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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.23 no.1 São Paulo jan./jun. 2020

 

ARTIGOS

 

Intervenções Não Farmacológicas em Crianças no Pré-Operatório: uma Revisão da Literatura

 

Non-Pharmacological Interventions in Children in the Pre-Operative: a Literature Review

 

 

Sarah Torres Teixeira de MelloI; Áderson Luiz Costa JuniorII

IUniversidade de Brasília - Brasília/DF. - E-mail: sarahttmello@gmail.com
IIUniversidade de Brasília - Brasília/DF. - E-mail: aderson@unb.br

 

 


RESUMO

Manifestações de ansiedade em pacientes pediátricos expostos a procedimentos cirúrgicos podem ser amenizadas através de agentes pré-anestésicos, atividades distrativas, atividades contextualizadas à hospitalização, acompanhamento psicológico e/ou presença dos pais. A presente revisão de literatura investigou estudos empíricos sobre os efeitos de intervenções não farmacológicas em crianças submetidas à cirurgia. Foram consultados os portais de Periódicos CAPES, PROQUEST e SciELO, entre 2018 e 2013. Os resultados demonstraram: (a) a potencial eficácia de métodos psicológicos em facilitar a administração e/ou substituir agentes sedativos; e (b) a primazia de abordagens que combinem a familiarização da criança sobre os eventos da hospitalização, com instruções para lidar com situações adversas, atividades de distração a respeito do procedimento cirúrgico iminente e o envolvimento ativo dos cuidadores nas atividades pré-operatórias. Estudos mais sistematizados, que pudessem analisar funcionalmente o papel de variáveis de contextos ainda devem ser realizados.

Palavras-chave: pacientes pediátricos; intervenções não farmacológicas; ansiedade; cirurgia.


ABSTRACT

Anxiety events in pediatric patients exposed to surgical procedures may be ameliorated through preanesthetic agents, distractive activities, activities contextualized to hospitalization, psychological counseling and/or parental presence. The present literature review investigated empirical studies on the effects of non-pharmacological interventions on children undergoing surgery. The portals of CAPES, PROQUEST and SciELO Periodicals were consulted between 2018 and 2013. The results demonstrated: (a) the potential efficacy of psychological methods in facilitating the administration and/or replacement of sedative agents; and (b) the primacy of approaches that combine familiarization of the child with hospitalization through instructions for dealing with adverse situations, distraction activities regarding imminent surgical procedure, and active involvement of caregivers in preoperative activities. More systematized studies should functionally analyze the role of contextual variables.

Keywords: pediatric patients; non-pharmacological interventions; anxiety; surgery.


 

 

Introdução

Em situações que antecedem uma cirurgia pediátrica, pacientes tendem a experienciar ansiedade diante da separação dos pais, do ambiente desconhecido a que são expostos e do medo de procedimentos dolorosos e/ou da incerteza e fantasias sobre os resultados do tratamento (Aydın et al., 2017; Kocherov et al., 2016). Entre as técnicas frequentemente adotadas com o objetivo de amenizar manifestações de ansiedade das crianças estão a administração de pré-medicações, como Midazolam (Aydın et al., 2017; Carlsson & Henningsson, 2018; Kurdi & Muthukalai, 2016; Arriaga & Pacheco, 2016). No entanto, efeitos colaterais indesejados, como sedação exagerada, dificuldades motoras e/ou recusa ao medicamento, podem ocorrer, minimizando os benefícios desta intervenção (Arriaga & Pacheco, 2016; Al-Yateem, Brenner, Shorrab & Docherty, 2016).

Métodos comportamentais, de natureza distrativa e/ou de relaxamento, podem ser alternativas potencialmente eficazes para o alívio de indicadores ansiedade de crianças submetidas a procedimentos cirúrgicos (Al-Yateem et al., 2016). Dentre as intervenções referidas pela literatura, encontram-se o uso de vídeos, audição de músicas, folhetos explicativos, aplicativos eletrônicos informativos e interativos, apresentação de "palhaços doutores", visitas pré-operatórias ao hospital e apresentação prévia e manipulação de equipamentos médicos (Carlsson & Henningsson, 2018; Cuzzocrea, Costa, Gugliandolo & Larcan, 2016; Arriaga & Pacheco, 2016).

