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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.23 no.1 São Paulo jan./jun. 2020

 

ARTIGOS

 

A compreensão das atitudes diante do diagnóstico de câncer de próstata no processo psicodiagnóstico interventivo

 

The understanding of attitudes towards the diagnosis of prostate cancer in the process of interventive psychodiagnostic

 

 

Antonio José de Macedo NetoI; Laura Carmilo GranadoII; Rodrigo Jorge SallesIII

IUniversidade São Judas Tadeu - São Paulo/SP. - E-mail: antonio.macedo8@gmail.com
IIUniversidade São Judas Tadeu - São Paulo/SP. - E-mail: lauracgranado@gmail.com
IIIUniversidade São Judas Tadeu - São Paulo/SP. - E-mail: rodrigojsalles@hotmail.com

 

 


RESUMO

O câncer de próstata atinge uma parte significativa da população masculina. Em 2018 no Brasil, 68 mil homens foram diagnosticados com câncer de próstata, desta forma, faz-se necessário entender as atitudes dos indivíduos diante do diagnóstico positivo de câncer, para compreender quais são as medidas adotadas pelos pacientes para enfrentar a doença. O objetivo do estudo foi compreender as atitudes de pacientes com câncer de próstata frente ao diagnóstico. Foi realizado um Psicodiagnóstico Interventivo com um participante que recebeu o diagnóstico de câncer de próstata. Os instrumentos utilizados durante o processo Psicodiagnóstico Interventivo foram: um questionário sociodemográfico; um roteiro semiestruturado com 17 perguntas relacionadas ao objetivo da pesquisa; técnicas projetivas H-T-P (Casa-Árvore-Pessoa) e TAT (Teste de Apercepção Temática). Ao total foram realizadas 08 sessões com o participante. Os resultados foram apresentados em três categorias temáticas que possibilitaram a compreensão das atitudes diante do câncer de próstata. Os resultados obtidos ressaltam a importância do Psicodiagnóstico Interventivo. Neste trabalho o Psicodiagnóstico Interventivo mostrou ser uma ferramenta que possibilita compreender os mecanismos de defesa como repressão, isolamento e racionalização utilizados pelo participante durante o processo de adoecimento e tratamento. Cabe salientar que o apoio familiar foi importante no enfrentamento de todo o processo.

Palavras-chave: psicodiagnóstico interventivo; psico-oncologia; técnicas projetivas; psicologia da saúde.


ABSTRACT

Prostate cancer affects a significant portion of the male population. In 2018 in Brazil, 68 thousand men were diagnosed with prostate cancer, so it is necessary to understand the attitudes of individuals towards the positive diagnosis of cancer, to better understand which measures are taken by patients to face the disease. The aim of the study was to understand the attitudes of prostate cancer patients towards the diagnosis. An Interventive Psychodiagnostic was performed with a patient who was diagnosed with prostate cancer. The instruments used during the Interventive Psychodiagnostic process were: a sociodemographic questionnaire; a semi-structured script with 17 questions related to the research objective; the projective techniques H-T-P (House- Tree-Person) and TAT (Thematic Apperception Test). In total, 8 sessions were performed with the patient. The results were presente din 3 thematic categories which enabled the understanding of attitudes towards prostate cancer. The results obtained showed that Interventive Psychodiagnostic is a tool that makes it possible to better understand the patient's defense mechanisms, such as repression, isolation and rationalization, during the process of illness and treatment. It is also important to highlight that family support was an important coping mechanism throughout the entire process.

Keywords: interventive psychodiagnostic; psycho-oncology; projective techniques; psychology of health.


 

 

Introdução

O câncer é um problema de saúde pública que afeta diversas pessoas em todo o mundo. Com base no documento World cancer report da International Agency for Researchon Cancer (IARC), vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS), é indiscutível que o câncer se tornou um dos maiores problemas de saúde pública no mundo, principalmente em países em desenvolvimento, onde é previsto que, nas próximas décadas, haja 20 milhões de novos casos (Stewart & Wild, 2014).

O Brasil é um dos países em desenvolvimento que sofre diretamente com o impacto do câncer na população, e de acordo com o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) (2018), no Brasil estima-se entre 2017 e 2018 a ocorrência de 640 mil casos novos para cada ano. Em se tratando da população masculina, os tipos de câncer mais comuns em homens brasileiros são: câncer de próstata (31,7%), pulmão (8,7%), intestino (8,1%), estômago (6,3%) e cavidade oral (5,2%) (INCA, 2018). Dados do INCA (2018) indicam 68 mil casos de homens diagnosticados com câncer de próstata no ano de 2018.

De acordo com a Agência Nacional de Saúde (2009), os dados epidemiológicos relativos a todos os tipos de câncer tornam explícitos que a idade é um fator de risco importante. Entretanto, nos casos de câncer de próstata, este dado ganha ainda mais força, porque fica evidente quando se considera tanto a incidência quanto a mortalidade, as taxas aumentam nos casos de homens a partir de 50 anos de idade.

A literatura especializada informa que para o desenvolvimento de um câncer, existem fatores de risco extrínsecos e intrínsecos. Os primeiros abarcam questões ambientais tais como alimentação, poluentes, uso de álcool, cigarro e infecções virais e os segundos sendo fatores genéticos (Straub, 2005; Kaliks & Del Giglio, 2008).

