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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.21 no.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2018

 

ARTIGOS

 

Estresse, dor e enfrentamento em crianças hospitalizadas: análise de relações com o estresse do familiar

 

Stress, pain, and coping in hospitalized children: relations with family stress

 

 

Kelly Ambrósio Silveira1; Vanessa Laquini Lima2; Kely Maria Pereira de Paula3

Universidade Federal do Espírito Santo - Vitória/ES

 

 


RESUMO

A hospitalização infantil provoca experiências intensas na criança e na família, sendo relevante identificar indicadores de estresse e estratégias utilizadas para o enfrentamento de adversidades. Esta pesquisa analisou relações entre o estresse de crianças e de familiares, a dor percebida por elas e seu enfrentamento da hospitalização, além de variáveis pessoais e clínicas. Dados de uma amostra de 31 crianças, entre 8 e 12 anos, hospitalizadas a partir do segundo dia, e seus familiares, foram coletados em dois hospitais públicos infantis da Grande Vitória, ES. Os familiares responderam a um questionário de identificação e ao Inventário de Sintomas de Stress em Adultos. As crianças responderam aos instrumentos: Escala de Faces da Dor, Escala de Stress Infantil e Avaliação do Enfrentamento da Hospitalização. Cerca de 60% dos familiares e 33% das crianças apresentaram estresse. Não houve correlação significativa entre estresse dos familiares e estresse, dor percebida e comportamentos de enfrentamento mal-adaptativos nas crianças. São necessários mais estudos que abordem outras variáveis relacionadas ao estresse causado pela hospitalização a partir de diferentes recursos avaliativos.

Palavras-chave: hospitalização infantil; estresse; dor; enfrentamento.


ABSTRACT

Child hospitalization causes intense experiences in the child and in the family, and it is important to identify stress indicators and strategies used to cope with adversity. This research analyzed the relationships between stress indicators manifested by children and their families, pain perceived by children and their coping with hospitalization, as well as personal and clinical variables. Data from a sample of 31 children between 8 and 12 years of age, hospitalized from the second day, and their caregivers, were collected in two public pediatric hospitals at Grande Vitória, ES. The relatives answered an identification questionnaire and the Inventory of Symptoms of Stress in Adults. Children answered the instruments: Pain Faces Scale, Child Stress Scale and a coping hospitalization assessment tool. About 60% of the caregivers and 33% of the children presented stress. There was no positive correlation between family stress and children stress. There were no significant correlations between family stress and perceived pain and maladaptive coping behaviors in children as well. Further studies are needed to address other variables related to stress caused by hospitalization, also using a wider variety of evaluative resources.

Keywords: children hospitalization; stress; pain; coping behavior.


 

 

Introdução

Experiências negativas ligadas à hospitalização podem contribuir para problemas comportamentais e emocionais em crianças, como insegurança, ansiedade, agressividade, pesadelos, dor de cabeça e medo (Hostert, Enumo & Loss, 2014; Lewis & Kellet, 2004). As experiências no hospital podem influenciar o desenvolvimento da criança (Hostert et al., 2014; Lewis & Kellet, 2004), especialmente em caso de longa permanência (Dias, Baptista, & Baptista, 2003), e a vulnerabilidade tende a piorar essa situação. A atmosfera estressante nesse contexto, por exemplo, pode gerar sofrimento e causar desvantagens (Ferreira et al., 2014).

Os estressores se referem ao conjunto de processos acionados pela ação de eventos ambientais (Grant et al., 2003). Em termos psicofisiológicos, as respostas de estresse incluem reações físicas e psicológicas, como a perda de concentração e a instabilidade emocional, palpitações cardíacas e dores (Lipp, 2003). Referem-se à quebra da homeostase em função do esforço para a manifestação de respostas adaptativas. Esse processo ocorre por fases que progridem em caso de não supressão do estressor ou de o indivíduo não encontrar meios pessoais ou ambientais para administrá-lo.

