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Revista da SBPH

Print version ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.22 no.2 São Paulo July/Dec. 2019

 

ARTIGOS

 

Medidas de conforto ou distanásia: o lidar com a morte e o morrer de pacientes

 

Comfort measures or dysthanasia: coping with patients' death and dying

 

 

Daniela Trevisan Monteiro1, I; Jussara Maria Rosa Mendes2, I; Carmem Lúcia Colomé Beck3, II

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre/RS
II
Universidade Federal de Santa Maria – Santa Maria/RS

 

 


RESUMO

Este estudo teve por objetivo conhecer as interfaces sobre o lidar com a morte e o morrer de pacientes pelos profissionais da saúde, no contexto hospitalar. Realizou-se um estudo descritivo de cunho qualitativo. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas. Foram entrevistados dezessete profissionais, médicos e enfermeiros, que trabalhavam na unidade de clínica médica de um hospital de ensino do Rio Grande do Sul. Os dados obtidos foram analisados a partir da análise de conteúdo. Os resultados mostraram que médicos mais jovens possuem maiores dificuldades em estabelecer a limitação terapêutica, utilizando-se de todos os recursos disponíveis em termos de tratamento médico. As decisões não são compartilhadas na equipe e, muitas vezes, não são comunicadas ao paciente, apenas à família, que tende a querer investir a todo custo. Quando o médico aceita o pedido familiar pode prolongar o processo de morte e trazer maior sofrimento ao paciente. Considera-se a importância da proximidade junto ao paciente, em um processo de empatia e escuta de seus desejos nas tomadas de decisões em fim de vida. Às instituições cabe o investimento em seus profissionais, almejando um maior conhecimento sobre o tema da morte e possibilitando qualidade no atendimento.

Palavras-chave: morte; atitude frente à morte; pessoal de saúde; cuidados paliativos na terminalidade da vida.


ABSTRACT

This study aimed to get to know the interfaces regarding coping with patients' death and dying from health professionals' perspective, in the hospital context. Therefore, a descriptive qualitative study was carried out. Data were collected through semi-structured interviews. Seventeen professionals, doctors and nurses, who worked in the internal medicine unit of a teaching hospital in Rio Grande do Sul were interviewed. Content analysis was used to analyze the data. The results showed that younger physicians have more difficulties in establishing therapeutic limitation, using all available resources in terms of medical treatment. Decisions are not shared within staff, and many times they are not communicated to the patient, only to the family, who is usually willing to invest at all costs. When the doctor accepts the family's request, the dying process may be prolonged and cause more suffering to the patient. The importance of proximity to patients is considered, in a process of empathy and listening to their desires in decision-making at the end of life. Institutions are responsible for investing in their professionals, striving for greater knowledge regarding the subject of death, thus enabling good quality service.

Keywords: death; attitude towards death; health personnel; palliative care at the end of life.


 

 

Introdução

O processo de morte e de morrer suscita diversos sentimentos tanto no paciente quanto naqueles que o circundam. E desempenhar as funções assistenciais em meio a este contexto consiste em uma difícil, mas necessária, tarefa para os profissionais envolvidos. Estar em contato com a morte significa sentir a fragilidade da vida. O bem-estar do paciente, muitas vezes, encontra-se em segundo plano frente aos tratamentos prestados para eliminar as doenças em partes físicas. São vidas prolongadas graças ao desenvolvimento de aparelhos médicos e tecnologias poderosas que trazem à tona a desumanização medicalizada (Drane, 2014).

O prolongamento do processo de morrer mais traz sofrimento e prorroga a hora da morte do que amplia a vida (Hossne & Pessini, 2014). Nesse contexto de cuidados essas situações são conflitivas para os profissionais de saúde, que devem buscar o avanço médico-científico equacionado ao aspecto humano. E ao paciente pertence o direito à autonomia de escolher entre submeter-se ou não a um tratamento (Xavier, Miziara, & Miziara, 2014). Nesses casos a morte envolverá a tomada de decisão conjunta entre paciente, sua família e o médico (Drane, 2014), devendo estes admitirem que o tratamento médico, em determinadas situações clínicas, pode ser inútil, fútil e/ou nocivo. Movidos pelo desejo de salvar e prolongar a vida, médicos, familiares e até mesmo o próprio paciente podem prolongar o processo de morte e apenas acrescentar sofrimento (Hossne & Pessini, 2014).

Eticamente e legalmente a ortotanásia é aceita como conduta a ser seguida diante de pessoas em processo de morte, quando todas as possibilidades terapêuticas foram esgotadas, sendo impossível a reversão da condição clínica fatal (Xavier et al., 2014). A ortotanásia designa a morte natural, sem abreviações ou prolongamentos indevidos (Hossne & Pessini, 2014). Certas medidas podem ser mantidas a pedido do próprio paciente, que pode considerar importante viver esses momentos, mesmo com sofrimento. Quando o paciente já não tem a capacidade de decidir e quando a restrição terapêutica é comunicada à família, pode acontecer que a mesma solicite a manutenção fútil por um tempo determinado. Mesmo a pedido da família as medidas terapêuticas não devem ser mantidas indefinidamente, pois isso provocaria agressão desnecessária ao paciente, o que não é dever nem objetivo médicos (Villas-Bôas, 2008). Nesse sentido, à luz da Resolução 1.805/2006 é regulamentada a possibilidade de o médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis.

