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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.21 no.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2018

 

ARTIGOS

 

Atitudes de profissionais da Oncologia diante da morte: revisão sistemática

 

Oncology professional's attitudes towards death: systematic review

 

 

Luciana Araújo Afonso1; Laís Lage de Carvalho2; Fabiane Rossi dos Santos Grincenkov3

Universidade Federal de Juiz de Fora - Juiz de Fora/MG

 

 


RESUMO

A pesquisa teve como objetivo realizar uma revisão sistemática da literatura a fim de identificar atitudes negativas e dificuldades na atuação de profissionais de saúde da oncologia diante da morte e/ou do processo de morrer de pacientes. Busca realizada nas bases de dados Scielo, Web of Science, PubMed e Biblioteca Virtual de Saúde. Foram selecionados 24 artigos, analisados por meio de estatística descritiva e Análise de Conteúdo de Bardin (2016). Como resultados, destaca-se que 20,83% das pesquisas foram realizadas nos EUA. Brasil aparece na quarta posição, representando 8,33%. Ficou evidenciada a dificuldade de comunicação, entre os próprios profissionais, entre estes e pacientes e, entre esses e familiares, representando 45,83% da amostra, bem como o adoecimento profissional (25%) e a necessidade de preparo teórico/prático (41,66%). Assim, apesar dos estudos apontarem que é possível identificar a existência de atitudes negativas e dificuldades na atuação em profissionais de saúde da oncologia diante da morte e/ou do processo de morrer de pacientes, pesquisas futuras e discussões sobre a temática são indicadas com intuito de implantar medidas de cuidado aos profissionais, bem como preparação teórico/prática de profissionais da oncologia, evitando o adoecimento da equipe.

Palavras-chave: atitude do pessoal de saúde; morte; pacientes; neoplasias.


ABSTRACT

Research aimed to accomplish a systematic review of the literature in order to identify negative attitudes and difficulties in the work of oncology health professionals in face of death and/or dying process of patients. Articles were selected through Scielo, Web of Science, PubMed and Virtual Health Library databases. 24 articles were selected and analyzed through descriptive statistics and Content Analysis by Bardin (2016). Among observed results, it is worth highlighting that 20.83% of the researches were conducted in the US. Brazil appeared in fourth position, representing 8.33%. Difficulty of communication was evidenced between the professionals, between them and patients, and among these and family members, representing (45.83%) of the sample, as well as professional illness (25%) and need for theoretical/practical preparation (41.66%). Although the studies indicate that it is possible to identify the existence of negative attitudes and work difficulties of oncology health professionals in the face of death and/or the dying process of patients, future research and discussions about the issue are indicated with the aim of implanting care measures to the professionals, as well as theoretical/practical preparation of oncology professionals, avoiding the sickness of the team.

Keywords: attitude of health personnel; death; patients; neoplasms.


 

 

Introdução

O câncer caracteriza-se como uma enfermidade que requer tratamento contínuo, e muitas vezes invasivo, o que demanda grande envolvimento por parte das equipes especializadas de saúde. Além disso, em nossa sociedade e na prática dos profissionais da oncologia, o câncer está associado a aspectos negativos, temidos e ameaçadores, como sofrimento, dor, mutilação, desesperança, destruição, medo e morte (Kubler-Ross, 2005; Silva, 2009).

Em estimativa realizada pelo Instituto Nacional do Câncer- INCA (2018), cerca de 600 mil novos casos foram previstos para o biênio 2018-2019 no Brasil. Ademais, de acordo com a Organização Mundial de Saúde - OMS (2018), o câncer é considerado a segunda maior causa de mortes no mundo. Diante disso, segundo dados da literatura, cada vez mais as equipes de saúde que atuam em hospitais estão envolvidas na rede de relações interpessoais que esta doença desencadeia (Kovács, 2010; Kubler-Ross, 2005).