Eventos estressores podem desencadear estratégias de enfrentamento para a autorregulação comportamental, colaborando para a adaptação frente a situações adversas. O enfrentamento engloba, como resultado, esforços para manter, restaurar ou reparar necessidades psicológicas (Ryan & Deci, 2017). É construído em função das demandas do evento e dos recursos pessoais e sociais de cada indivíduo.

Os resultados do enfrentamento – seu desfecho adaptativo positivo ou negativo – referem-se às consequências para a saúde física e mental do indivíduo, no médio e no longo prazo. Assim, alguns comportamentos estariam associados a estratégias adaptativas (autoconfiança, busca de suporte, resolução de problemas, busca de informações, acomodação e negociação) e mal-adaptativas (delegação, isolamento, desamparo, fuga, submissão e oposição), sendo que essas últimas podem resultar em danos à saúde (Skinner & Zimmer-Gembeck, 2007).

As estratégias de enfrentamento dos pacientes são individuais e influenciadas pelos cuidadores (Johnson, 1999). Essa premissa baseia-se no conceito de autorregulação, ligado a processos individuais e interpessoais para o controle do comportamento e que contribui para o risco ou a resiliência em diferentes situações (Lansing & Berg, 2014).

Como os sintomas decorrem da interação de fatores biológicos, psicológicos e socioculturais (Huguet et al., 2011), os quais também podem atenuar ou acentuar os desafios ligados ao tratamento, a análise sobre variáveis contextuais à hospitalização torna-se importante. A interação entre familiares e equipe, por exemplo, pode interferir nas reações emocionais e comportamentais das crianças (Vivian et al., 2013), de modo que a investigação das dificuldades percebidas pelos mesmos é importante (Xavier, Gomes, & Salvador, 2014).

O sofrimento dos familiares, decorrente da mudança de rotina, de conflitos e da imposição de normas e rotinas, pode comprometer o cuidado à criança (Xavier et al., 2014). Além disso, quando se afastam de suas atividades rotineiras, os familiares passam a conviver com outras experiências de sofrimento, além das preocupações cotidianas (Rumor & Boehs, 2013). Limitações na comunicação com os profissionais da área da saúde podem acentuar o sofrimento (Figueiredo, Gomes, Pennafort, Monteiro, & Figueiredo, 2013; Rodrigues et al., 2013), bem como problemas na infraestrutura e nas acomodações do hospital e um esquema de visitas não apoiador (Milanesi, Collet, Oliveira, & Vieira, 2006; Siqueira, Sigaud, & Rezende, 2002).

Diante da hospitalização, especialmente para o tratamento de condições mais graves e ameaçadoras, pode haver incerteza quanto ao futuro e o temor de efeitos físicos em curto e médio prazo. O familiar espera uma aproximação com a equipe de saúde, que haja uma comunicação com ela e que essa equipe compreenda a situação pela qual a família está passando (Lima, Silva, Collet, Reichert, & Oliveira, 2010; Rodrigues et al., 2013).

As famílias têm necessidade de serem ouvidas e valorizadas em relação ao seu conhecimento, o que inclusive pode facilitar o contato do profissional com o paciente. Rodrigues et al. (2013) afirmam que os pais são excelentes observadores dos filhos e o conhecimento deles pode levar a um melhor entendimento da equipe sobre a criança e a uma visão mais ampla das suas necessidades. Com isso, entende-se que mecanismos ligados à vulnerabilidade ao estresse de pacientes e de familiares nesse contexto devam ser compreendidos, a fim de proporcionar uma melhor experiência de hospitalização.

Sabe-se que estresse e dor podem estar relacionados em crianças (Borges, 1999) e que as mães, com estresse ou não, são precisas na identificação dos níveis de dor de seus filhos (Matsuda-Castro & Linhares, 2014). Essas últimas autoras, porém, não encontraram associação significativa entre estresse materno e infantil. Os dados levantados indicam a necessidade de mais estudos voltados à situação de doença e de hospitalização, especialmente voltados a características e experiências dos pacientes e seus familiares. Esta pesquisa, então, analisou relações entre estresse, dor percebida e enfrentamento da hospitalização infantil, considerando indicadores de estresse do familiar.