Além das intervenções referidas, a ansiedade parental, um potencial preditor de ansiedade da criança (Kassai et al., 2016; Fernandes, Arriaga & Esteves, 2014; Tabrizi et al., 2015), também pode ser alvo de intervenção não farmacológica. Desse modo, a presença e participação de pais/acompanhantes durante as intervenções, anteriores à cirurgia, faz parte do planejamento da maior parte das preparações psicológicas. Programas com assistência individualizada à criança e a seus familiares, com abordagens multimétodo, baseadas em psicoeducação e em técnicas de distração, por exemplo, têm sido relacionados a experiências cirúrgicas menos estressantes (Carlsson & Henningsson, 2018; Cuzzocrea et al., 2016; Arriaga & Pacheco, 2016). A presente revisão de literatura teve como objetivo investigar estudos, baseados em evidência empírica, sobre os efeitos de intervenções não farmacológicas em crianças submetidas a procedimentos cirúrgicos eletivos.

 

Método

A fim de realizar a presente revisão de literatura, sobre os efeitos de intervenções não farmacológicas com crianças submetidas a procedimentos cirúrgicos eletivos, os artigos selecionados foram recuperados a partir das ferramentas de busca disponíveis nos Portais de periódicos CAPES, PROQUEST e SciELO, sem restrição de bases de dados. A estratégia de busca utilizou os descritores "pediatric OR children AND preoperative OR surgery AND anxiety OR psychological". A busca, realizada em dezembro de 2018, identificou 405 artigos do portal CAPES, 62 do portal PROQUEST e 24 do portal SciELO, que atendiam, inicialmente, aos critérios de: artigos completos e disponíveis na íntegra, relatos baseados em evidência empírica, revisados por pares, publicados entre 2018 e 2013, em inglês, português ou espanhol, e incluindo, pelo menos, uma das opções de descritores no título da publicação.

Após a exclusão de itens repetidos, a etapa seguinte de seleção adotou os seguintes critérios: artigos que abordavam alguma modalidade de intervenção psicológica com objetivo de reduzir ansiedade e/ou estresse, em contexto de preparação para procedimentos cirúrgicos eletivos, e público-alvo com indivíduos de três a 15 anos de idade. A aplicação desses critérios identificou 13 artigos. Em seguida, cada artigo foi lido na íntegra e preenchido um formulário de fichamento, que sistematizava informações relevantes quanto à referência bibliográfica, dados de introdução, metodologia, principais resultados, itens de discussão e críticas. Os fichamentos foram analisados individualmente e discutidos entre dois pesquisadores, para o julgamento de inconsistências.

 

Resultados

Intervenções combinadas à pré-medicação

Tendo em conta a frequência com a qual pré-medicações ansiolíticas são aplicadas para reduzir a ansiedade pré-operatória de crianças, os métodos não-farmacológicos podem ser utilizados, também, para potencializar seus efeitos, além de facilitar a administração oral e/ou evitar a resistência física e a rejeição da criança (Kurdi & Muthukalai, 2016). Os benzodiazepínicos, por exemplo, foi a intervenção mais referida nos artigos (Aydın et al., 2017; Dionigi & Gremigni, 2016; Arriaga & Pacheco, 2016), os quais apontaram ressalvas sobre eventuais efeitos colaterais, tais como sedação excessiva, dificuldades psicomotoras e lentidão cognitiva (Arriaga & Pacheco, 2016).

No estudo de Aydın et al. (2017), uma intervenção com o brinquedo Play Dough teve como objetivo reduzir a ansiedade relacionada à administração oral de Mizadolam. Crianças submetidas à cirurgia ambulatorial foram randomicamente designadas a dois grupos: um que obtinha o brinquedo Play Dough na sala de espera e um grupo que esperava sem o brinquedo. O nível de ansiedade dos participantes foi avaliado através da Escala m-YPAS (modified - Yale Preoperative Anxiety Scale), uma medida observacional do estado de ansiedade da criança, com 27 itens divididos nos seguintes domínios: atividade, estado de despertar aparente, vocalização, expressividade emocional e interação com os familiares. No escore total, maiores pontuações indicavam níveis mais altos de ansiedade.

