culpava por ele ter nascido prematuro"; "Eu me sinto culpada. Penso que eu podia ter me alimentado melhor na gestação" e "Eu sinto que ela só está aqui por causa de mim...". Associa-se a isso o sentimento de impotência diante da internação do filho recém-nascido, podendo influenciar negativamente na relação mãe-bebê (Alves, 2015; Baltazar et al., 2010; Donelli, 2011; Frigo et al., 2015; Hall et al., 2012; Rocha et al., 2012.).

Soma-se ao sentimento de impotência dos pais, a frustração pelos bebês não responderem, inicialmente, aos investimentos paternos em decorrência da condição clínica (Baltazar et al., 2010). Alguns pais atendidos referiram frustração frente ao fato dos filhos dormirem a maior parte do tempo, perpassando a sensação da sua presença não ser importante. Outra questão recorrente das mães é quanto à sensação das enfermeiras cuidarem melhor dos seus bebês do que elas mesmas, o que também foi evidenciado na pesquisa de Baltazar et al. (2010). Este aspecto foi observado em Vanessa, que questionou: "Será que eles reconhecem que eu sou a mãe? Eu vejo que eles ficam tão tranquilos no colo da enfermeira...". Outras puérperas também expressaram sentirem-se "menos mãe", por estarem privadas do contato íntimo com o seu bebê e por haver a predominância do cuidado da equipe. A primípara Daniela, por exemplo, verbalizou: "Eu fico aqui na Neo o dia inteiro, mas depois vou para casa sem ele... Assim não parece que sou mãe". Outra mãe também referiu: "Pouca coisa mudou na minha rotina... Me falaram que depois que ele nascesse eu teria que acordar várias vezes durante a noite para amamentar, mas eu continuo dormindo como se nada tivesse mudado". Kátia, por sua vez, expressou: "As enfermeiras é que dão o banho, trocam as fraldas e mexem nos aparelhos. Sobra pouca coisa para mim...". Observa-se que, a partir de práticas de cuidado com o bebê, algumas mães vivenciam a experiência de satisfação no seu papel materno através de pequenas ações, tais como segurar a seringa pela qual o leite passa para alimentar o filho, onde uma puérpera expressou "Me sinto um pouquinho mais mãe".

A partir das verbalizações dos pais quanto ao sentimento da sua presença não ser necessária para a recuperação do neonato, eram abordadas questões relativas à importância inquestionável dos mesmos junto aos filhos. As intervenções realizadas a partir desta demanda objetivavam apontar a relevância do papel dos genitores durante o período de internação e recuperação, enfatizando que a relação pais-bebê influencia no desenvolvimento físico e emocional do bebê, repercutindo no tempo de permanência na UTIN (Ministério da Saúde, 2011). Foi observado o efeito das intervenções grupais em diversas participantes, como em Amanda, que referiu: "Meu marido acha que não pode fazer nada aqui. Mas eu sei que eu posso, a minha presença é fundamental...".

É recorrente que tal vivência desperte nos pais sentimentos de choque, medo, perplexidade e vazio de palavras (Alves, 2015). O período de internação em UTIN não é estável. Pode haver fases de pioras repentinas e há uma constante incerteza quanto à recuperação e sobrevivência do bebê internado (Alves, 2015; Hall et al., 2012; Santos et al., 2013). O impacto da piora repentina foi observado em Carolina, que verbalizou: "Esta noite eu sonhei que ela estava comigo. Quando eu cheguei aqui hoje, bem feliz para dar colo para a minha filha, ela estava fazendo transfusão de sangue... (chora intensamente)".

Outro tema frequentemente abordado nos grupos de encontro refere-se ao esclarecimento quanto aos bebês também lutarem pela sua recuperação. Nos manuais técnicos é explicitado a forma como o recém-nascido contribui para o seu tratamento, sendo considerado um "ativo colaborador no seu próprio cuidado" (Ministério da Saúde, 2011, p. 116). Ao ser apresentada esta perspectiva aos pais, observou-se que estes passaram a perceber os movimentos dos filhos em direção à recuperação, como verbaliza Helena: "O meu bebê ficou bem quietinho quando foram fazer o exame nele... Parece que ele sabia que era importante".

Neste contexto, os atendimentos psicológicos tinham como objetivo primordial fornecer o holding (Winnicott, 1960/2007) aos pais, ou seja, oferecer suporte e sustentação aos mesmos. Deste modo, observou-se que, à medida que os sentimentos puderam ser nomeados e as necessidades emocionais identificadas e, em parte, supridas, os genitores também puderam identificar e suprir as necessidades de seu bebê, oferecendo o holding adequado ao desenvolvimento deste. Os efeitos do suporte psicológico puderam ser observados através de comportamentos e verbalizações. Vanessa, após a sua terceira participação do grupo de apoio, referiu: "Não tenho mais vontade de chorar. Na primeira vez que eu vim aqui (no grupo) eu não conseguia nem falar, só chorava. Agora eu já estou mais calma...". Outra mãe, Renata, verbalizou: "Aqui a gente pode falar o que não fala lá fora. Pode falar sobre os nossos sentimentos, as nossas preocupações...".

É sabido que o cuidado oferecido aos pais pela equipe multiprofissional possui um impacto direto na recuperação do paciente recém-nascido da UTIN (Alves, 2015). As equipes médica e de enfermagem, que contam com maior número de profissionais atuando na área em questão, lidam com os genitores a partir das exigências clínicas do bebê, conhecendo pouco de suas histórias, sentimentos e anseios (Baltazar et al., 2010). Já o profissional psicólogo dispõe do instrumental teórico-técnico para realizar intervenções pertinentes de acordo com cada demanda, sendo preconizada pelo Ministério da Saúde (2011) a presença de um profissional de saúde mental como membro efetivo da equipe multiprofissional que atua nas unidades neonatais. Desta maneira, evidenciase a fundamentalidade das intervenções da equipe de psicologia neste delicado contexto onde são vivenciadas intensidades emocionais e necessitase de cuidados cautelosos e afetivos.

 

Considerações finais

Buscou-se neste artigo fundamentar teoricamente o impacto que as reações emocionais dos pais exercem no desenvolvimento do neonato e assim sustentar o valor da prática psicológica no contexto de UTIN. A partir do relato de experiência, pode-se exemplificar com narrativas e vinhetas as demandas frequentes desta unidade, bem como a atuação do profissional psicólogo frente a elas.

Mostra-se importante destacar a impossibilidade de afirmar a existência de um padrão de reações emocionais dos pais diante da internação de um filho na UTIN. As reações ocorrem na ordem da singularidade, tendo um significado único a partir das vivências de cada um. Deste modo, o conhecimento das reações esperadas não deve impedir a escuta de cada sujeito e de suas produções de significado diante de um mesmo evento. Faz-se imprescindível assim a postura empática do psicólogo a fim de atender cada paciente em suas particularidades e singularidades.

 

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1 Psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: raissa.r.rosa@gmail.com
2 Psicóloga-supervisora da Área da Saúde da Mulher do Setor de Psicologia Clínica do Hospital São Lucas da PUCRS. Professora do Curso de Psicologia da PUCRS – E-mail: psicologamariaestelita@gmail.com

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