 

Método

Para atender aos objetivos propostos, foi realizada uma pesquisa quantitativa (Creswell, 2007). Pretendeu-se analisar descritivamente as variáveis: estresse percebido pela criança e pelo familiar, dor percebida pela criança e suas estratégias de enfrentamento da hospitalização. A análise de relações entre variáveis abordou princípios correlacionais (Selltiz, Wrightman, & Cook, 1981). De modo complementar, as variáveis de caracterização compreenderam: idade, sexo, escolaridade, quantidade de internações e tempo de internação.

Local de coleta de dados

A coleta foi realizada em dois hospitais infantis da região metropolitana de Vitória, ES, que aprovaram o desenvolvimento da pesquisa. De acordo com o Ministério da Saúde, havia, em julho de 2014, 283 leitos pediátricos do SUS nos hospitais desta região.

Participantes

Os pacientes e seus familiares que aprovaram a participação via Termo de Consentimento compuseram uma amostra de conveniência (Melzoff, 2001) com 31 participantes, aproximadamente 10% dos leitos informados. Os critérios de inclusão foram ter entre 8 anos e 12 anos e 11 meses de idade e participar da coleta a partir do segundo dia de hospitalização. Por sua vez, os critérios de exclusão envolveram limitações na linguagem ou significativa defasagem cognitiva, ter recebido medicação que alterasse o estado de vigília ou estar internado em leito de isolamento.

As 31 crianças (16 meninos e 15 meninas) tinham em média 10 anos de idade (DP = 1,67), já tinham passado por cerca de 2 internações (DP = 1,93) e, na coleta de dados, estavam, em média, há 7 dias no hospital (DP = 10,21). A maior parte se encontrava nas enfermarias ortopédica (38,7%), clínica geral (22,6%) e cirúrgica (19,4%). Os familiares (90% mulheres e 77% mães) tinham em média 32 anos (DP = 8,71). Cerca de 60% moravam na Grande Vitória e 29% moravam no interior do estado. Não houve revezamento de familiares no cuidado das crianças em 54,8% dos casos.

Instrumentos

Os familiares responderam ao:

a) Questionário de identificação. Elaborado para esta pesquisa, o mesmo contém questões envolvendo as variáveis de caracterização supracitadas;

b) Inventário de Sintomas de Stress de Adultos de Lipp [ISSL] (Lipp, 2000). Identifica sintomas físicos ou psicológicos e a fase do estresse que se manifesta – Alerta, Resistência, Quase Exaustão ou Exaustão. A escala é dividida em três partes, referentes aos sintomas presentes nas últimas 24 horas, na última semana e no último mês, em referência ao dia da avaliação.

Os instrumentos para a coleta com as crianças foram:

c) Escala de Faces Revisada [FPS–R] para a avaliação da dor (Hicks et al., 2001). Consiste em uma composição de seis faces representativas de dor, variando em intensidade, e pontuada a partir de escala (0 = sem dor a 10 = muita dor). A FPS-R pode ser utilizada em crianças a partir de 4 anos de idade para auxílio em caso de dor decorrente de procedimentos, dor pós-operatória e dor ligada a enfermidades. Este instrumento é de fácil aplicação, com versões para diversos países (Hicks et al., 2001, Poveda et al., 2003).

d) Escala de Stress Infantil [ESI] (Lipp & Lucarelli, 1998). Contém 35 itens representativos de sintomas físicos, psicológicos, psicológicos com componentes depressivos e psicofisiológicos. O instrumento é aplicado em crianças de 6 a 14 anos que indicam, por escala (0 = nunca sente a 4 = sente sempre), a frequência de cada sintoma. Também possibilita identificar sintomas recorrentes, facilitando o controle do estresse (Lipp & Lucarelli, 1998).

e) Avaliação do Enfrentamento da Hospitalização - COPE-H (Garioli, 2016; Motta & Enumo, 2010). Por meio de um conjunto de 17 pranchas, com cenas sobre situações cotidianas do ambiente hospitalar, crianças a partir de 7 anos identificam a frequência de comportamentos, sentimentos e pensamentos ligados a ações de enfrentamento da hospitalização. É possível analisar as estratégias de enfrentamento presentes no discurso. O COPE-H considera três fatores para a análise das estratégias de enfrentamento: adaptativo, mal-adaptativo e desengajamento voluntário e involuntário.

