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Revista da SBPH

Print version ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.23 no.1 São Paulo Jan./June 2020

 

ARTIGOS

 

Psicanálise, cirurgia bariátrica e obesidade: uma revisão integrativa

 

Psychoanalysis, bariatric surgery and obesity: an integrative review

 

 

Verônica CatharinI; Érico Buno Viana CamposII; Josiane Cristina BocchiIII

IUniversidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Bauru/SP. - E-mail: ve.catharin@gmail.com
IIUniversidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Bauru/SP - E-mail: erico.bv.campos@unesp.br
IIIUniversidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Bauru/SP - E-mail: josiane.bocchi@unesp.br

 

 


RESUMO

Atualmente, observa-se um crescimento significativo da obesidade e da realização de cirurgias bariátricas e metabólicas. A psicologia e, mais especificamente, a psicanálise, possui escopo teórico-conceitual a partir do qual se pode abordar estes fenômenos da contemporaneidade. O presente estudo realizou uma revisão integrativa das pesquisas psicanalíticas sobre obesidade e cirurgia bariátrica e metabólica. Os resultados das buscas em base de dados nacionais e internacionais utilizando-se dos descritores "psicanálise"; "obesidade" e "cirurgia bariátrica", na língua inglesa e portuguesa, permitiram a obtenção de uma amostra de 7 artigos. Estes possibilitaram a construção de uma caracterização inicial das produções psicanalíticas sobre os objetos de estudo. A revisão evidenciou a complexidade do fenômeno, dada a diversidade de formas de conceber a obesidade e a sua etiologia no contexto da teoria psicanalítica e a carência de modelos específicos de avaliação desta demanda. Este tipo de trabalho mostra-se importante, pois além de fundamentar futuras pesquisas na área, os artigos publicados contam a história do saber psicológico sobre obesidade e cirurgia bariátrica.

Palavras-chave: psicanálise; obesidade; cirurgia bariátrica; gastroplastia; literatura de revisão.


ABSTRACT

Currently there is a significant increase in obesity and the performance of bariatric and metabolic surgeries. Psychology, and more specifically psychoanalysis, has a theoretical-conceptual scope from which to approach these phenomena of contemporaneity. The present study carried out an integrative review of the psychoanalytic research on obesity and bariatric and metabolic surgery. The results of searches in national and international databases using the keywords "psychoanalysis"; "obesity" and "bariatric surgery", in English and Portuguese, allowed us to obtain a sample of 7 articles. These enabled the construction of an initial characterization of psychoanalytic productions on the objects of study. The review evidenced the complexity of the phenomenon, given the diversity of ways of conceiving obesity and its etiology in the context of psychoanalytic theory and the lack of specific models for evaluating this demand. This type of work is important because, in addition to supporting future research in the area, the published articles tell the story of psychological knowledge about obesity and bariatric surgery.

Keywords: psychoanalysis; obesity; bariatric surgery; gastroplasty; review literature.


 

 

Introdução

Atualmente, observa-se um crescimento significativo da obesidade e da realização de cirurgias bariátricas e metabólicas. A psicologia e, mais especificamente, a psicanálise, possui escopo teórico-conceitual a partir do qual se pode abordar estes fenômenos da contemporaneidade. O presente estudo propõe realizar uma revisão integrativa das pesquisas psicanalíticas sobre obesidade e cirurgia bariátrica e metabólica, visando subsidiar a melhoria do manejo clínico preventivo e interventivo, no suporte psicológico ofertado à essa população.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2014), em 2008 mais de 1.4 bilhão de adultos estavam acima do peso e mais de meio bilhão eram obesos. Já no contexto brasileiro, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009, verificou o aumento do sobrepeso e obesidade na população com faixa etária acima de 20 anos. Estimou-se o predomínio de obesidade e de sobrepeso, respectivamente, de 12,4% e de 50,1% em homens e, de 16,9% e 48% entre as mulheres (IBGE, 2010). Tais números evidenciam um problema de saúde pública que merece a devida atenção.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM, 2016) foram realizados cerca de 100 mil procedimentos em 2016, 6,5 mil cirurgias a mais que no ano de 2015 - um aumento de 7,5%. O Brasil é considerado o segundo país do mundo em número de cirurgias realizadas e as mulheres representam 76% dessa população. A cirurgia bariátrica e metabólica congrega técnicas respaldadas cientificamente e destinam-se ao tratamento da obesidade e das doenças associadas ao excesso de gordura corporal ou agravadas por ele. O termo "metabólico" é um conceito incorporado recentemente pela importância que a cirurgia obteve no tratamento de doenças causadas, agravadas ou cujo tratamento é dificultado pelo excesso de peso ou facilitado pela perda de peso, como por exemplo, a diabetes e a hipertensão, artropatias e doenças cardiopulmonares.

