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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.21 no.1 Rio de Janeiro jan./jun. 2018

 

ARTIGOS

 

Ideação suicida em pacientes oncológicos

 

Suicidal ideation on cancer patients

 

 

Bruna Matias da Silva1; Ciomara Benincá2

Universidade de Passo Fundo/RS

 

 


RESUMO

O câncer gera importante impacto físico e psicológico. Indivíduos com câncer possuem risco de suicídio aumentado quando comparados à população geral. Existem poucos estudos no Brasil que investigaram a ideação suicida em pacientes oncológicos. Nesse contexto, o objetivo do presente estudo foi verificar a prevalência de ideação suicida em pacientes oncológicos, examinando características sociodemográficas e outras possíveis variáveis correlacionadas, como tempo de diagnóstico, recidiva, etc. Trata-se de estudo transversal, descritivo e comparativo. A amostra foi composta por 32 pacientes em tratamento oncológico, avaliados pelo Questionário de Ideação Suicida (QIS). Os dados foram analisados descritivamente e pela utilização do teste Qui-quadrado. Os resultados indicam que a prevalência de ideação suicida foi de 12,5%, sendo significativa a correlação com as variáveis recidiva do câncer, relato de transtorno psiquiátrico e ideação suicida prévia ao diagnóstico de câncer. Conclui-se que é de fundamental importância que a equipe de saúde leve em conta a saúde mental do paciente e seu histórico psiquiátrico, proporcionando avaliação por profissionais da psicologia e da psicanálise, que são profissionais capacitados a escutar o paciente suicida, assim como o médico psiquiatra, a fim de prevenir e intervir precocemente em situações que envolvam o suicídio.

Palavras-chave: ideação suicida; câncer; paciente oncológico.


ABSTRACT

Cancer causes significant physical and psychological impact. Individuals with cancer are at increased risk of suicide compared to the general population. There are few studies in Brazil that investigated suicidal ideation in cancer patients. In this context, the objective of the present study was to verify the prevalence of suicidal ideation in cancer patients, examining sociodemographic characteristics and other possible correlated variables, such as time of diagnosis, relapse, etc. This is a cross-sectional, descriptive and comparative study. The sample consisted of 32 patients on cancer treatment evaluated by the Suicidal Ideation Questionnaire (QIS). Data were analyzed descriptively and using the chi-square test. The results indicate that the prevalence of suicidal ideation was 12.5%, with a significant correlation with the variables cancer recurrence, psychiatric disorder and suicidal ideation prior to the diagnosis of cancer. It is concluded that it is of fundamental importance that the health team take into account the mental health of the patient and their psychiatric history, providing evaluation by professionals of psychology and psychoanalysis, who are professionals trained to listen to the suicidal patient, as well as the psychiatrist, in order to prevent and intervene early in situations involving suicide.

Keywords: suicidal ideation; cancer; cancer patients.


 

 

Introdução

Atualmente, o suicídio é considerado um problema de saúde pública (Sengül, Kaya, Sen, & Kaya, 2014). Em todo o mundo, cerca de 800.000 pessoas morrem anualmente por suicídio (WHO, 2017), número que supera a soma total de mortes causadas por homicídios, acidentes de trânsito, guerras e conflitos civis (Botega, 2015).

O comportamento suicida é um continuum de fatores, que inclui ideação suicida, planejamento, tentativa e suicídio consumado (Rodríguez-Cintas et al., 2017), sendo a ideação suicida preditor confiável para futura tentativa de suicídio (Choi, Lee, Yoon, Won, & Kim, 2017). Relacionado com a doença física e mental do paciente, o suicídio aparece comumente mais associado a transtornos psiquiátricos, embora as doenças físicas também devam ser consideradas fatores de risco (Erlangsen, Stenager, & Conwell, 2015). Sabe-se que pacientes com doenças graves como HIV/AIDS, doença de Huntington, esclerose múltipla, lesão da medula espinhal e câncer têm risco de suicídio aumentado (Björkenstam, Edberg, Ayoubi, & Rosén, 2005). Portanto, os pacientes oncológicos, quando comparados à população geral, apresentam taxas de risco de suicídio de 1.5 a 12 vezes mais elevadas (Leung et al., 2013; Fang et al., 2014; Robson, Scrutton, Wilkinson, & MacLeod, 2010; Diaz-Frutos et al. 2016).