Para evitar que o câncer provoque problemas irreversíveis no corpo do indivíduo acometido, estratégias de prevenção, rastreio e diagnóstico precoce têm sido priorizadas nos níveis de atenção primário, secundário e terciário que compõem o Sistema Único de Saúde (SUS) (INCA, 2018; Yamaguchi, 2008). Segundo Maia, Moreira e Filipini (2009), as dificuldades que a população masculina enfrenta para se prevenir diante do diagnóstico do câncer de próstata relacionam-se a fatores diversos como a falta de informações e variadas formas de preconceitos primitivos e negativos sobre o câncer e o seu prognóstico. Em se tratando da população masculina, o preconceito é um dos grandes dificultadores no combate ao câncer e realização dos exames preventivos, sobretudo o de toque retal. Boa parte dos homens tem medo e receio de realizar este exame, porque teria uma conotação invasiva que pode causar dor (Gomes, 2003; Maia et. al., 2009).

Além disso, mesmo sendo um procedimento importante, o exame de toque retal vai ao encontro de fantasias masculinas, pois envolve penetração, podendo ser percebido em seu imaginário como uma violação quase sempre associada à dor, e também ao desconforto físico e psicológico de estar sendo tocado numa parte interditada (Gomes, 2003; Figueiredo, 2005). Ter ereção frente ao toque retal é outro medo, pois esta possibilidade pode significar a indicação da presença de prazer ao ser tocado uma vez que no imaginário a ereção está tão fortemente ligada ao prazer e é quase impossível entende-la como apenas uma reação fisiológica (Yamaguchi, 2008; Nascimento, Florindo & Chubaci, 2010). A literatura também salienta como dificultador para a prevenção primária do câncer de próstata, a baixa busca por cuidados em saúde realizada pela população masculina que recorre aos cuidados apenas em situações críticas de muito desconforto e/ou dor extrema (Alves, Silva, Ernesto, Lima & Souza, 2011; Modena, Martins, Gazzinelli, Almeida, & Schall, 2014).

O diagnóstico de câncer pode favorecer o aparecimento de sofrimento psíquico no paciente e também pode se estender a familiares, amigos, colegas e até mesmo à equipe de saúde responsável pelo caso. O sofrimento emocional pode prejudicar a adesão ao tratamento e gerar situações de estresse que podem contribuir para o mau funcionamento do sistema de defesa do corpo, fragilizando a saúde do paciente (Veit & Carvalho, 2010). O diagnóstico é visto como uma sentença de morte, e desta forma aspectos emocionais e psicológicos relacionados à depressão e ansiedade podem ocorrer durante este processo de descoberta e tratamento do câncer, afetando de maneira negativa a qualidade de vida destes pacientes (Seemann, Pozzobom, Vieira, Boing, Machado & Guimarães, 2018).

O diagnóstico de uma doença como o câncer pode evocar um estado de luto pela perda da saúde, associado também à ideia de morte, mesmo nos casos em que o prognóstico seja promissor (Carvalho, 2002). Os pensamentos dos pacientes envolvem medos de mutilações, medo do desconhecido, apreensão em passar por tratamentos dolorosos, temor das perdas e possíveis mudanças na imagem corporal ligada ao adoecimento e aos tratamentos (Yamaguchi, 2008). Ao receber a informação do diagnóstico, o paciente é colocado diante de um dado de realidade que evidencia as limitações do seu corpo físico, conscientizando-o da sua própria finitude (Vieira, Araújo & Vargas, 2012; Seemann, et. al., 2018).

Diante deste cenário, indícios de depressão e sintomas depressivos podem surgir como conseqüência de dificuldades em elaborar o diagnóstico e as mudanças que ele traz (Moraes, 1994). As simplificações e incertezas geradas pelo diagnóstico acentuam as reações emocionais e psicológicas, que devido ao choque ou à incredulidade ante a descoberta do tumor, estão associadas a sintomas de ansiedade, tristeza e irritabilidade (Tofani & Vaz, 2007).

O diagnóstico de câncer de próstata é um acontecimento intenso. Boa parte da população masculina quando descobre ser portadora desta patologia, enfrentam vários tipos de sofrimentos como medo, constrangimento, preconceitos, depressão e sentimento de impotência. Estes sofrimentos elencados podem abalar o bem-estar físico e emocional, repercutindo negativamente na qualidade de vida do homem. Colocado desta forma, o objetivo desta pesquisa foi analisar as atitudes diante do diagnóstico de câncer de próstata a partir da discussão de um caso atendido por meio do processo Psicodiagnóstico Interventivo.

 

Método

Delineamento

O presente estudo se trata de uma pesquisa clínica, que utilizou de uma metodologia do tipo qualitativa envolvendo o delineamento de estudo de caso clínico para a sua viabilização. Por se tratar de uma pesquisa clínica, a coleta de dados ocorreu ao longo dos atendimentos do participante durante oito sessões de um processo Psicodiagnóstico Interventivo, realizado na Universidade São Judas Tadeu Campus Mooca localizada no município de São Paulo.