Considera-se que o fenômeno da obesidade, ocorrendo em dimensões globais, demanda um olhar atento para sua multicausalidade (Arasaki, 2005). A psicanálise pode trazer indicativos para interrogar sobre as relações aditivas com a alimentação, os insucessos pós-cirúrgicos e, também, as fantasias presentes na adesão a este tipo de tratamento. Contudo, observa-se ainda uma quantidade restrita de estudos psicanalíticos que abordem especificamente a cirurgia bariátrica, em especial indicando proposições mais estruturadas de avaliação de pessoas nesse processo (Gorgati, Holcberg & Oliveira, 2002). Em outras abordagens da psicologia há protocolos de avaliação e intervenção mais estruturados, com metodologias de aplicação de escalas em avaliação psicológica (Travado et al., 2004; Baptista, Vargas, & Baptista, 2008) e alguns consensos estabelecidos na área de análise do comportamento e terapia cognitiva (Duchesne, 2001). Esse cenário fundamenta a relevância de uma revisão dos trabalhos da área e a decorrente questão: como os pesquisadores da área da Psicanálise tem trabalhado o tema da obesidade em casos de cirurgia bariátrica e metabólica?

 

Método

Realizou-se uma revisão integrativa de estudos que abordam cirurgia bariátrica e obesidade na perspectiva psicanalítica em bases de dados brasileiras e internacionais. Almeja-se, desse modo, encontrar na literatura já publicada o que se sabe a respeito do tema, as lacunas existentes e os principais entraves teórico-metodológicos de modo a engendrar uma estruturação conceitual que sustente o desenvolvimento da prática psicanalítica na área da saúde. A revisão integrativa é a mais ampla abordagem metodológica, possibilitando incluir diferentes estudos e métodos para uma compreensão do objeto de estudo, combinando também "dados da literatura teórica e empírica, além de incorporar um vasto leque de propósitos: definição de conceitos, revisão de teorias e evidências, e análise de problemas metodológicos de um tópico particular" (Whittemore & Knafl, 2005, p.103). Este estudo será pautado em um processo de seis fases da revisão integrativa descritas por Ganong (1987) -elaboração da pergunta norteadora; busca ou amostragem na literatura; coleta de dados; análise crítica dos estudos incluídos; discussão dos resultados; e apresentação da revisão integrativa - operacionalizado por meio do protocolo proposto por Ursi (2005), o qual compreende a análise de aspectos como identificação, instituição sede do estudo, tipo de publicação e características metodológicas de estudo para a sistematização qualitativa dos dados da amostra. Esse procedimento possibilita a obtenção de dados mais fidedignos, com a extração da totalidade de dados relevantes, a diminuição dos erros na transcrição e a precisão na checagem e registro (Souza, Silva & Carvalho, 2010).

Consultaram-se as bases Scielo, Scopus e Web of Science e o portal da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), para fins de levantamento, além destes e outros tipos de fontes de informação para o acesso, tais como recursos educacionais abertos, sites de internet e eventos científicos. A busca foi realizada em fevereiro de 2020 utilizando os seguintes descritores na língua portuguesa e seus equivalentes em inglês: obesidade, cirurgia bariátrica, gastroplastia e psicanálise. Os critérios de inclusão adotados foram: ser um artigo completo e disponível online, ser de abordagem psicanalítica e possuir descritores e temática condizentes. Os critérios de exclusão foram: artigo incompleto, sem foco na área da psicologia e psicanálise e não abordar o tema dos descritores. Não houve critério de restrição de tempo e foi previsto o descarte das pesquisas duplicadas.

Na BVS, foram encontrados 11 estudos com os descritores em português e 8 com os descritores em inglês. A Scielo apresentou 3 pesquisas com os descritores em português e 3 em inglês. A Scopus e Web of Science apresentaram apenas pesquisas relacionadas aos descritores em inglês, 8 e 4, respectivamente. O levantamento encontrou então, um número (n) total de 37 artigos. Com a exclusão das pesquisas duplicadas e de trabalhos que não se caracterizavam artigos científicos em periódicos chegou-se a 15 trabalhos. Realizou-se a triagem e a elegibilidade desses para análise pautando-se nos critérios de inclusão e exclusão previamente estabelecidos. Dos quinze estudos encontrados, doze (80%) disponibilizavam sua versão completa. Além disso, quatro deles não partiam dos pressupostos psicanalíticos e/ou não eram condizentes com o tema, inserindo-se assim, no critério de exclusão. Desse modo, a presente revisão conta com a seleção de 8 artigos, dos quais cinco apresentavam-se em português, um em inglês, um em espanhol e um em francês. A Tabela 1 apresenta os dados de caracterização dos artigos selecionados na amostra, com classificação atualizada do Qualis (Triênio 2014-2016) na área de Psicologia.

 

Resultados

A Tabela 2 traz a síntese dos principais pontos dos estudos e as categorias extraídas por meio do protocolo preconizado.

