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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.23 no.1 São Paulo jan./jun. 2020

 

ARTIGOS

 

Importância da Comunicação de Más Notícias no Centro de Terapia Intensiva

 

The Importance of Communicating Bad News in the Intensive Care Center

 

 

Juliana GibelloI; Henrique Afonseca ParsonsII; Vanessa de Albuquerque CiteroIII

IDepartamento de Psiquiatria - Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo - São Paulo/SP. - E-mail: julianagibello@yahoo.com.br
IIThe Ottawa Hospital, Department of Medicine, Division of Palliative Medicine - University of Ottawa, Faculty of Medicine - Ottawa - Ontario - Canadá. - Email: hparsons@toh.ca
IIIEscola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo - São Paulo/SP. - E-mail: citero@huhsp.org.br

 

 


RESUMO

A comunicação de más notícias no Centro de Terapia Intensa é considerada uma das tarefas mais difíceis para os profissionais de saúde, pois possivelmente não tiveram formação adequada e treinamento suficiente para desenvolver tal habilidade. Neste sentido, este artigo teórico propõe-se a apresentar a importância da comunicação de más notícias nos Centros de Terapia Intensiva e as habilidades que as equipes de saúde podem desenvolver para uma assistência de qualidade, além do fortalecimento da relação paciente, família e equipe. Este artigo apresenta algumas recomendações de protocolos que podem contribuir para o desenvolvimento e aperfeiçoamento de habilidades no processo de comunicação de más notícias na prática clínica na terapia intensiva, tanto com pacientes, respeitando sua autonomia quanto às decisões sobre o próprio tratamento, como com seus familiares e, também, com toda equipe.

Palavras-chave: comunicação; comunicação de más notícias; centro de terapia intensiva; equipe de saúde; protocolos


ABSTRACT

Communicating bad news at the Intensive Care Center is considered one of the most difficult tasks for health professionals, as they may not have had adequate and sufficient training to develop such a skill. In this sense, this theoretical article proposes to present the importance of communicating bad news in the Intensive Care Centers and the skills that health teams can develop for quality care, in addition to strengthening the patient, family and team relationship. This article presents some recommendations for protocols that can contribute to the development and improvement of skills in the process of communicating bad news in clinical practice in intensive care both with patients, respecting their autonomy in relation to decisions about their own treatment, and with their families, and also, with the whole team

Keywords: communication; breaking bad news; intensive care unit; patient care team; protocols


 

 

Introdução

O Centro de Terapia Intensiva (CTI) é considerado um ambiente inerentemente complexo em função da gravidade clínica de seus pacientes, das angústias e preocupações dos familiares, da intensidade emocional e da rotina de trabalho da equipe médica e multiprofissional e, também, da frequente necessidade da família precisar tomar decisões difíceis sobre o curso do tratamento do paciente ali internado. Toda essa complexidade pode criar uma mistura volátil e potencialmente, geradora de conflitos (White, Angus, Shields, Buddadhumaruk, Pidro, Paner, Chaitin, Chang, Pike, Weissfeld, Kahn, Darby, Kowinsky, Martin, Arnold, et al., 2018; Wujtewicz, Wujtewicz, & Owczuk, 2015).

A comunicação entre paciente, família e equipe é o ponto central para tomadas de decisões clínicas que direcionarão o cuidado do paciente no CTI. Sabe- se que quando a comunicação acontece de maneira inadequada, ou seja, não clara, não sincera ou em uma linguagem difícil, observa-se a não compreensão das famílias em relação às informações transmitidas sobre diagnóstico, prognóstico ou tratamentos propostos, mesmo após as mesmas já terem conversado com os médicos (Scheunemann, Cunningham, Arnold, Buddadhumaruk, & White, 2015; Truog et al., 2008).