Desta forma, tem se dado destaque à importância de se considerar as particularidades do contexto do profissional que atua na atenção ao paciente com câncer, visto que este contexto se apresenta como um ambiente desafiador, hostil e ameaçador, permeado por vários aspectos geradores de conflitos, como a perda cotidiana de pacientes, as pressões exercidas ao modelo biomédico em salvar vidas e o convívio frequente dos profissionais com familiares e pacientes (Kubler-Ross, 2005). Entretanto, dentre os aspectos conflitantes do cotidiano hospitalar, a morte de pacientes tem sido considerada um dos maiores desafios para atuação profissional, configurando-se como um momento capaz de suscitar inúmeros pensamentos e emoções, como dúvidas sobre competência, sentimentos de culpa, negação da dor dos pacientes, distanciamento afetivo nas relações e simplificação na abordagem sobre o tema (Cevik & Kav, 2013; Kubler-Ross, 2005; Novaes & Trindade, 2007).

Todavia, estamos inseridos num contexto social, histórico e cultural de negação da morte, que influencia diretamente na ênfase que a formação acadêmica dos profissionais de saúde tem dado aos aspectos técnico-científicos, em detrimento dos aspectos relacionais e na maneira como interagem em sua prática com o processo de morte e morrer de pacientes (Ariés, 2014; Kubler-Ross, 2005).

Sendo assim, por se tratar de um fenômeno complexo, que abrange as equipes de saúde presente nos hospitais, diferentes estudos têm abordado as atitudes dos profissionais de saúde diante da morte de pacientes (Mori et al., 2015; Recco, Luiz & Pinto, 2005). O despreparo dos profissionais tem sido evidenciado por meio de atitudes de ambivalência, de defesa e de distanciamento, bem como por dificuldades em definir e tratar os pacientes, como fora de possibilidade de cura e na comunicação de seus diagnósticos e prognósticos (Enzinger, Zhang, Schrag & Prigerson, 2015; Hayasida, Assayag, Figueira & Matos, 2014; Quintana, Kegler, Santos & Lima, 2006). Estes entraves entre equipe de saúde, familiares e pacientes que estão diante da morte e/ou do processo de morrer têm desencadeado aos pacientes uma morte solitária, impedindo o diagnóstico precoce, dificultando o tratamento e, por seguinte, impedindo uma morte digna (Azeredo, Rocha, & Carvalho, 2011; Kovács, 2010; Mack, & Joffe, 2014; Novaes & Trindade, 2007).

Por ser interdita em nossa cultura, a morte é considerada como inimiga que deve ser combatida a todo custo e banida da comunicação entre as pessoas. Diante disso, muitas vezes, quando da morte de pacientes, não é permitida a expressão de dor e sentimentos do profissional, levando-o à negação da morte e também ao adoecimento, como depressão e Síndrome de Burnout (Kovács, 2010; Shanafelt & Dyrbye, 2012).

Os profissionais de saúde têm sido preparados para ter a cura como seu objetivo primordial e o ensino da Tanatologia tem muitas vezes se mostrado superficial, tornando-os incapacitados para lidar e identificar as etapas do processo de morte e morrer de pacientes, e prestar uma atuação humanizada a estes e suas famílias (Kovács, 2003; Souza, Sampaio & Freitas, 2014).

Corroborando com esta realidade, a presente pesquisa pretendeu elaborar uma revisão sistemática da literatura cujo objetivo foi identificar a existência de atitudes negativas e dificuldades na atuação de profissionais de saúde da oncologia diante da morte e/ou do processo de morrer de pacientes.

 

Método

A revisão sistemática caracteriza-se como um método de pesquisa que utiliza como fonte de dados a literatura científica sobre um determinado tema. Ou seja, fornece um resumo das investigações realizadas sobre um determinado assunto em um dado período de tempo. Desta maneira, permite uma análise sintética e crítica da temática abordada, além de possibilitar identificar resultados conflitantes, coincidentes ou falhas, ampliando a visão do pesquisador e auxiliando investigações futuras (Sampaio & Mancini, 2007).

Sendo assim, a presente pesquisa pretendeu investigar por meio de uma revisão sistemática da literatura nacional e internacional, a presença de atitudes negativas e dificuldades na atuação de profissionais de saúde da oncologia diante da terminalidade de pacientes. Para isso, objetivou-se verificar algumas hipóteses, como: a) dificuldade comunicacional entre profissionais de saúde, entre estes e pacientes e, entre esses e familiares; b) adoecimento profissional; c) necessidade de preparo teórico/prático e, d) escassez de literatura recente sobre o assunto no Brasil.

