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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.22 no.spe São Paulo  2019

 

EDITORIAL

 

Psicanálise E Hospital Hoje

 

 

Prezadas leitoras e leitores,

A articulação entre psicanálise e hospital pode ser representada pelas nuances da conjunção "e" que, ao ligar os substantivos, estabelece relações de adição, oposição, consequência e inclusão. Não se trata apenas de uma relação em que impera a adição na qual se envolveriam a psicanálise e o hospital em uma conjuntura colaborativa e sem atritos.

A permanência de tal relação como questão apoia-se no reconhecimento do precário e do perecível como ponto mesmo de seu relançamento. A duração da questão sobre a psicanálise e o hospital se pauta na problemática do lugar do psicanalista. A efemeridade e a impermanência deste lugar não o firma como uma certeza ou um dado. Sendo assim, a psicanálise nunca estará no hospital de um modo definitivo, o que a convoca a um retorno sobre a experiência.

Propomos "Psicanálise E Hospital Hoje" como o primeiro Número Especial da Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar para reavivar as interrogações que usualmente perpassam essa articulação e extrair da experiência os novos problemas que a incidência do discurso gera.

Abrindo nosso Número Especial, duas ênfases fundamentais à conjunção que orienta e anima os trabalhos que se seguem: em "Psicanálise e hospital: uma prática rigorosa" (Alberti) compreende-se que a psicanálise no hospital está na contramão das tentativas de driblar o mal-estar na clínica. A sustentação do real para todo e qualquer sujeito ali presente exige uma tomada de posição diante tanto do discurso médico, quanto o científico e até mesmo o dos saberes psi. Alberti propõe que não se pode abrir mão da exigência de um rigor não apenas clínico, mas também teórico, ao afirmar o avanço nesse campo tanto com pesquisas quanto com o incremento da clínica. Já em "Psicanálise e hospital hoje: o lugar do psicanalista" (Moretto) parte-se do princípio de que a definição do caráter analítico de uma prática não coincide com o lugar onde ela se realiza, mas é o lugar de onde o operador da Psicanálise faz ato. Moretto indica que quando se propõe Psicanálise e Hospital, fala-se do lugar do psicanalista. Assim, se há efeitos da psicanálise nas instituições de saúde é porque eles evidenciam que o potencial transformador da presença do psicanalista no referido campo não fica sem consequências quando da sua interlocução com os demais campos de saber.

Em "A escuta do paciente em cuidados ao fim de vida – entre a ética biomédica e a ética do sujeito" (Lamare, Castro-Arantes & Lo Bianco), as autoras abordam o papel do profissional de saúde diante dos pacientes sob cuidados paliativos oncológicos. Uma visão protocolar é revisada e procura-se analisar questões como o grau de mediação da equipe de saúde nas internações hospitalares e o lugar da escuta das singularidades de cada caso. O artigo traça linhas de conduta introduzidas e mantidas pela equipe de saúde, fornecendo condições para que o sujeito possa tomar um lugar na própria vida. Também impulsionado por uma ética, o manuscrito "Psicanálise no hospital?" (Schneider) é uma questão trabalhada em duas partes: por uma discussão sobre o exercício da psicanálise na instituição hospitalar, partindo da constatação de que tal prática ainda convoca fortes interrogações sobre sua viabilidade nesse contexto; a segunda parte apresenta a fundamentação e articulação das linhas diretivas da medicina e da psicanálise. Schneider problematiza proposições sobre a impossibilidade da psicanálise no hospital e as consequências dessa premissa desde a qual se desenvolvem as perspectivas de um trabalho de escuta clínica orientado em direção ao impossível. Já "A clínica e a pesquisa psicanalítica no hospital universitário" (Santos) oferece a pesquisa como uma via de sustentação ética. Segundo o autor, o exercício da clínica psicanalítica no hospital permite afirmar que se trata de um locus para o convite à fala. Discutem-se as especificidades da prática psicanalítica em Hospital Escola e enfatiza a ética da psicanálise de orientação lacaniana na clínica e na pesquisa atualmente. Ao localizar o grande desafio do psicanalista que atua em instituições marcadas pela articulação do discurso da ciência com o discurso capitalista, Santos destaca que a psicanálise nesse contexto pode produzir pesquisas contundentes.

Em "Reflexões sobre a clínica psicanalítica em um ambulatório de especialidades médicas" (Rua) são abordadas as particularidades de uma prática orientada pela psicanálise no ambulatório de um hospital público. O percurso apresentado traz alguns elementos para uma reflexão a respeito das possibilidades do trabalho analítico no contexto do referido ambulatório. Também orientado por um questionamento sobre a prática, "A psicanálise está em toda parte, e os psicanalistas, em outro lugar" (Swinerd) é em um relato de experiência sobre a prática psicanalítica em um hospital, em sua relação com a medicina, tendo como eixo a pergunta sobre o que é um psicanalista no hospital. O que permite dizer que há um psicanalista em uma equipe multidisciplinar e o que pode um psicanalista operar com seu ato?