Ramírez (2016) apresenta uma revisão sistemática do tratamento da obesidade via cirurgia bariátrica e metabólica, objetivando localizar consequências da intervenção médica sobre o corpo obeso. Os critérios do estudo para a busca de artigos foram: dados epidemiológicos das cirurgias e da obesidade; informações sobre aspectos psicológicos dos pacientes submetidos à intervenção; contemplar o papel da psicologia no tratamento cirúrgico da obesidade mórbida. A revisão selecionou 23 artigos nas bases de dados SciELO, Google Acadêmico e DOAJ através das palavras chave: "cuerpo simbólico", "cirugía bariátrica y obesidad mórbida", "tres registros de Lacan". O método de análise foi a escuta dos fenômenos para além dos aspectos comunicativos dos dados, tecendo uma leitura "entre linhas" de modo a engendrar uma interpretação complementar-suplementar no sentido de abarcar o campo de estudo sem o reduzir (Ramírez, 2016). O estudo priorizou uma compreensão de corpo através dos três registros propostos por Lacan - real, simbólico e imaginário - contudo indicou que os tratamentos para a obesidade não oferecem espaço para dimensão sintomática que ela congrega. Os estudos tendem a revisar fatores como autoconceito, imagem corporal, autoestima que se inserem na dimensão do imaginário. Também destacam a ausência da noção de corpo simbólico e a necessidade de introduzi-lo no manejo médico e psicológico. Conclui que a negligência desta dimensão pode engendrar desconforto psicológico e falhas operacionais no pós-operatório, propondo o reconhecimento da pluridimensionalidade do corpo partir dos três registros de Lacan como forma de alcançar melhores resultados no pós-cirúrgico.

Dentre as pesquisas clínico-qualitativas, Magdaleno Junior, Chaim e Turato (2009) apresentam, sem indicação da amostra, uma observação empírica em grupos terapêuticos abertos e semanais compostos de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica e conduzidos por psicólogos do Hospital de Clínicas da UNICAMP. Os discursos foram analisados de modo a identificar a dinâmica grupal e os fenômenos constitutivos da realidade psíquica dos participantes. O estudo procurou identificar as estruturas de personalidade dessa população de modo a orientar o acompanhamento pós-operatório, bem como construir critérios auxiliares de inclusão/exclusão do procedimento cirúrgico. A pesquisa constatou fases de reestruturação nos pacientes pós-operatórios: triunfo e risco para surgimento de quadros melancólicos e de novas adições. Propôs três categorias de personalidade relacionadas a diferentes modos de enfrentamento das mudanças corporais e comportamentais decorrentes da cirurgia: melancólica, desmentalizada e perversa. Na estrutura melancólica, há maior risco de desenvolver outras condutas aditivas por não suportarem a frustração pela perda. Os autores basearam-se na ideia de uma condição de difícil desenlace, na qual o sujeito viveria à "sombra do objeto", conforme a clássica concepção freudiana sobre a melancolia. A estrutura desmentalizada, por sua vez, corresponde aos pacientes que têm uma falta de capacidade elaborativa, acarretando um pobre contato consigo, com a alteridade e a busca da descarga corporal imediata como saída para a angústia. Trata-se de um modo de funcionamento semelhante ao que na psicanálise contemporânea se denomina de patologias do vazio (Magdaleno Junior, 2008). Por último, apoiados nas definições clássicas freudianas sobre o mecanismo fetichista, propõe-se a estrutura perversa. Nesta, até se obtém a perda de peso, contudo a custas de manobras que geram desconfortos à equipe de profissionais.

O segundo artigo de Magdaleno Junior, Chaim e Turato (2010), tem o objetivo de entender as mudanças do impulso alimentar decorrente da cirurgia bariátrica, apreendendo o ajuste à nova condição corporal, reorganização emocional e as transformações nos hábitos alimentares de mulheres que fizeram cirurgia bariátrica. Os autores utilizam a entrevista semiestruturada para a coleta de dados em uma amostra composta por 7 mulheres que passaram pelo referido procedimento no Hospital de Clínicas da UNICAMP, em um intervalo de 1 ano e 6 meses a 3 anos pós-bariátrica. Os dados coletados foram analisados a partir dos fundamentos da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa preconizada pelo autor sênior dos estudos (Turato, 2008), por meio de expedientes de categorização e utilização da escuta flutuante. Os resultados obtidos apontam para a não simbolização da fome e a origem de um círculo vicioso de insatisfação e dor, na medida em que há ocorrência de uma sensação de fome pré-cirúrgica experimentada como vazio estreitamente relacionado às sensações da experiência primordial de desamparo e irrepresentabilidade psíquica corporal.

Estes achados sinalizam a importância de um tratamento psicológico aprofundado através de orientação psicossocial e atenção clínica que possam desenvolver áreas psíquicas que não se formaram durante o processo de desenvolvimento. Essas deficiências na constituição da psique são responsáveis pelos sintomas, que são a expressão de áreas protomentais, na acepção bioniana do conceito. Pode-se entender os elementos não simbolizados como protomentais, haja vista que sua ocorrência, dotada de grande energia, se dá nas bordas da mente procurando descarga somática. Estas áreas são caracterizadas pelo estado de indiferenciação entre físico e psíquico, características de um funcionamento psíquico arcaico expresso em descargas brutais, não mediadas pelo pensamento.

