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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.22 no.spe São Paulo  2019

 

ARTIGOS

 

Psicanálise no hospital?

 

Psychoanalysis at a hospital?

 

 

Venicius Scott Schneider1

Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná CHC-UFPR, Curitiba/PR

 

 


RESUMO

O presente trabalho está composto por duas partes. A primeira apresenta uma discussão sobre o exercício da psicanálise na instituição hospitalar, partindo da constatação de que tal prática ainda convoca fortes interrogações sobre sua viabilidade nesse contexto. Especialmente tendo em vista as objeções de operar em um espaço em que a dominância discursiva estaria mais pautada no discurso universitário e do mestre, onde a demanda relativa a um trabalho psicanalítico não estaria propriamente colocada e as condições para o setting analítico estariam inviabilizadas ou pelo menos restringidas. A partir da problematização de proposições apresentadas sobre a impossibilidade da psicanálise no hospital e as consequências dessa premissa, desenvolvem-se as perspectivas de um trabalho de escuta clínica orientado em direção ao impossível. Conclui-se nessa parte do texto que o exercício desse discurso somente é viável desde um referencial ético, fundamentando-se na proposição de uma abertura visando dar lugar à manifestação da singularidade de cada um. A segunda parte apresenta a fundamentação e articulação de duas linhas diretivas: a da medicina, desde a leitura da tela "Medicina" de Klimt, e a psicanalítica, que situa o lugar da medicina a partir da perspectiva lacaniana.

Palavras-chave: psicanálise; hospital; clínica; ética; impossível.


ABSTRACT

This work is composed by two parts. The first one is a discussion about the psychoanalytic practice at hospitals, considering that this practice still raises questions regarding its viability in this context. Considering that the master's discourse and the university's discourse are predominant in the hospital, it is believed that there is a difficulty in operating the psychoanalytical discourse. Moreover, it is said that there is not a demand towards the psychoanalytical work in a way that the conditions for the analytical setting are unfeasible or at least restricted. Starting with the propositions presented about the impossibility of psychoanalysis at a hospital and the consequences of this premise, the perspectives of a work with clinical listening in the direction of the impossible are developed. In this part of the work it is concluded that the operation of this discourse is only possible from an ethical perspective, which is based on a premise of an openness to make way for each one's singularity. The second part of the work presents the fundamentals and articulations of two lines of work: medicine, read accordingly to the painting of Klimt called "Medicine", and the psychoanalytical, that places medicine in accordance with a Lacanian perspective.

Keywords: psychoanalysis; hospital; clinic; ethics; impossible.


 

 

Scriptum

Abordar o tema da impossibilidade do exercício da psicanálise em uma instituição, mais especificamente, a hospitalar, torna-se importante na medida em que ainda são suscitadas fortes interrogações sobre sua viabilidade. Especialmente tendo em vista as objeções de operar em um espaço em que a dominância dos fundamentos de entendimento estariam mais pautados no discurso universitário e do mestre,no qual a demanda relativa a um trabalho psicanalítico não estaria propriamente colocada e em que as condições para o setting analítico ficariam inviabilizadas ou pelo menos restringidas.

Tal interrogação foi levantada recentemente em um grupo de estudos que tem vigência em um hospital sob a responsabilidade do presente autor, cuja temática principal visa estudaras limitações e possibilidades da práxis da clínica psicanalítica no hospital. Evidentemente, faz-se necessário colocar todas as reservas quanto ao que foi efetivamente dito por aquele que levantou a questão que foi apresentada no grupo, pois trazia o seu entendimento do que escutou da fala de uma pessoa que se apresentou como psicanalista em um outro contexto. Entretanto, tal questão serve, muito mais do que para responder ao nosso suposto interlocutor, para produzir em nós mesmos uma reflexão sobre o afazer de cada um nesse campo, como será desenvolvido na sequência.

Eis a suposta afirmação e a argumentação do nosso interlocutor imaginário, e que serão tomadas como fidedignas: "A psicanálise no hospital é impossível. O que é possível é uma escuta com o referencial psicanalítico. Apesar de ter conhecimento de opiniões divergentes de colegas, eles teriam que se esforçar muito para me convencer do contrário. O trabalho do psicanalista no hospital está mais voltado para viabilizar uma passagem pela internação na qual as manifestações de angústia seriam amenizadas, as situações de luto relativo ao adoecer, elaboradas, de forma que as intervenções médicas ficariam facilitadas, permitindo que o processo da internação siga um fluxo melhor ou, pelo menos, normal, sem maiores intercorrências."