O Psicodiagnóstico Interventivo é um procedimento clínico que consiste em realizar intervenções simultâneas no momento de realizações de aplicação de testes e entrevistas (Tardivo, 2007). Neste enquadre, as devoluções são dadas no decorrer de todo o processo avaliativo, sendo assim, as devolutivas não ocorrem somente ao final do processo. Para Barbieri (2010), o conhecimento construído no processo de Psicodiagnóstico Interventivo é realizado de forma conjunta durante a interação entre o profissional/pesquisador. Vale ressaltar que as intervenções e devolutivas podem trazer mudanças e bem-estar para o participante ao longo do processo avaliativo (Tardivo, 2007; Milani, Tomael & Greinert, 2014).

Procedimentos, Instrumentos e Participante

Os instrumentos utilizados durante o processo Psicodiagnóstico Interventivo foram: um questionário sociodemográfico; um roteiro semi-estruturado com 17 perguntas relacionadas ao objetivo da pesquisa, elaboradas pelo terapeuta/pesquisador; as técnicas projetivas H-T-P (Casa-Árvore-Pessoa) (Buck, 2003) e o TAT (Teste de Apercepção Temática) (Murray, 2005).

Para a aplicação do HTP foi solicitado ao participante apenas a série acromática, contendo o desenho da casa, árvore, pessoa e uma pessoa do sexo oposto ao da primeira pessoa desenhada. Foram utilizadas as seguintes pranchas do TAT: 1 - O menino e o violino; 2 - A estudante no campo; 3RH - Curvado/a sobre o divã; 5 - A senhora na porta; 6RH- O filho que parte; 8RH- A intervenção cirúrgica; 13R- Menino sentado na soleira; 15 - No Cemitério; 18RH- Atacado por trás; e 19 - Cabana na neve. Cabe salientar que as dez pranchas do TAT, foram selecionadas com base na relação entre as normas temáticas do manual brasileiro do TAT (Murray, 2005) e os objetivos da pesquisa.

As sessões foram realizadas dentro do tempo de 50 minutos, todas na clínica da própria Universidade, conservando o sigilo e proporcionando um ambiente livre de interferências. Todas as sessões foram conduzidas pelo mesmo pesquisador/terapeuta e supervisionadas por um psicólogo/professor da Universidade. Somente as sessões do roteiro de perguntas semi-estruturadas e aplicação do TAT foram gravadas após o consentimento do participante, com o intuito de preservar a qualidade das informações e auxiliar a transcrição dos dados.

Após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Judas Tadeu (CAAE: 69496217.8.0000.0089), foi realizada a busca pelo participante em grupos de saúde da Zona Leste de São Paulo. Durante o processo de divulgação da pesquisa foi feito o contato com um participante interessado em atendimento psicológico que frequentava as atividades de um grupo de idosos. A partir do primeiro contato com o participante, foi apresentado o objetivo da pesquisa e efetuado o convite para participação voluntária na pesquisa e atendimentos. Após o aceite do convite, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi lido e assinado em duas vias rubricadas pelo pesquisador/terapeuta, seguido do agendamento das sessões em horário coerente com a rotina do participante. O participante recebeu a confirmação do diagnóstico de câncer de próstata em 2001, 16 anos antes da realização da pesquisa. Reside em São Paulo, é casado, com 74 anos de idade e no momento da pesquisa possuía uma renda de aproximadamente 2.500,00 reais.

Os dados coletados foram submetidos à análise de conteúdo temática proposto por Campos (2004) e Campos e Turato (2009). O trabalho de análise versou sobre a transcrição das respostas obtidas pelo participante, e foram organizadas em etapas: (1) pré-exploração do material, realizando leituras flutuantes; (2) seleção de unidades temáticas relacionadas ao foco deste estudo; (3) construção de categorias temáticas.

 

Resultados e Discussão

A partir da análise dos dados, as seguintes categorias foram estabelecidas: (1) Descoberta do diagnóstico; (2) A vivência do diagnóstico na atualidade; e (3) Compreensão dos aspectos latentes vinculados às atitudes diante do câncer de próstata. Tendo em vista uma exposição mais dinâmica para a discussão dos resultados, na escrita deste artigo, foi feita a opção pela apresentação das categorias na forma textual, utilizando trechos dos relatos das entrevistas e sessões de aplicação de instrumentos de avaliação como meios de ilustração da discussão.

1) A descoberta do diagnóstico

A primeira categoria aborda as impressões e atitudes do participante diante do diagnóstico de câncer de próstata, envolvendo uma discussão sobre como ele enfrentou e lidou com essa situação no período inicial em que foi diagnosticado. Convém salientar que os dados discutidos nesta categoria partem das impressões subjetivas do participante sobre os acontecimentos passados que ocorreram 16 anos antes da realização da pesquisa, em 2001, quando o participante tinha 58 anos de idade.

De acordo com o participante, o cuidado com a saúde começou tardiamente, após os 50 anos, em função de uma norma da empresa onde trabalhava, ou seja, por uma imposição externa e não por uma busca pessoal. É possível constatar que não existia cuidado com a saúde antes desta norma:

Não tinha sintoma, não tinha nada, então a gente não ia. Quando eu entrei numa firma que tinha convênio a gente fazia exame porque a enfermeira avisava que a gente tinha que fazer exame completo de 6 em 6 meses, aí comecei a fazer, mas antes a gente não ligava pra nada não(...).