Dentre os ensaios teóricos, Rocha, Vilhena e Novaes (2009) trazem discussões articuladas a vinhetas clínicas propondo pensar o laço do obeso mórbido com a comida e refletir sobre os modos de relação do sujeito com seu desejo, com o corpo e com a falta. Apoiado no campo de conceitos lacanianos, o estudo tece reflexões sobre uma economia pulsional própria à obesidade, discorrendo sobre um modo inflexível de gozo e sobre o contexto de busca pela cirurgia em que o comer compulsivo não sacia, visto não haver objeto para pulsão e por ser o desejo marcado por uma falta constitutiva. O estudo convoca para uma reflexão quanto ao papel da tecnociência nas intervenções corporais.

O outro artigo de Rocha, Vilhena e Novaes (2008) segue a linha do ensaio teórico com vinhetas clínicas, objetivando compreender a obesidade mórbida a partir das noções lacanianas de gozo e sujeito, debruçando-se sobre o estatuto do corpo e os mecanismos de regulação social que produzem práticas corporais distintas, subjetividades e preconceitos. As autoras dotaram de importância a dimensão social no sintoma da obesidade, reflexo de uma sociedade do consumo excessivo, que se encontra em permanente insatisfação.

Já o ensaio teórico de Mendes e Vilhena (2016) apresenta considerações advindas da prática ambulatorial de uma equipe de cirurgia bariátrica de um hospital da rede federal na cidade do Rio de Janeiro. A pesquisa investigou a relação entre o sofrimento psíquico do obeso e o estatuto do corpo na contemporaneidade, circunscrito pelo biopoder e pela tecnociência. O artigo discute sobre a cultura do consumo e estetização da vida cotidiana no contexto de exigência de alto desempenho e de um corpo socialmente positivado e fetichizado. As autoras concluem destacando a importância de se considerar o âmbito social e os aspectos psíquicos que compõem a experiência da obesidade, já que são fatores decisivos para a adesão ao tratamento e a tomada de decisões que influenciam no procedimento médico.

A amostra também conta com o ensaio teórico de Cremasco e Ribeiro (2017) que se apoia em uma revisão bibliográfica narrativa utilizando-se dos operadores teóricos pulsão de morte, narcisismo e melancolia de modo a conceber o fenômeno obesogênico a partir de um posicionamento melancólico. Nessa acepção, a introjeção alimentar atuaria visando o escoamento pulsional imediato da angústia do vazio e menos valia resultantes da falha na inscrição primária narcísica. O artigo também oferece orientações frente ao manejo clínico do sujeito obeso antes e depois do procedimento cirúrgico indicando, principalmente, a assunção do analista da função objetal primária para que se processem novas identificações e introjeções de objetos internos continentes e protetivos para o sujeito.

Já o artigo de Navaron e Corcos (2015) é um relato de experiência instrumentado pelo método psicanalítico e pela observação clínica do psicólogo estagiário em serviço especializado no tratamento cirúrgico da obesidade, estabelecendo uma relação com dois modelos freudianos de melancolia: o primeiro, acentuadamente econômico, onde haveria um esgotamento de excitação e de reservas livres e o segundo, representado pela incorporação do objeto como recusa da perda. Como resultados, o artigo aponta que a incapacidade de vivenciar a experiência de perda se inscreve no corpo, através da alternância entre ganho e perda de peso, frequentemente observado nos pacientes eletivos para a cirurgia bariátrica. A repetição desse efeito é interpretada pelo estudo como uma tentativa de controlar a ausência a partir do clássico modelo freudiano da repetição do jogo infantil. A hiperfagia evocaria uma atividade narcisista autoerótica que gradualmente esvazia o investimento objetal e investe os interesses libidinais no estômago, considerado pelos autores como uma forma de órgão hipocondríaco.

 

Discussão

O número de artigos incluídos demonstra a escassez de estudos psicanalíticos que abordam os temas obesidade e cirurgia bariátrica, a despeito dos altíssimos índices de obesidade - 52,5% da população brasileira está acima do peso - e de realização de cirurgias bariátricas - já são 100 mil por ano no país (Brasil, 2014; IBGE, 2010). Entendendo a importância do psicólogo na equipe multidisciplinar de saúde e do acompanhamento psicológico pré e, principalmente, pós-cirúrgico, o número limitado de estudos ainda pode ser percebido como um entrave para a prática psicanalítica.

De uma perspectiva mais geral, os resultados indicam que no âmbito da comunidade nacional de pesquisadores sobre o tema e a abordagem, destacam-se dois grupos: um vinculado à UNICAMP e à UFPR referido de forma mais genérica à tradição das relações de objeto e, também, à psicanálise contemporânea com atualizações pós-freudianas e articulações entre a dimensão pulsional/representacional e a dimensão relacional/objetal, e outro à UFRJ e à UERJ, referido mais claramente à perspectiva lacaniana. Esses grupos apresentam abordagens muito diferentes ao fenômeno em questão, o que reflete na própria natureza das suas comunicações científicas, mas de qualquer forma, é possível distinguir duas tendências muito claras na literatura nacional, em que os trabalhos da literatura internacional também se enquadram. No sentido de aprofundar na caracterização e análise dessas produções foram construídas as categorias a seguir como norteadores para a análise e discussão dos resultados.