Procedimento

A coleta de dados foi realizada após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da UFES (CAAE: 51592315.4.0000.5542) e dos hospitais. Após contato com os profissionais responsáveis pelas enfermarias sobre os horários mais adequados para a coleta e sobre os pacientes com condições de saúde para integrar a amostra, foi feita a abordagem aos participantes, em seus leitos. Após a concordância pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e do Termo de Assentimento, as crianças e os familiares responderam aos instrumentos apresentados.

A coleta ofereceu riscos mínimos aos participantes, não implicou em qualquer custo e ocorreu após a permissão da equipe hospitalar, diminuindo a interferência da coleta de dados nos procedimentos médicos. O contato com os pacientes foi estabelecido por uma das pesquisadoras e a outra realizou a coleta, em separado, com os familiares. Em caso de reações emocionais associadas às respostas dos instrumentos, a aplicação era interrompida, sendo feita a acolhida e encaminhamento a serviços de Psicologia, quando necessário. A devolutiva com os dados individuais foi oferecida e realizada sempre que requisitada, sem prejuízo ao sigilo das informações.

Análise de dados

Ao final da coleta, os dados integraram uma planilha que possibilitou o desenvolvimento de análises descritivas quantitativas. As variáveis de caracterização dos participantes foram apresentadas por estatística descritiva (médias, desvio-padrão e percentual, a depender da natureza da variável e do objetivo da análise). As variáveis de interesse (estresse, dor percebida e comportamentos de enfrentamento da hospitalização) também foram analisadas descritivamente pelos recursos mencionados. Análises de correlação pelo teste de Spearman foram desenvolvidas, devido à distribuição amostral não paramétrica. As variáveis de interesse também foram comparadas de acordo com a presença e ausência de estresse do familiar, a partir do teste Mann Whitney. O teste de Friedman foi utilizado para a comparação dos fatores relativos às estratégias de enfrentamento. O nível de significância adotado foi 0,05.

 

Resultados

Cerca de 60% dos familiares apresentaram estresse a partir do ISSL, a maioria na fase de resistência (41% da amostra). Outros 10% estavam na fase de quase-exaustão. Um participante encontrava-se na fase de exaustão, apresentando mais comprometimento. A sintomatologia psicológica foi predominante na amostra (81% dos familiares que apresentaram estresse tiveram sintomas dessa natureza).

Os sintomas mais indicados pelos familiares durante as 24h anteriores à coleta foram insônia (67%), tensão muscular (53%), mudança de apetite (33%) e ranger os dentes (27%). Os sintomas mais presentes na semana anterior foram sensação de desgaste constante (67%), cansaço constante (60%), pensar constantemente em um só assunto (57%), sensibilidade emotiva excessiva (50%) e irritabilidade excessiva (50%). Já os sintomas mais presentes no mês anterior foram vontade de fugir de tudo (53%), angústia diária (53%), cansaço excessivo (50%), hipersensibilidade emotiva (0,50) e pensar em um só assunto (0,47).

Por outro lado, verificou-se a ocorrência de estresse infantil em 23% da amostra de pacientes a partir da aplicação da ESI. Os sintomas apontados com maior frequência também se referiram a reações psicológicas (M = 12,13; DP = 8,59), seguidos de reações físicas (M = 8,23; DP = 5,66). Os sintomas de maior frequência média foram ficar preocupado com coisas ruins que pudessem acontecer (M = 3,53; DP = 1,66), estar o tempo todo se mexendo e fazendo coisas diferentes (M = 2,97; DP = 1,77), ter vontade de chorar (M = 2,77; DP = 1,68), sentir muito sono (M = 2,67; DP = 1,56) e sentir-se triste (M = 2,60; DP = 1,54).