As resistências relacionadas aos cuidados com a saúde fizeram com que o participante iniciasse o rastreamento do câncer de próstata tardiamente. Vale ressaltar que é recomendado que o rastreamento do câncer de próstata seja feito através de exame de sangue PSA (Prostatic Specific Antigen) em conjunto com o do toque retal. Estes exames devem ser feitos a partir dos 45 anos por todos os homens e a partir dos 40 anos para aqueles que possuem histórico de câncer da próstata na família (INCA, 2018).

Para Figueiredo (2005), este comportamento de resistência para cuidar da saúde segue um modelo de masculinidade idealizada que adota noções de invulnerabilidade e comportamento de risco, estabelecendo-se como um valor da cultura masculina, que fortalece a ideia de não falar dos problemas relacionados à saúde, evitando demonstrar fraquezas que podem fragilizar o homem perante os outros. Podemos verificar que estes valores estavam enraizados na subjetividade do participante quando ele destaca: "Antes de aparecer essa doença eu não me interessava muito não viu, os homens são meio assim, ninguém se interessa muito nesse câncer de próstata não (...)".

As resistências surgem e impedem o cuidado da saúde e criam barreiras que não permitem a realização do exame de toque retal porque este procedimento é visto como algo que ataca as concepções de masculinidade (Dantas & Couto, 2018). A masculinidade é usada como estrutura para a formação da identidade, impondo conceitos que devem ser seguidos para que sejam reconhecidos como "homens de verdade" e não serem questionados a respeito da sua sexualidade por aqueles que possuem as mesmas crenças (Belinelo, Almeida, Oliveira, Onofre, Viegas & Rodrigues, 2014).

Frente ao exame do toque retal são criados estigmas que se tornam aspectos simbólicos que interferem na decisão do homem em realizar os devidos cuidados, criando barreiras, que favorecem que o toque retal seja visto como uma violação ou um comprometimento da masculinidade (Miranda, Côrtes, Martins, Chaves & Santarosa, 2004; Figueiredo, 2005). Para lidar com este constrangimento, os homens banalizam e fazem brincadeiras. Podemos entender esse fato por meio do relato do participante: "Leva muito na brincadeira né, (risadas), então já viu né, não dá para conversar, leva na brincadeira (...)". Nesta fala ele ressalta que conversar sobre o exame de toque retal é difícil, pois surgem estigmas em forma de brincadeiras que banalizam o exame e se caracterizam como resistências.

O medo de comprometer a masculinidade faz com que boa parte da população masculina utilize o exame de sangue PSA, que não é considerado invasivo, ou seja, não viola nenhum valor relacionado à masculinidade (Miranda, et al., 2004). Este dado também foi observado durante as primeiras entrevistas com o participante: "(...) eu também nunca fiz o exame de toque, só fazia o exame de PSA e sempre deu normal, agora, de toque só fiz quando teve que fazer mesmo né", fica claro que há presença de resistências que impedem de cuidar da saúde preventivamente. Todavia, existem diversos impedimentos para a sua prevenção, relacionados a aspectos como: falta de informação à população de um modo geral; crenças, valores e princípios sobre o câncer e seu prognóstico; preconceitos, cismas e preocupações contra o exame preventivo e a escassez de rotinas nos serviços para a prevenção precoce do câncer de próstata (Maia, et al., 2009).

Durante a primeira entrevista, o participante foi questionado sobre como se sentiu quando recebeu a confirmação do diagnóstico de câncer de próstata: "Eu não fiquei muito assustado não, sabia! Porque eu sou assim a gente morre uma vez, então eu pensei se morrer morreu. Eu penso assim, agora, os outros ficam apavorados, eu não fiquei não (...)". O relato indica uma naturalização do sofrimento, utilizando-se de medidas de isolamento e racionalização que amenizam os impactos da notícia, indicando também a resistência para entrar em contato com o desconforto que essa situação gera. Este mecanismo revela-se como a principal forma de se defender da angústia suscitada pelo assunto. De acordo Kübler-Ross (1996), o isolamento dos sentimentos pode agir como um "para-choque" logo após notícias inesperadas e que podem causar desconforto, e a racionalização é uma forma de amenizar o impacto da dor e sofrimento que possam surgir.

A notícia da confirmação do diagnóstico de uma doença incide em um momento particular da vida do participante, representando uma ruptura, uma ferida narcísica diante do ideal de potência, saúde e autonomia. Esse momento da vida do participante era de estabilidade familiar e financeira e o diagnóstico vem para desestabilizar toda a estrutura.

Durante as primeiras entrevistas, o participante tentou, a todo momento, naturalizar e amenizar o impacto do diagnóstico. A mesma medida foi utilizada diante de amigos e familiares, evitando expor o que estava sentindo e demonstrar qualquer tipo de vulnerabilidade. No primeiro momento, a notícia foi comunicada apenas para a esposa: "Amigos eu não contei, contei para a minha mulher, porque eu já não tinha nem pai nem mãe contei para a minha esposa depois se ela contou para os meus filhos, eu não sei (...)". A função de comunicar aos filhos foi delegada para a esposa, desta forma é possível perceber a dificuldade que o participante teve para lidar com o diagnóstico, e ao mesmo tempo, a confiança que possui na esposa, figura que desempenhou um papel central em todo o processo desde o diagnóstico até a atualidade.

