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Revista da SBPH

Print version ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.23 no.2 São Paulo July/Dec. 2020

 

As significações de maternidade para adolescentes mães de prematuro*

 

The meanings of motherhood for adolescent mothers of premature

 

 

Ludmilla Oliveira Lima CerqueiraI; Carolina Valério BarrosII

ISecretaria Municipal da Saúde de São Paulo - São Paulo/SP - ludmillalima.ps@gmail.com
IISecretaria Municipal da Saúde de São Paulo - São Paulo/SP - cvbpsi@hotmail.com

 

 


RESUMO

A prematuridade é um dos fatores que pode interferir no desenvolvimento do vínculo mãe-bebê, pois, muitas vezes configura-se como um acontecimento traumático para a mãe que enfrentará dificuldades inesperadas. Além do que já é observado na experiência da mulher adulta, é necessário estudar a maternidade sob a perspectiva da mãe adolescente diante dessa situação atípica, pois fatores como o intenso processo de transformações que ocorrem nessa fase podem fazê-la vivenciar a maternidade de forma diferente. Foi realizada uma pesquisa transversal descritiva que avaliou 9 adolescentes (15 a 19 anos) quanto à experiência de maternar um bebê prematuro internado em UTI Neonatal. Os dados foram coletados através de entrevista semiestruturada e avaliados por meio de análise de conteúdo. Os resultados apresentaram que as participantes parecem suspender o processo de adolescer para cuidar de seu bebê na UTI Neonatal e encontram nessa experiência uma oportunidade de amadurecimento e meio de ingressar na vida adulta. Concluiu-se que a gestação na adolescência não está diretamente relacionada à falta de informação ou é completamente indesejada. A maternidade, em alguns contextos sociais, é percebida como um lugar de valor e de reconhecimento, em que a adolescente pode assumir um novo status social, o de ser mulher.

Palavras-chave: prematuridade; gravidez na adolescência; UTI neonatal.


ABSTRACT

Prematurity is one of the factors that can interfere in the mother-baby bond development as it may be configured as a traumatic event for the mother who will face unexpected difficulties. Apart from what is observed in the adult women experience, it is necessary to study motherhood from the perspective of the adolescent mother on this atypical situation, since factors like the intense changes that occur in this phase may have them experience motherhood differently. A cross-sectional descriptive study was carried out evaluating 9 adolescents (15 to 19 years old) regarding the experience of maternalizing a premature baby admitted to a Neonatal ICU. The data were collected through semi-structured interviews and evaluated through content analysis. The results showed that the participants seem to suspend the process of adolescence to take care of their baby in the Neonatal ICU and found in this experience an opportunity for maturity and a means of entering adult life. It was concluded that teenage pregnancy is not directly related to the lack of information or that is completely unwanted. In some social contexts, maternity is perceived as a place of value and recognition, where the adolescent assumes the new social status of being a woman.

Keywords: prematurity; teenage pregnancy; neonatal ICU.


 

 

Introdução

A base do desenvolvimento emocional do ser humano está na relação primitiva mãe-bebê, que pode ser enriquecida pelas relações com o pai e com familiares. Uma relação calorosa, íntima e contínua com a mãe favorece que o bebê, que ainda não possui aparelhos sensório e perceptivo maduros, encontre na atitude da mãe de oferecer proteção, atenção e cuidados, recursos para um desenvolvimento biopsicoafetivo seguro e saudável (Böing & Crepaldi, 2004). A privação ou insuficiência da relação do bebê com os seus cuidadores poderá ter como consequência diferentes quadros de sofrimento psíquico ou mesmo a configuração de quadros psicopatológicos (Espirito Santo & Araújo, 2016).

Durante a gestação e o nascimento do filho, a mulher passa por transformações psíquicas que podem reorganizar sua identidade. Essa reorganização a torna capaz de manter envolvimento socioemocional com o seu bebê e de mantê-lo vivo e saudável. Um importante eixo organizador que opera no psiquismo da mulher ao se tornar mãe é denominado por Stern (1997) como "Constelação da Maternidade", conceito que traz subsídios para a compreensão dos aspectos emocionais e subjetivos da maternidade.