Cerca de 20% das crianças relatou ausência de dor e 25% relatou dor de intensidade mais elevada durante o tempo de permanência no hospital, a partir da FPS-R. Outros 55% relataram dor em intensidade moderada.

Tomar remédio (M = 4,12; DP = 1,18), conversar (M = 3,90; DP = 1,35), sentir-se corajoso (M = 3,65; DP = 1,25), assistir televisão (M = 3,48; DP = 1,73) e brincar (M = 2,87; DP = 1,78) foram os comportamentos mais frequentes relatados pelas crianças. Por sua vez, os menos frequentes foram esconder-se (M = 1,16; DP = 0,73), pensar em fugir (M = 1,35; DP = 0,80), sentir-se desanimado (M = 1,84; DP = 0,93), fazer acordo (M = 1,94; DP = 1,24) e ouvir música (M = 2,00; DP = 1,46).

Quando analisados em seu caráter adaptativo, mal-adaptativo ou de desengajamento, ligados ao enfrentamento da hospitalização, verificou-se predominância de estratégias adaptativas (M = 2,78; DP = 0,84). As estratégias adaptativas obtiveram escores mais elevados do que as pertencentes aos demais fatores, pelo teste Friedman (χ2 = 38,19; p < 0,000). Os fatores mal-adaptativos e de desengajamento tiveram médias semelhantes (M= 1,46; DP = 0,76; M = 1,43; DP = 0,63, respectivamente).

Não houve correlação significativa entre os resultados da avaliação do estresse nas crianças e nos familiares. Também não houve correlação significativa entre o estresse dos familiares e a dor percebida pelas crianças. Por outro lado, quanto maior o estresse do familiar, mais os pacientes relataram o comportamento Buscar Informação (rho = 0,39).

Também não foram identificadas diferenças significativas nas variáveis ao se considerar presença e ausência de estresse do familiar (Tabela 1). No entanto, apesar de não significativas, algumas diferenças foram observadas em certas variáveis. As crianças cujos familiares tinham estresse, por exemplo, apresentaram maior pontuação média na Escala de Stress Infantil e para os fatores Reações Psicofisiológicas e Reações depressivas. Também houve maior pontuação para os três grupos de estratégias de enfrentamento, incluindo as estratégias adaptativas, entre as crianças cujos familiares apresentaram estresse.

 

 

Por outro lado, verificou-se correlação positiva significativa entre estresse infantil e sentir raiva (rho = 0,38), esconder-se (rho = 0,36), ficar triste (rho = 0,52) e sentir-se culpado (rho = 0,54). As crianças com estresse pontuaram mais para as estratégias de enfrentamento mal-adaptativas e de desengajamento. Houve também correlação positiva entre estresse infantil em seu aspecto psicológico e dor relatada (rho = 0,40; p = 0,027).

A dor correlacionou-se positivamente com os comportamentos chorar (rho = 0,37), sentir raiva (rho = 0,42), ficar triste (rho = 0,40) e pensar em fugir (rho = 0,36). Houve também correlação negativa entre a dor e o comportamento conversar (rho = -0,42), ou seja, apesar de o estresse do familiar ter se associado pouco aos indicadores de estresse, de dor e de enfrentamento na criança, esses indicadores associaram-se de modo considerável.

 

Discussão

Evidencia-se, na literatura nacional, a necessidade de mais estudos relativos ao estresse e às estratégias de enfrentamento de crianças hospitalizadas. Avaliar indicadores de estresse e de enfrentamento em crianças e familiares é sobremodo importante, pois permite subsidiar reflexões, discussões e ações de profissionais da saúde, estudantes e gestores com vistas a mudanças de posturas no que tange à assistência ao paciente. Considera-se que também é relevante para o desencadeamento de políticas públicas de atenção em pediatria.