O risco de suicídio aumentado em pacientes oncológicos, conforme relatado em estudos prévios, está relacionado principalmente ao fato de que o diagnóstico de câncer faz com que o indivíduo enfrente o sofrimento severo e lidar com questões de finitude (Spoletini et al., 2011), podendo desencadear um período de crise na vida do paciente, permeado por importantes questões existenciais (Sengül et al., 2014). Em alguns casos, ainda, o suicídio pode ser percebido pelo paciente oncológico como uma escolha racional e justificável diante do diagnóstico de uma doença que é associada a sofrimento, dor e estigmatização (Akechi, et al., 2010; Singer, 2018).

Considerando a severidade do quadro e as implicações psicossociais envolvidas no adoecimento, o câncer é uma doença que deve ser compreendida e tratada de forma multidimensional (Nakagami et al., 2017). Todavia, a associação entre suicídio e câncer muitas vezes é negligenciada por profissionais de saúde, apesar de estudos comprovarem que o diagnóstico de câncer é, com efeito, um fator de risco preponderante para o suicídio (Sengül et al., 2014).

Nos pacientes oncológicos, além da própria doença, vários fatores podem estar associados ao maior risco de suicídio, como por exemplo, o histórico de doença mental, dor e tipo de tumor (cabeça e pescoço, próstata, pulmão e pâncreas) (Diaz-Frutos et al., 2016; Anguiano, Mayer, Piven, & Rosenstein, 2012; Spencer, Ray, Pirl, & Prigerson, 2012); a limitação funcional e física e determinados tratamentos quimioterápicos (Robson et al., 2010); e a recenticidade do diagnóstico (Leung et al., 2013).

Neste contexto, o objetivo do presente trabalho, foi verificar a prevalência de ideação suicida em pacientes oncológicos, examinando características sociodemográficas e outras possíveis variáveis correlacionadas, a saber: tipo de câncer, tempo de diagnóstico, recidiva, transtorno psiquiátrico prévio, ideação suicida prévia. Justifica-se no fato incontestável de que indivíduos acometidos pelo câncer sofrem importante impacto psicológico e emocional, que pode levar ao desinvestimento na própria vida e ao consequente suicídio. Internacionalmente, diversos estudos têm investigado a associação entre a ideação suicida e o câncer (Pranckeviciene et al., 2016; Sengül et al., 2014; Walker, 2008; Robson et al., 2010; Recklitis, Zhou, Zwemer, Hu, & Kantoff, 2014). No entanto, no contexto brasileiro ainda há uma escassez de estudos que busquem compreender a amplitude e as consequências da ideação suicida nessa população, assim como os fatores sociodemográficos associados, o que atesta a relevância desse estudo.

 

Método

Este é um estudo transversal, realizado em um hospital geral, referência na área da oncologia. Os dados foram coletados no período de junho a outubro de 2017, com 32 pacientes em tratamento oncológico ambulatorial ou internação hospitalar. Os critérios de inclusão foram ter diagnóstico de neoplasia maligna, em todos os níveis de estadiamento e estar em vigência de tratamento oncológico. Critérios de exclusão: pacientes analfabetos (em decorrência da necessidade de leitura para responder as escalas), com idade inferior a 18 anos, que estivessem em condição clínica grave (sem possibilidade de responder as questões) e que apresentassem déficit cognitivo inferido clinicamente. A coleta de dados foi realizada por única pesquisadora, em duas etapas. Inicialmente, buscou-se dados médicos nos prontuários hospitalares e a segunda etapa consistiu-se na aplicação dos instrumentos de pesquisa de forma individual, no local onde o paciente se encontrava em tratamento (ambulatório ou internação).

Após o cumprimento dos procedimentos éticos (leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), aplicou-se o questionário de questões sóciodemográficas, incluindo informações como sexo, idade, escolaridade, estado civil, filhos, ocupação, religião, etc. Para avaliação da ideação suicida, foi utilizado o Questionário de Ideação Suicida, versão portuguesa do Suicide Ideation Questionnaire, adaptada por Ferreira & Castela (1999) para a população portuguesa, desenvolvido originalmente por Reynolds (1988). Esse questionário avalia a frequência e gravidade de pensamentos suicidas em um determinado momento da vida do paciente, neste caso, o período após o diagnóstico de câncer. O questionário é composto por 30 itens em escala do tipo Likert, com alternativas de respostas que variam de (0) nunca, (1) quase nunca, (2) raramente, (3) às vezes, (4) frequentemente, (5) quase sempre, (6) sempre. A pontuação total varia de 0 a 180, sendo o escore ≥ 41 considerado indicativo de psicopatologia e potencial risco de suicídio.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (parecer 2.004.704) e pelo Hospital da Cidade de Passo Fundo, sendo que todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Esclareça-se, também, que os pacientes que apresentaram risco de suicídio na avaliação foram encaminhados para atendimento psicológico e/ou psiquiátrico no mesmo hospital onde o estudo foi realizado.