A esposa tornou-se uma fonte de apoio emocional, desempenhando também um papel fundamental diante de questões práticas, como pegar os medicamentos no hospital e também marcar os exames. O filho mais novo do casal assumiu a responsabilidade de locomoção nos momentos necessários, conforme a fala do participante: "Quando eu precisava ir ao médico meu filho me levava e minha esposa me acompanhava, porque à noite eu não gosto de dirigir, então quando eu ia fazer exame à noite ele me levava até o laboratório (...)".

A esposa passa a exercer neste momento um papel complementar diante das dificuldades experienciadas pelo participante, funcionando como um ego auxiliar, que promove atenção, acolhimento e segurança. A esposa é vista pelo participante como íntegra e com recursos para lidar com a situação e ajudá-lo nessa tarefa de lidar com o câncer de próstata. A função de ego auxiliar, segundo Andaló (2001), envolve a capacidade de exercer a percepção, acolhimento, ajuda e cuidado, que ainda não estão suficientemente desenvolvidas no próprio sujeito.

Sendo assim, evidenciou-se que, por detrás das defesas há um sentimento de fragilidade diante da confirmação do diagnóstico. Diante deste estado de vulnerabilidade, acrescido dos estigmas ligados ao câncer de próstata que ameaçam não só o ideal de potência, como também a condição masculina, a esposa desempenhou um papel fundamental, sendo fonte de apoio para lidar com as primeiras medidas diante do diagnóstico, como a comunicação da doença aos filhos e acompanhamento em consultas e tratamento. Tanto a esposa como o filho mais novo, estiveram sempre apoiando, acompanhando, ajudando e acolhendo o participante em todos os momentos, demonstrando, portanto, a importância do amparo familiar diante do diagnóstico inicial e tratamento.

2) A vivência do diagnóstico na atualidade

A análise apresentada nessa categoria visa a compreender como o participante encara o diagnóstico e lida com a saúde hoje, quais são os acompanhamentos realizados, como também, a compreensão dos possíveis resíduos da experiência com o câncer no passado e o papel que exercem nos dias de hoje.

Vale ressaltar que se trata de um caso em que a demanda inicial partiu da necessidade de investigação do pesquisador/terapeuta. Apesar da demanda ser inicialmente sustentada pelo pesquisador/terapeuta, logo nas primeiras entrevistas foi possível observar os resíduos deste turbulento período marcado pelo diagnóstico e tratamento do câncer de próstata. Sendo assim, as medidas adotadas inicialmente no setting visaram a mobilizar o participante a olhar para essas questões, entrar em contato com emoções que foram sendo deixadas de lado ao longo dos últimos anos, mas que, apesar disso, estavam muito vivas.

Durante as primeiras sessões, foi possível perceber que o participante estava interessado e engajado no processo e que existia uma demanda de escuta do seu sofrimento, já que, aparentava nunca ter tido um espaço para falar sobre os acontecimentos deste período. Porém, o posicionamento inicial apresentado pelo participante era de colocar-se como um colaborador, um fornecedor de respostas para a pesquisa, não se implicando em seu relato. Também foi possível observar que este mesmo distanciamento observado na relação terapêutica se apresentava na relação com os eventos do passado voltados ao diagnóstico.

A princípio, o trabalho envolveu mobilizar o participante para falar dos sentimentos atuais a respeito do câncer de próstata, construindo assim uma demanda e estabelecendo uma relação de confiança e acolhimento, que permitisse reduzir a hierarquia causada pelo processo de pesquisa, facilitando uma gradual aproximação entre o par a ponto de que o papel de colaborador fosse gradativamente substituído pelo papel de "paciente". Convém destacar que a relação de confiança se torna importante porque possibilita ao participante apresentar conteúdos latentes e também dispor de recursos internos para enfrentar essas dificuldades (Barros, 2013). Vale ressaltar que apesar da postura constante de colaboração e motivação para os encontros, percebia-se no setting uma resistência, que era quebrada em alguns momentos, mas nunca transposta completamente, caracterizando assim uma das limitações na atuação em um setting que cumpre a dupla função de pesquisa e intervenção.

Boa parte dos homens que descobrem serem portadores do câncer de próstata passa por um sofrimento que abala o bem-estar físico e emocional, repercutindo negativamente na qualidade de vida (Maia, et al., 2009). De acordo com Tofanie e Vaz (2007), apontam que para ocorrer aceitação da doença e adesão ao tratamento, é necessária uma abordagem adequada e profissional que saiba como lidar com os sentimentos que surgem neste momento, e para isso se faz indispensável o diagnóstico médico associado ao exame psicodiagnóstico.

Na primeira atividade, o roteiro de perguntas semi-estruturadas, o participante assumiu uma postura pragmática a respeito do diagnóstico de câncer de próstata: "Como eu contei antes, eu não fiquei apavorado, minha mulher estava desconfiada porque quando o PSA dá alto tem algum problema, quando o médico falou, eu disse para o doutor: o que vai fazer né?A vida é assim (...)."