Essa "constelação" tem a capacidade de ativar, no funcionamento psíquico materno, uma nova série de tendências de ação, sensibilidade, fantasias, medos e desejos. Sua duração é variável, podendo persistir por alguns meses após o nascimento do bebê. Durante esse período, a gestante pode expressar algumas preocupações básicas, traduzidas por meio de três discursos - a "trilogia da maternidade" -, são eles: o discurso com sua própria mãe, em que ela analisa seu lugar como filha e o papel de sua mãe como mãe para ela quando criança; seu discurso consigo mesma, em que a mulher analisa seus recursos para tornar-se mãe; e seu discurso com o bebê. Esses três discursos, apesar de diferentes, apresentam-se intimamente articulados.

Winnicott (1956/2000) também descreve um outro fenômeno que ocorrerá ao final da gestação e durante algumas semanas após o parto, a "Preocupação Materna Primária". Esta Preocupação seria uma sensibilidade exacerbada, um período normal e necessário, em que a mãe regride para se identificar intensamente com o seu bebê, o que a sensibiliza para as necessidades físicas e psicológicas dele. Na identificação e interação ativa com o bebê, a mãe é capaz de propiciar um ambiente facilitador para ele, transformar suas necessidades em comunicação e lhe proporcionar sustento e evolução.

A forma como esta relação irá se estabelecer não é universal, e não é inata, será influenciada pelo contexto histórico e cultural que essa mãe vivencia e pelos seus sentimentos em relação ao bebê, suas condições psicológicas e pelas suas próprias experiências como filha. O vínculo mãe-bebê não é algo dado, se trata de um processo que demanda desejo, cuidado, tempo, compreensão, paciência, atenção e continuidade, além das próprias características e possibilidades de interação do bebê, que possui um papel ativo na construção desse vínculo (Espirito Santo & Araújo, 2016; Stern, 1997).

Um dos fatores que pode interferir no desenvolvimento do vínculo mãe-bebê é o parto prematuro, já que muitas vezes se configura como um acontecimento traumático para esta mulher que enfrentará dificuldades inesperadas, como a possibilidade desse recém-nascido não sobreviver. Frente à internação do filho na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), a mãe pode sentir-se impossibilitada de exercer a função materna, sentindo-se destituída da tarefa de oferecer ao bebê os cuidados necessários para sua sobrevivência. Pode-se dizer ainda que o parto é prematuro para o bebê e para a mãe, pois este não corresponde ao bebê imaginado por ela (Pontes & Cantillino, 2014; Delgado, 2002).

Todas estas dificuldades podem ser maiores se a mãe é uma adolescente, devido ao período de intensas mudanças físicas, cognitivas e psicossociais que ocorrem na transição da infância para a idade adulta e que vêm gerar mudanças na própria identidade (Delgado, 2002).

A adolescência é um período de crise marcado pela descoberta de um novo lugar social. Nasio (2011) define que esse período de crise é marcado por neuroses, sendo uma delas a "neurose de crescimento", que é vivenciada através do luto da infância perdida. Calligaris (2011) relata que em nossa sociedade ser adolescente é chegar a uma fase em que já se teve tempo para assimilar valores culturais, capacidade para se reproduzir, força para assumir atividades de trabalho e competir de igual para igual com todo mundo, mas que, ao mesmo tempo, a comunidade lhe impõe uma moratória, pois apesar da maturação de seu corpo, lhe faltaria maturidade para realizar tais funções.

Winnicott (1961/2005) define a adolescência também como uma fase de autodescoberta, processo pelo qual se busca identidade pessoal e se tem a necessidade de sentir-se real. Segundo este autor, o comportamento do adolescente se manifesta em rápida alternância entre uma posição de independência rebelde e dependência regressiva em relação ao ambiente. Diante dessa oscilação, o adolescente tem "a necessidade de ser rebelde num contexto que, confiadamente, acolha também a dependência." (p.124). O ambiente nessa fase desempenha papel de extrema importância, pois o adolescente precisa supor a continuidade da existência e constante interesse do pai, da mãe e da família.