Em contrapartida, assinalar a possibilidade do tratamento fútil não é tarefa fácil aos profissionais. Há de se reconhecer que a obstinação terapêutica instituída será maléfica ou nociva ao doente. Ou, pelo menos, não benéfica para ser considerada fútil. Ou em que momento um tratamento útil torna-se fútil ao doente (Hossne & Pessini, 2014). Simplificadamente, segundo esses autores a discussão se inicia pela análise da indicação ou não do tratamento pelo profissional da saúde, baseada nos seguintes fatos: em sua experiência, sua vivência e seu conhecimento médico científico; no estado da arte e à luz da literatura médico científica; em sua análise dos aspectos éticos envolvidos; na relação do médico com o paciente específico. Se a indicação de restrição for aceita por ambas as partes, médicos e paciente e/ou familiares, a deliberação é harmônica e orientará a decisão. Quando houver alguma divergência, outras medidas deverão ser adotadas: (a) o médico considera aceitável o que lhe é proposto e concorda com a conduta ou (b) dentro do referencial e da sua própria autonomia o médico declina da condição de médico responsável pelo paciente por não concordar com a proposta, direito médico assegurado pelo Código de Ética Médica (instituído em 2010) (Hossne & Pessini, 2014).

Diante deste retrato, os Cuidados Paliativos se apresentam como uma forma inovadora de assistência na área da saúde. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2018) os cuidados paliativos têm a finalidade de promover a qualidade de vida do paciente e de seus familiares, que enfrentam doenças que ameacem a continuidade da vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação, avaliação e tratamento da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual. Os cuidados paliativos não abreviam a morte; esta ciência volta-se ao conforto do paciente e de sua família, utilizando-se da escuta, comunicação e atenção a pacientes e familiares; além de utilizar tecnologias medicamentosas para auxiliar no objetivo do conforto na hora da morte (Oliveira, Quintana, & Bertolino, 2010).

Indo ao encontro dessas deliberações, o Conselho Federal de Medicina traz por meio da Resolução CFM n. 1.995 (2012), um resgate à autonomia do paciente quando o mesmo se encontra incapacitado para expressar sua vontade. Esta resolução aborda as "diretivas antecipadas de vontade", definidas como "o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade" (p. 269).

Tomar decisões face à morte torna-se um desafio aos profissionais da saúde. A equipe de saúde encontra-se cotidianamente em um fogo cruzado que envolve decisões, responsabilidades, dor e morte. Alguns profissionais podem agir com onipotência e priorizar salvar o paciente a qualquer custo, no intuito de corresponder às expectativas idealizadas de preservador de vidas. Com esse comportamento, medidas fúteis acabam sendo ministradas com o objetivo de adiar a morte (Santos, Aoki, & Oliveira-Cardoso, 2013). Durante a formação prepara-se o profissional para a vida e não para a morte, o que deixa em segundo plano a percepção de que a sobrevida precisa ser experienciada com dignidade. Não havendo mais condutas que possibilitem a cura, torna-se necessário adotar os cuidados paliativos na intenção de diminuir o sofrimento (Poletto, Bettinelli, & Santin, 2016). O presente estudo faz parte de uma pesquisa de doutorado que teve como objetivo geral descortinar o interdito sobre a morte e o morrer, as percepções, os significados, os sentimentos e dificuldades atribuídos por profissionais da saúde sobre o cuidado de pacientes em fim de vida. Tendo em vista o que foi descrito este estudo consistiu em conhecer as interfaces sobre o lidar com a morte e o morrer de pacientes pelos profissionais da saúde, no contexto hospitalar.

 

Método

Delineamento do Estudo

Trata-se de uma pesquisa descritiva de cunho qualitativo. Esta proporciona o entendimento profundo de ligações entre elementos, direcionado à compreensão da manifestação do objeto de estudo (Minayo, 2008).

Cenário do Estudo

O hospital no qual foi realizada a pesquisa caracteriza-se como um hospital de ensino, geral, público, de nível terciário, atendendo somente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A unidade do estudo foi a clínica médica/medicina interna. Esta se caracteriza pela assistência integral a pacientes adultos de média complexidade, internados com doenças crônicas nas áreas de nefrologia e hemato-oncologia.

Participantes do Estudo

Os participantes desta pesquisa foram médicos e enfermeiros da unidade de clínica médica/medicina interna. Nesta trabalhavam 17 profissionais, sendo oito médicos e nove enfermeiros. Foi entrevistada a totalidade dos profissionais, visto que esta era constituída por duas áreas da saúde e o número não era expressivo. Os médicos residentes foram incluídos, pois a residência realizada no setor é específica em medicina interna e eles permanecem até três anos trabalhando na área de oncologia.