A postura pragmática do participante cumpria o papel de afastar os incômodos gerados pelas perguntas, permitindo-o evitar entrar em contato com os conteúdos do diagnóstico. Sendo assim, ficava evidente sua fragilidade diante da doença e a carência de outros recursos para lidar com o sofrimento causado pelo diagnóstico. Sentir-se vulnerável para a população masculina é algo que fere a masculinidade, por esse motivo a utilização de mecanismos que mostrem o contrário torna-se importante para homens que estão enfrentando dificuldades ou problemas de saúde (Figueiredo, 2005).

Para lidar com o sofrimento evocado diante dos relatos sobre o passado, o participante utilizou mecanismos de defesa como o isolamento. Segundo McWilliams (2014), o isolamento do afeto caracteriza-se como uma maneira encontrada pelo psiquismo para lidar com as ansiedades e outros estados dolorosos da mente mantendo estes sentimentos isolados. A utilização desta defesa pelo participante pode ser ilustrada na fala do participante sobre o que sentiu durante o diagnóstico e tratamento de câncer: "Quando fui fazer exame de ressonância magnética passei no corredor cheio de gente, senti um sentimento estranho, não era coisa boa era coisa ruim, não sei dizer o que era, parecia que eu era um boi indo para o abate (...)". Esta cena imaginária, criada pelo participante, é descrita de um modo bastante racional, em que as ideais aparecem desprovidas de afeto.

Outra defesa utilizada foi a racionalização, compreendida por Laplanche e Pontalis (2001), como uma substituição de razões plausíveis de um impulso ou ato do sujeito em que o verdadeiro motivo não é possível de ser reconhecido pelo sujeito. A racionalização foi comumente empregada visando a naturalizar o sofrimento e o contato com a finitude evocada diante do diagnóstico: "Eu não fiquei muito assustado não, sabia! Porque eu sou assim a gente morre uma vez, então eu pensei se morrer morreu. Eu penso assim agora os outros não, ficam apavorados, eu não fiquei não (...)".

Ao longo do processo, com a ampliação do vínculo terapêutico, o participante começou a entrar aos poucos em contato com os resíduos atuais deixados pelo diagnóstico e tratamento de câncer de próstata. Foi possível dialogar a respeito dos sentimentos evocados que incomodavam o participante. Mesmo com algumas resistências para falar a respeito do diagnóstico, o participante aos poucos conseguiu falar sobre estes conteúdos e foi identificando o setting como um espaço confiável em que era possível trabalhar e abordar estes temas.

As resistências apresentadas estavam ligadas aos sentimentos de vulnerabilidade que o participante experimentou durante o período do diagnóstico e tratamento. Foi possível compreender também o receio do participante em entrar em contato com os sentimentos vividos à época do diagnóstico. As defesas empregadas nas sessões visaram justamente evitar experienciar a vulnerabilidade que experimentou neste período, preferindo hoje tratar o assunto com certo distanciamento, como se fosse um período descolado da sua história, uma etapa diferente na qual prefere colocar um ponto final.

Foi possível perceber que ocorreram mudanças significativas na vida do participante por causa do câncer de próstata, principalmente o cuidado com a saúde na atualidade. Hoje o participante faz acompanhamento médico regularmente e realiza diversos exames de 6 em 6 meses. O participante também faz exercícios físicos como caminhadas, natação, andar de bicicleta, e adotou uma alimentação saudável. Vale destacar que estas mudanças são consequências deste período turbulento, que sensibilizou o participante para uma nova postura diante da sua saúde.

3) Compreensão dos aspectos latentes vinculados às atitudes diante do câncer de próstata

A terceira categoria aborda os aspectos latentes vinculados às atitudes do participante diante do câncer de próstata, resultados da aplicação dos métodos projetivos e a da exposição destes dados ao participante. O foco foi compreender quais conteúdos foram mobilizados com a aplicação dos testes e a relação que estes mantêm com as atitudes e percepções do participante diante do câncer de próstata.

As entrevistas possuem como limitação o fato de trabalharem com as impressões do participante sobre os fatos ocorridos, partindo do pressuposto de que o participante se conhece suficientemente bem para abordar seus sentimentos diante de eventos, a exemplo do processo de adoecimento como o câncer de próstata. Neste sentido, o uso de métodos projetivos torna- se importante como uma fonte para a compreensão de aspectos latentes que tendem a ser distanciados pelos recursos defensivos do participante. Os métodos projetivos permitem então o contato com os sentimentos por uma via indireta que se mostra menos dolorosa para o participante.

Foi possível observar uma redução da resistência durante a inserção dos instrumentos projetivos. O participante demonstrou um pouco menos de desconforto no decorrer da aplicação do HTP (Casa-Árvore-Pessoa), trazendo inclusive aspectos pessoais de forma espontânea, sinalizando uma evolução na relação e na dinâmica do setting, em que os instrumentos passaram a exercer a função de facilitadores para a comunicação emocional do participante.

Durante a explicação da tarefa da primeira técnica, o HTP, o participante esboçou um desconforto inicial com a ideia de realizar desenhos: "Xiii eu não sou muito bom de desenho à mão livre, não sei se vou conseguir fazer esse desenho não (...)". Percebe-se que, neste primeiro momento, além de demonstrar um desconforto inicial com inserção da técnica, o participante também tende a desvalorizar a sua produção gráfica a fim de diminuir as expectativas do aplicador diante do seu desempenho, indicando o sentimento de vulnerabilidade e vergonha diante da tarefa solicitada (Perry, 1990).