Assim como a adolescência, a gestação é um momento de crise psíquica, período de muitos conflitos, uma crise maturativa. Golse e Bydlowski (2002) descrevem esse período de crise através do conceito "Transparência Psíquica", que se "caracteriza como a diminuição das resistências habituais da mulher diante do recalcado inconsciente, marcado por um superinvestimento de uma história pessoal e de seus conflitos infantis." (p. 217). Dentro desse cenário, Delgado (2002) relaciona que "a adolescente que engravida tem sua crise do ciclo vital sobrecarregada com outro processo crítico na vida de uma mulher: a gravidez." (p. 33).

Além de abranger dois períodos críticos do ciclo vital da mulher, a gravidez na adolescência é considerada de alto risco e um problema de saúde pública, pois a mortalidade materna é uma das principais causas de óbito entre adolescentes e jovens com idades de 15 e 24 anos. Patologias como anemia e hipertensão também são frequentes em gestantes e puérperas dessa faixa etária, é comum os bebês nascerem prematuros, com baixo peso e oportunidades limitadas de sobrevivência. O baixo peso estaria associado ao fato de a adolescente estar em crescimento, ainda competindo pelos nutrientes com o bebê. Essa gestação considerada precoce pode acarretar ainda consequências socioeconômicas, na medida em que muitas adolescentes abandonam a escola e reduzem as oportunidades de boa inserção no mercado de trabalho (Delgado, 2002; Maldonado, 2017).

Por outro lado, a gravidez na adolescência nem sempre é um problema ou é indesejada. Lartigue e Rocabert (2004) destacam em seu estudo que a gravidez que faz parte de um projeto de vida da adolescente permite que ela possa alcançar oportunidades de organização e amadurecimento, quando encontrado auxílio de uma rede de apoio, presença e participação do companheiro e de familiares dentro de um contexto social e familiar que privilegie a cultura da maternidade.

Em virtude das repercussões que o parto prematuro traz para a vida da mulher e seus impactos na sua relação com o bebê e a família, este trabalho busca estudar os significados desse acontecimento também sob outros contextos, além do que já é observado na experiência da mulher adulta, pois a vivência da maternagem para uma mãe adolescente diante de uma situação atípica, como a prematuridade, pode ser diferente. Compreender a experiência dessa mãe diante da demanda de seu filho prematuro durante a internação hospitalar do bebê, uma situação tão peculiar, importa ao serviço de saúde e às equipes para que possam oferecer atendimento e escuta adequados, considerando diferentes percepções e dando o suporte necessário para que a adolescente possa ressignificar os sentimentos gerados pela situação e sentir-se competente para cuidar e ter participação ativa na recuperação do seu bebê na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal.

 

Método

Este estudo se configura como uma pesquisa transversal descritiva de natureza qualitativa, desenvolvida durante o período de agosto a outubro de 2019. Os participantes da amostra foram recrutados por conveniência no Hospital Municipal e Maternidade-Escola Dr. Mário de Moraes Altenfelder Silva, instituição de saúde pública localizada na Zona Norte da cidade de São Paulo, referência para atendimentos obstétricos e neonatais de alta complexidade. A amostra abrangeu 9 participantes adolescentes, com idades de 15 a 19 anos, cujos recém-nascidos prematuros encontravam-se internados em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Foram excluídas mães adolescentes não brasileiras, usuárias de substâncias psicoativas, comprometidas mental ou cognitivamente.

O projeto deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Municipal e Maternidade-Escola Dr. Mário de Moraes Altenfelder Silva sob parecer nº 3.502.229 (CAAE 14944919.9.0000.5454). As participantes foram convidadas para participar da pesquisa como voluntárias e manifestaram concordância mediante assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, após obterem informações detalhadas sobre os procedimentos da pesquisa. Foi considerada a maioridade sanitária para a obtenção do consentimento pós-informado por meio apenas da assinatura da adolescente, sem necessidade de assinatura de representante legal.

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada, elaborada com questões para obter dados de identificação e questões que abordaram diretamente o tema de interesse do estudo, tais como: emoções vivenciadas na descoberta da gravidez, durante a gestação e acerca da prematuridade e internamento; dificuldades associadas à maternidade na adolescência e à prematuridade; as principais preocupações em relação ao bebê; apoio familiar; rotina na UTI Neonatal; participação no cuidado com o bebê; expectativas em relação ao futuro.