Diante disso, esta revisão sistemática da literatura foi realizada a partir de um estudo quantitativo e qualitativo, retrospectivo e documental, com publicações nos períodos de 2013 a 2017. As bases de dados utilizadas foram Web of Science, PubMed, Biblioteca Virtual de Saúde e Scielo. Os termos de busca adotados mediante a lista dos DeCS-Descritores em Ciências da Saúde foram attitude of health personnel, death, patients, neoplasms, pesquisados também em português como atitude do pessoal de saúde, morte, pacientes, neoplasias e em espanhol como actitud del personal de salud, muerte, pacientes e neoplasias.

A busca pelas referências nas bases selecionadas foi realizada no mês de julho de 2017. Os resultados obtidos foram incluídos e categorizados na ferramenta Endnote Web. A segunda etapa caracterizou-se pelo refinamento dos arquivos obtidos para que estivessem de acordo com os critérios de inclusão, sendo estes: a) publicações que tratassem da atuação de profissionais de saúde da oncologia diante da morte e/ou do processo de morrer de pacientes; b) arquivos disponibilizados completos na web; c) publicações que apresentassem dados sobre atitudes do profissional, comunicação entre profissionais de saúde, pacientes e familiares, saúde do profissional e preparo teórico/prático; d) artigos publicados a partir de 2013. Já os critérios de não inclusão e exclusão foram: a) artigos fora da temática; b) material duplicado; c) artigos que não estavam em inglês, português ou espanhol; d) livros, capítulos, dissertações, teses, monografias, comentários, críticas, manuais, resenhas, editoriais e anais de eventos.

A inclusão do material no Endnote Web possibilitou a exclusão dos artigos duplicados e, em seguida, a análise do material foi realizada na seguinte ordem: exclusão de publicações cujo título não estivesse de acordo com os critérios de inclusão e exclusão após a leitura de resumos, que também não estavam relacionados ou eram inexistentes, busca pelos artigos na íntegra e leitura completa das publicações encontradas, a fim de perceber se ainda existia algum material que estivesse em desacordo com os critérios de inclusão. Por fim, catalogou-se a amostra de 24 artigos.

A amostra foi submetida a uma análise por meio de categorias, como: a) ano de publicação, b) autoria, c) país em que a pesquisa foi realizada, d) amostra, e) metodologia utilizada, f) revista em que a pesquisa foi publicada, g) existência ou não de algum tipo de intervenção, h) instrumentos utilizados, i) presença de atitudes negativas, j) dificuldade de comunicação entre profissionais, entre estes e pacientes e, entre esses e familiares, l) adoecimento profissional, m) necessidade de preparo teórico/prático. Os dados obtidos nessas categorias foram analisados por meio de estatística descritiva e análise de conteúdo de Bardin (2016).

 

Resultados e Discussão

Inicialmente foram obtidas 179 referências nas bases de dados utilizadas. Após o refinamento inicial para encontrar o material duplicado, foram excluídas 67 publicações. Em seguida, 46 artigos foram descartados segundo o título, tendo em vista que não estavam consonantes com os critérios de inclusão. Posteriormente 14 publicações foram removidas depois da leitura atenta dos resumos, totalizando 52 artigos. Após a busca desse material na íntegra não foi possível acessar 26 publicações, devido aos custos. Logo depois, houve uma queda de dois artigos seguidamente da leitura completa dos mesmos, pois não se enquadravam nos critérios de exclusão. Desta forma, foi obtido um total de 24 artigos para análise criteriosa.

 

 

Conforme retratado na Tabela 1, na amostra final obtida, 20,83% das pesquisas foram realizadas nos EUA. Em seguida, aparece o Japão, com 16,67% e a Suécia na terceira posição, com 12,50%. Posteriormente, países como Austrália, Brasil, Espanha e Turquia encontram-se com apenas duas publicações cada (8,33%). Por fim, com apenas uma publicação cada (4,17%), os países Coreia, China, Alemanha e Tailândia.