Os resultados obtidos indicaram que o grupo que brincava com o Play Dough apresentou escores mais baixos de ansiedade, após nove minutos na sala de espera, do que o grupo que esperava a mesma quantidade de tempo, mas sem acesso ao brinquedo. Os autores destacam que a intervenção com o brinquedo facilitou a administração oral do Midazolam e reduziu os comportamentos de rejeição das crianças.

O estudo de Dionigi e Gremigni (2016) investigou se uma intervenção baseada em terapia de arte e na visita de palhaços doutores potencializaria a eficácia do Midazolam, administrado por via oral. Observou-se que os participantes do grupo que recebia a terapia de arte (convite para desenho livre e dramatização) e a intervenção dos palhaços (brincadeiras com bolhas de sabão, truques de mágica e fantoches interativos) apresentou menores escores de ansiedade pré-operatória, também avaliados pela Escala m-YPAS, do que aqueles que receberam apenas o protocolo padrão do hospital.

A intervenção com "palhaços doutores", combinada à pré-medicação, também foi avaliada por Arriaga e Pacheco (2016). A intervenção ocorria durante a separação da criança e dos acompanhantes, na entrada da unidade de cuidados cirúrgicos, após a administração de Midazolam oral e Droperidol. Diferente do verificado no estudo anterior, executado na sala de espera, a intervenção dos palhaços doutores não demonstrou efeitos comportamentais benéficos sobre a ansiedade pré-operatória dos pacientes pediátricos.

A administração de Midazolam também foi avaliada no estudo de Al-Yateem et al. (2016). A pré-medicação foi comparada à contação de histórias e atividades de colorir figuras, da seguinte maneira: o grupo controle recebia o Midazolam oral, 30 minutos antes da cirurgia, enquanto o grupo experimental era distraído pela história "Adam vai à cirurgia" (na qual as crianças eram familiarizadas com equipamentos e procedimentos que encontrariam durante a cirurgia), sendo permitido, também, que colorissem desenhos relacionados ao contexto hospitalar, 60 minutos antes da cirurgia. Os resultados, avaliados pela Escala m-YPAS-STAIC (State-Trait Anxiety Inventory for Children), bem como os sinais vitais da criança, não demonstraram diferenças significativas entre os grupos, o que, para os autores, atesta a não inferioridade de métodos não-farmacológicos em relação àqueles que administram pré-medicação.

Atividades de distração

Atividades lúdicas não relacionadas ao contexto hospitalar, com o intuito de entreter/distrair a criança, reduzindo a atenção sobre o procedimento médico invasivo iminente, têm demonstrado correlação com a redução de indicadores de ansiedade pré-operatória (Aydın et al., 2017; Arriaga & Pacheco, 2016; Chaurasia, Jain, Mehta, Gandhi & Mathew, 2018). Como referido, no estudo de Aydın et al. (2017), por exemplo, foram avaliados os efeitos de uma atividade de distração envolvendo um brinquedo de baixo-custo, Play Dough, no qual as crianças do grupo experimental obtiveram escores mais baixos de ansiedade pré-operatória, tanto durante a espera para a cirurgia, quanto no momento de receber a pré-medicação Midazolam por via oral.

Chaurasia et al. (2018) avaliaram a eficácia de um jogo terapêutico baseado em incentivos, no qual as crianças do grupo experimental eram expostas à mascara anestésica na sala pré-operatória, sendo ensinadas a soprar através da máscara e inflar um balão com ar. As crianças que conseguissem soprar a máscara pelo período de tempo mais longo eram declaradas vencedoras e ganhavam, como prêmio, suco de maçã. Os indicadores de ansiedade pré-operatória, avaliados pela Escala m-YPAS, foram significativamente menores no grupo que participou do jogo, bem como quando avaliados pelo Induction Compliance Checklist, um instrumento com sistema de pontos de zero a dez, que avalia a colaboração da criança com o uso da máscara anestésica. A indução perfeita era considerada quando a criança não exibia comportamentos não-colaborativos, sugestivos de medo, equivalendo à pontuação "0", enquanto a pontuação de um a três era considerada moderada, e maior que quatro, inferior.