É possível contextualizar a comunicação em vários momentos do processo de adoecimento e hospitalização de um paciente, mas uma situação considerada frequente no centro de terapia intensiva é a comunicação de más notícias (Scheunemann et al., 2015). Neste sentido, o objetivo deste artigo teórico é apresentar qual a importância da comunicação de más notícias no CTI e quais habilidades podem ser desenvolvidas e aperfeiçoadas pela equipe de saúde, favorecendo uma assistência de qualidade e fortalecendo a relação paciente, família e equipe.

 

Comunicação De Más Notícias

A "má notícia" pode ser definida como "aquela que altera drástica e negativamente a perspectiva do paciente em relação ao seu futuro" (Baile, 2000, p 304). A reação do paciente e seus familiares a essa notícia dependerá, entre muitas coisas, de suas perspectivas em relação ao futuro, sendo esta única, individual e influenciada pelo contexto emocional e social dos mesmos (Baile et al., 2000; Buckman, 2005; Gibello & Amarins Blanco, 2017).

Uma das tarefas mais difíceis que os profissionais de saúde têm que enfrentar é a comunicação de más notícias, pois implica em um possível impacto emocional no paciente e sua rede de apoio, ou seja, quem recebe uma má notícia dificilmente esquecerá onde, como, quando e por quem ela foi comunicada (Abdul Hafidz & Zainudin, 2016). Entretanto, a dificuldade e a frequência com que ocorre uma má notícia, contrastam com a inabilidade e deficiente preparação das equipes de saúde em termos gerais de comunicação, principalmente na maneira de transmitir informações inesperadas e resultados que, na maioria das vezes, podem ser negativos na evolução de uma doença e de seu plano de cuidados (Truog et al., 2008).

Neste sentido, é recomendado que as equipes de saúde dos centros de terapia intensiva compreendam que os pacientes e familiares esperam altos níveis de empatia, sensibilidade e qualidade da informação, não importando o quão difícil será a notícia a ser recebida (Servotte et al., 2019; White, Angus, Shields, Buddadhumaruk, Pidro, Paner, Chaitin, Chang, Pike, Weissfeld, Kahn, Darby, Kowinsky, Martin, Arnold, et al., 2018). Para que isso aconteça, é importante que os profissionais identifiquem quais habilidades precisam ser desenvolvidas e se existe algum receio pessoal que possa interferir na comunicação (October et al., 2019).

Por que é Tão Difícil Comunicar Uma Má Notícia?

Uma das preocupações mais comuns dos profissionais de saúde é como a notícia poderá afetar emocionalmente ou gerar desesperança ao paciente, o que frequentemente é usado como justificativa para a omissão da notícia em si. Além do receio da reação do paciente e da família, os profissionais ficam inseguros em como irão lidar com uma possível resposta emocional ou sentem que fracassaram com seus pacientes (Ferreira et al., 2017). Além disso, é muito frequente, em função do ritmo frenético e rotina da terapia intensiva, o profissional dar uma má notícia de maneira inesperada, em um local inapropriado e sem privacidade ou, ainda quando outras responsabilidades estão competindo com sua atenção. Possivelmente, este cenário poderá influenciar na forma de comunicação do profissional e ocasionará insatisfação, influenciando na relação equipe-paciente-família (Wujtewicz, Wujtewicz, & Owczuk, 2015).

Encontram-se referências de que os médicos mais inexperientes em relação ao processo de comunicação ficam aflitos por respostas às reações emocionais ocasionadas, do que médicos mais experientes. É importante destacar que quem transmite uma má notícia, também vivenciará fortes emoções como ansiedade, uma carga de responsabilidade e o medo a resposta negativa, o que poderá resultar em uma relutância na transmissão (Abdul Hafidz & Zainudin, 2016).

Além dos receios e resistências dos profissionais de saúde, os mesmos foram preparados em sua formação de acordo com um modelo biomédico, ou seja, os cursos enfatizaram e desenvolveram mais as habilidades técnicas (diagnósticos e tratamentos) do que de comunicação (Monden et al., 2016; Servotte et al., 2019).