Apesar da resistência inicial, o participante foi permitindo-se gradualmente aprofundar suas percepções sobre as relações familiares, como também, abordar temas que até então não haviam sido expostos nas entrevistas. Durante a produção do HTP o participante trouxe uma percepção da esposa como uma figura íntegra e como fonte de cuidado, ressaltando a importância que ela apresenta em sua vida. A análise da produção gráfica permitiu corroborar as percepções já apresentadas nas entrevistas sobre o papel de ego auxiliar exercido pela esposa na relação com o participante. Ao realizar o desenho de uma pessoa do sexo feminino (Figura 1), a esposa foi destacada como fonte de apoio, carinho, atenção e acolhimento, retratando a importância da esposa tanto no tratamento do câncer de próstata e na atualidade.

 

 

Desenho do Sexo Feminino

No desenho da pessoa do sexo masculino (Figura 2), o participante denominou a produção gráfica como um espantalho, algo sem vida, que também foi associado à figura paterna, trazendo uma dupla caracterização sobre o desenho: é ao mesmo tempo um desenho sobre o pai e sobre como ele se sentia durante o tratamento. Através do desenho, o participante pôde, pela primeira vez durante o processo, trazer as reais percepções sobre como se sentiu durante o tratamento de câncer de próstata: desvitalizado como um espantalho, um objeto sem vida.

 

 

Desenho do Sexo Masculino

Já a associação sobre o pai no desenho foi compreendida como representante da rigidez e a perpetuação pelo meio familiar de uma postura que não permite expressar os sentimentos. Durante o inquérito dos desenhos, o participante abordou lembranças sobre a relação com a figura paterna, uma figura descrita como fria e distante. Observa-se que a representação do desenho da pessoa do sexo masculino, identificado como o pai, sinalizava também essa necessidade de guardar o sofrimento e a dor para si, sem poder demonstrar fraqueza ou vulnerabilidade para o outro, assim como um espantalho: sem vida e sem expressões.

A análise do desenho permitiu a compreensão sobre a origem desta sua forma particular de lidar com o sofrimento, tendo de demonstrar força e autossuficiência diante das adversidades. Porém, apesar da rigidez, o participante também evidencia a necessidade de cuidado, trazendo espontaneamente relatos sobre como precisa deste cuidado ainda hoje, e permitindo se queixar sobre a falta da atenção do pai durante a infância e como gostaria que esta situação fosse diferente.

Foi possível notar uma desproporcionalidade estética entre o desenho masculino e o feminino. O desenho feminino é um desenho mais completo, mais organizado, íntegro, representando uma fonte de apoio mais estável, mostrando como a participante enxerga à esposa, enquanto o masculino é uma variação de palitinhos, um espantalho, algo sem vida, representando sua vulnerabilidade diante do tratamento do câncer.

Apesar da aproximação e exposição de sentimentos apresentadas durante a aplicação do HTP, no decorrer da aplicação do TAT foi possível identificar que o participante teve dificuldades para entrar em contato com conteúdos pessoais os quais remetem a sentimentos que envolvem sofrimento, retomando seu padrão de distanciamento e evitação identificados anteriormente durante as entrevistas. Desta forma, os conteúdos expressos nas pranchas não apresentaram profundidade, mas ainda assim, evocaram aspectos relacionados ao medo, sofrimento, dor, desamparo, abordados com certo afastamento.

A maioria das histórias trazia desejos de superar desafios e vencer obstáculos, apresentando também questões sobre sua capacidade de realização da tarefa como, por exemplo, a verbalização da falta de imaginação: "Pior que eu não tenho muita imaginação não (...)". A análise do TAT revelou um contraste entre a imagem apresentada pelo participante no decorrer das entrevistas iniciais e a autoimagem revelada a partir dos personagens das histórias relatadas. Enquanto nas entrevistas a imagem revelada era predominantemente de uma pessoa forte, centrada e que não se preocupa com a finitude, abordando a morte e o adoecimento de forma natural, no TAT são apresentados personagens inseguros, dotados de fraquezas e medos. É possível observar aspectos de solidão e vulnerabilidade no trecho final da história contada para a prancha 1 - "O Menino e o violino" [Diálogo durante a aplicação do TAT - Letra P significa Participante e a letra T é de Terapeuta]:

(P) Ele não conseguiu tocar muito bem não.

(T) E como se sentiu por não ter conseguido tocar muito bem?

(P) Se sentiu decepcionado (...)

(T) Ele fez algo depois?

(P) (...) Foi para a casa chorando (...)

(T) Na casa dele tinha alguém?

(P) Não tinha ninguém na casa dele, ficou sozinho em casa (...).

Para compensar as inseguranças e carências de recursos próprios, os personagens buscam auxílio no ambiente externo para obter sucesso no enfrentamento dos conflitos vivenciados, medida semelhante àquela apresentada pelo participante no enfrentamento da sua doença. No que diz respeito ao ambiente familiar, a análise do TAT revela uma percepção do ambiente como acolhedor e fonte de apoio, o que pode ser observado no relacionamento com a esposa e com o filho mais novo.