Os dados foram avaliados através de análise de conteúdo, técnica que, segundo Gomes (2002), tem sua função de aplicação no que diz respeito a verificar hipóteses e descobrir o que está além dos conteúdos manifestos, respondendo as questões da pesquisa com base em seus objetivos, sem excluir as informações estatísticas.

 

Resultados

A amostra foi composta por 9 mães adolescentes elegíveis de acordo com os critérios de inclusão do estudo. As participantes tinham idade entre 15 e 19 anos e seus bebês haviam nascido com idade gestacional entre 26 e 36 semanas, caracterizando um parto prematuro. No momento da entrevista, os bebês encontravam-se entre o 6º e 41º dia de internação. Duas participantes haviam sofrido aborto anterior à gestação desse bebê. Esse é o primeiro filho vivo de todas as adolescentes, sendo que uma delas teve parto gemelar prematuro e os dois bebês encontravam-se internados.

O nascimento prematuro do bebê é percebido pelas adolescentes inicialmente como um momento de medo, intensa preocupação, ansiedade, desespero e incerteza: "Quando eu fiquei internada, fiquei desesperada, porque passam muitas coisas pela nossa cabeça, fui pega de surpresa, senti medo, desespero." (G. 17 anos)

O sentimento de culpa é algo presente nos relatos, culpa por em algum momento não ter desejado o bebê, culpa pelo corpo não ter conseguido segurar o bebê por mais tempo e culpa por supor que tenha ocorrido falta de cuidados consigo mesma e que a partir disso tenha ocorrido o parto prematuro.

A iminência da morte é significativa na fantasia materna: "Meu maior medo é chegar e saber que ela foi à óbito, e eu tá com as coisas tudo lá em casa, com as coisas tudo arrumadas" (L. 19 anos).

O nascimento prematuro e a necessidade de internação do bebê trazem questões sobre a percepção de vulnerabilidade do filho que é descrito como "magrinho", supõem que o bebê está em sofrimento, devido aos procedimentos e acessos venosos e é verbalizado o receio do filho apresentar malformações ou sequelas decorrentes da prematuridade e internação prolongada, além da ideia do bebê estar exposto a infecções no ambiente hospitalar. Essa percepção de vulnerabilidade faz a mãe considerar que o cuidado com um bebê prematuro é diferente em relação ao bebê termo, já que para elas, o prematuro demanda mais atenção, proteção e cautela.

O comportamento dessas mães na UTIN é hiper vigilante, há necessidade em estar com o bebê a todo momento como uma forma de se tranquilizar e estar mais inserida na rotina, seja através de informações sobre o estado de saúde do bebê, seja em participar de alguns cuidados que já lhe são permitidos executar. Ao serem questionadas sobre quais seriam as principais necessidades do bebê naquele momento, respostas como a evolução do bebê através do ganho de peso e aprender a mamar e a respirar sozinho foram as mais frequentes associadas à presença e contato com a mãe, amor, carinho, atenção e cuidados.

A posição Canguru foi mencionada por duas mães como exemplo de cuidado materno que tem influência direta na recuperação do bebê - este é um dado significativo porque, na maior parte dos casos, a internação inviabiliza o contato direto e constante com o bebê - especialmente em um momento inicial - fato este que é motivo de queixas por parte das mães: "Vai ser melhor com eles em casa, posso me organizar como eu quiser, posso pegar eles quando quiser e não na hora que a equipe autoriza" (F2. mãe de gêmeos prematuros. 16 anos); "Aqui não estou tendo uma rotina de mãe normal (...) Tô aqui olhando ele toda hora, mas o que quero mesmo é levar ele para casa para mim cuidar, para viver esse momento" (B. 17 anos).

Os impactos que a gravidez e o nascimento do bebê causam na vida dessas adolescentes dizem respeito a adiar planos para conseguir o primeiro emprego e para continuar estudando, seja por interromper os estudos durante a gestação ou adiar o retorno à escola, no caso daquelas que já haviam evadido, o que gera preocupação relacionada a questões financeiras para manter o filho e dar condições de vida mais confortáveis à família.

Há mudanças na rotina das jovens que passam a sair menos com amigos e com os companheiros para festas ou viagens. Nesse contexto, deve-se assinalar que a gestação na adolescência também traz questões relacionadas ao julgamento social e familiar: "Fiquei pensando como ia ser na escola com o barrigão, o pessoal ficar me olhando, sei lá... Ficarem me julgando, eu acabei largando a escola" (G. 17 anos); "Foi difícil porque a minha família não queria, eu tinha medo da minha família me rejeitar, a minha família me rejeitou bastante no início da gestação" (L. 19 anos).