Entre os médicos, somaram-se cinco homens e três mulheres com idades entre vinte e sete e cinquenta e quatro anos. Dentre esses, há um médico especialista em oncologia com maior tempo de trabalho no setor e responsável pelos outros sete médicos residentes. Entre estes, três estavam no primeiro ano de residência, três no segundo ano e um no terceiro ano. Quanto aos profissionais da enfermagem, apenas um é do sexo masculino, e a maioria foi contratada há dois anos. Entre os entrevistados, seis trabalham no turno diurno e três no noturno. As idades dos profissionais variaram entre vinte e cinco e cinquenta e cinco anos.

Considerações e Aspectos Éticos

Foram seguidas as recomendações éticas da Resolução n. 510 (2016) do Conselho Nacional de Saúde, que prescreve a ética nas pesquisas com seres humanos. Dessa forma, os entrevistados tiveram participação voluntária, sem coerção institucional ou psicológica, instruída com Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi garantido que sua identidade pessoal permanecerá no anonimato, não devendo ser mencionado seu nome ou qualquer outro dado que possibilite a identificação. Assim, o sigilo dos participantes foi e será mantido nas futuras publicações por meio da utilização de siglas para a identificação das falas. Por exemplo: M1; M2, quando o participante for médico e E1; E2; E3, quando for enfermeiro; e assim sucessivamente. As atividades de campo apenas ocorreram após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa sob o número do parecer: 1.463.168.

Instrumentos e Procedimentos de Coleta de Dados

Foi utilizada na coleta de dados a entrevista semiestruturada. No roteiro desta, constaram alguns itens considerados essenciais para o delineamento do objeto: condições de vida; trajetória profissional e repercussões na saúde; atividades cotidianas na instituição hospitalar, conhecimento do processo de trabalho, controle sobre o trabalho, natureza e conteúdo das tarefas; organização do trabalho; comunicação e relacionamentos interpessoais; significados atribuídos frente à morte e ao morrer; vivências no processo de morte e morrer; relação com o paciente em fase final de vida; relação com a família do paciente; dificuldades e facilidades no trabalho frente à morte e ao morrer.

As entrevistas foram agendadas previamente e ocorreram no hospital em diferentes salas, preservando a privacidade dos entrevistados. O local e horário das entrevistas foram definidos conforme a preferência do entrevistado. Utilizou-se gravador de áudio durante as entrevistas, pois este possibilita contar com todo o material fornecido pelo participante (Triviños, 2015). Vale ressaltar que a utilização deste recurso foi sujeita à permissão prévia dos participantes.

Procedimentos de Análise e Interpretação dos Dados

Para a análise dos dados as narrativas das entrevistas foram transcritas para que pudessem ser percebidas as falas mais significativas, seja por sua repetição, por sua carga emocional, ou pelo grau de congruência ou contradição das narrativas. A partir das entrevistas, formaram-se as categorias referentes ao tema da pesquisa para a análise de dados. A análise teve como eixo norteador a análise de conteúdo, com foco na análise categorial, que se refere a um conjunto de técnicas de análise das comunicações, utilizando-se de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. A escolha desse método de análise pode ser explicada por seu enfoque na qualificação das vivências do sujeito, assim como suas percepções sobre o objeto e seus fenômenos (Bardin, 2009). As categorias foram formadas por meio da análise de dois juízes independentes, pesquisadores com formação na área da pesquisa.

 

Resultados e Discussão

A partir da análise dos dados, emergiram duas categorias: O processo decisório quando há limitação terapêutica e O cuidar no processo de morte e morrer. Na primeira categoria são destacadas as decisões entre as medidas de conforto ou o investimento em tratamento médico mesmo quando não há possibilidade de cura e a morte é iminente. São decisões consideradas intensas e difíceis, principalmente quando a família possui o desejo de continuar investindo no paciente a qualquer custo. A segunda categoria reflete sobre a não aceitação da morte enquanto processo natural, o que pode ser uma fonte adicional de estresse para o profissional, dificultando as decisões sobre as medidas de conforto.

O processo decisório quando há limitação terapêutica

Prolongar o sofrimento de uma vida em fase final implica em decisões delicadas que exigem alto conhecimento do processo, observação das condutas e diálogo límpido na tomada de decisão por parte dos envolvidos. A formação médica está voltada a salvar o paciente, sendo a morte um inimigo a ser vencido. O profissional é preparado para salvar vidas e não para enfrentar a morte, sendo relegado a um segundo plano a noção de uma sobrevida com dignidade. Se não há mais tratamento curativo, é preciso adotar os cuidados paliativos para diminuir o sofrimento nessa etapa da vida e garantir a dignidade do paciente (Poletto et al., 2016). No entanto, os profissionais da saúde vivem a angústia de salvar a vida do paciente a qualquer custo, e por isso realizam procedimentos que podem aumentar o sofrimento (Kovács, 2011), como se observa na fala:

Tempo, é o que mais a gente quer. É a palavra-chave da oncologia. E o que é a oncologia? É tempo; é mais um mês, mais dois meses. A gente dá remédio que aumenta trinta dias, então trinta dias a mais pra mim. (M3)