Alguns desdobramentos sobre a prática orientada pela psicanálise são possíveis quando se consideram contextos diversos e equipes de saúde. Sobre a prática orientada poder ser discutida em contextos específicos: em "Prática psicanalítica em enfermaria de pediatria: possibilidades, desafios" (Albuquerque) são problematizadas algumas possibilidades e desafios do trabalho do psicanalista numa enfermaria de pediatria de um hospital universitário; já "Atendimento psicológico durante o pré-natal de risco: ameaça de aborto e hospitalização prolongada" (Aguiar & Bodanese) demonstra a importância do acompanhamento psicológico durante a hospitalização prolongada devido à gestação de risco. Quanto às articulações da prática orientada pela psicanalise e as equipes de saúde: "Contribuições da psicanálise à medicina: grupo com residentes em um programa de cancerologia clínica" (Fagundes Netto & Kernkraut) traz a atuação em uma unidade de internação oncológica e os impasses da equipe médica do programa de residência em cancerologia clínica. A proposta de um grupo como um espaço de elaboração para tais questões foi a estratégia de intervenção que permitiu não apenas uma minimização do sofrimento dos residentes, mas também efeitos em sua formação; por sua vez, "Psicanálise aplicada com profissionais em uma instituição hospitalar: os afetos e a dimensão real do Outro" (Oliveira, Santos, Dias & Carvalho), é reflexo de uma contemporaneidade e trata sobre o desenvolvimento de um dispositivo clínico-institucional para abordar os impasses psíquicos de colaboradores com o objetivo de elucidar e intervir em conflitos individuais e coletivos em uma instituição hospitalar.

Derivados da experiência na Residência em Psicologia Clínica Institucional do Instituto de Psicologia da UERJ, os seguintes trabalhos destacam a especificidade da atuação em setores diversificados e proporcionam aos leitores reflexões a respeito da psicanálise na formação clínica de pesquisadores: "A escuta psicanalítica no núcleo perinatal: o processo de ser mãe como uma construção" (Guggenheim, Guimarães & Pinheiro) destaca o lugar da psicanálise em uma enfermaria de gestantes de alto risco e aponta o quanto a experiência da maternidade se coloca de forma singular para cada mulher. "Hospital e psicanálise: a atuação do psicólogo em um ambulatório de Pediatria" (Wendling, Santos, Silva & Moreira) discute a atuação do psicólogo residente que, orientado pela teoria psicanalítica, exerce sua prática no ambulatório de pediatria de um hospital universitário. "Considerações sobre a prática clínica em uma enfermaria de psiquiatria" (Vorsatz, Corcos & Mathias) problematiza questões que caracterizam as práticas clínicas institucionais tendo em vista a inserção dos residentes no dispositivo assistencial, cuja atuação é orientada pela psicanálise, em uma setor de psiquiatria. Por fim, "Psicanálise e hospital universitário hoje" (Castilho & Fidelis) aborda questões em torno da inserção da Psicanálise em um ambulatório e debate a relação com a equipe de saúde e supervisão clínica e institucional junto a residentes de psicologia.

Fechando o Número Especial e relançando a conjunção entre psicanálise E hospital ao âmbito dos debates entre ciência e política: "Psicanálise e prática multidisciplinar no hospital: clínica e transmissão" (Darriba) interroga a questão da transmissão no âmbito da prática do psicanalista em contexto multidisciplinar no hospital. O autor recorre ao ensino de Lacan para articular o problema a partir dos eixos que se aproximam à discussão da experiência que é enfocada: o saber, o semblante e a universalização promovidos pela ciência; por fim, "Dispositivos de eficácia: impasses para a psicanálise no hospital" (Brunhari) questiona os modelos de mensuração de eficácia que, ao indicarem as constantes estatísticas a serem constatadas em um processo de pesquisa científica, convocam a evidência de sucesso como condição indispensável. A ressonância de tais exigências de eficácia sobre a prática clínica no âmbito hospitalar é atrelada aos índices da prática assistencial como correspondentes ao que se destaca como dispositivo de eficácia.

Agradecemos aos autores que gentilmente aceitaram e se propuseram a contribuir com a composição desse Número.

Agradecemos especialmente à Presidente da SBPH, Profa. Dra. Glória Heloise Perez, aos Membros da Diretoria e da Equipe Editorial que apoiaram e permitiram essa realização.

O Número Especial da Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar "Psicanálise E Hospital Hoje" tem como homenageada a Profa. Dra. Marisa Decat de Moura que dedicou sua trajetória, de maneira ímpar, às articulações entre Psicanálise e Hospital. Seu legado é atual e fundamental.

Esperamos que a publicação desse Número relance os impasses da conjunção "e" entre psicanálise e hospital e que, por seu propósito, seja uma contribuição.

 

Cordialmente,
Marcos Vinicius Brunhari
Editor-chefe da Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar
Vinicius Anciães Darriba
Editor convidado da Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar

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