Nenhuma das gestações foi relatada como diretamente planejada, ainda que a maior parte delas manifestasse o desejo em ser mãe em algum momento ou que não estivessem evitando a gravidez, mesmo que tendo conhecimento de pelo menos um método contraceptivo. Percebe-se que a maioria delas estava numa fase de transição de vida: término do Ensino Médio; início de uma faculdade; término de contrato de trabalho; mudança de Estado; mudança de escola.

A rejeição no momento de descoberta da gestação foi recorrente. Na fala das entrevistadas, três delas cogitaram realizar um aborto, desistindo do ato após negativa do parceiro ou da família. O sentimento de rejeição foi se dissipando, na percepção delas, conforme a gestação foi avançado a partir de situações, como quando o bebê mexeu, o primeiro ultrassom foi realizado ou a barriga foi crescendo.

Acerca das diferenças em ser mãe adolescente em relação a ser mãe na idade adulta, apenas uma das mães demonstrou sentir impotência diretamente relacionada à adolescência:

"Como eu sou adolescente eu tenho, sei lá, não sei explicar Eu acho que eu sou irresponsável! Quando a gente é adolescente, ainda mais com bebê prematuro, a gente se sente incapaz de cuidar, a gente se sente irresponsável." (R. 15 anos)

Sobre maternar um bebê prematuro, as demais participantes consideram que não há diferença relacionada à idade da mãe, pois estavam convivendo com mães adultas acompanhando seus bebês prematuros na UTIN, e elas analisam que as emoções são vivenciadas da mesma forma, apesar de apontarem diferenças no que diz respeito à melhor condição financeira, ter concluído os estudos ou ter casa própria, sem precisar morar com familiares.

As adolescentes referem sobre já se sentirem exercendo o papel de mãe, anteriormente à gestação de seus bebês, por cuidar de irmãos mais novos, sobrinhos ou do filho dos companheiros. Muitas já estavam inseridas na rotina de cuidados com a casa e com as crianças da família: "Está como se eu estivesse sendo mãe de novo, porque eu já cuidava dos meus irmãos faz tempo, cuidei do meu irmão de 4 anos desde pequeno, então fui mãe de novo, né?! Agora tô cuidando dos meus filhos" (F2. mãe de gêmeos prematuros. 16 anos).

Todas as adolescentes do estudo mantinham relacionamento com o pai do bebê e tiveram apoio familiar, da sua própria família ou da família do companheiro, e encontraram apoio emocional para enfrentar a internação do bebê e suporte financeiro para comprar enxoval ou moradia para o casal.

"Um bebê traz vida na família, traz os familiares mais para perto, acho que eu me uni mais a minha família, ainda mais com a minha mãe depois que eu engravidei." (F1. 16 anos)

"Tenho o apoio de toda minha família, pensei que a minha família iria querer me matar! Só que eu vi que na situação que ele [bebê] está aqui eu tenho apoio de todo mundo, então eu gosto dessa parte." (B. 17 anos)

Elas referem ainda que após a alta serão as principais cuidadoras do bebê, mas que terão suporte familiar nos cuidados, geralmente oferecidos pela mãe ou sogra. Há forte busca de referência feminina (mãe, sogra, avós e tias) para exercer o papel de mãe para seus bebês nesse momento de puerpério: "Minha mãe [como referência], ela sempre dá o melhor pra gente, o que ela pode fazer, ela faz. Ela inclusive trabalha em casa para poder ficar mais perto da gente" (F2. mãe de gêmeos prematuros. 16 anos); "Se minha mãe vê que a gente tá precisando de algo e ela também precisa, ela deixa de comprar pra ela pra comprar pra gente. Minha sogra também é assim" (G. 17 anos).

A gestação e o nascimento de um filho trouxeram ainda, para a vida dessas jovens, descobertas sobre aspectos positivos de sua própria identidade, características que foram possíveis de serem desenvolvidas e percebidas através de um afeto que não imaginavam ser capazes de sentir.