No estudo de Kocherov et al. (2016), foram analisados os potenciais benefícios da participação de palhaços doutores em um programa de cirurgia pediátrica, no qual as crianças do grupo experimental interagiam com os palhaços antes de entrar na sala de operação, permanecendo com eles e seus pais até o término do processo de indução anestésica. Os palhaços utilizavam truques de mágica, piadas, música, bolhas de sabão e fantoches, enquanto as crianças do grupo controle eram acompanhadas apenas pelos pais até a sala de anestesia. Os resultados indicaram que as crianças do grupo experimental apresentaram indicadores mais baixos de ansiedade pré e pós-operatória, mensurados pela escala m-YPAS, além da necessidade de menos tempo para a indução anestésica, na sala de operação, na sala de recuperação e para receber alta, resultando, ainda, em economia de custos médicos.

Arriaga e Pacheco (2016) também investigaram o impacto de palhaços doutores sobre a ansiedade pré-operatória de crianças, após a utilização de pré-medicações orais com Midazolam e Droperidol. Um palhaço acompanhava a criança durante a separação dos pais, utilizando jaleco branco, maquiagem, acessórios de palhaço e uma viola para tocar música pra criança. Todavia, ao contrário do esperado, a intervenção não demonstrou efeito redutor sobre a ansiedade das crianças, mensurada pela Escala m-YPAS, durante a entrada na unidade de cuidados cirúrgicos.

Outro estudo sobre os efeitos da distração com audição musical foi realizado por Franzoi, Goulart, Lara e Martins (2016). O grupo experimental ouviu, em equipamento de mp3 player, músicas pré-selecionadas, durante 15 minutos, enquanto o grupo controle aguardava pelo mesmo tempo, sem qualquer intervenção. O grupo experimental apresentou redução estatisticamente significativa dos escores de ansiedade, avaliados pela Escala m-YPAS.

No estudo de Fernandes et al. (2014), a eficácia de atividades distrativas foi comparada a atividades contextualizadas ao ambiente hospitalar e com nenhum tipo de intervenção. As crianças que seriam submetidas à cirurgia foram designadas a três grupos: (a) o grupo experimental, recebia livretos, jogos de tabuleiro e vídeos com conteúdo educacional relacionado a informações sobre regras hospitalares, profissionais de saúde, instrumentos e procedimentos médicos, bem como sobre as experiências desde o ingresso no hospital até a alta; (b) o grupo de comparação, recebia livretos com tirinhas, jogos de tabuleiro e vídeos contendo filmes de desenhos animados, sem referência ao contexto hospitalar; e (c) o grupo controle, não recebia qualquer material no pré-operatório. Tanto no grupo experimental quanto no de comparação, as crianças reportaram mais felicidade e menos medo da cirurgia, após as atividades. No entanto, observou-se que as crianças que receberam material educacional manifestaram significativamente menos preocupação com a cirurgia e com os procedimentos hospitalares, segundo o Child Surgery Worries Questionnaire (CSQW), do que as crianças que receberam material de entretenimento e as que não receberam qualquer material.

Cuzzocrea et al. (2016) compararam os seguintes métodos de intervenção: (a) na primeira condição, os participantes assistiam a um teatro de fantoches que demonstrava, de forma divertida, os momentos mais importantes da hospitalização e como enfrentá-los, brincavam com instrumentos médicos e recebiam acompanhamento psicológico; um psicólogo treinado estabelecia relação com a família e o paciente, fornecia informações sobre a enfermaria médica e o processo cirúrgico, assistência especializada à criança nas salas pré-operatórias e de operação e ainda informava os pais sobre o andamento da cirurgia; (b) na segunda condição, as crianças participavam apenas das atividades com referência específica à cirurgia (teatro de fantoches e brincadeiras com instrumentos médicos), sem acompanhamento psicológico; (c) na terceira condição, as crianças participavam de atividades não contextualizadas (teatro de fantoches sobre conto de fadas e atividades de colorir sobre os personagens da história); e (d) na quarta condição, ocorria apenas o acompanhamento psicológico especializado.