Outro ponto importante de destacar é que a atitude dos profissionais de saúde relacionada à comunicação pode ser influenciada não somente pelo conhecimento e formação deficientes, mas também por condições socioculturais, crenças religiosas, filosofia de vida (conformidade entre a conduta e convicção) ou atitudes sobre como lidar com a própria morte (Ciałkowska-Rysz, & Zanowski 2013).

Qual a Importância e as Consequências da Comunicação no Centro de Terapia Intensiva?

Nas últimas décadas, observa-se que o modelo de cuidado paternalista vem dando lugar ao cuidado que enfatiza a autonomia e proatividade do paciente sobre seu tratamento. Entende-se por cuidado paternalista, o médico tomar decisões sobre o tratamento com pouca ou nenhuma participação do paciente e da família (Azoulay, Chaize, & Kentish-Barnes, 2014; Scheunemann, Cunningham, Arnold, Buddadhumaruk, & White, 2015). Atualmente, os médicos têm cada vez mais, sido estimulados a praticar decisão compartilhada com seus pacientes e familiares (Charles, Gafni, Whelan, 2004). O conceito de decisão compartilhada foi definido como a participação simultânea dos médicos e pacientes/familiares em todas as fases do processo: troca de informações, deliberação sobre opções de tratamento e negociação de concordância sobre implementar o tratamento; ambos os lados compartilham as opções e chegam a decisão em conjunto (Curtis, & White, 2008; Shepherd, Tattersall, Butow, 2007).

A decisão compartilhada é importante, pois favorece a preservação da autonomia do paciente, não apenas informando-lhe a proposta de tratamento e decidindo por ele, mas permitindo com que ele possa participar ativamente de seu cuidado de acordo com suas necessidades e desejos (Charles et al., 2004).

Para que a transmissão de informações e recomendações, assim como o compartilhamento de decisões ocorra adequadamente, os médicos necessitam individualizar sua maneira de comunicar uma má notícia baseada nas necessidades e desejos específicos de cada paciente e sua família (Azoulay et al., 2014). Observa-se que as famílias demandam por mais informações de maneira clara e efetiva sobre o tratamento e destacam também que observam, muitas vezes, uma postura não profissional dos médicos, pois em muitas situações, estes demonstram certo desrespeito e desconsideração em relação às suas necessidades, valores, crenças e sua opinião (Fassier, & Azoulay, 2010).

Uma questão a ser destacada é a satisfação dos pacientes e familiares no CTI, cuja uma das prioridades é a efetividade na comunicação. Estudos mais antigos (Azoulay et al., 2014; Curtis & White, 2008) já demonstravam que, para familiares, as habilidades de comunicação são mais importantes que as habilidades clínicas no contexto de terapia intensiva, além disso apontavam que metade das famílias com pacientes internados no CTI, não compreendem as informações básicas sobre diagnóstico, prognóstico e propostas de tratamento, mesmo após já terem conversado com intensivistas.

Neste sentido, uma boa comunicação é parte integrante do desenvolvimento de uma relação significativa e confiável entre médicos e pacientes e, portanto, tem efeitos benéficos para ambos (Balint, 1955; Espinoza-Suárez et al., 2017). Entende-se que a comunicação é uma questão primordial, pois ela está diretamente relacionada ao cuidado integral do paciente, seja no início de um diagnóstico ou nos cuidados de fim de vida, sempre com enfoque físico, emocional, social e espiritual, além da satisfação, qualidade e segurança do tratamento centrado nos pacientes graves e seus familiares.

Como Se Preparar Para Comunicação No Centro de Terapia Intensiva?

Na década de 70 e 80, acreditava-se que as habilidades de comunicação eram herdadas e aconteciam de maneira intuitiva, consequentemente, os profissionais de saúde ficavam alienados e acreditavam que não era possível o desenvolvimento de habilidades e atitudes para lidar melhor com as situações difíceis na condução do tratamento de seus pacientes. Mas, nos últimos 15 anos, pesquisadores tem demonstrado que habilidades de comunicação podem ser desenvolvidas e aperfeiçoadas favorecendo uma melhor assistência aos pacientes (Buckman, 2001).