 

 

Frente a isso, a presente investigação evidenciou a carência de pesquisas no cenário brasileiro, representando apenas 8,33% das publicações e ocupando a quarta colocação, juntamente com Austrália, Espanha e Turquia. Em comparação, o país que mostrou maior representatividade foi os EUA, responsável por 20,83% das publicações. Desta maneira, diante da disparidade observada nota-se a importância de investimento em mais pesquisas brasileiras acerca da temática. Apesar disso, a revisão integrativa da literatura acerca da atitude frente à morte por enfermeiros e estudantes de enfermagem realizada por Santos e Hormanez (2013) evidenciou predomínio de artigos publicados em periódicos brasileiros. Tal discrepância pode ser devido à escolha dos descritores, sendo eles "nurses" e "attitude to death". Desta forma, a revisão da literatura de Santos e Hormanez (2013) incluiu textos além da oncologia, ou seja, o recorte temático da pesquisa dos autores foi mais abrangente.

Especificamente em relação ao ano de publicação dos artigos, 2013 caracterizou-se como o ano em que mais pesquisadores publicaram sobre o assunto, com sete publicações (29,17%). Já em 2017, esse índice caiu para uma (4,17%), conforme indicado na Tabela 2. No entanto, os artigos desta revisão foram recolhidos em julho de 2017, data em que a investigação teve início. Sendo assim, há que considerar a possibilidade de artigos publicados nos meses subsequentes. Apesar disso, esperava-se um crescimento nos índices de publicação com o decorrer dos anos, fato que não foi confirmado.

 

 

No tocante a autoria dos artigos, apenas uma se repetiu dentre as 24 publicações e 87,5% do material encontrado, foi de autoria múltipla. Em relação às revistas nas quais os artigos foram publicados encontrou-se um total de 21 revistas diferentes. Dentre os periódicos que obtiveram os maiores números de publicação foram: "European Journal of Oncology Nursing", com 12,5% e "Journal of Clinical Oncology", com 8,33%. A amostra estudada, pelos artigos encontrados, foi heterogênea, composta em sua maioria por enfermeiros e médicos, revelando poucos estudos que contemplem toda a equipe de profissionais de saúde atuantes na oncologia. Frente a isso, utilizou-se a Análise de Conteúdo a fim de identificar a incidência de determinados tipos de objetos de estudo (Bardin, 2016). Desta forma, como indica a Tabela 3, observou-se que 20 (57,14%) das pesquisas foram feitas com profissionais de saúde (12 (42,85%) com enfermeiros, 11 (39,28%) com médicos, três (10,71%) com a equipe multidisciplinar e, um respectivamente cada (3,57%) com técnicos de enfermagem e odontólogos), sete (20%) com pacientes, três (8,57%) com familiares e, cinco (14,28%) foram enquadrados na categoria "outros".

 

 

Além disso, observou-se a ausência de artigos que investigaram o papel da psicologia e/ou do psicólogo nesse contexto. Na contramão do encontrado, a atuação do psicólogo em situações de terminalidade seja com os profissionais, pacientes e/ou familiares é de extrema importância, pois é prudente que exista um suporte psicológico em um momento difícil como este, seja por meio de supervisões, grupos organizados pelas instituições ou apoio psicoterapêutico individual, para que tenham a oportunidade de trabalhar suas angústias e as emoções (Ferreira, Lira, Siqueira & Queiroz, 2013; Mendes, Lustosa & Andrade, 2009). Ainda, a importância do apoio psicológico à equipe é percebida tendo em vista que 25% dos estudos revelaram a prevalência de comprometimentos da saúde mental do profissional.

Especificamente em relação ao delineamento dos estudos, 22 (91,67%) foram transversais e dois (8,33%) de texto teórico. Sendo assim, os estudos transversais foram quase totalidade da amostra analisada. Tal resultado encontrado pode ser devido ao fato de que estudos deste tipo de delineamento requerem um custo mais baixo, rapidez, facilidade e objetividade, pois a informação é obtida em um dado período de tempo (Denzin & Lincoln, 2006).