Os resultados foram analisados pelo Statistical Package for the Social Sciences - SPSS tendo como variável dependente a ideação suicida e como variáveis independentes as características sociodemográficas e clínicas dos pacientes com câncer. As associações entre variáveis foram avaliadas pela estatística do teste Qui-quadrado, além de análises descritivas, sendo considerado o nível de significância de p<0.05 para associações estatisticamente significativas.

 

Resultados e discussão

Dos 32 pacientes em tratamento oncológico avaliados, a idade média foi de 48,9 anos (± 14,75 anos), casados (65,6%), em auxílio doença (40,6%), com filhos (93,8%), católicos (81,3%), com escolaridade até Ensino Fundamental (53,1%), sendo a maioria mulheres (71,9%). O tempo médio de diagnóstico de câncer 1,66 meses (± 0,78 meses), sendo o diagnóstico mais frequente o câncer de aparelho digestivo (28,1%) e ginecológico (28,1%).

Nesse estudo, a prevalência de ideação suicida foi de 12,5% (4 pacientes). O escore médio no QIS para avaliação de ideação suicida foi de 75,50 pontos (± 22,35 pontos), sendo o ponto de corte para ideação suicida de = 41 pontos. Esta porcentagem é similar a estudos prévios que têm referido taxas de prevalência de ideação suicida variando de 7% a 12%, o que são significativamente elevadas quando comparadas às taxas de ideação suicida na população em geral (Pranckeviciene et al., 2016; Sengül et al., 2014; Walker, 2008; Robson et al., 2010; Recklitis, Zhou, Zwemer, Hu, & Kantoff, 2014). A Tabela 1 apresenta as características clínicas e sociodemográficas da amostra e a presença de ideação suicida.

 

 

A idade média dos pacientes que apresentaram ideação suicida foi 40,25 anos (± 6,85 anos), 75% mulheres, casadas e com filhos, com tempo médio de diagnóstico de 17,50 meses (± 21,14 meses), 50% diagnosticados com câncer no aparelho digestivo e 50% câncer ginecológico. As variáveis que apresentaram associação estatística significativa com ideação suicida foram recidiva do câncer (p=0.003), ideação suicida prévia ao diagnóstico de câncer (p=0.002) e transtorno psiquiátrico prévio (p=00.003).

A recidiva ocorre quando, após um período de remissão, o câncer reaparece no sítio primário, próximo à região do local inicial e/ou em outras partes do corpo, no caso do tumor metastático (Arruda-Colli, Lima, Perina, & Santos, 2016). A vivência da recidiva do câncer gera forte impacto emocional e relaciona-se à falha do tratamento anterior, associada à percepção da diminuição de chances de cura e sintomas de desesperança. A necessidade de enfrentar novamente o tratamento oncológico faz o paciente reviver perdas da sua condição física e social, além do revivescimento de todos os sintomas adversos do tratamento, exigindo uma reorganização de recursos emocionais para o enfrentamento (Arruda-Colli et al., 2016; Costantini et al., 2014). Considerando o adoecimento anterior, tais recursos podem estar esgotados devido ao enfrentamento do primeiro diagnóstico de câncer, levando o paciente a maior suscetibilidade de sintomas de depressão, desesperança e ideação suicida.

A ideação suicida atual associada com a recidiva do câncer como encontrada no presente estudo, também pode estar relacionada à consciência de pior prognóstico. Fang et al. (2012) avaliaram o risco relativo de ideação suicida em pacientes que receberam o diagnóstico de câncer e constataram risco mais elevado em pacientes diagnosticados com câncer com pior prognóstico, portanto, que a severidade da doença está diretamente relacionada ao aumento do risco de suicídio (Choi et al., 2017).