Neste sentido, foram desenvolvidos protocolos de Comunicação, com a função de serem guias metodológicos para profissionais de saúde, auxiliando principalmente, na comunicação de más notícias, favorecendo e fortalecendo a qualidade da relação médico-paciente e auxiliando para que haja uma comunicação sincera com pacientes e familiares (Buckman, 2001; Buckman, 2005). O objetivo do protocolo é sugerir recomendações aos médicos e à equipe de saúde, em relação a como transmitir más notícias aos seus pacientes (Baile, 2000; Espinoza-Suárez, Zapata del Mar, Mejía Pérez, 2017; Ranjan, Kumari, Chakrawarty, 2015). Um dos protocolos mais utilizados é o SPIKES (Tabela 1) que foi construído especialmente para auxiliar os profissionais de saúde a acessar as expectativas dos pacientes antes de compartilhar as informações importantes e necessárias relacionadas a seu adoecimento e tratamento (Baile, 2000; Buckman, 1984; Buckman, 2005). No contexto da Oncologia, sabe-se que o uso do SPIKES é bastante utilizado e cada vez mais, outras especialidades estão utilizando às recomendações para aperfeiçoamento de habilidades na comunicação, realizando as adequações necessárias à sua realidade e contexto (Gilligan et al., 2017).

Além do SPIKES, existem outras recomendações para o desenvolvimento de habilidades de comunicação de más notícias (Espinoza-Suárez et al., 2017) com pacientes e familiares. Seguem algumas as recomendações comuns dos protocolos supracitados:

Relação equipe de saúde e paciente: A construção de uma interação apropriada, desde o primeiro contato, implica colocar em prática a capacidade de empatia e a compreensão sobre necessidades e desejos do paciente. É muito importante demonstrar interesse e respeito de maneira sincera pela história do paciente, sendo a atitude e o posicionamento do profissional essenciais para se criar uma relação de confiança e segurança. Conhecer cuidadosamente a história clínica do paciente favorecerá uma maior consistência às decisões técnicas e permitirá uma comunicação clara. Assim, quem irá conversar com paciente deverá ser preferencialmente, o médico de referência, ou seja, aquele com o qual o paciente já tenha um vínculo significativo. Os demais membros da equipe multiprofissional, poderão estar juntos auxiliando e validando este processo.

Cuidado centrado no paciente: É importante ir para além do conhecimento clínico (doença) e saber quem é a pessoa a quem se oferecem os cuidados. Nesses momentos, questões como: Qual o nome do paciente? De onde ele vem? Qual sua estrutura familiar? O que ele sabe sobre sua doença e tratamentos? Suas expectativas, receios e preocupações? - Estas questões serão importantes para que se possa compreender as possíveis demandas que não somente aquelas consequentes ao adoecimento. Importante também, saber sobre as crenças e valores, pois ajudarão a entender qual o posicionamento do paciente em relação a aspectos importantes de sua vida.

Setting: Deve-se buscar um local com privacidade e conforto, onde não haja possibilidade de interrupção. Muito importante saber se o paciente deseja a presença de outras pessoas. Por parte da equipe é recomendável a presença do médico responsável e dos profissionais que estejam envolvidos diretamente no caso. Não é recomendado conversar no corredor ou sala de espera.

Tempo: A organização de tempo é primordial: transmitir as informações, permitir um breve espaço para reflexões, possibilitar trocas entre perguntas e respostas, e aos poucos apresentar o plano terapêutico, e por último finalizar a conversa. É muito importante tentar reconhecer o que e quanto o paciente deseja saber, e se existe discordância entre o que o profissional quer dizer e o que o paciente realmente deseja saber. Caso o paciente demonstrar que não deseja falar sobre a informação, deve-se deixar abertura para conversarem em um outro momento.