A primeira condição (intervenção completa) e a segunda (atividades contextualizadas) foram as que demonstraram maiores reduções sobre a ansiedade pré-operatória das crianças. A primeira condição também foi a mais eficaz em reduzir comportamentos de oposição das crianças aos procedimentos médicos, avaliados pela Escala ICC (Induction Compliance Checklist). A terceira condição (atividades de distração) foi a que demonstrou menor eficácia sobre a redução de indicadores de ansiedade.

Atividades contextualizadas à hospitalização

A literatura aponta que familiarizar a criança com o contexto hospitalar, instrumentos e procedimentos aos quais será submetida, bem como prover estratégias de enfrentamento, constituem formatos promissores para amenizar indicadores de ansiedade, aumentar o autocontrole e diminuir expectativas irrealistas e preocupações inapropriadas com a hospitalização e seus efeitos (Cuzzocrea et al., 2016; Arriaga & Pacheco, 2016; Fernandes et al., 2014).

Fernandes et al. (2014), conforme referido, compararam intervenções com o mesmo formato (jogos de tabuleiro, livretos e vídeos), mas envolvendo conteúdos diferentes (informações educacionais sobre a cirurgia e materiais de entretenimento genérico). As crianças que receberam o material contextualizado à experiência cirúrgica ficaram significativamente menos preocupadas com a cirurgia do que as crianças que participaram de atividades de distração e as que não receberam intervenção.

Os resultados obtidos no estudo de Al-Yateem et al. (2016) não mostraram diferenças significativas sobre a ansiedade pré-operatória das crianças dos dois grupos. A intervenção não-farmacológica, com efeito similar aos agentes sedativos, consistiu na contação de história "Adam vai à cirurgia", que introduzia os pacientes aos equipamentos e procedimentos médicos, além de atividades de colorir desenhos relacionados ao contexto hospitalar.

No estudo de Kassai et al. (2016), a intervenção foi um folheto informativo, em quadrinhos, enviado por correio para o paciente alguns dias antes da hospitalização. O grupo controle recebeu apenas as informações rotineiras, disponibilizadas pelo anestesiologista do hospital, na consulta pré-anestésica, sobre jejum, hospitalização, procedimentos cirúrgicos e riscos de anestesia. Já o grupo experimental recebia, além dessas informações, um folheto ilustrado de 20 páginas sobre o procedimento cirúrgico. Os resultados demonstraram que as crianças que receberam o folheto dias antes da cirurgia apresentaram escores de ansiedade, avaliados pela Escala State-Trait Anxiety Inventory for Children - Trait Subscale (STAIC-T), mais baixos, tendo tais benefícios persistido até o dia da hospitalização. A STAIC-T permite a medida do traço de ansiedade da criança independentemente da ansiedade pré-operatória. No grupo experimental, os escores de ansiedade dos pacientes diminuíram significativamente entre a primeira avaliação (antes de qualquer intervenção) e a avaliação após a visita pré-anestésica. Por outro lado, no grupo controle, a média de escore da STAIC-T aumentou significativamente entre as duas avaliações. A diferença persistiu até a noite anterior à cirurgia, com escores de ansiedade mensurados pela STAIC-T sempre mais favoráveis ao grupo experimental.

Por outro lado, no estudo de Carlsson e Henningsson (2018), a familiarização com o hospital através de uma visita à sala de operação, uma a duas semanas antes da cirurgia não reduziu os indicadores de ansiedade dos pacientes. A visita era guiada por uma enfermeira, começando pelo quarto pré-operatório, seguindo para a sala de espera e, por fim, para a sala de operação, onde a criança poderia manusear instrumentos médicos. Ao final da visita, a criança recebia um sorvete. No dia da cirurgia, no entanto, a Escala m-YPAS não demonstrou diferença nos escores de ansiedade entre o grupo controle e o experimental, na sala de espera. Entre a sala de espera e a sala de operação, os escores de ansiedade mensurados pela m-YPAS aumentaram em ambos os grupos. Durante a indução de anestesia, o grupo experimental demonstrou escores mais altos de ansiedade na m-YPAS, em relação ao grupo controle, embora a diferença não tenha sido estatisticamente significativa.