O que responder diante de tal proposição? Pausa: Mas você não disse que não se tratava de responder ao suposto interlocutor? ...Flagrado com as calças na mão!!!???... Bem, o fato é que se trata de elucidar o que está em jogo em tal pergunta e suas ressonâncias no efetivo participante do grupo e, principalmente, para o que nos interessa aqui, em minha própria concepção sobre o trabalho. Pois, o modo como cada um entende o trabalho, concerne-o de maneira específica e especificável, apesar de nem sempre estar fundamentada, estabelecendo os parâmetros que direcionam seu modo de intervir e seu entendimento do que se pode esperar de tal trabalho.

Mesmo sem saber sobre as referências teóricas e práticas do nosso interlocutor imaginário poderíamos inicialmente apresentar nosso acordo em relação à assertiva relativa à impossibilidade do exercício da psicanálise no hospital, já que ela é freudiana. Pode-se situá-la na afirmativa que consta no escrito de Freud sobre a "Análise terminável e interminável" (1937/1975), onde se apresenta a ideia de que o psicanalisar, conjuntamente com o governar e o educar são profissões impossíveis. Desde essa perspectiva a afirmação de que a psicanálise não é possível no hospital poderia ser restringida ao não ser possível e ponto, logo, no complemento, ou seja, no hospital, também não seria possível.

O que nos leva à segunda frase: O que é possível é uma escuta com um referencial psicanalítico. Consequência lógica da primeira afirmativa. Pois, se a psicanálise não pode ser exercida como tal por se dar num hospital, somente teríamos derivados devido a adaptações e, por isso mesmo, ela não seria exercida em sua pureza, em virtude da necessidade do uso dos recursos disponíveis pela técnica da sugestão. Proposta que pode encontrar seus fundamentos no texto de Freud, "Linhas de progresso na terapia psicanalítica" (1919/1975), no qual ele defende a proposta de que a psicanálise, para ser exercida nas instituições, precisaria misturar a pureza de seu ouro ao cobre da sugestão. Principalmente devido à limitação implicada no tempo necessário a um tratamento psicanalítico em toda a sua extensão. Assim, onde a pureza deveria ser separada da impureza, o limpo do sujo, para assegurar o ideal da assepsia, com a proposta da escuta com orientação psicanalítica, constitui-se um espaço de permissão para a mistura, justificada pela inclusão do conceito de tempo. Desse modo estaríamos desculpados dessa "heresia" de conspurcar o ouro psicanalítico com o cobre da sugestão, pois, mesmo sabendo que estamos um pouco sujos, estamos nos apoiando na palavra do mestre, tendo assim o seu suposto aval. Visão geral do quadro da psicanálise no hospital: pobrinha, sujinha, mas comportada!!!! Pois seu valor decaiu do ouro ao cobre, conspurcou-se com a mistura da transferência com a sugestão e adaptou-se às circunstâncias adversas, fundamentando-se supostamente na palavra do pai... Temos então um lugar de possibilidade limitado pelos fatores de tempo, dinheiro, transferência, interpretação, ausência de divã, entre outros, que no consultório particular podem ser considerados em sua pureza, resultando a conclusão de que ali sim, efetivamente a psicanálise é possível.

A terceira frase, "apesar de ter conhecimento de opiniões divergentes de colegas, eles teriam que se esforçar muito para me convencer do contrário.", é impagável! Pois nos remete à proposta psicanalítica no que concerne ao modo como concebe o tema da demanda, que permite indagar sobre o motivo pelo qual alguém solicitaria a um outro, cujo modo de entendimento diverge do seu próprio, para ser convencido do que ele pensa. Ora, por acaso não estaria eu tão convicto do que eu mesmo penso? Para não demonstrar má vontade, pode-se considerar que a forma de exposição poderia fazer referência aos recursos da retórica de modo a aliviar a relação com o outro ao não colocar o opositor como um completa e decididamente equivocado, situando-se como alguém com abertura para o diverso. Para o que nos importa, a referência ao outro marca o que é próprio da estrutura, cuja lógica estabelece que, ao fixá-lo em um ponto qualquer, tem-se como retorno o lugar que se ocupa. Assim, não se trata, quando se está efetivamente imerso na situação que chamaremos de clínica, das referências teóricas divergentes ou convergentes, mas do que "de fato" se faz diante dela, nesses momentos em que se apresenta a hora da verdade. Aqui aparece, sem maquiagem, o osso do trabalho e nossa relação a ele. Como pode ser ilustrado na referência a uma história narrada sobre um famoso sufi chamado Mulá Nasrudin (Shah, 2011):