Os resultados obtidos neste estudo indicaram um alto índice de estresse em familiares de crianças hospitalizadas (60%). Isso vai ao encontro de estudos que afirmam que a hospitalização é um importante estressor (Carnier et al., 2015; Carnier, Rodrigues, & Padovani, 2012). Verificou-se, por outro lado, que a maioria das crianças não apresentou tal quadro e que, além disso, não houve correlação significativa entre estresse dos familiares e das crianças, reforçando o estudo de Matsuda-Castro e Linhares (2014).

Quando analisados em seu caráter adaptativo, mal-adaptativo ou evitativo, ligados ao enfrentamento da hospitalização, verificou-se predominância de estratégias adaptativas. Nesse ponto, os dados estão de acordo com estudos anteriores (Carnier et al., 2015; Moraes & Enumo, 2008; Motta et al, 2015). Porém, não houve correlação significativa entre estresse dos familiares e os comportamentos de enfrentamento mal-adaptativos nas crianças hospitalizadas. Assim, neste estudo, o estresse dos familiares pareceu não influenciar diretamente e de modo negativo os sentimentos e os comportamentos das crianças.

Quanto maior o estresse do familiar, mais as crianças relataram buscar informação, comportamento frequentemente usado para se adaptar ao hospital (Skinner & Zimmer-Gembeck, 2007). Apesar de não ter havido diferença significativa entre os grupos delimitados pela presença e ausência de estresse do familiar, chamou a atenção o fato das crianças cujos familiares tinham estresse terem indicado estratégias de enfrentamento, sejam adaptativas, mal-adaptativas e de desengajamento em frequência ligeiramente maior. É possível que, diante de familiares com estresse, as crianças tenham apresentado maior frequência de diferentes estratégias. É possível também que os familiares com estresse estivessem mais sensíveis às mudanças ocorridas pela hospitalização e mais engajados no cuidado, de modo que podem ter estimulado as crianças a manifestarem mais estratégias de enfrentamento a esse contexto. Também é possível que esse padrão de respostas já estivesse presente em outros contextos e em período anterior à estadia no hospital. Tais hipóteses podem auxiliar novas investigações e colaborar para o entendimento sobre a baixa correlação entre estresse dos familiares e das crianças.

Destaca-se que Carnier et al., (2015) observaram médias significativamente maiores de estratégias para regular a emoção e de ruminação em crianças cujos familiares apresentaram estresse, em relação às crianças de familiares sem estresse. A diferença nas versões do recurso para a avaliação do enfrentamento nesse e no presente estudo deve ser mencionada. De todo o modo, é importante o desenvolvimento de novas investigações sobre eventuais fatores que atuem em interação com as variáveis já analisadas e que desencadeiem maior estresse e vulnerabilidade infantil nos casos de estresse do familiar.

Com base nos resultados, é possível supor que o estresse provoque maior percepção de dor por parte da criança, e vice-versa, e desencadeie comportamentos mal-adaptativos, ou mesmo que o repertório anterior de comportamentos mal-adaptativos reforce problemas na adaptação ao tratamento, de modo a potencializar sintomas de estresse. Neste estudo, estas três variáveis, estresse, dor e enfrentamento, correlacionaram-se positivamente de modo significativo. Desse modo, é considerada a ideia de que experiências dolorosas podem comprometer o sistema biopsicossocial da criança, produzindo reações estressantes (Dias et al., 2013).

Ressalta-se, no entanto, como objetivo para próximos estudos, a análise de variáveis relacionadas ao estresse, à dor e ao enfrentamento no contexto de hospitalização com função disparadora ou amenizadora desses indicadores, isso porque as reações de estresse dos familiares, por si, não se correlacionaram significativamente a eles. Mesmo que a taxa de estresse entre as crianças tenha sido relativamente baixa, é importante considerar a necessidade de fornecer suporte psicológico a todos os que necessitam, com o intuito de facilitar o enfrentamento adaptativo durante a internação. A comunicação de qualidade oferecida pelos profissionais de saúde e a criação de grupos de reflexão para os familiares são outros fatores que fornecem suporte para o enfrentamento (Figueiredo et al., 2013; Vivian et al., 2013; Costa, Mombelli, & Marcon, 2009).