Os efeitos da educação pré-operarória também foram testados através de um livreto (Tabrizi et al., 2015). Na noite anterior à cirurgia, o grupo experimental recebia uma sessão de psicoeducação, ministrada por um anestesiologista, com um livreto contendo informações sobre a anestesia. A ansiedade pré-operatória, avaliada através da Escala State-Trait Anxiety Inventory for Children (STAIC), foi reduzida após a explicação, mas a diferença no nível de ansiedade não foi estatisticamente significativa em relação ao grupo controle, que recebeu apenas o tratamento padrão do hospital.

Envolvimento parental

No contexto de cirurgia pediátrica, o momento da separação dos pais, para a entrada no centro cirúrgico ou para a indução anestésica, é referido como o mais potencialmente ansiogênico para a criança (Carlsson & Henningsson, 2018). Estudos apontam que os pais, geralmente, relatam insatisfação com a falta de informações sobre os procedimentos e que a ansiedade parental é um preditor significativo de ansiedade da criança (Carlsson & Henningsson, 2018; Fernandes et al., 2014; Tabrizi et al., 2015; Kassai et al., 2016), o que sugere que envolvê-los no processo de preparação psicológica para cirurgia pode facilitar, também, a redução da ansiedade das crianças.

Os benefícios da participação de palhaços doutores no programa de cirurgia para pacientes pediátricos foi avaliado por Kocherov et al. (2016), apontando resultados promissores sobre os indicadores de ansiedade pré e pós-operatório das crianças e, também, numa avaliação favorável pela maior parte dos pais (79%), que responderam a um questionário após observarem as crianças participando da intervenção. No estudo de Arriaga e Pacheco (2016), o impacto dos palhaços doutores sobre o estado de ansiedade dos acompanhantes foi mensurado pela State-Trait Anxiety Inventory - Form Y (STAI-Y). Embora os resultados obtidos não tenham demonstrado efeitos favoráveis sobre a ansiedade das crianças, os cuidadores demonstraram estado de ansiedade significativamente menor do que aqueles do grupo controle, além de expressarem mais opiniões positivas sobre os palhaços doutores, destacando que ajudaram as crianças e a eles mesmos a ficarem mais tranquilos e que a intervenção era apropriada ao contexto.

De modo similar, os acompanhantes de crianças submetidas à cirurgia foram questionados sobre a intervenção dos palhaços doutores, combinada à terapia de arte, no estudo de Dionigi e Gremigni (2016). Os dados demonstraram que 82,2% dos pais perceberam a intervenção como extremamente útil em reduzir a ansiedade das crianças. Outros 12,1% avaliaram como muito útil, e 5,6% avaliaram como moderadamente útil. Nenhum dos pais julgou a intervenção como minimamente ou pouco útil. Nas crianças, a intervenção potencializou a eficácia da medicação oral sobre a redução da ansiedade no momento da separação dos pais.

No estudo de Chaurasia et al. (2018), avaliou-se a satisfação parental a respeito de um jogo baseado em incentivos, no qual o papel dos pais consistia em acompanhar as crianças na sala de cirurgia e torcer por elas. Trinta pais (75%) que participaram do jogo referiram maior satisfação no final da cirurgia, comparados a seis (15%) dos pais do grupo controle.

Tabrizi et al. (2015) investigaram os efeitos da educação pré-operatória através de livretos apresentados por um anestesiologista sobre a redução da ansiedade de crianças e suas mães. Observou-se que as mães referiram escores de ansiedade significativamente mais baixos do que as mães do grupo controle, sem intervenção. No mesmo estudo, um grupo focal de discussão destacou as seguintes informações: os pais relataram uma percepção positiva em relação à intervenção com os livretos e que uma causa significativa para a ansiedade pré-operatória seria o medo da cirurgia e da anestesia, além da falta de conhecimento sobre o que iria acontecer. Ademais, ressaltou-se que a simpatia da equipe médica e as crenças espirituais da família representavam papel importante para a redução da ansiedade dos pais e dos pacientes.