"Mudou muita coisa, acho que mudou muito a minha personalidade, agora estou mais calma, antes eu era muito, muito estressada. Comecei a ficar mais calma, comecei a ficar mais feliz." (R. 15 anos)

"Durante a gestação eu não me senti tão mãe como me sinto agora. Mudou muito meu jeito de pensar. Eu me sinto mais protetora, pensar nele, resolver as coisas por ele antes eu só pensava em mim, mesmo estando grávida não pensava nele tanto assim que nem agora quando ele nasceu (...) agora eu penso nos outros, nele principalmente, não é só em mim." (S. 19 anos)

"No começo eu não queria ter filho nem nada, mas depois de um tempo eu criei muito amor por ele, aí agora na situação em que ele está, quando ele sair eu quero cuidar cada vez mais dele." (B. 17 anos)

Ao serem questionadas sobre o que estaria sendo a parte mais difícil em ser mãe, 4 apontaram a internação como a principal dificuldade e 5 delas disseram que não tinham nenhuma dificuldade. E o que mais agrada na experiência é chegada do bebê em si, sua evolução, a amamentação, o contato no colo, uma respondeu que era o apoio da família e uma outra respondeu que o que mais a agradava nessa experiência era a pessoa que ela estava se tornando.

As jovens entrevistadas formulam o seu projeto de vida planejando retomar os estudos e conseguir um trabalho. No entanto, acreditam que essas metas só serão alcançadas quando avaliarem que os bebês não necessitam mais de cuidados específicos relacionados à prematuridade, podendo, assim, ficar na creche ou sob o cuidado de familiares.

 

Discussão

Para Freud (1914/2010), é a partir do próprio narcisismo que a mulher pode tornar-se mãe. Amar um filho é investir narcisicamente nele, para isso é necessário amar o que somos, o que fomos e o que gostaríamos de ser, assim como aqueles que cuidaram de nós. Os pais buscam na criança a concretização dos sonhos não realizados por eles, de maneira que lhe atribuem todas as perfeições e ocultam os seus defeitos. Colocam o filho no lugar de "Sua Majestade, o Bebê", lugar idealizado o qual um dia imaginaram ocupar. A vida para essa criança deve ser melhor do que foi para eles, as leis da natureza e da sociedade serão revogadas para ela, fazendo com que não esteja sujeita a doenças e à morte, por exemplo. O narcisismo dos pais seria então fundamental para criar o lugar que o filho irá ocupar na família.

Os meses de gestação se configuram como um tempo necessário para a elaboração da representação do bebê no psiquismo materno, que inicialmente se apresenta como um estrangeiro para ela. O que se espera, com o passar do tempo, é que ele possa se tornar objeto de suas projeções e idealizações derivadas de sua própria história e experiências infantis, tornando-se familiar (Aragão, 2007).

Nesta pesquisa, as adolescentes demonstraram estranheza na descoberta da gravidez, sentimento que faz parte desse processo em que o bebê ainda é um desconhecido para elas, um outro dentro do seu próprio corpo. O desejo de abortar e a rejeição falam sobre a ambivalência afetiva, uma das vivências mais comuns da gravidez, principalmente no primeiro trimestre, na qual coexistem sentimentos de amor e ódio em relação ao filho. Maldonado (2017) afirma que "não existe uma gravidez totalmente aceita ou totalmente rejeitada. (...) A gravidez envolve grandes mudanças - interpessoais e intrapsíquicas -, o que acarreta perdas e ganhos. Isso, por si só, justifica a coexistência de sentimentos opostos." (p.37). Os movimentos, a visão do primeiro ultrassom, a descoberta do sexo do bebê, a audição dos seus batimentos cardíacos, a barriga crescendo e tomando forma fizeram com que estas mães começassem a perceber que esse bebê de fato existia, e assim, passaram a criar significações para ele, interpretando seus movimentos, criando uma relação e atribuindo-lhe uma suposta identidade (Aragão, 2007).

O bebê que se apresenta a essa mãe prematuramente pode interromper o tempo de criação do bebê imaginário no psiquismo materno. Falar sobre a fragilidade, o sofrimento e o pequeno tamanho do bebê, como relatado nas entrevistas, comumente remete a uma ferida narcísica. O bebê real não corresponde ao bebê privilegiado e supervalorizado imaginado durante a gestação, o que revela o caráter narcísico deste afeto (Freud, 1914/2010). A vulnerabilidade do bebê pode significar a sua própria impotência e fracasso.