Delineamentos metodológicos

Nas pesquisas, evidencia-se a presença de uma seção metodológica sucintamente descrita ou em alguns casos omitida. Em especial nas pesquisas qualitativas, refere-se ao papel central dos relatos dos sujeitos da amostra, como parâmetro para pensar o fenômeno da escolha pela cirurgia bariátrica e o estado obesogênico. Nesses estudos, o discurso dos pacientes foi o dado obtido e interpretado, mas como se considerou o que se expressa para além da fala e, principalmente, o que se atualiza na transferência? Os atos e as configurações grupais que, muitas vezes, escapam à consciência não são facilmente expressos e levantam desafios a estas pesquisas. Considerando essas ressalvas, mesmo que esta seja uma condição específica inerente ao trabalho com o inconsciente, se é o discurso do sujeito que se quer interpretar, torna fundamental dizer como isso é feito. Tal fato pode comprometer a compreensão da análise de dados, principalmente para o leitor não familiarizado com a psicanálise, pois os procedimentos utilizados não são apresentados de forma clara, podendo incorrer no risco de se obter um menor nível de evidência quando em comparação geral com outras pesquisas clínico-qualitativas em psicologia.

Contudo, acredita-se que entre a crítica simplista da falta de explicitação da metodologia destes trabalhos e as dificuldades para se estabelecer uma interlocução epistemológica fecunda entre a psicanálise e o modelo de ciências da natureza, se impõe a necessidade de reconhecimento das especificidades do método psicanalítico, que foi forjado na tradição clínica e não experimental, cujos procedimentos demonstrativos prestam contas à singularidade, historicidade e discursividade dos fenômenos (Bocchi, 2010). Este, representado pela associação livre, considera a transferência e o lugar do pesquisador no campo de observação. Portanto, a expressão de onde se parte e a explicitação dos conceitos e pressupostos são fundamentais para a compreensão que a psicanálise pode efetivamente trazer para o desenvolvimento científico nas áreas em que a psicanálise faz interface com a medicina, a psicologia e as humanidades (Campos, 2008).

Modelos teóricos

A abordagem lacaniana foi definitivamente a mais usada para embasar as questões relativas à obesidade e à cirurgia bariátrica e metabólica (50%), havendo também nos outros estudos embasamento apenas freudiano, pautado em uma filiação genérica à escola das relações de objeto ou circunscrito ao que se denomina de período pós-escolas. Isso demonstra que a propagação de ideias em relação ao tema da obesidade e intervenção cirúrgica dentro do âmbito acadêmico é majoritariamente difundida a partir do ponto de vista da psicanálise francesa e de extração lacaniana.

Embora a escassez de estudos na literatura psicanalítica possa ser considerada um entrave para a resolução do problema da adição alimentar, a literatura disponível apresenta alguns caminhos para se pensar o fenômeno da obesidade e a opção pela cirurgia bariátrica e metabólica. A partir de uma compreensão freudiana, tanto os artigos de Magdaleno, Chaim e Turato (2009, 2010) quanto o de Mendes e Vilhena (2016) reiteram a possível etiologia da obesidade fundada nos primórdios do desenvolvimento humano, na infância, período de estruturação do psiquismo. Haveria a ocorrência do ódio infantil perante o ambiente frustrante e a exigência agressiva de gratificação orientada para o objeto. Esta prevê a incorporação, mecanismo característico da fase oral, como modelo que a criança dispõe para relacionar-se com o mundo: "A partir de falhas nesse momento fundamental da construção do sistema relacional da criança se estruturariam os sintomas mais primitivos que irão se expressar, mais tarde, por comportamentos aditivos, entre eles a obesidade mórbida" (Magdaleno Junior, Chaim & Turato, 2009, p. 74). Ainda sobre a perspectiva de uma etiologia alicerçada na "pré-história" do indivíduo, Mendes e Vilhena correlacionam a obesidade e toxicomania com a fase oral, dado que em ambas "o objeto de adição serve como satisfação substitutiva de uma atividade libidinal inibida" (2016, p.25).

A contribuição de Navaron e Corcos (2015) também percorre um caminho freudiano ao apresentar a obesidade mórbida como uma forma de melancolia aplicada ao corpo, segundo a lógica da perda do objeto primordial ilustrada por meio da repetição do jogo infantil. O corpo obeso em um constante movimento de ganho e perda de peso estaria reatualizando a experiência traumática de deixar o objeto de amor primário. O colapso do corpo seria resultado de uma falência narcisista consecutiva à perda do objeto primordial, de acordo com o modelo freudiano da melancolia. Cremasco e Ribeiro (2017) também abordam o operador teórico da melancolia em seu trabalho ao sinalizar a importância da relação mãe/bebê para a inscrição do narcisismo primário e constituição do ego ideal, visto que falhas no estabelecimento dessa conexão impedem que o bebê adentre em uma dinâmica identificatória diversificada. Disso resulta em profunda identificação com o nada em decorrência da formação de vazios deixados pelas perdas narcísicas. Tais vazios surgem como queixas na clínica de pacientes obesos, sendo a ingestão compulsiva de comida uma manobra para tamponar o sofrimento melancólico que essas lacunas suscitam.