No estudo de Kassai et al. (2016), um folheto informativo sobre cirurgia enviado por correio alguns dias antes da hospitalização resultou numa percepção positiva dos pais (93,5% considerou o panfleto útil e 91,3% reconfortante). Já em Fernandes et al. (2014), ao contrário do esperado, pais que observaram seus filhos engajados em atividades educacionais com livretos, jogos de tabuleiro e vídeos, não apresentaram efeitos significativos nos escores da Escala State-Trait Anxiety Inventory-Form Y (STAI-Y), a respeito do estado de ansiedade. Ainda em desacordo com outros estudos, em Carlsson e Henningsson (2018), uma visita à sala de operação uma ou duas semanas antes do procedimento cirúrgico não atenuou a ansiedade dos pais nem das crianças.

 

Discussão

Embora agentes sedativos sejam eficazes na redução da ansiedade de crianças antes da cirurgia, sua prescrição pode estar relacionada ao aumento de custos, prolongamento da estadia hospitalar e efeitos colaterais indesejados, como limitações psicomotoras e cognitivas (Tabrizi et al., 2015). Nesse sentido, intervenções não farmacológicas centradas no manejo de conteúdos contextualizados aos pacientes e familiares têm demonstrado eficácia similar (Kassai et al., 2016). No presente estudo, foram analisadas intervenções utilizando o brinquedo Play dough, jogos contextualizados, acompanhamento psicológico, terapia de arte, palhaços doutores, folhetos informativos, livretos, jogos de tabuleiro, vídeos e visita à sala de operação. Os resultados indicaram que intervenções comportamentais e distrativas podem potencializar o efeito das pré-medicações sobre a ansiedade das crianças, reduzir sua rejeição, ou ainda, substituí-las.

No estudo de Aydın et al. (2017) foi demonstrado que disponibilizar à criança um brinquedo simples, seguro e de baixo-custo pode reduzir a ansiedade pré-operatória, facilitar a administração oral de Midazolam e ainda reduzir sua rejeição. Já a intervenção combinando terapia de arte e visita de palhaços também demonstrou eficácia em potencializar o efeito redutor de ansiedade do Midazolam (Dionigi & Gremigni, 2016). No entanto, no estudo de Arriaga e Pacheco (2016), a intervenção com palhaços doutores, combinada à pré-medicação oral, não se mostrou tão promissora. Tendo em conta que a interação com o palhaço aconteceu após os pacientes estarem pré-medicados com o Midazolam e Droperidol, os autores apontaram que seus efeitos colaterais, como sonolência, poderiam ter atuado como uma barreira à intervenção comportamental, reduzindo o nível de consciência e voluntariedade da interação entre as crianças e os palhaços.

A intervenção não-farmacológica envolvendo contação de história relacionada ao contexto cirúrgico e atividades de colorir foi comparada à utilização do Midazolam oral, no estudo de Al-Yateem et al. (2016). A ausência de diferenças significativas na ansiedade pré-operatória das crianças dos dois grupos confirmou a hipótese de que intervenções comportamentais e distrativas não seriam menos eficazes do que aquelas que utilizam pré-medicação.

A eficácia de atividades de distração sobre a ansiedade das crianças foi demonstrada numa intervenção com audição musical antes da cirurgia (Franzoi et al., 2016) e também numa intervenção com palhaços doutores (Kocherov et al., 2016). Verificou-se que os palhaços doutores poderiam ajudar os pacientes a lidar com o estresse, minimizando sentimentos de medo, desamparo e tristeza, além de facilitar o processo de recuperação e acelerar a alta hospitalar. Embora exista a preocupação de que os palhaços interfiram sobre a rotina hospitalar, o estudo de Kocherov et al. (2016) demonstrou que, após treinamento adequado, os palhaços poderiam atuar como membros adicionais, plenamente integrados à equipe de saúde.

Atividades de entretenimento foram comparadas a atividades educacionais no estudo de Fernandes et al. (2014), resultando em efeitos mais promissores das atividades educacionais sobre a preocupação com a cirurgia das crianças. Nesse sentido, Cuzzocrea et al. (2016) também encontraram efeitos mais favoráveis em atividades contextualizadas à hospitalização do que as não-contextualizadas. Os autores apontaram que apenas atividades de distração, sem informar a criança sobre os motivos da hospitalização ou os procedimentos a serem executados, podem ser uma boa forma de distraí-las, mas não permitem que estejam preparadas comportamentalmente para o que acontecerá durante a hospitalização (Cuzzocrea et al., 2016).