Para Mathelin (1999), o trabalho com essas mães é sempre de luto, perda e separação, é um sentimento de culpa violento em que todas as suas referências ficam abaladas. "O tempo está suspenso e os dias são contados apenas ao ritmo das pesagens do bebê que continua a gravidez sem elas, numa incubadora que "incuba" em lugar delas o filho que não souberam segurar." (p.25).

Assim, pontua a autora: "Como sentir-se mãe desse bebê que não dá sinal, que não mama no seio, que não olha, que não sendo em momento algum tranquilizante, não fabrica mãe?" (p.67).

Diante das limitações de poder usufruir por completo desses aspectos prazerosos e outros cuidados mais evidentes no nascimento a termo, as mães dos prematuros deste estudo passaram a acompanhar o filho através da evolução clínica de sua saúde. Sua atenção está focada em aspectos de sua alimentação, peso, respiração, temperatura e aos riscos de infecção. Assim, a preocupação materna primária vivenciada dentro da UTIN passa por adaptações frente a essa realidade não desejada, a disposição materna para envolver-se com seu bebê procura um caminho para se aproximar e interagir com o filho. Entender o que se passa clinicamente com o bebê também é uma forma de identificar suas necessidades e poder cuidar delas (Braga & Morsch, 2003).

A mãe, que foi gradativamente estimulada a realizar os cuidados de acordo com as peculiaridades do estado de saúde do bebê, foi avaliando sua própria capacidade e competência de atender às demandas do filho e, aos poucos, foi individualizando-o e reconhecendo-o como seu (Lamy, 2003).

No processo de tornar-se mãe há a reedição dos aspectos de sua própria história, ocorre então uma dupla identificação - com o bebê e com a sua própria mãe. Ser mãe é atualizar o lugar de filha, remetendo-se ao bebê que ela foi para a própria mãe e ao papel que sua mãe exerceu para ela (Freud, 1914/2010).

Nesta pesquisa, no momento em que as adolescentes foram entrevistadas - período de puerpério -, a necessidade de buscar por modelos de identificação foi percebida de forma significativa, figuras de apoio femininas e modelos de maternidade foram evidenciados no discurso delas. Esse aspecto demonstra que estão experienciando uma nova tríade psíquica - mãe da mãe/mãe/bebê (mãe de sua mãe e mãe do bebê) - que passa a existir e se torna o eixo organizador central da vida psíquica dessa mãe. Para Stern (1997), este é o período em que a Constelação da Maternidade se torna predominante:

Seus interesses e preocupações passam a se relacionar mais à sua mãe e menos ao seu pai; mais à sua mãe-como-mãe e menos à sua mãe-como-mulher-ou-esposa; mais às mulheres em geral e menos aos homens; (...) mais ao bebê e menos a quase tudo mais (p.162).

Os modelos de identificação citados são mulheres tidas como experientes no cuidado com os próprios filhos e exemplos de abnegação. Estar identificada com essa figura é importante para a filha sentir-se autorizada pela mãe a ser mãe (Stern, 1997). A representação da figura materna para elas é da mulher que está voltada para suprir a necessidade do outro abdicando de seus próprios desejos. Esse modelo de maternagem é visto por estas adolescentes como um lugar de valor e reconhecimento. A procura desses modelos, além de auxiliar no desenvolvimento das suas habilidades maternas, diz ainda sobre a procura de alguém que possa também cuidar delas, já que estão em um estado regressivo de intensa identificação com seu bebê e podem sentir-se tão desamparadas quanto ele após o nascimento.

Certamente algo acontece às pessoas quando elas se veem confrontadas com o desamparo que supostamente caracteriza o bebê. (...) Poderíamos quase dizer que as pessoas que cuidam de um bebê são tão desamparadas em relação ao desamparo do bebê quanto o bebê o é. Talvez haja até mesmo um confronto de desamparos (Winnicott, 1968/1999, p. 91).