A associação entre ideação suicida atual e ideação suicida prévia ao diagnóstico de câncer pode ser justificada no fato de que o histórico de ideação e tentativas de suicídio são fatores associados ao aumento do risco de novos comportamentos suicidas, tendo efeito cumulativo (Rodríguez-Cintas et al., 2017). A presença de tentativas anteriores é um dos maiores indicadores de risco de suicídio (Botega, 2015), na medida em que 15% a 25% daqueles que já tentaram suicídio tentarão novamente no próximo ano, e cerca de 10% destes conseguirão consumar o suicídio nos próximos dez anos (Botega, Werlang, Cais, & Macedo, 2006). É importante observar ainda que a ideação suicida se difere da tentativa de suicídio; no entanto, a ideação suicida é relatada como parte do "processo de suicídio" e preditora de futuras tentativas (Choi et al., 2017).

Nesse estudo, a ideação suicida atual aparece significativamente associada ao relato de transtorno psiquiátrico prévio ao diagnóstico do câncer. Considere-se, neste ponto, que a doença clínica grave não é, por si só, potencialmente suicida, visto que a maioria dos suicídios ocorre em pessoas que, além de apresentarem doença clínica, também possuem transtorno psiquiátrico associado (Botega, 2015). Em pacientes com câncer, porém, o risco de suicídio é maior se houver comorbidade com transtorno psiquiátrico (Spoletini, et al., 2011), sendo o histórico de doença mental significativamente associado à ideação suicida.

Dos indivíduos em geral que se suicidam, com ou sem o diagnóstico de doença física, cerca de 90% teriam doença mental diagnosticável (Spencer et al., 2012; Spoletini et al., 2011), tais como transtorno depressivo, transtorno de humor bipolar, esquizofrenia, dependência química (Hawton & Heeringen, 2009). Embora o risco de suicídio varie de acordo com o transtorno mental, o transtorno depressivo é o mais comumente associado a ele (Marback & Pelisoli, 2014), sendo que o episódio depressivo pode aumentar o risco de suicídio em até 20 vezes (Botega, Werlang, Cais, & Macedo, 2006).

Considere-se, também, que em pacientes com câncer, a incidência média de transtornos psiquiátricos chega a 30-40% (Sengül et al., 2014), tendo a depressão e o risco de suicídio como as duas características mais investigadas (Costantini et al., 2014). Em relação à depressão, a literatura indica que 15% a 20% apresentam sintomas de transtorno depressivo, muitas vezes relacionado à presença de dor, fadiga e limitações físicas (Singer, 2018).

Além dos fatores discutidos aqui, a literatura traz também associação com ideação suicida em pacientes oncológicos, tais como, o tipo de câncer e o período transcorrido a partir do diagnóstico (Misono, Weiss, Fann, Redman, & Yueh, 2008; Pranckeviciene et al., 2016). Estudos indicam que indivíduos acometidos por determinados tipos câncer, como de próstata, cabeça e pescoço, pulmão e pâncreas possuem taxas mais elevadas de ideação suicida, quando comparados a pessoas com outros tipos de cânceres (Anguiano et al., 2012).

Nesse estudo, o tipo de câncer não teve associação significativa com ideação suicida, possivelmente em decorrência da composição da amostra, que não contou com pacientes com câncer de próstata. Como os pacientes avaliados se encontravam internados ou em tratamento quimioterápico, os diagnosticados com câncer de próstata não foram acessados na medida em que a forma de tratamento com baixo uso de quimioterápicos e a diminuição dos casos de internação reduziu drasticamente a possibilidade de acesso a eles. Em relação aos pacientes com câncer de cabeça e pescoço, pulmão e pâncreas, possivelmente, também não foram incluídos na amostra devido à gravidade do quadro clínico e às limitações de comunicação que impossibilitaram a aplicação dos instrumentos de coleta de dados.

Mesmo que o tipo de câncer não tenha sido um critério de inclusão a priori da amostra, metade das pacientes que apresentaram ideação suicida no presente estudo eram mulheres com câncer ginecológico (ovário e colo de útero). O risco de suicídio em mulheres com câncer ginecológico é relatado em pesquisas como 1.3 vezes maior que em mulheres com câncer não ginecológico (Ward, Roncancio, & Plaxe, 2013).

O câncer ginecológico normalmente é diagnosticado em fases avançadas, necessitando de tratamento multimodal (quimioterapia, radioterapia e cirurgia), que gera alterações na função hormonal e sexual (inatividade sexual ou perda de desejo sexual), além de, muitas vezes, frustrar o desejo de ter filhos. Em acréscimo, é importante pontuar que pacientes com diferentes tipos de câncer ginecológico podem ter aumentado o risco de desenvolver doenças psiquiátricas e de suicídio em relação aos outros tipos de câncer (Klügel et al., 2017).