Nasrudin algumas vezes levava pessoas para viajar no seu barco. Um dia, um pedagogo melindroso o contratou para atravessar um rio muito largo. Assim que embarcaram, o erudito perguntou se a travessia seria turbulenta. "Não me pergunta nada disso", falou Nasrudin."Você nunca estudou gramática?" "Não", respondeu o Mulá. "Nesse caso, metade da sua vida foi desperdiçada." O Mulá não disse nada. Logo, uma terrível tempestade desabou. O barquinho frágil e descontrolado do Mulá começou a se encher de água. Ele se virou para o companheiro e perguntou: "Você alguma vez aprendeu a nadar?" "Não", respondeu o pedante. "Nesse caso, professor, TODA a sua vida está perdida, pois estamos afundando."

Marcadas as devidas proporções, não é propriamente infrequente que nos encontremos na situação do professor, fazendo uma travessia, munidos de um saber que enfeita as bibliotecas, mas sem a operatividade necessária na hora do encontro.Momento em que costumamos vislumbrar o lugar em que nos situamos em nossa práxis, geralmente desencadeador de angústia, produtor de solicitação de sessões extras de análise e/ou buscas eventuais de uma supervisão, principalmente para aqueles que não a tem como uma desejável prática contínua.

O lugar que se ocupa na clínica está marcado, a cada momento, pelo modo como se concebe aquilo que se faz, saiba-se disso ou não. Afirmativa que fica elucidada com a retomada da quarta parte do discurso do nosso psicanalista imaginário. Relembremos: o trabalho do psicanalista no hospital estaria voltado para viabilizar uma passagem pela internação na qual as manifestações de angústia seriam amenizadas, as situações de luto relativo ao adoecer, elaboradas, de forma que as intervenções médicas ficariam facilitadas, permitindo que a alta siga um fluxo melhor ou, pelo menos, normal, sem maiores intercorrências. Quem poderia se opor a um discurso como esse? Afinal, quem trabalha com psicanálise seria um grande estraga prazeres que quer ver o circo pegar fogo, mais do que desfrutar do espetáculo? Certamente que não. O problema está colocado em outra dimensão, a saber: será que o paciente foi comunicado sobre o que deve fazer na encenação do espetáculo? E mais, caso informado, será que está de acordo? O que a clínica nos oportuniza verificar é que os pacientes podem ter um modo de entender bastante diferente do estabelecido pelo autor da peça, e que, quando ocorre, costuma estragar o espetáculo esperado. Nesses momentos em que o script da peça não é seguido, como operar? Eis que surge a dimensão da ética! Aqui, preto no branco, poderemos visualizar com clareza o modo de entendimento de cada um na função que pretende realizar.

Nesses momentos, o recurso ao mestre fica bastante avariado, pois a pergunta sobre o que ele faria, realizada para que o próprio afazer tenha um balizamento para estar de acordo com o que é supostamente certo, visando estar em congruência com ele, pelo menos nesse ponto, carece de uma resposta. Diante da emergência dessa inconsistência, como é que cada um opera? Antes, como um adendo, no sentido de precisar tais emergências, vale ressaltar que o fenômeno descrito não é de ocorrência rara, faz parte de nosso cotidiano. Normalmente sua aparição é produtora de angústia, que gera um movimento imediato no sentido de eliminá-la, recorrendo para tanto à elaboração dos mais variados tipos de respostas. O modo como estas respostas serão formuladas darão os índices de como cada um tratará com o surgimento da angústia diante desse pequeno furo no saber. No texto "A direção do tratamento e os princípios de seu poder", Lacan (1958/1998) estabelece as diretrizes que permitem diferenciar o trabalho propriamente analítico do de um exercício de poder que se torna o operador a partir da impotência do praticante em sustentar o estatuto do discurso analítico. Sendo a recorrência às respostas que marcam a impotência o recurso mais comum.