Atividades psicoeducacionais através de folhetos informativos foram testadas no estudo de Kassai et al. (2016), resultando numa avaliação positiva dos pais e na redução da ansiedade das crianças. Por outro lado, uma visita à sala de operação semanas antes da cirurgia (Carlsson & Henningsson, 2018) não reduziu a ansiedade das crianças, nem das mães, e a familiarização da criança com o procedimento anestésico através de um livreto provido por um anestesiologista (Tabrizi et al., 2015), no dia anterior à cirurgia, reduziu a ansiedade das mães, mas não das crianças. Tabrizi et al. (2015) destacam que apesar da utilidade da educação pré-operatória, ela não é, por si só, necessariamente, um método eficaz, e poderia ser combinada a técnicas de distração.

Sobre o envolvimento parental, verificou-se que a maioria dos acompanhantes das crianças avaliaram positivamente intervenções com palhaços doutores (Dionigi & Gremigni, 2016; Arriaga & Pacheco, 2016; Kocherov et al., 2016). O estado de ansiedade dos pais ao observarem crianças engajadas em atividades educacionais não sofreu mudanças significativas, no estudo de Fernandes et al. (2014), embora as preocupações das crianças tenham sido reduzidas com a intervenção. Os autores sugeriram examinar os efeitos potenciais de diferentes métodos e níveis de envolvimento dos pais em novos estudos. Nesse sentido, pais que participaram torcendo para as crianças, numa competição baseada em incentivo, saíram mais satisfeitos da cirurgia do que os que não participaram (Chaurasia et al., 2018). Apesar de haver a presença dos pais tanto no grupo controle quando no experimental, no segundo, os pais estiveram envolvidos mais ativamente na atividade, o que pode ter influenciado os resultados mais satisfatórios.

 

Considerações finais

Os dados obtidos indicam que intervenções não farmacológicas para pacientes pediátricos submetidos à cirurgia são eficazes em facilitar a administração e potencializar efeitos de agentes sedativos sobre a ansiedade pré-operatória e até mesmo em substituí-los. Foi corroborada a primazia de abordagens multimétodos envolvendo atividades contextualizadas (familiarização da criança e seus cuidadores com as fases da hospitalização e instrução sobre estratégias de enfrentamento), combinadas a atividades não contextualizadas (distração da criança sobre a cirurgia, através de atividades lúdicas, jogos, vídeos, audição musical ou palhaços doutores) e ao acompanhamento psicológico, sobre procedimentos isolados e descontextualizados do ambiente de cuidados hospitalares e cirúrgicos.

Tais métodos proporcionaram benefícios às crianças, como a redução de indicadores comportamentais de ansiedade e de preocupações inapropriadas com a cirurgia, além da redução de tempo dos procedimentos e da hospitalização, e o aumento dos comportamentos colaborativos com a equipe de saúde. O envolvimento dos cuidadores nas intervenções demonstrou influência sobre o estado de ansiedade e a satisfação dos mesmos, bem como sobre o estado de ansiedade das crianças. Para estudos posteriores, sugere-se investigações mais extensivas sobre os efeitos de intervenções não farmacológicas, combinando atividades psicoeducacionais e distrativas centradas na família e levando em conta a economia de custos hospitalares e a facilidade de aplicação em diversos contextos de cuidados com procedimentos cirúrgicos eletivos.

 

Referências

Al-Yateem, N., Brenner, M., Shorrab, A. A. & Docherty, C. (2016). Play distraction versus pharmacological treatment to reduce anxiety levels in children undergoing day surgery: a randomized controlled non-inferiority trial. Child: Care, Health and Development, 42(2), 572-581. doi: 10.1111/cch.12343.         [ Links ]

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Sarah Torres Teixeira de Mello - Psicóloga.
Áderson Luiz Costa Junior - Doutor em Psicologia, Professor Associado.

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