Mesmo que no presente estudo não tenha sido encontrada associação estatística significativa entre tempo de diagnóstico e ideação suicida (p= 0.159), a literatura relata que o risco de suicídio é significativamente elevado nos 4 primeiros anos, com pico de incidência durante os primeiros meses após o diagnóstico de câncer. Assim, a identificação precoce e precisa de pacientes com câncer que expressam ideação suicida é fundamental para a prevenção de comportamentos suicidas futuros (Pranckeviciene et al., 2016).

 

Conclusão

Os resultados do presente estudo demonstram estatisticamente que a ideação suicida em pacientes oncológicos está associada ao relato de comorbidade psiquiátrica, ideação suicida prévia ao diagnóstico de câncer e recidiva da doença. É certo, todavia, que este estudo possui limitações, como o tamanho reduzido da amostra que não contemplou a ampla variedade de tipos de câncer e de pacientes, o que pode limitar a generalização dos resultados. Também, o caráter transversal deste estudo impede a determinação da causalidade sobre a relação entre câncer e doença mental ou suicídio. Além disso, questões relacionadas ao diagnóstico de transtorno psiquiátrico foram consideradas apenas a partir dos relatos dos pacientes, sem a devida avaliação ou diagnóstico especializado, o que pode gerar viés ou falsas crenças sobre a própria saúde ou doença mental.

Mesmo assim, esses resultados sinalizam a importância de identificar tais características em pacientes oncológicos e reconhecer seus fatores subjacentes (biológicos e psicológicos), como um passo clinicamente vital na prevenção do suicídio e estabelecimento de medidas de intervenção adequadas a essa população. Contrariamente à ideia de que o paciente oncológico, por estar se submetendo ao tratamento, tem assegurado o desejo de viver, acredita-se que a maioria dos pacientes com ideação suicida, especialmente aqueles acometidos por câncer, são ambivalentes em relação à vida e à morte. Especialmente nos indivíduos com ideação suicida, os desejos e atitudes coexistem antagonicamente, pois, muitas vezes, o que buscam não é a própria morte, mas serem salvos ou resgatados da insuportável dor física e psíquica pela qual são acometidos nesse diagnóstico, sendo o autoextermínio tido como uma alternativa de alívio e não como um fim em si mesmo.

Além disso, é preciso que os profissionais de saúde, principalmente aqueles que não atuam diretamente na área da saúde mental, desmistifiquem a ideia de que falar sobre suicídio poderá induzir à ideação ou a um ato suicida. Na maioria das vezes, ao ser abordado sobre as suas intenções suicidas o paciente se sentirá aliviado e acolhido ao poder falar sobre isso, a partir de uma escuta especializada de profissionais capacitados para tal, como psicólogos, psicanalistas e/ou psiquiatras. Nesse sentido, é fundamental que durante o tratamento oncológico, os pacientes possam ser questionados e avaliados sobre sintomas de depressão, ansiedade, estresse e, inclusive, sobre a presença de ideação suicida, e que essa avaliação seja feita pelo profissional da psicologia e da psicanálise, capacitado a escutar o paciente suicida, assim como o médico psiquiatra. Sugere-se, então, que essa avaliação seja sistemática e durante todo tratamento, tendo um olhar ainda mais específico, particularmente para aqueles pacientes que possuem mais fatores de risco.

Por fim, é importante salientar a necessidade que os pacientes com câncer se beneficiem de assistência e apoio psicológico adequados a fim de que a possível presença de depressão e ideação suicida sejam monitoradas através da aplicação constante de entrevistas e avaliação psicológica. Não se deve esquecer que a oncologia é, por excelência, uma área onde a medicina e a psicologia devem trabalhar em conjunto para melhorar a qualidade de vida e o bem-estar do paciente.

 

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1 Psicóloga formada pela Unisinos. Especialista em Terapia Cognitivo- Comportamental. Realiza residência multiprofissional em atenção ao câncer na Universidade de Passo Fundo/RS. Contato: matias.bruna@gmail.com.
2 Doutora em Psicologia. Professora pesquisadora/extensionista do Curso de Psicologia da Universidade de Passo Fundo/RS. Tutora do Programa de Residência Multiprofissional da UPF em parceria com o Hospital da Cidade e a Prefeitura Municipal de Passo Fundo nas áreas de Atenção ao Câncer e Cardiologia. Contato: beninca@upf.br

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