Intervenções que estimulem a qualidade de vida durante a hospitalização são importantes para as crianças e seus familiares. Com o objetivo de amenizar a situação de estresse nos hospitais, têm sido empregadas, por exemplo, intervenções lúdicas nas unidades pediátricas (Ferreira et al., 2014). A partir de tais intervenções, as crianças conseguem demonstrar suas preocupações acerca da situação que estão vivendo e também receber informações sobre a doença e o tratamento. Desse modo, elas se sentem mais acolhidas (Dib & Abrão, 2013). Em geral, envolvem atividades que não precisam de muito espaço ou recursos, como assistir à TV, desenhar, ouvir histórias e conversar (Hostert et al., 2014).

As limitações do método utilizado neste estudo devem ser mencionadas. A amostra foi pequena e de conveniência, tendo sido os setores de ortopedia e de cirurgia os mais consultados. Assim, os resultados não devem ser generalizados. A amostra reduzida também inviabilizou análises de interferência que poderiam ter como base diferentes condições clínicas e outros fatores da doença. Além disso, não houve aplicação de outro método de coleta complementar à avaliação da sintomatologia de estresse dos familiares. O ISSL foi aplicado nos familiares e, devido à amostra ter sido de conveniência, a sintomatologia foi analisada em casos muito discrepantes quanto à causa da internação das crianças e outros fatores clínicos. Os eventos estressores podem ter sido diferentes, fruto de diferentes condições clínicas, pessoais e sociais, entre outras.

Além disso, os eventos estressores para crianças e familiares podem ter sido diferentes, o que pode ter levado à baixa correlação entre os resultados, de tal modo que a administração de recursos complementares de coleta, como a entrevista ou mesmo o desenho ou o uso de recursos lúdicos pode ser de grande valia para a compreensão desse resultado. Deve-se ressaltar também que os instrumentos ISSL e ESI, apesar de avaliarem a sintomatologia de estresse, apresentam diferente composição de itens, o que pode ter contribuído para a baixa correlação apresentada.

Alguns pontos relevantes não foram abordados neste estudo. São exemplos de objetivos para novas investigações: avaliar se o estresse dos familiares varia de acordo com as causas da hospitalização infantil; analisar a percepção de estresse infantil por parte dos familiares; e analisar mais variáveis relacionadas e também explicativas para o estresse, a dor e o enfrentamento nas crianças.

 

Considerações finais

Os resultados obtidos neste estudo indicaram um alto índice de estresse em familiares. Estresse, dor e enfrentamento correlacionaram-se positivamente de modo significativo nas crianças hospitalizadas. No entanto, o estresse dos familiares parece não ter influenciado, diretamente e de modo negativo, os sentimentos e os comportamentos das crianças. Como objetivo para os próximos estudos, sugere-se que, a partir de técnicas de coleta variadas, seja realizada a análise de fatores relacionados ao estresse, à dor e ao enfrentamento no contexto de hospitalização com função disparadora ou amenizadora desses indicadores. Intervenções que estimulem a qualidade de vida de crianças e seus familiares durante a hospitalização são necessárias.

 

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Agência de Fomento: CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior); FAPES (Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo).

 

 

1 Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória/ES. Pós-doutoranda em Psicologia. Contato: kellyasfs@gmail.com.
2 Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória/ES. Graduanda em Psicologia. Contato: vanessallima@hotmail.com.
3 Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES. Professora do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Desenvolve e orienta pesquisas que envolvem medidas de avaliação e intervenção para a promoção do desenvolvimento, destacando-se o estudo de estressores e seu enfrentamento em crianças e adolescentes. Contato: kelymppaula@gmail.com.

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