O trecho da fala do médico coloca que a palavra da oncologia é o tempo. E, ao final da fala, refere-se que um medicamento que aumente a sobrevida em trinta dias para um paciente significa trinta dias a mais para ele. Não seria para o paciente? Para quem é realmente importante aumentar a sobrevida em trinta dias? Para o paciente ou para o médico? Pacientes ganham mais tempo de vida com as altas tecnologias que a medicina produz. No entanto, na medicina, os alunos aprendem a prolongar a vida, mas recebem pouca explicação sobre o que é a vida (Kübler-Ross, 2008). Na continuidade dessa entrevista, foi perguntado qual a palavra do oncologista, como resposta obteve-se:

Sabedoria, eu acho. Paciência, calma, tem mais palavras pra oncologia. Acho que são várias qualidades que a gente precisa; quem não tem, precisa aprimorar, aliás, quem já tem, precisa aprimorar e quem não tem precisa achar uma forma de buscar. A gente precisa de várias palavras, assim, eu acho que a gente precisa ser otimista, tem que ser forte, porque a gente acaba sendo a estrutura desse paciente né, porque a maioria deposita a vida na mão do oncologista e é uma especialidade onde fica mais forte a figura do médico eu acho, porque é a tua vida e a gente escuta isso: "Ah, minha vida tá na tua mão. Eu confio em ti". Então a morte, a gente tem que ter paciência e ter amor pelo que a gente faz pra poder suportar todas as adversidades. (M3)

Complementa-se que o médico precisa ter sabedoria para ganhar ou para perder a vida, se é que se pode realmente realizar essa analogia com a guerra. Seria, afinal, uma guerra do médico contra a morte do paciente? Há um vencedor nessa luta? Se não há possibilidade de estancar o processo de morte significa que o médico perdeu? A angústia frente à morte trava essa verdadeira batalha entre o médico e a doença de seu paciente, na qual, se o médico vencer, o perdedor pode não ser a morte, mas sim o próprio paciente, na sua sobrevida sem dignidade. Nessa guerra imaginária, o paciente terminal torna-se o símbolo da derrota, o que gera desconforto no profissional que possui o intuito de lhe restabelecer a saúde (Santos et al., 2013). É preciso sabedoria para saber parar na hora certa e calma para aceitar e/ou fazer essa escolha. A força que o médico relata, é a força de um suporte, de uma técnica e até mesmo de um acolhimento ao paciente, não precisa estar ligada ao tempo de vida a mais que lhe foi dado com um medicamento diferente. E o amor pelo que faz aparece como primordial para suportar as adversidades, quiçá a morte.

Quem decide tecnicamente o momento da morte e as circunstâncias do morrer é o médico. No entanto, alguns profissionais podem agir com onipotência e priorizar as tentativas de salvar o paciente a qualquer custo, no intuito de corresponder às expectativas idealizadas de preservador de vidas (Santos et al., 2013). Prepara-se o profissional para a vida e não para a morte, o que deixa em segundo plano a percepção de que a sobrevida precisa ser experienciada com dignidade. Não havendo mais condutas que possibilitem a cura, torna-se necessário adotar os cuidados paliativos na intenção de diminuir o sofrimento (Poletto et al., 2016).

Durante a pesquisa foi percebido que a decisão de colocar um paciente em medidas de conforto nem sempre é consenso entre todos os médicos. A equipe médica sente falta de espaços para trocas e maiores discussões sobre essa decisão e, médicos mais jovens demonstraram aceitar menos quando o paciente é colocado em medidas de conforto, principalmente quando o paciente também é jovem, querendo realizar mais tratamentos na expectativa de conseguir salvá-lo, como se percebe nas falas:

Eu acho que na hora de definir [medidas de conforto], acho que tem muita discordância dependendo o quanto a gente se envolve com o paciente. Daí os colegas, tira isso, coloca mais aquilo... O quanto a gente se envolve é maior a dificuldade pra gente decidir quando vai deixar de tratar. (M1)

É mais pra conforto assim do nosso conforto, do paciente, mas a gente sabe que não vai ter benefício, talvez seja até uma distanásia fazer esse tipo de coisa. A gente ter a tranquilidade do paciente saber que tão tentando fazer alguma coisa pra ajudar ele, apesar de saber que não tem mais o que ser feito, mas ele se sente tranquilo de estar fazendo aquela coisa. Se eu dissesse que tô fazendo uma quimioterapia e injetasse soro seria a mesma coisa, de repente, pra ele. (M5)

O conforto ao se realizar um número excessivo de medidas terapêuticas é mais em prol do médico, como se percebe na segunda fala, do que propriamente do paciente. Os médicos residentes demonstraram nas entrevistas maiores dificuldades em estabelecer a limitação terapêutica, utilizando-se de todos os recursos disponíveis em termos de tratamento médico. Médicos jovens podem se sentir sobrecarregados para tomar uma decisão desse tipo com a pouca experiência que possuem e, o fato de realizar um maior número de terapias pode servir para confirmar que de fato não há como salvar o paciente. Isso lhes daria certa segurança ao tomar essa decisão, que ainda é realizada de forma solitária e acompanhada pelo tabu social da morte. O tratamento fútil vai se mostrar ineficaz e a partir daí cabe questionar se essa obstinação terapêutica é maléfica ou nociva, ou ao menos não benéfica para o paciente (Hossne & Pessini, 2014). Segue a colocação de um médico na hora da decisão de medidas de conforto:

Então essa questão de quando deve se continuar, quando não deve fazer, é um pouco difícil. O que que se leva em conta nisso? A questão técnica da condição do paciente. Dizer: "Olha, ele não pode fazer nada porque não tem performance, ele teve toxicidade muito importante quanto ao tratamento, não pode continuar". E tem mais outra situação, por exemplo, tem pacientes que nós estamos tratando, recebe um regime, passa um tempo, progrediu a doença. Faz outro regime, passa um tempo, progrediu de novo. E assim vai, daqui a pouquinho olha e diz: "Ó, não temos mais o que oferecer, vamos parar"; é diferente também daquele que não recebeu nada também, ali a gente é meio que forçado pela condição né, que não tenho armas mais para fazer algo e paramos por ali. Então ali a gente toma a decisão. "Olha, somos forçados a isso, né." Ou, na primeira condição, tomamos a medida de superar impossibilidade física, orgânica do paciente no tratamento. (M8)

Prolongar o sofrimento de um paciente em estágio terminal implica em decisões delicadas que demandam conhecimento complexo do processo, observação criteriosa das condutas e diálogo honesto na tomada de decisão por todos os envolvidos (Poletto et al., 2016). Por isso a importância de não ser uma decisão solitária que atribua toda a responsabilidade a apenas um médico. Torna-se importante o envolvimento da equipe como um todo, bem como o envolvimento de pacientes e familiares; que, por menor conhecimento técnico que possuam, precisam ser escutados em suas percepções, preservando sua autonomia.

A decisão final deveria ficar em prol do médico responsável pelo paciente somente após esse compartilhamento de técnicas, ideias e angústias. A comunicação para a família e o paciente sobre as medidas de conforto é um momento de grande dificuldade para os profissionais, principalmente quando não estão preparados para aceitar a morte do paciente. Ademais, nem sempre a família e/ou o paciente aceitam uma decisão dessas e interpelam o médico a continuar com a obstinação terapêutica o que traz outro problema para o profissional nessa situação, como se percebe nas falas:

Depende, tem famílias que já tem isso mais bem elaborado [...] agora aquelas pacientes e familiares que não aceitam isso, que a doença é incurável às vezes é bem difícil e muitas vezes a gente não consegue colocar o paciente em cuidados terminais porque a família acaba se tornando muito relutante, às vezes o paciente não tem nem condições mais de opinar a sua própria vontade, porque tá num quadro muito ruim, mas a família insiste que seja feito tudo. (M6)

A gente esclarece sempre com a família primeiro, a gente não toca, normalmente, com o paciente a gente prefere não condiciona isso, a gente deixa sempre com a família. A gente não diz pro paciente, porque o paciente muitas vezes ele acaba deprimindo, ele acaba não querendo mais fazer o tratamento, e eu acho que nesse aspecto a gente procura preservar o paciente. (M2)

Na primeira situação descrita observa-se uma relutância da família para aceitar a condição de final de vida de seu familiar. Já na segunda fala, a comunicação é realizada apenas com a família e não com o paciente; pois, o médico considera que o paciente não tem condições de receber esse tipo de notícia, o que poderia lhe deixar deprimido e prejudicar a terapêutica. Quando a pessoa se encontra gravemente enferma, geralmente é tratada como alguém que não possui o direito de opinar. Quase sempre é outra pessoa que decide por ela (Kübler-Ross, 2008). A dor, a doença e a morte estão interditas nesse pacto de costumes de poupar o paciente de sua provação (Pitta, 2003).

Familiares, a fim de evitar sofrimento ao paciente, podem entrar em conluio com o médico e solicitar sua cumplicidade em ocultar a verdade ao paciente, mantendo-o ignorante sobre a gravidade de sua doença e a proximidade de sua morte. O médico, antes de aceitar esta situação deve levar em conta que ao não dizer a verdade ao paciente pode levá-lo a descobrir por outros meios e perder a confiança no profissional. Se o médico pode contar-lhe a má notícia, incluindo a equipe multidisciplinar, terá ganhado a confiança do seu paciente ao falar a verdade; além de ajudá-lo a evitar uma série de fantasias que podem ser muito mais prejudiciais do que sua condição real (Meza-Rodríguez, Sánchez-Bravo, & Mancilla-Ramírez, 2014). Já o paciente não pode ser infantilizado e despojado de sua responsabilidade, da capacidade de refletir, de observar e de decidir (Pitta, 2003).

Um estudo realizado por Dahmen, Vollmann, Nadolny e Schildmann (2017) com médicos na Alemanha coloca em debate até que ponto os pacientes estão envolvidos na decisão sobre a limitação terapêutica. A avaliação sobre o benefício e dano de um tratamento é uma questão que pode variar de acordo com os valores e preferências pessoais dos pacientes. Por esse motivo o envolvimento do paciente nessa avaliação pode trazer informações importantes para uma decisão que leva em conta a postura pessoal dos pacientes, ou seja, levando em consideração a perspectiva subjetiva destes. Essas intercorrências na comunicação, como por exemplo, deixar de comunicar, comunicar abruptamente ao paciente e/ou familiares e, não conferir o que foi absorvido/entendido sobre a comunicação, podem acarretar maiores dificuldades para os profissionais e sofrimento aos familiares na hora da morte. Em contrapartida, a sinceridade permitiria que os pacientes manifestassem suas vontades, dúvidas, angústias e desejos, o que auxiliaria tanto os familiares quanto os profissionais da saúde (Cogo, Lunardi, Alberto, Girardon-Perlini, & Silveira, 2016).