Aqui, na sequência do desenvolvimento da quarta proposição, é possível verificar a posição ocupada por aquele que faz a proposta, que reside na antecipação de um saber que aliena o sujeito de sua própria palavra, na medida em que pressupõe um mal estar, seja ele relativo a angústia ou a perda, por não partir dos pressupostos fundamentais da clínica psicanalítica. Há uma sobreposição da perspectiva do bem-estar e da adaptação que apaga o que aquele que tem algo a falar, diga. Pois, o estabelecimento de qualquer ideal vem marcar um impedimento para que a escuta possa dar lugar a fala de modo a permitir a emergência do sujeito do inconsciente. Nesse caso, a expectativa do aparecimento da angústia pressupõe uma manifestação que não necessariamente acontece no trabalho, valendo o mesmo raciocínio para a esperada perda. Operando como defesa ante o que pode surgir de uma fala que efetivamente inclua a dimensão do sujeito, que somente advirá a partir de uma escuta psicanalítica, realiza-se o seu apagamento. Efeito produzido pela tomada moral do que se considera como o bem para o outro, mais do que a dimensão ética, que vem pela oferta de uma abertura dar lugar à manifestação da singularidade de cada um, ressalte-se, no um a um, a cada vez.

Nessa quarta frase se apresenta de modo inequívoco uma proposta de trabalho como uma tentativa de adaptação do paciente hospitalar ao discurso médico. Note-se que uso o termo 'paciente hospitalar', pois o discurso está orientado para uma escuta que privilegia um fim que caracteriza o sujeito a quem se dirige, tendo em vista o suposto bem do paciente, que deveria estar adaptado ao meio no qual está inserido, tendo como retorno o ser bem visto pelo Outro da instituição, ao ter realizado bem o seu trabalho. Constata-se que para realizar tal tarefa (ressalte-se que parto do pressuposto nos casos em que ela é bem-sucedida) houve a necessidade do recurso ao convencimento, por partir da premissa adaptativa, pois, ao visar um fim desde a perspectiva do bem, acaba-se por se situar em um lugar de mestria. Mas não só, pois o agir visando o bem também levanta uma questão relativa ao bem de quem? E certamente a demanda de reconhecimento de um lugar de valor ao profissional envolvido não deixa de entrar na equação. Aqui, novamente, nenhum problema em querer realizar um bom trabalho e ser reconhecido por isso. O problema que se coloca é que quando são esses pontos que estão norteando a escuta não há lugar para a escuta do sujeito do inconsciente. Mais precisamente, no ponto em que a contratransferência obturou a abertura operada pela escuta, o desejo do analista deixa de ser operativo dando lugar para a condução da consciência, cuja falha, que certamente ocorre, quando se dá,será inevitavelmente colocada sob a responsabilidade do paciente sob a denominação de sujeito impossível ou do profissional impotente.

Tanto no primeiro caso como no segundo, pode ser que surja o afeto da vergonha no infortunado analista. Podendo ser atribuída ao sujeito que deixou de ser paciente hospitalar, na medida em que ao não se adaptar às regras prescritas, certamente seria um mau paciente, sem vergonha de expor uma limitação às boas intenções do nosso colega, constatação que visaria isentá-lo de qualquer responsabilidade. Ou, do lado do praticante, pois não se cumpriram as exigências do que se supõe que o Outro esperava, colocando o nosso virtuoso praticante abaixo do nível que considerava estar, podendo eventualmente avaliar que sua limitação ocorreu pela falta de um saber passível de ser encontrado nos livros ou na própria análise, marcando o desvio ou a direção. Destaco o afeto da vergonha por seu aparecimento ser um indicativo que o lugar de autorização do trabalho analítico não se operou, pois o recurso ao bem-dizer o mal-dito foi restringido pela impotência do praticante.

Retomando, é somente ao manter uma postura ética orientada em direção ao impossível que o discurso psicanalítico tem uma chance de operar desde uma perspectiva que não rebaixe o trabalho a uma técnica adaptativa, situando sua existência numa dimensão de espaço físico que seria o critério de sua possibilidade. A psicanálise somente precisa ser adaptada quando operada desde uma modalidade de saber que visa apagar a dimensão da emergência do real da clínica, visto que gera angústia, cuja escuta, ao dar lugar a dimensão do dito, permite a construção de um espaço no qual o sujeito do inconsciente tenha voz no dizer.