Acolher e validar as emoções: é importante perguntar como o paciente se sente, não antecipando nem nomeando suas possíveis reações emocionais. Possibilitar períodos de silêncio, permitem com que os pacientes elaborem a notícia e suas emoções. Identifique as necessidades psíquicas, sociais e espirituais e caso necessário, ofereça suporte através da equipe interdisciplinares (Psicologia, Serviço Social e Capelania) para integrar o cuidado ao paciente e sua família.

Cuidado com a família: A equipe de saúde deverá ficar atenta também à família do paciente, levando em consideração suas demandas particulares e possíveis necessidades emocionais, sociais e espirituais. Em situações em que a má notícia é prevista, pergunte antes quem o paciente desejaria que estivesse presente e o quanto ele gostaria que seus familiares fossem envolvidos.

Planejar a continuidade de tratamento: Ao final, é importante retomar os pontos discutidos, verificando a compreensão e compartilhando um planejamento ou "próximos passos" do tratamento. É importante oferecer ao paciente a possibilidade de novas conversas, considerando que o mesmo somente irá elaborar todo conteúdo, dúvidas e questionamentos, a posteriori.

Sentimentos da equipe: Quem comunica uma notícia difícil, não está isento de expressar reações emocionais, preocupações e sentimentos desconfortáveis, consequentes a este momento. Após uma conversa difícil, cada profissional deverá ter um tempo para rever as próprias emoções, ou seja, reconhecê-las possibilitará elaborar o que foi vivenciado.

Outra situação de comunicação muito frequente é conversar com familiares, principalmente quando se trata de informações e tomadas de decisões relacionadas à pacientes com doenças graves e, também, em cuidados paliativos ou em fim de vida, sendo estes momentos muito complexos e difíceis. Estas conversas são chamadas de conferências familiares, onde os membros da família que participantes devem ter a possibilidade de fazerem perguntas, tirarem dúvidas sobre a condição clínica do paciente, expressarem angústias, receios, preocupações, recebendo o suporte da equipe do CTI de maneira cuidadosa e respeitosa (Levin et al., 2010; Sanderson et al., 2017.; Soares, 2007; Truog et al., 2008). Outra recomendação em um estudo recente (White et al., 2018), é a importância de desenvolver habilidades e atitudes da equipe interdisciplinar para melhorar a qualidade da comunicação e tomadas de decisões importantes, além de oferecer suporte emocional aos familiares no centro de terapia intensiva.

Uma das recomendações (Espinoza-Suárez et al., 2017) para se realizar conferências familiares no Centro de Terapia Intensiva, é utilizar os preceitos do V.A.L.U.E (Tabela 2).

Assim, independente do protocolo e recomendações utilizadas, o fundamental para a equipe do CTI, é escutar a história, demandas e desejos dos pacientes, além de fortalecer a relação de confiança e segurança entre todos envolvidos, uma vez que, com frequência, o profissional será portador de uma má notícia que poderá alterar, não apenas o plano terapêutico até então estabelecido, mas também, a perspectiva de futuro deste paciente e seus familiares.

Sendo assim, a equipe do centro de terapia intensiva, além de todo investimento técnico voltado para tratamento clínico, será fundamental estar atenta ao seu posicionamento diante de "como e quem" transmite informações e orientações que influenciarão os possíveis desfechos e qualidade na assistência oferecida no centro de terapia intensiva.

 

Considerações Finais

Comunicar más notícias é considerada uma das tarefas mais frequentes e complexas que os profissionais de saúde se deparam em sua rotina. A maneira com que se transmite uma notícia difícil poderá afetar o paciente e seus familiares quanto ao entendimento sobre o curso de sua doença, os tratamentos propostos, a satisfação em relação à assistência oferecida, além do vínculo de confiança e de segurança construído entre todos envolvidos. Se por um lado, essa é uma prática quase que diária, os profissionais de saúde não sentem que estão preparados para comunicação de notícias difíceis, não apenas do ponto de vista de habilidade, mas também por receios e questões pessoais que influenciam sua atitude. Esse impasse, tem iniciou deste a formação (graduação) em que questões subjetivas e habilidades que não fossem relacionadas a sinais, sintomas e tratamentos de processos de adoecimento do ponto de vista orgânico, ficavam em segundo plano.