A análise do TAT também revelou traços agressivos latentes que apareceram no decorrer da aplicação do instrumento. Por de trás da postura centrada e colaborativa, apresentou impulsos agressivos diante das frustrações impostas pelo ambiente. Porém, estes traços não podem ser revelados devido à presença de um superego rígido e a necessidade de manter uma postura polida e centrada. A repressão da agressividade impossibilita que ele sinta qualquer tipo de revolta ou insatisfação diante de frustrações como o diagnóstico de câncer de próstata.

Os aspectos assinalados podem ser ilustrados pelo trecho da história narrada para a prancha 18RH - "Atacado por trás", no relato do participante o homem chega atrasado ao trabalho e é repreendido pelo chefe:

(P) (...) Chefe reagiu meio desapontado achou que ele estava dormindo, que dormiu demais e atrasou, acho que só.

(P) Termina que ele (...) ele pediu desculpa mesmo estando certo, mas chefe tem sempre razão, então pediu desculpa e foi trabalhar (...).

A aplicação do TAT propiciou uma compreensão das vivências do participante e auxiliou no entendimento de como se constituíram suas resistências, o funcionamento de suas defesas e principalmente suas relações familiares. A respeito da forma como o participante enfrentou diagnóstico e tratamento de câncer de próstata, foi possível identificar o papel das vivências familiares e a educação que lhe foram dadas ao longo do seu desenvolvimento. No decorrer da aplicação foram marcantes a presença de defesas como o isolamento, a racionalização e a repressão, que cumprem o papel de distanciar sentimentos e lembranças associadas ao diagnóstico e tratamento do câncer.

Para entender de forma ampla quais são os impactos do diagnóstico e o processo de tratamento do câncer de próstata Tofani e Vaz (2007) realizaram uma pesquisa com o intuito de identificar sentimento de impotência e fracassos ante os cartões IV e VI do Rorschach. Os resultados indicam que os pacientes apresentaram sentimentos de impotência diante do enfrentamento da doença, assim como dificuldades de adesão ao tratamento e fuga dessa realidade dolorosa. Cabe salientar que aspectos depressivos, angústia, resistência, fuga da realidade também foram constatadas na presente pesquisa ao longo do processo do Psicodiagnóstico Interventivo, corroborando os resultados encontrados por Tofani e Vaz (2007).

No encerramento do processo foi perguntado ao participante sobre os planos futuros, a resposta foi que ele pretende continuar levando a vida, sem perspectivas de novas realizações a longo prazo. Podemos perceber que os planos a curto prazo e principalmente o apego ao presente, não revelando planos para o futuro, podem demonstrar o receio para lidar com a finitude, como se não existissem esperanças de novas realizações ou desafios futuros, o que está em consonância com os apontamentos de Kovács (1992).

 

Considerações finais

A pesquisa permitiu a compreensão das principais atitudes do participante diante do diagnóstico de câncer de próstata. Ficaram evidentes as resistências e comportamentos de distanciamento, principalmente o uso de mecanismos de defesa como isolamento e racionalização durante as sessões, preservando o participante do contato com as angústias experimentadas no passado durante o diagnóstico e tratamento do quadro oncológico. Convém salientar que durante o processo o pesquisador/terapeuta desenvolveu uma relação de confiança e acolhimento com o participante, favorecendo o fortalecimento do vínculo entre a dupla, demonstrando a importância do enquadre que une pesquisa e intervenção. Este movimento visou a criar um espaço de confiança e reflexão sobre as experiências de vulnerabilidade que o participante vivenciou durante o diagnóstico e tratamento do câncer de próstata. Apesar das defesas empregadas, foi possível perceber os aspectos saudáveis do participante, sinalizando recursos para lidar com os conflitos que foram apresentados ao longo do diagnóstico e tratamento do câncer de próstata.

No decorrer do processo, o participante sentiu-se à vontade para relatar e refletir sobre o período do diagnóstico e tratamento da doença. A inserção dos instrumentos projetivos promoveu uma redução da resistência, o participante demonstrou um menor desconforto no decorrer das atividades propostas, trazendo aspectos pessoais de forma espontânea, como a importância do apoio familiar durante o tratamento.

Dentre as dificuldades encontradas para a operacionalização desta pesquisa, destaca-se a carência de pesquisas que abordam o diagnóstico de câncer de próstata a partir de um referencial psicodinâmico. A pesquisa também foi dificultada pelo baixo interesse dos homens em participar de campanhas e pesquisas voltadas para a promoção de saúde, evidenciando o quão presente ainda é a resistência masculina em falar sobre o adoecimento e participar de atividades preventivas, em especial, aquelas ligadas ao câncer de próstata.

 

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Antonio José de Macedo Neto - Psicólogo e Aprimorando em Clínica Psicodinâmica pela Universidade São Judas Tadeu.
Laura Carmilo Granado - Psicóloga. Mestre pelo Programa de Neurociências e Comportamento do Instituto de Psicologia da USP. Doutora em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da USP. Pesquisadora do Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social do Instituto de Psicologia da USP. Professora da Universidade São Judas Tadeu.
Rodrigo Jorge Salles - Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP/USP). Professor do Curso de Psicologia da Universidade São Judas Tadeu. Pesquisador do Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social (APOIAR) do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

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