Logo, ao considerar a questão do lugar do exercício da psicanálise é preciso reformular a limitação devido a um espaço físico tendo em vista uma outra perspectiva, ou melhor, o lugar de partida da psicanálise é o do dito, desde o qual será possível situar um dizer. Desse modo, torna-se viável a construção de um espaço da palavra, que está além da limitação instituída pelo espaço físico, já que seu material de construção são fala e a linguagem, função e campo cujo funcionamento permitirá situar o sujeito do inconsciente em suas mais variadas relações com seu objeto, cuja ex-sistência dará a direção ao impossível da clínica psicanalítica, inclusive no hospital, onde seu exercício se dá em sua integralidade, justamente por estar marcada pelo limite do impossível.

 

Post Scriptum

Na elaboração do pós-escrito, optou-se por manter o escrito tal como foi produzido originalmente para a apresentação oral no Colóquio Psicanálise e Hospital Hoje, e acrescentar um post scriptum com o intuito de situar o escrito a partir das duas linhas diretivas estabelecidas na proposta do Colóquio, ou seja, a da psicanálise e o da medicina, que orientaram as variadas produções apresentadas compondo uma certa convergência, apesar da diversidade.

A primeira seria a caracterização da medicina desde a leitura da imagem recortada da tela de Klimt, seguida pelos fios norteadores da fundamentação psicanalítica a partir da perspectiva lacaniana dada pelo texto "O lugar da psicanálise na medicina" (2001), alinhavadas com a conjunção "e", a qual é ressaltada na proposta geral do Colóquio em suas nuances, como o elemento que marca os limites e alcances das relações entre psicanálise e medicina na atualidade.

A imagem da Medicina

Durante o Colóquio não foi destacado de modo mais detido o motivo da escolha da tela do pintor austríaco Gustav Klimt, utilizada para ilustrar o cartaz de divulgação do evento. Certamente a escolha não se deu de forma aleatória, pois a pintura causou uma grande celeuma na época de sua divulgação, não sendo aceita no meio universitário como obra para representar a medicina, por essas características faremos uma breve leitura dessa imagem visando situar uma perspectiva sobre a medicina. Assim, sem entrar num detalhamento mais aprofundado de "Medicina", pois fugiria da proposta do post scriptum, parte-se da premissa de que ela marca como pano de fundo, de modo surpreendente, a situação atual da medicina, bem como sua relação com a psicanálise, reforçando a cuidadosa e feliz escolha da referida imagem para divulgar a proposta do Colóquio. Para tanto faz-se necessário considerar a imagem parcial da tela incluindo-a na pintura integral, onde a imagem de fundo permitirá situar o lugar da medicina na dimensão do humano, como será possível constatar.

A imagem apresentada consiste em uma parte do quadro que tem uma história que ilustra o modo como a medicina pretendia ser e como de fato foi representada para o mundo. A tela, nomeada de "Medicina", foi criada pelo pintor simbolista Klimt (1862-1918), visando compor com "Filosofia" e "Jurisprudência" um conjunto de obras para decorar o Grande Hall da Universidade de Viena, que corresponderia à sala de formatura da instituição (Storkovich, 2003). Porém, um comitê formado por professores da academia rejeitou a primeira obra que era "Filosofia", e "Medicina" sofreu uma série de críticas negativas a ponto da discussão chegar ao Parlamento Austríaco, por entenderem que a obra não representava a medicina devido a seu cunho pornográfico, e por não ressaltar as principais características desse saber que ocupava na época um lugar de vanguarda no mundo destacando-se pela promoção da cura e da profilaxia (Finn, Bruetman & Young, 2013).

A pintura sofreu uma série de percalços, até ser destruída em 1945, durante a Segunda Guerra Mundial, devido a um incêndio provocado pelos alemães quando batiam em retirada do Castelo de Immendorf. Restaram dela apenas duas fotografias tiradas pouco antes do incêndio, uma colorida, que retrata somente uma parte da tela, na qual figura Higia, filha do Deus da Cura, Asclépio, em todo seu esplendor. Também conhecida como Salus na mitologia romana, remete, pela própria referência etimológica de seu nome, às palavras higiene, saúde, higidez, enquanto o seu pai, denominado "o grande médico" (Brandão, 1995), estava relacionado à concepção de cura. Sua imagem aparece em estilo hierático que destaca a sacralidade, a majestade e a rigidez, com a cobra de Asclépio envolta em seu braço esquerdo chegando até sua mão direita, que segura a taça de Lete (Cavallaro, 2018).