Diante dessa fragilidade vivenciada pela equipe, será importante um resgate na elaboração de currículos desde a graduação sobre o tema, além de se pensar através da educação continuada daqueles que já estão na assistência na terapia intensiva, grupos de discussão, reuniões clínicas, reuniões teóricas, simulações realísticas para a construção de estratégias para o desenvolvimento e treinamento de habilidades de comunicação. Existe um desafio para equipe em compreender e considerar que está diante do cuidado de pacientes e familiares com uma biografia, valores, desejos e crenças, e não apenas de um corpo gravemente adoecido. Esse cuidado só poderá ser possível, por meio da sensibilidade, de afeto, de empatia e da percepção de que estão diante de um outro (paciente e /ou família) que possivelmente está em sofrimento.

Assim, recomendações sobre como conversar com pacientes e familiares sobre notícias difíceis foram desenvolvidas por pesquisadores para auxiliar os profissionais de saúde a aperfeiçoarem suas habilidades no processo de comunicação. É importante levar em consideração a relação estabelecida entre equipe e paciente/família, o setting, o tempo, as possíveis reações emocionais e como acolhê-las, um cuidado centrado no paciente, o cuidado com a família e o planejamento e apresentação de um plano e continuidade de tratamentos. Muitos das recomendações vieram de outras especialidades, como a oncologia e por essa razão, os profissionais de terapia intensiva tem o desafio de adaptar e levar em consideração as especificidades desse ambiente complexo e a configuração das relações ali estabelecidas. Novos estudos sobre a comunicação nos centros de terapia intensiva precisarão ser desenvolvidos e serão fundamentais para compreensão de como a dinâmica neste ambiente se configura e pode ser melhorada entre paciente - família - equipes. Neste sentido, será através dos desafios, que os profissionais de saúde construirão possibilidades para desenvolvimentos de um cuidado assistencial com qualidade, segurança e centrado no paciente e família.

 

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Juliana Gibello - Psicóloga Hospitalar no Departamento de Pacientes Graves - Hospital Israelita Albert Einstein, Coordenadora do Curso de Pós Graduação em Cuidados Paliativos - Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, Psicanalista - Psicare - Cuidados e Serviços em Psicologia, Mestre em Ciências pelo Departamento de Psiquiatria da UNIFESP, Especialização em Cuidados Paliativos no Instituto Pallium Latinoamérica - Buenos Aires/AR, Especialização em Psicologia Hospitalar pelo Hospital Israelita Albert Einstein, Graduação em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP.
Henrique Afonseca Parsons - Diretor médico do Serviço de Cuidados Paliativos do "The Ottawa Hospital" em Ottawa-Ontario-Canadá. Médico Sanitarista e Paliativista (PUC-SP, Universidade de São Paulo, Universidad del Salvador [Argentina] e M.D. Anderson Cancer Center [Texas-EUA]). Mestre em Ciências Biomédicas pela "Graduate School of Biomedical Sciences" da Universidade do Texas - EUA. Pesquisador do "Ottawa Hospital Research Institute" e do "Bruyere Research Institute". Professor Assistente do Departmento de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de Ottawa.
Vanessa de Albuquerque Citero - Graduação em Medicina, Residência médica em Psiquiatria, Mestrado em Psiquiatria e doutorado em Ciências da Saúde, títulos obtidos pela Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Pós-doutorado em Psiquiatria pela Virginia Commonwealth University, EUA. Docente afiliada do Departamento de Psiquiatra da UNIFESP, Coordenadora Geral do Serviço de Saúde Mental do Hospital Universitário da UNIFESP, sendo responsável pelo Serviço de Interconsulta em Saúde Mental.

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