Os achados também indicam uma etiologia pautada no déficit de simbolização, alicerçada na psicanálise das relações de objeto, circunscrita nos artigos de Magdaleno Junior, Chaim e Turato, (2009, 2010) e de Ramiréz (2016). Os dois primeiros artigos sinalizam a importância da figura da mãe ou cuidador principal como acolhedores do "ambiente interno" do bebê e propiciadores do desenvolvimento da imagem de si na "fase do espelho". Baseados em uma perspectiva winnicottiana, apontam que falhas nesse cuidado e contenção poderiam causar desajustes na progressiva diferenciação do soma em direção à formação do psicossoma. Essas falhas incapacitariam o sujeito a criar um referente simbólico para lidar com as pressões advindas do corpo: "A fome para os obesos mórbidos, é uma área de vazio representacional, descarregando o impulso alimentar em caminhos sem mediação do simbolismo e, portanto, fora do controle do sujeito" (Magadaleno Junior, Chaim & Turato, 2010, p. 432, tradução nossa).

Já Ramiréz (2016), sob viés lacaniano, indica a ausência de um olhar cuidadoso para com a dimensão simbólica do corpo, que influencia no fenômeno obesogênico por dificultar ou impedir a simbolização da sensação somática da fome. O autor aponta para a frequente ausência da dimensão simbólica no tratamento global pré e pós-cirúrgico, pois a partir da noção lacaniana de um corpo trinitário (Real, Simbólico e Imaginário), a cirurgia bariátrica recorta e modifica o corpo em um aspecto do real que traz efeitos para o campo da imagem, sem que a dimensão simbólica seja tomada em consideração. Este fato que pode gerar efeitos indesejados no plano psíquico, tais como depressão, suicídio, transtornos alimentares etc. O autor enfatiza ainda que seus resultados evidenciaram a preponderância de avaliações e considerações no plano imaginário. Dessa forma, a reinserção do corpo simbólico no contexto médico, psicológico ou social seria mover-se da superfície e assentir a profundidade, apreendendo o corpo em sua multidimensionalidade (Ramiréz, 2016).

A teoria lacaniana também está presente no artigo de Mendes e Vilhena (2016), as quais extrapolam o eixo pulsional da satisfação oral e exploram a problemática da relação de objeto indicando que a exagerada fixação no objeto, característica das toxicomanias e adições, faz da comida uma espécie de objeto-fetiche para o comedor compulsivo. Disso, decorre que o vínculo estabelecido com o objeto não se fez ou não se sustenta no plano da alteridade, tornando-se uma questão de sobrevivência, engendrando a irrefreável passagem ao ato - o comer compulsivo. A partir de uma concepção de gozo do Real, indica-se a ocorrência de um laço social perverso, haja vista uma sociedade que vende satisfação pulsional generalizada: "assistimos ao desmonte de uma economia do desejo e sua substituição por uma economia do gozo que rejeita a castração e evidencia o engano de que a satisfação da demanda é equivalente à satisfação do desejo" (Mendes & Vilhena, 2016, p. 18). As autoras preferem enfatizar a gordura como uma expressão de diferentes formas de subjetivação e não como signo do patológico. Assim, o fenômeno obesogênico teria valor de significante, sobrepondo-se ao significado e tendo algo a dizer. Sua expressão poderia ser lida como a manifestação do sofrimento do corpo grande e obeso que, paradoxalmente, é invisível para o mundo ou somente visível através da demasia alimentar.

Os artigos de Rocha, Vilhena e Novaes (2009) e Rocha, Vilhena e Novaes (2008) situam o fenômeno da obesidade a partir do gozo parcial e possível, que teria uma relação "primitiva" com o campo do significante, estando referido a um "mais-além" do princípio do prazer. Os artigos defendem um modo particular de gozo dos sujeitos obesos, representado pela compulsão alimentar, cujo funcionamento pautado nos pontos de condensação, lhes daria certa identidade com difícil descolamento. A dimensão visível de gozo estaria expressa pelo comer com sofreguidão e não um degustar prazeroso, em que a comida se apresentaria mais como um objeto condensador de gozo do que de desejo.

O primeiro artigo, conjuntamente à noção de gozo, traz o conceito de curto-circuito para se pensar o comer compulsivo: "No 'ato de devoração', o obeso come compulsivamente num curto-circuito, numa passagem ao ato" (Vilhena, Novaes & Rocha, 2008, p. 398). Contudo, o texto não apresenta uma explicação a respeito desse mecanismo proposto como recorrente nos sujeitos obesos. Possivelmente as autoras estariam se referindo à passagem ao ato como indicadora da insustentabilidade da estrutura de ficção pela ocorrência de um curto-circuito entre sujeito e objeto.