A outra foto, está em preto e branco, com a imagem integral da tela, que inclui o espaço do fundo da obra que pode ser dividida em dois planos, no primeiro, em que figura a já descrita imagem de Higia, e no segundo, onde está representado o rio da vida, composto por uma espécie de rio de corpos nus entrelaçados e sobrepostos, no qual figuram as gerações, a gravidez, o nascimento, a maturidade, a velhice, a doença e a morte. Tal divisão, segundo Storkovich (2003, p. 231), segue uma convenção do Alto Barroco que propõe uma visão dual da imagem, na qual a imagem de fundo retrata a mensagem do primeiro plano.

Desse modo temos uma bela representação da imagem da medicina no primeiro plano da tela, que na sua bela realeza sacra, figura uma espécie de máscara cuja verdade somente pode ser dada pelo plano de fundo, para o qual ela dá as costas com sua imagem higiênica, saudável, segurando sua taça com a água do rio do esquecimento. Mas, o que precisaria ser esquecido? Aquilo que figura em segundo plano na tela. De forma sumária, que a vida não tem cura e inclui a morte em si mesma, logo, retrata que os poderes da medicina são bastante frágeis diante do que significa o sofrimento humano, somente podendo, em relação a este, realizar cuidados paliativos. O que não diminui sua grande necessidade, nem descarta esse vasto e importante campo do saber, porém o situa dentro de seus limites. Fato que desagradou fortemente uma boa parte dos nobres médicos vienenses do início do século passado e, talvez, alguns desse século, ainda...

Para finalizar essa parte lembremos que o outro aspecto que causou a indignação diante da criação de Klimt foi a referência à sexualidade. Não por acaso, 1901 tem apenas um ano de diferença com o lançamento de um livro que na época não teve grande repercussão, cujo título era "A interpretação dos sonhos" (1900), de Sigmund Freud, no qual dizia que o sonho é uma realização de desejo sexual infantil recalcado, que para ser interpretado precisa recorrer à Outra Cena. Lugar do inconsciente, ao qual o também autor de "Três ensaios para uma teoria da sexualidade" (1905), articula sua teoria da sexualidade desenvolvendo sua proposta fundamentada unicamente na pesquisa analítica, de forma deliberadamente independente das descobertas da biologia, método que o levou a concluir, sob importantes aspectos, que suas "descobertas divergiam grandemente daquelas que se baseiam em considerações biológicas" (Freud, p.130). Logo, a referência freudiana para tratar da sexualidade precisa partir do conceito de inconsciente, marcando desse modo uma distância com a biologia e, por lógica consequência, da medicina. A semelhança segue nesse ponto a oposição própria do discurso moralista que busca encontrar na suposta obscenidade o motivo para que a cena-tela não venham à luz.

A Medicina, portanto, não quer saber de seu limite, a morte, nem da sexualidade no sentido freudiano, por operarem como pontos de impasse quando aparecem em seu campo. De costas para o demasiado humano situado no plano de fundo, no esplendor de sua beleza, procurando seguir o caminho da ciência, tenta esquecer e fazer esquecer de sua origem, utilizando para tanto o recurso encontrado nas águas do rio Lete, onde a intenção de cura depara-se com a certeza da morte, redimensionando seu alcance a um domínio circunscrito à uma dimensão mais restrita. A ciência, ao se aplicar ao corpo humano, o conduz para o exílio, ao considerá-lo somente dentro do domínio da extensão. A psicanálise vai resgatá-lo ao descobrir sua dimensão libidinal. Para tanto bastaria acrescentar um "a" ao Lete e chegaríamos a "aletheia", como nos lembra Zimerman (2012), onde a verdade do esquecimento pode vir a ser desvelada.