No que concerne à metodologia utilizada pelos autores, o uso dos métodos qualitativos foi predominante, representando 58,33% da amostra. Em seguida, emergiram 25% referentes à metodologia mista (qualitativas e quantitativas). E, por fim, a metodologia quantitativa e os textos teóricos, com apenas 8,33% cada. Desta maneira, é possível identificar uma lacuna referente às pesquisas quantitativas, reforçando a importância de investimento neste formato de investigação. Outro fator evidenciado pela revisão sistemática foi que apenas um dos artigos realizou algum tipo de intervenção com a amostra que estava estudando. Quanto aos instrumentos utilizados na coleta dos dados nas pesquisas, como observa-se na Tabela 4, optou-se pela Análise de Conteúdo de Bardin (2016) para identificá-los. Constatou-se que 14 (45,17%) fizeram uso de entrevistas, nove (29,03%) de questionários, seis (19,35%) de escalas e dois (6,45%) foram textos teóricos.

 

 

Em referência às dificuldades na comunicação 45,83% apresentaram tais dados, sendo esses: entre os próprios profissionais, entre estes e pacientes e/ou entre esses e familiares. De acordo com Pfeil, Laryionava, Theil, Hiddemann e Winklerb (2015) segundo relato de enfermeiras, alguns médicos não conseguem abordar a deterioração dos pacientes. Estabelecem uma comunicação ambígua e parte das vezes enganosa. Observa-se que há um papel passivo por parte dos médicos. Muitos não se consideram obrigados a preparar o paciente para seus últimos dias de vida. Esperam que os pacientes iniciem alguma discussão sobre seu prognóstico ou ainda, até que a situação destes se deteriore mais.

Além disso, os textos revelam a necessidade de preparo teórico/prático, identificado em 41,66% das publicações. Já a respeito do adoecimento profissional, 25% dos artigos mencionaram algum tipo de comprometimento da saúde do profissional, entre os quais: Síndrome de Burnout, depressão, estresse, exaustão emocional e sofrimento mental. Segundo Kav, Citack, Akman e Erdemir (2013), alguns estudantes de enfermagem alegaram sentirem depressivos ao cuidarem de pacientes com câncer, apresentando dificuldades emocionais neste tipo de atuação. Tal achado evidencia a necessidade de desenvolvimento de estudos com intervenção nestas temáticas específicas, a fim de desenvolver o aperfeiçoamento da prática e a promoção da saúde desses profissionais (Dong, et al., 2015; Kav, et al., 2013). Entretanto, apesar dos artigos identificarem essa falta de preparo, foi observado apenas um artigo acerca de uma proposta de intervenção. Neste sentido, vale ainda ressaltar a diminuição das publicações após 2013. Apesar da clara dificuldade perante a atuação da equipe de saúde e do relato de falhas na formação acadêmica desses profissionais, ainda há escassez de material disponível para instrução (Ferreira et al., 2013; Santos & Hormanez, 2013).

Por fim, no que concerne à existência de atitudes negativas, referencias foram encontradas ao longo da leitura completa das publicações, dentre as quais: atitudes de defesa, distanciamento, ambivalente e de negação. Alguns profissionais relataram medo de estarem presentes e de se aproximarem dos pacientes que estão diante do morrer, hesitando no contato e distanciando-se deles (Browall, Henoch, Johansson, Strang, & Danielson, 2014; Henoch, Danielson, Strang, Browall , & Melin-Johansson, 2013; Pfeil, et al., 2015; Silva, Issi, Motta, & Botene 2015). Assim, confirmando-se a hipótese de que é possível identificar atitudes negativas no contexto desta prática profissional. Além disso, a leitura na íntegra permitiu perceber que a forma de agir dos profissionais de saúde da oncologia diante da morte e/ou do processo de morrer de pacientes é influenciada pelas informações e crenças que eles possuem sobre a morte, bem como pelas reações emocionais que a morte os faz experimentar, reconduzindo-os a atitudes positivas (aproximação) ou negativas (distanciamento) diante do paciente.

Corroborando com tal achado, atualmente grande parte de estudiosos concebem as atitudes como construções baseadas em mais de um componente (Eagly & Chaiken, 1993; Rosenberg & Hovland, 1960). Esta concepção define as atitudes como a avaliação global de um objeto, derivada de três fontes de informação: comportamentais, respostas afetivas e cognitivas. Estes três componentes referem-se ao modelo tridimensional das atitudes, utilizado hoje por muitos pesquisadores. O mesmo sustenta que as atitudes são uma construção psicológica construída pelas três fontes de informação acima citadas, onde o componente comportamental refere-se às ações de aproximação ou esquiva a propósito de um objeto, o componente cognitivo concerne às informações e às crenças que os indivíduos possuem a respeito do objeto para o qual se dirige a atitude e, o componente afetivo, que diz respeito à reação emotiva que o objeto suscita, envolvendo-se aqui, as emoções e os sentimentos (Rosenberg & Hovland, 1960).