De qualquer forma, pode-se notar que os modelos teórico-conceituais abordados nas pesquisas tendem a indicar, para além da fixação na oralidade, as carências e deficiências nos processos de simbolização. Na perspectiva das relações de objeto, destaca-se a falha de integração da unidade psicossomática em Winnicott, a falha de continência levando a prevalência de estados protomentais em Bion e no complexo da mãe morta em Green. Na acepção lacaniana, há um descolamento da perspectiva imaginária sobre o corpo para indicar a necessidade de aprofundamento da via do registro do Real, por meio do operador conceitual do gozo, seguindo a tendência mais atual da área. Não obstante, as pesquisas também indicam a necessidade de se resgatar a dimensão propriamente simbólica do corpo, relegada a um segundo plano em função das duas tendências apontadas na tradição lacaniana. Essas indicações metapsicológicas, por sua vez, trazem algumas indicações esparsas do ponto de vista de estruturas clínicas, quer seja em uma articulação genérica a processos de desmentalização, quer seja a indicações específicas de enquadramento no fetichismo e na perversão. O que mais pode se observar, também em consonância com a tendência mais atual do campo psicanalítico, é a ampliação do escopo da discussão para pensar a articulação social da subjetividade no fenômeno em questão, trazendo aportes de outras abordagens do campo das humanidades.

Saídas: o manejo clínico

Por fim, destaca-se que a literatura revisada possui em comum o destaque dado ao aprofundamento psicológico como alternativa terapêutica no manejo interventivo com os pacientes bariátricos. O que se observa, contudo, é a falta de um direcionamento mais sistemático quanto ao manejo clínico apropriado ao âmbito da psicologia da saúde, bem como ainda estamos longe de alcançar uma convergência no desenvolvimento de pressupostos técnicos e psicopatológicos no âmbito das práticas psicanalíticas interventivas na obesidade. Possivelmente, as diversas compreensões da psicodinâmica do fenômeno obesogênico podem trazer entraves e uma nítida polifonia para pensar a prática clínica, pelo menos no estágio atual desses trabalhos. Ríos et al. (2014) também sinalizam esse entrave nas produções científicas: "na revisão sistemática de literatura encontramos poucas contribuições que são conclusivas para orientar a prática do psicólogo bariátrico" (p.165, tradução nossa).

Na contramão da maioria dos estudos, Magdaleno Junior, Chaim e Turato (2009) trazem uma caracterização psicopatológica, fornecendo indicações mais instrumentais para a prática, na medida em que propõem a adoção de critérios psicológicos na seleção de candidatos à cirurgia bariátrica, definem estruturas psíquicas próprias e dividem o pós-operatório em diferentes modos de enfrentamento (via depressiva e via compulsiva), de modo a favorecer um horizonte norteador para o trabalho do psicólogo. É ainda sugerido que a equipe de saúde receba orientação e suporte psicoterapêutico para a identificação e elaboração das cargas intensas de afeto advindas dos pacientes, tais como identificações primitivas maciças, sentimento de ódio intenso frente à frustração e ao vazio. O grupo de Campinas afirma ainda que a fome na obesidade tem um forte elemento emocional que era expresso pelo soma, antes do estômago passar pela redução de sua capacidade volumétrica. Existiria, portanto um vazio de representação que deveria ser modificado. Segundo os autores, as estratégias clínicas de orientação e aconselhamento com esses indivíduos são inócuas ou até contraindicadas, já que para assimilação desses elementos é imprescindível o uso de recursos psíquicos que o paciente ainda não desenvolveu. A tarefa das intervenções analítica e psicodinâmica é ajudá-los a criarem representação e símbolos que possam expandir sua capacidade elaborativa, para além da expressão somato-visceral.

Já nos grupos do Rio de Janeiro e do Paraná são encontradas, ainda que de maneira tímida, indicações de se considerar no contexto de escolha pela realização da cirurgia bariátrica e metabólica a reflexão sobre o porquê e o para quê "o psiquismo organizou-se em torno do corpo pesado" (Mendes & Vilhena, 2016, p.11). As autoras indicam que o desafio da clínica está na criação de sentido para o corpo obeso e na desconstrução da expectativa fantasiosa de que a cirurgia bariátrica será capaz de resolver todos os problemas do indivíduo. Além disso, o grupo paranaense sinaliza a importância do analista assumir funções de objeto primário de modo a fomentar novas identificações e introjeções de objetos internos continentes e protetivos que possam tomar o lugar do objeto externo "comida".

 

Conclusão

A principal contribuição dos artigos selecionados, tendo em vista a compreensão da obesidade em face ao problema do crescimento do tratamento cirúrgico, é o adensamento teorético que eles apresentaram e os dados extraídos da experiência clínica, permitindo o cotejamento, sistematização e proposição de novas hipóteses. Embora se constate uma carência de estudos psicanalíticos sobre obesidade e cirurgia bariátrica, a revisão integrativa possibilitou a construção de uma síntese do conhecimento científico acerca do fenômeno no campo psicanalítico. Constataram-se particularidades metodológicas próprias à produção do conhecimento em Psicanálise. Se do ponto de vista operacional metodológico das pesquisas qualitativas em Psicologia, poder-se-ia indagar o grau de evidência das amostras das pesquisas revisadas, do ponto de vista epistêmico deve-se levar em conta o problema do objeto em Psicanálise. Ainda assim, a literatura psicanalítica precisa se expandir e dedicar uma maior quantidade de pesquisas sobre o tema da obesidade, buscando o rigor e a clareza dos enunciados conceituais e metodológicos, inclusive podendo explorar delineamentos distintos, desde que não entrem em contradição com os princípios do método psicanalítico.