Pitta (2003) ressalta que é consenso entre os médicos e enfermeiros adiar ao máximo possível o momento de avisar a família e, principalmente, de avisar o paciente de sua morte próxima. O temor dos profissionais é de que sentimentos e reações descontroladas os fazem perder o controle da situação. Assim, o prolongamento da vida por meio dos recursos terapêuticos esvai a necessidade de comunicar-lhes, permitindo que a família entre em luto antecipatório causado pelas condições do doente. Entretanto, o que se percebeu na pesquisa foi exatamente o contrário. Famílias que não foram comunicadas adequadamente, não estavam preparadas para a morte de seu ente querido. Ademais, um tempo muito curto entre a notícia da decisão sobre medidas de conforto e a morte do paciente mostrou-se como fator da utilização da negação pelos familiares. Dessa forma, a hora da morte se apresentou repleta de sofrimento por parte desses, como se percebe nas falas:

Aí, uma vez tinha, não me lembro quem que era, daí a filha dizia assim pra mim e pro residente: "Não, mas vocês não vão fazer nada com ela? Olha aí, vocês tão deixando, ela tá morrendo, vocês têm que fazer alguma coisa, vocês têm que dar aqueles choques nela! Como assim eu não acredito que dentro de um hospital desse tamanho ninguém vai fazer nada! Vocês tão aí parado". É difícil sabe pra eles aceitar, às vezes a família, nossa, fica agressiva no primeiro momento quando eles não entendem. (E8)

Por ser a morte um tabu, é difícil aceitá-la sem que médicos realizem medidas terapêuticas até o final. Na situação descrita, os familiares sofrem tanto pela não aceitação da morte de seu ente querido quanto pelo fato de os médicos não realizarem manobras para salvar o paciente. É um momento de grande dificuldade para os familiares, mas, igualmente, um momento tarde demais para intervenções médicas que, apesar de haver uma boa intenção, quando acontecem são muito duras (Kübler-Ross, 2008) e desnecessárias. Os profissionais se sentem impelidos a fazer algo nesse momento, e também podem possuir dificuldades em aceitar a hora da morte do paciente sem que realizem nenhuma intervenção.

O estudo realizado por Aredes e Modesto (2016) com médicos de um pronto-socorro aponta que eles ressaltam a vontade dos familiares de salvar a vida a qualquer custo, independente do sofrimento do paciente ou da sua possibilidade de sobrevivência, o que reflete no cuidado médico. Essa cobrança imposta aos médicos pela sociedade exige que os profissionais salvem o paciente da morte, levando-os a realizar todos os esforços para conseguir. No entanto, salvar o paciente não garante a realização profissional, pois há dificuldades a posteriori no cuidado de pacientes com sequelas graves e definitivas, o que os faz pensar que evitar a morte de maneira obstinada pode não ser a principal finalidade da atuação médica.

O cuidar no processo de morte e morrer

A morte e sua aceitação geram conflitos emocionais, pois lidar com a morte para os profissionais é lidar com uma situação avessa aos seus princípios de prestação do cuidado em benefício da vida (Cardoso et al., 2013). Os sentimentos destacados pelos participantes sobre a morte são de impotência e frustração, o que corrobora esse desejo de que ainda se pode fazer algo. Essa aceitação pode vir com o tempo de experiência, através das vivências com pacientes terminais e, com isso, da percepção de que essas medidas finais são inúteis para o paciente, vivência descrita na fala a seguir:

No primeiro dia de estágio, entrando na questão da morte, eu me deparei com uma menina de nove anos morrendo e aquilo foi bem chocante. Foi a primeira criança que eu vi morrendo [...]. Aí, de repente, eu entro em um quarto e tá uma menina de nove anos morrendo, a mãe de um lado da cama pegando na mãozinha dela e a outra enfermeira do outro lado pegando na mãozinha dela e as duas ali rezando... Assim, até que a guriazinha morreu. Aquilo ali me marcou muito assim, a minha trajetória, isso eu não esqueço nunca, porque foi uma coisa que foi totalmente contra aquilo que eu pensava. Eu pensava assim: "Tá, mas não vão fazer nada?", "Vão deixar a criança morrer?" Eu não conseguia entender naquele momento a questão da terminalidade. O que é melhor pro paciente? O que tu tem de melhor pra ti oferecer pra ele, é tu ficar ali em cima, colocar no respirador ou tu deixar o paciente seguir o caminho natural dele? (E6)