 

Considerações Finais

Diante dos dados obtidos nessa pesquisa, foi possível identificar a existência de atitudes negativas e dificuldades na atuação de profissionais de saúde da oncologia diante da morte e/ou do processo de morrer de pacientes. De modo específico, notou-se dificuldade de comunicação entre os próprios profissionais, entre estes e pacientes e entre esses e familiares, bem como o adoecimento profissional e a necessidade de preparo teórico/prático acerca deste tipo de atuação. Na revisão da literatura elaborada por Coutinho e Costa Junior (2014) foi observada que a alternativa mais utilizada para reduzir essas dificuldades foi de investigar os efeitos de programas de treinamento que objetivavam facilitar o processo de comunicação médico-paciente em situação de más notícias. Diante do encontrado, os autores reconhecem a carência e a necessidade de mais estudos de intervenção, com rigor metodológico que permitam o desenvolvimento de conhecimento baseado em evidências, bem como a utilização de metodologias de pesquisa combinadas que possibilitem uma compreensão mais ampliada e uma análise mais completa do fenômeno (Coutinho & Costa Junior, 2014).

Ainda no que se refere ao despreparo da equipe que trabalha em Oncologia para o enfrentamento de situações difíceis, é reconhecido que essa falta de preparo acaba por interferir nas relações terapêuticas e, por consequência, no cuidado com os pacientes (Rennó & Campos, 2014). A dificuldade no relacionamento com os pacientes, muitas vezes, produz manifestações somáticas e/ou psicológicas no profissional, podendo gerar uma angústia constante que, por sua vez, seria mais um dificultador na atuação. A alternativa apresentada por Quintada, Kegler, Santos e Lima (2006) é de criar espaços que possibilitem a elaboração dessa angústia, possibilitando a identificação e o entendimento de suas atitudes e crenças e, assim, construir técnicas que lhe ofereçam um manejo adequado com esses pacientes.

Nesse sentido, a ciência psicológica como área de estudo da saúde, do comportamento e das relações humanas, tem muito a contribuir no aprimoramento e no desenvolvimento de abordagens metodológicas para construção de intervenções no contexto de comunicação de más notícias, bem como a criação de espaços para reflexão e entendimento das dificuldades frente à atuação e das emoções suscitadas na equipe de saúde (Coutinho & Costa Junior, 2014; Ferreira, Lira, Siqueira & Queiroz, 2013; Mendes, Lustosa & Andrade, 2009, Quintana, Kegler, Santos & Lima, 2006).

Além disso, a pesquisa revelou poucas investigações científicas no contexto brasileiro, o que justifica a importância do estudo dessa temática. A possibilidade de realizar estudos sobre a existência de atitudes negativas e dificuldades na atuação em profissionais de saúde da oncologia favorece o conhecimento das atitudes de profissionais de saúde diante da morte de pacientes. Desta forma, possibilita que futuras intervenções possam ser traçadas, direcionadas ao desenvolvimento de habilidades específicas com foco no melhor enfrentamento da terminalidade de pacientes, bem como, a oferta de medidas preventivas e promotoras acerca da saúde do profissional da oncologia no país.

 

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Agência de Fomento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

 

 

1 Universidade Federal de Juiz de Fora- Juiz de Fora/MG. Psicóloga e mestranda no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Contato: lucianapsi2012@gmail.com.
2 Universidade Federal de Juiz de Fora- Juiz de Fora/MG. Psicóloga e doutoranda no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Contato: laislagecarvalho@gmail.com.
3 Universidade Federal de Juiz de Fora- Juiz de Fora/MG. Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora e Docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia - UFJF e da Residência Multiprofissional em Saúde do Adulto do HU-CAS-UFJF. Contato: fabpsic@yahoo.com.br.

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