Esta revisão constatou uma baixíssima produção na área, não obstante a crescente demanda sobre a cirurgia e demanda de atendimento psicológico para estes casos. Além disso, somente nos trabalhos de Navaron e Corcos (2015), no âmbito internacional, e em um do grupo do Rio de Janeiro e em dois do grupo de Campinas, no âmbito nacional, o manejo, avaliação e acompanhamento da cirurgia bariátrica era o objetivo central. Contudo, só neste último grupo de pesquisa se constatou a preocupação com uma proposta de sistematização de modelos de atenção no âmbito da Psicologia da Saúde. Nos demais trabalhos, a discussão se amplia sobremaneira, recaindo sobre os fundamentos metapsicológicos gerais ou sobre o contexto sociocultural de produção dessas formas de sofrimento psíquico.

Assim, é no âmbito das falhas de simbolização e da dimensão traumática e real do gozo que se estabelece o cerne da caracterização e compreensão do fenômeno. Nesse sentido, chama a atenção a pouca consideração da dimensão imaginária e narcísica do corpo obeso na dinâmica identificatória do sujeito, uma vez que sobre esta dimensão da imagem corporal do eu irá incidir o procedimento específico da cirurgia. De todo modo, acreditamos que esse deslocamento marginal demonstre uma maior preocupação no entendimento do mecanismo de adição alimentar do que na concepção de propostas interventivas ou definição de estruturas clínicas em uma avaliação diagnóstica específica para esta cirurgia.

Este trabalho também pôs em evidência uma diversidade de formas de conceber a obesidade e a sua etiologia, demonstrando que há poucas aplicações mais sistemáticas de avaliações clínicas a partir da psicanálise. Embora os artigos tenham trazido caracterizações psicopatológicas sobre o tema, poucos deixaram explícito quais eram os operadores teóricos adotados para a concepção do trabalho clínico. Ainda assim, notamos que os trabalhos revisados indicam duas tendências teórico-metodológicas e de nucleação no Brasil: 1) Referencial das Teorias de Relação de Objeto - aproxima a Psicanálise de uma vertente psicodinâmica e da psicologia do desenvolvimento, baseando-se em estratégias observacionais e diretamente buscando subsídios para a prática clínica no contexto da saúde; 2) Referencial Freudo-Lacaniano - discute a obesidade e a escolha cirúrgica no plano da economia pulsional e dos registros de simbolização, baseando-se mais em reflexões teóricas a partir da clínica padrão e não perdendo de vista a dimensão social presente no gozo e na construção do corpo como signo cultural marcado por uma estética da normatização e do hiperconsumo.

Estudos posteriores que fizerem este caminho de revisão de literatura em psicanálise podem contribuir com a discussão. Sem dúvida, a ampliação das bases de dados e a construção de estudos mais sistemáticos podem trazer novos resultados. Já para os artigos que abordam o tema, recomenda-se um aprofundamento na temática específica da cirurgia bariátrica e metabólica com aplicações de procedimentos clínicos mais estruturados e reprodutíveis. Ainda que a partir de seu estofo teórico-metodológico estar na contramão de um modelo positivista restrito de ciência, a psicanálise não pode abrir mão da escuta clínica e ao mesmo tempo de tomar para si o desafio de desenvolver procedimentos operacionais um pouco mais explícitos, principalmente no âmbito da prática em saúde e na clínica ampliada. A fim de adentrar e se legitimar em outros espaços institucionais e mesmo na academia, entendemos que rigor científico e Psicanálise podem caminhar juntos para reafirmar e oferecer subsídios para as práticas psicanalíticas, como uma assistência humana e de qualidade em um contexto dominado pelo saber médico.

 

Referências

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Verônica Catharin - Psicóloga clínica e escolar, mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) - Campus de Bauru.
Érico Buno Viana Campos - Prof. Assistente Doutor do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) - Campus de Bauru. Fez Mestrado (2004) e Doutorado em Psicologia (2009) e Pós-doutoramento (2017) pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo - (USP).
Josiane Cristina Bocchi - Professora Assistente Doutora do Departamento de Psicologia, da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) - Campus de Bauru e do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação Sexual (FCL/Ar, Unesp). Bauru/SP. Fez aprimoramento profissional em Psicologia Clínica no Depto de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica (HCFMRP-USP, 2000-2002). Doutora em Filosofia (UFSCar, 2010) e Pós-doutoramento pelo Departamento de Psicologia (UFSCar, 2012). As suas principais áreas de conhecimento e atuação são psicopatologia, psicossomática, clínica psicanalítica. - Agência de Fomento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.

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