Em suma, nessa obra de Klimt, a imagem da medicina, marcada pela presença de Higia em um primeiro plano, pode ser desvelada pelo segundo plano, em que a dimensão a ser esquecida referente à vida, sexualidade e morte figura, pelo artifício próprio ao barroco, atrás, representando o que não deveria aparecer. Tal dimensão, segundo Lacan, seria justamente a que precisaria ser devidamente marcada, situada e desenvolvida pelo médico, para que num futuro não muito longínquo, ele não perca o que viria a viabilizar a preservação de sua função.

O lugar da medicina a partir da psicanálise

O título dessa parte do trabalho está baseado no texto de Lacan denominado "O lugar da psicanálise na medicina" (2001), referência que norteou boa parte dos escritos apresentados no colóquio, pelos mais variados vieses. Nele, Lacan situa o lugar da psicanálise na medicina, desde a perspectiva da medicina, como sendo marginal, pela característica de se apresentar como uma ajuda externa, complementar, que acaba por descaracterizar a especificidade da psicanálise ao partir de um princípio de totalidade que seguiria o ideal da ciência, visando trazer um "a mais" de saber para compor o todo. Exemplificado numa determinada abordagem psicossomática que, como sintoma, viria supostamente encontrar o elo perdido que se coloca na relação alma corpo, sem levar em conta a dimensão da falha do saber sobre o corpo.

Note-se que tal premissa da psicanálise não está pautada na ideia de marcar um destaque narcísico de valor em relação aos outros saberes. A interrogação sobre o "a mais" vem da necessidade de fundar a especificidade de um campo que está essencialmente constituído per via dilevare, onde, analogicamente com a arte da escultura, não se acrescenta material, mas em se o retirando torna-se possível identificar o que estava por trás. Mais especificamente, tendo em vista o trabalho de análise, qualquer ideal estabelecido previamente pelo praticante, mesmo que supostamente sustentado pelas melhores razões, geralmente fundadas na justificativa do amor (amais?), vem colocar um sério impedimento a que o sujeito do inconsciente tenha lugar.

Por outra perspectiva, Lacan considera que o lugar da psicanálise na medicina, desde o viés dos psicanalistas, seria o da extraterritorialidade, aos quais ele atribui uma razão para manter esse posicionamento, que não seria exatamente a dele. A "extraterritorialidade em direito internacional é o estado de ser isento da jurisdição da lei local, geralmente como resultado de negociações diplomáticas". Onde os que estão sujeitos a essa jurisdição apenas são "obrigados a cumprir a legislação de seu país de origem ou internacional ou a de aceitação mútua" (Wikipédia, 2018). De acordo com essa definição, a proposta seria de manter uma ordem de funcionamento que permitisse seguir uma lógica própria ao seu campo, ou seja, o psicanalítico, dentro de um território estrangeiro, a medicina. Para tanto, haveria a necessidade de negociações diplomáticas que viabilizariam a convivência, de modo a que a lógica analítica pudesse existir em sua integralidade, mantendo-se dentro de um campo que não é propriamente o seu, na medida que houvesse uma regulação legal.

Apesar dessa proposta ser evidentemente mais interessante que a primeira, curiosamente Lacan diz que ela não pauta suas razões, que serão dadas desde a perspectiva do lugar cada vez mais amplo que o avanço da ciência tem tido na vida das pessoas. Esse lugar vem a constituir um novo espaço para a medicina e também para o médico. A medicina passou a ser científica somente a partir da aplicação das descobertas da matemática à física, logo, ao corpo. Essa datação encontra seus primórdios no ano de 1543, época em que Copérnico publicava seu livro "Das revoluções das órbitas celestes", coincidindo com a data que Vesálio, pai da anatomia moderna, lançava a obra "De humanicorporis fabrica", título que vem marcar uma nova concepção de corpo a partir da ciência, comparando-o a uma máquina, cujo funcionamento das peças pode ser ordenado de acordo com as premissas da ciência (Pommier, 2007).

Com a proposta da saúde como direito universal, o lugar do médico tende a se deslocar do que era um personagem de prestígio e autoridade para, desde o contexto social exterior a sua função criado pela ciência, e particularmente pela indústria, o demais um na equipe de especialistas de várias áreas científicas. Em suma, a função do médico sofre deslocamentos na medida em que o avanço da ciência cria novas demandas que vem interrogar seu lugar, correndo o risco de vir a se tornar um funcionário da indústria farmacêutica, ou aquele que viria a responder aos pedidos dos pacientes mobilizados pelos novos direitos que extrapolam largamente o que poderia ser chamado de cura.