Mesmo os profissionais da saúde possuindo todo um aparato de técnicas científicas e aprendizagens, é na experiência pessoal e no exercício profissional cotidiano que irá ser definido e processado esse conhecimento (Aredes & Modesto, 2016). O enfermeiro, no seu relato, fala de outra enfermeira que foi considerada "um anjo" em seu aprendizado frente à morte de pacientes. Ele também ressaltou, no decorrer da entrevista, que essa pessoa o aconselhou a trabalhar com seus próprios conceitos frente à morte e ir a um centro espírita para auxiliar seu entendimento. Muito além de uma prática técnica, ele teve um tutor que despertou e trabalhou com seus sentimentos sobre a morte. O que ele considerou de suma importância para seu aprendizado profissional. Os profissionais podem apresentar conflitos e anseios frente ao fim da vida de seus pacientes, necessitando adaptar-se a uma realidade diferente que os aproxima da morte, buscando recursos através dos cuidados paliativos e priorizando a qualidade de vida do paciente (Cardoso et al., 2013).

As dificuldades e os desconfortos sentidos pelos profissionais podem justificar a opção de prosseguir investindo com tratamentos nos pacientes em final de vida ao contrário de dialogar sobre outras possibilidades terapêuticas, o que favorece a obstinação terapêutica (Cogo et al., 2016). Por possuírem esta visão, quando o paciente entra em medidas de conforto os profissionais consideram que não há mais nada a fazer por ele. O sentimento de frustração pode trazer um luto antecipatório por parte do profissional que deixa de investir no paciente em todas as esferas, como se percebe na fala:

Pra mim esse é o pior dia. O dia que eles escrevem na pasta assim ó: "Medidas de conforto", ou a gente coloca no mapa "SIR". SIR, sem indicação de reanimação. Nenhum procedimento a fazer. Nesse dia, pra mim, é como se ele tivesse morrido, sabe. Esse dia é o mais difícil, o dia, o dia que, por exemplo, tu recebe o paciente, investe, investe, investe e ele só decai, decai, decai [...] Aí eles escrevem na pasta ou eles falam pra nós: "Ó, se acontecer alguma coisa lá com o fulano não precisa fazer nada". Parece que ali começa o processo de aceitação de que o paciente morreu. (E8)

A evolução dos quadros crônicos de saúde pode ocasionar interpretações pautadas na antecipação do processo de morrer, identificado pela não visualização do paciente no tempo presente (Santos & Moreira, 2014). O que acontece é um isolamento do paciente, que pode deixar de receber as visitas rotineiras dos profissionais que estão vivenciando o luto antecipatório. E, ao contrário do que é preconizado pelos cuidados paliativos, o paciente não é atendido em todos os seus anseios. A execução apenas de uma assistência técnica, pautada na realização de procedimentos contrapõe os princípios da atenção paliativa, deixando de ser realizada uma atenção integral e humanizada com o paciente (Cardoso et al., 2013).

O cuidar sempre é possível, mesmo quando o curar já não é mais possível; os doentes incuráveis não deixam de ser cuidáveis (Pessini & Bertachini, 2014). Na situação descrita na fala anterior tem que ser considerado o sofrimento do profissional frente a possível morte do paciente. Após todo o investimento realizado, as medidas de conforto são percebidas como uma derrota para o profissional que entra em luto antecipatório. Este sentimento de perda lhe causa estupor frente a outras possibilidades de cuidado que poderia ser oferecido ao paciente. Há uma desordem frente à percepção da morte para todas as pessoas e os profissionais da saúde não são exceção. A morte supera todas as tentativas de vencê-la, sendo que o morrer de outra pessoa é tão provocativo ao equilíbrio psíquico e emocional quanto à percepção da própria morte (Vicensi, 2016).

No hospital onde foi realizada a pesquisa não há unidade de cuidados paliativos e, mesmo que se tente realizá-los, a excessiva demanda e falta de uma equipe multiprofissional não permite que, de fato, isso aconteça. Por mais que alguns dos profissionais se sintam impelidos em um atendimento diferenciado ao paciente terminal, foi percebido um desconhecimento sobre o conceito dos cuidados paliativos, levando apenas a atitudes voltadas ao senso comum, como se percebe na fala:

Muda todo o perfil da equipe, eu noto. Todo mundo quer acalentar de alguma forma sabe, todo mundo se preocupa se a pessoa vai ter dor, se tá bem assistido, se tá num quarto bom, assim, digamos, a gente sempre pede quando dão, dizem que é cuidados paliativos, a gente sempre pede pra ficar, se essa pessoa pode ficar num quarto em isolamento, ou num quarto com dois, porque às vezes as enfermarias são com cinco, e sempre a gente coloca em um quarto sozinho, libera mais um familiar pra ficar, libera alguém religioso pra vir, se a pessoa quer, sempre tem isso. (E5)

A abordagem curricular dos cuidados paliativos ainda é insuficiente, tanto em conteúdo quanto em incitar o estudante a buscar mais conhecimento nesse assunto. Se o aluno não realizar atividades extracurriculares que envolvam os cuidados paliativos poderá graduar-se sem estar adequadamente preparado para lidar com pacientes e familiares que vivenciam a situação de final de vida (Costa, Poles, & Silva, 2016). Não é tarefa fácil contribuir no processo de morrer, principalmente quando o profissional desconhece sua importância ou não possui um preparo específico para o desenvolvimento dessa tarefa (Cardoso et al., 2013). As atitudes apontadas pelo enfermeiro são atitudes importantes no processo de morrer e denota um olhar diferenciado ao paciente e seus familiares. No entanto, e infelizmente, não compõe todas as necessidades oriundas da situação. Por melhor que seja a intenção dos profissionais, eles precisam estar preparados técnica, teórica e emocionalmente para esse momento, o que não é a realidade atual. Nota-se que a falha também ocorre institucionalmente, como se percebe na fala abaixo:

Eu acho que a gente engatinha nessa parte assim, a gente desejaria muito mais, de toda a equipe, acho que nos hospitais em si, não sei, são muito despreparados pra isso. Porque a maioria dos hospitais quer internar o paciente e não adianta, deu, não tem mais o que fazer. Então, eu acho que, até da parte médica eu sinto às vezes que eles têm um pouco de dificuldade quando o paciente tá na fase terminal, de pensar só no conforto do paciente. E o paciente não tem que sentir dor. O paciente não tem que ficar ali gaspeando com a aquela respiração horrível, se não tem mais o que fazer realmente, tem que dar medicação pra dor, o paciente fica ali sereno e a família também. (E7)

O contexto hospitalar ainda é desfavorável para os direitos humanos de uma boa morte. Isso pode ocorrer por: carência de espaços específicos e adequados para os pacientes e seus familiares, normas rígidas, perspectiva de prestação de serviços sem o enfoque da tanatologia e sobrecarga de trabalho para os profissionais, o que resulta em condições contrárias à fase final de vida. Esta requer conforto, supressão da dor, ambiente tranquilo, apoio espiritual e religioso, acompanhamento dos familiares e serviços de tanatologia para apoiar a vivência no processo para todos os envolvidos (Vega & Cibanal, 2016).

O cuidado no final de vida é um momento difícil e impactante, além de ser muito variável para cada paciente e familiar (Costa et al., 2016). Aceitar a morte, tanto por parte do paciente em final de vida e sua família quanto por parte da equipe de saúde favoreceria os cuidados paliativos (Oliveira, Quintana, & Bertolino, 2010). Pois, na etapa final o objetivo não é a melhora do paciente e sim a instauração de tratamentos paliativos que melhorem sua qualidade de vida (Meza-Rodríguez et al., 2014).

A mudança para essa perspectiva deve ocorrer na formação do profissional, nas instituições hospitalares e na representação social da morte. A tomada de decisão nesse momento precisa ser compartilhada pelo profissional responsável para a melhora da qualidade do cuidado e de seus resultados. Refletir sobre a inserção de diferentes profissionais, bem como dos familiares e pacientes nos assuntos relacionados ao final de vida pode garantir a dignidade e o cumprimento das vontades manifestadas pelos pacientes e tranquilizar os familiares. Aos profissionais da saúde pode colaborar para que as ações que envolvem a assistência no final de vida não se tornem desgastantes ao ponto de realizarem condutas obstinadas para evitar conversas consideradas difíceis (Cogo et al., 2016), minimizando de forma positiva esse duelo traçado entre a vida e a morte, no qual não existe vencedor.

 

Conclusão

Nas dificuldades que a morte de pacientes traz, uma especificamente ficou muito evidente, principalmente entre os médicos mais jovens: decidir sobre as medidas de conforto. É possível, portanto, questionar se muitas vezes os tratamentos terapêuticos são continuados em prol do conforto emocional dos próprios profissionais. Assim se ganha mais tempo de vida para o paciente. Mas o que é vida? Pergunta guia que deve ser feita aos profissionais que se mostram resistentes quanto às medidas de conforto.

Quando se fala em morte, se fala de muitas vidas que estão envolvidas nesse desfecho. Fala-se em medo, impotência e frustração. Assim, ao prolongar a vida, os profissionais possuem a certeza de que fizeram tudo o que estava ao alcance. Mas não pararam para pensar que toda a terapêutica apenas poderia estar prolongando o sofrimento do paciente. "Tudo o que estava ao alcance" já não era mais necessário ser feito. Surge a importância do olhar ao outro, da relação, do vínculo, da empatia. Uma proximidade que pode trazer um conforto maior do que medicamentos. Se o profissional puder se aproximar do paciente, poderá tomar essas decisões com a tranquilidade de quem se permitiu escutar. Às instituições cabe o investimento em seus profissionais, almejando um maior conhecimento sobre o assunto e possibilitando qualidade no atendimento para ambas as instâncias – profissionais e usuários –tornando o processo de morrer menos penoso.

 

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Agência de Fomento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES.

 

 

1 Psicóloga, Doutora em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pós-Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria. – daniela.trevisan.monteiro@gmail.com.
2 Graduada em Serviço Social, Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Política Social e Serviço Social do Instituto de Psicologia/UFRGS e Docente Credenciada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da mesma instituição. - jussaramaria.mendes@gmail.com
3 Enfermeira, Doutora em Filosofia da Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora Titular da Universidade Federal de Santa Maria. - carmembeck@gmail.com

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