Para situar e se opor a tal risco, entre outros, de modo a resgatar a originalidade da função do médico, caberia, através da relação entre o médico e o doente, trabalhar a dimensão da demanda. A qual aparece onde se manifesta o que Lacan denomina de "falha epistemo-somática" (Lacan, 2001), ou seja, onde os diversos saberes sobre o corpo, tomados desde a perspectiva da ciência, deixam entrever o que estaria excluído dessa relação, a saber: o gozo do corpo. Aqui, a dimensão do saber que é endereçado ao médico, constituindo-o como sujeito suposto saber, a partir da transferência de saber colocada sobre ele, coloca-o na posição de poder vir a interrogar o pedido, tendo como fundamentação norteadora a distinção entre a demanda e o desejo.

Assim, se a ciência sabe o que pode, mas não o que quer (Lacan, 2001), sua ação sobre o corpo feito para gozar vai orientar a demanda do doente que precisará ser interrogado desde uma perspectiva ética. Somente dentro dessas balizas, ordenadas desde os fundamentos psicanalíticos, o médico poderá encontrar um caminho que permita dar lugar ao que seria o mais original da função do médico. Eis a razão lacaniana!

"e"

Ao situar o lugar da medicina a partir da psicanálise, Lacan, de acordo com nossa leitura, retoma o que está na tela de Klimt, onde o plano de fundo acaba por dar a direção do que constitui a função médica, localizada no primeiro plano. Como é possível constatar no referido texto, quando trata de tal função: "Trata-se de outra coisa, propriamente desta leitura pela qual o médico é capaz de conduzir o sujeito àquilo de que se trata em um certo parênteses, aquele que começa no nascimento, que termina na morte e que comporta questões, que comporta tanto um quanto a outra" (Lacan, 2001).

Vale destacar que o resultado da exposição do quadro de Klimt teve, guardadas as devidas proporções, o mesmo resultado que a fala de Lacan no debate onde sua apresentação teve lugar. Os interessados no pensamento de Lacan normalmente têm acesso ao texto que corresponde unicamente à sua fala, que mais parece um escrito. Porém, tratava-se de uma "Conferência e debate do colégio de medicina em Salpetriere" (Lacan, 2018), visando debater sobre o lugar da psicanálise na medicina, na qual também constam as falas dos outros debatedores presentes, como as psicanalistas Jenny Aubry, Ginette Raimbault, e médicos dos serviços de nefrologia e endocrinologia pediátrica, Dr. Royer e Dr. Klotz, respectivamente. Após a fala de Lacan, o Dr. Royer, claramente incomodado com a longa explanação de Lacan, define-a como banal, acusando-o de criticar os médicos, atribuindo-lhes a função de distribuidores de medicamentos, bem como de desconhecer os problemas que concernem à medicina, concluindo que o objetivo da reunião, pelo menos para ele, resultou em um completo fracasso. Aubry e Lacan retomam a crítica de Royer visando reformular o impasse levantado, marcando o equívoco de seu entendimento. Precisando tratar-se do risco que o médico sofria de ser colocado nesse lugar a partir do advento da ciência, desde a demanda dos pacientes, situação que tende a descaracterizar o essencial de sua função, que poderia ser demarcada através da fundamentação dada pelo ensino da topologia do sujeito segundo Lacan. O debate segue e não é possível saber de seus desdobramentos a partir do texto. Vale ressaltar que o tema não deixa de produzir fortes reações, sobre as quais caberia refletir… em outra oportunidade.

Para finalizar, pode-se verificar que tanto Klimt quanto Lacan, cada um a seu modo, levantam, com sua obra, uma interrogação quanto ao lugar da medicina. Lacan, mais especificamente, a cada médico, quanto ao que quer ao praticar, sua arte ou ciência?

 

Referências

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1 Psicólogo. Psicanalista. Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná CHC-UFPR -Curitiba/PR. Coordenador do eixo específico de Psicologia em Residência Multiprofissional. Tutor e Preceptor do Programa de Residência Multiprofissional do Adulto e do Idoso/PSAI. Especialista em Filosofia e Psicanálise/UTP-PR. Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade/UVA-RJ. E-mail: vsschneider@gmail.com.

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