Nesse sentido, Winnicott (1968/1999) define que a mãe está em um estado de desamparo e vulnerabilidade devido ao estado de preocupação materna primária, necessitando assim de proteção, pois está parcialmente regredida e de alguma forma dependente. O suporte familiar nesse momento é de extrema importância para ela.

Aspectos dessa dependência podem se tornar ainda mais intensos quando falamos de uma puérpera adolescente, pois, segundo Leitão (2011), vivenciar a preocupação materna primária na adolescência pode acentuar a dependência regressiva. Para as adolescentes em questão, apesar da expressão de independência ao ter um filho e autonomia para acompanhá-lo em uma UTI Neonatal, seu comportamento ainda é oscilante entre esses dois estados, ora independente, ora dependente em relação à família.

Winnicott (1961/2005) ressalta a importância dos pais e adultos de referência sustentarem essas oscilações oferecendo um ambiente facilitador para o desenvolvimento adolescente, encarando e reagindo à sua rebeldia, acolhendo a dependência e permitindo que ele experimente sua crescente autonomia. Diante da crise vivenciada na adolescência pela perda do lugar infantil, o que pode gerar incertezas sobre o seu lugar na família, e da gravidez precoce não ser bem vista pela nossa cultura, as adolescentes demonstraram incerteza se teriam ainda o apoio familiar nesse momento.

A demonstração de interesse, cuidado e preocupação da família sobre elas e a internação do bebê prematuro, fez com que as jovens dessem uma conotação positiva a essa situação. O interesse da sua própria família resgatou a sensação de continuidade do cuidado sobre elas, a possível confirmação da permanência desse vínculo afetuoso. Esse aspecto foi mencionado como significativo e altamente valorizado por elas, enfatizando que a chegada do bebê trouxe melhorias no relacionamento com a mãe, apoio, aproximação, renovação e união para a família. O filho passou a ser um traço de união entre a jovem e sua figura materna de referência, a maioria delas mencionou que terá ajuda de sua mãe, avó ou sogra nos cuidados com o bebê em casa. É possível argumentar, portanto, que a gravidez pode ser uma possibilidade de reparar falhas, carências afetivas ou reviver situações de fusão com pessoas significativas para elas (Leão, 2012).

Enfrentar a responsabilidade real de ter um filho com as características e necessidades singulares da prematuridade exigiu que as jovens mães mudassem os seus próprios planos, readaptando seu cotidiano adolescente para estarem totalmente voltadas ao bebê. Pode-se considerar que os cuidados complexos que um prematuro demanda trazem ainda mais expectativas do campo social relacionadas ao papel materno e alterações significativas na identidade da mulher. Deve-se assinalar que o alto nível de exigências que essas mães nessas condições se colocaram para atender às demandas de seu bebê quase sempre interrompe o direito à imaturidade e irresponsabilidade que são saudáveis ao adolescente.

Winnicott (1971/1975a) destaca a imaturidade como normal e positiva, uma parte preciosa da adolescência que contém os aspectos mais excitantes da criatividade, liberdade e sentimentos inovadores com possibilidades de um novo viver. "A sociedade precisa ser abalada pelas aspirações daqueles que não são responsáveis." (p. 198). Este período é breve e deve ser respeitado, o processo de adquirir maturidade deve ser gradual. Nas circunstâncias em que o adolescente perde essa oportunidade de experiência de liberdade, como o nascimento de um filho, ele é pressionado a assumir precocemente uma maturidade adulta (Leitão, 2011).

Pensando nas adolescentes deste estudo, percebe-se todo o esforço para se adaptarem ao ambiente na UTIN, desenvolvendo comunicação com a equipe, compreendendo a rotina e procedimentos complexos direcionados ao seu bebê. Assim, nota-se que as participantes parecem suspender o processo de adolescer, não estando voltadas para os seus projetos individuais, mas sim para ingressar no papel adulto de forma abrupta e priorizar o cuidado e a sobrevivência do filho (Leão, 2012).

Em seu estudo, Leão (2012) pontua que a tendência do jovem é buscar refúgio em seu mundo interno. Winnicott (1961/2005) caracteriza também o adolescente como um ser essencialmente isolado, comportamento que faz parte na busca de encontrar uma identidade para si mesmo. No entanto, acontecimentos no mundo externo, como o nascimento de um filho prematuro, que demanda cuidados complexos e especializados, exigem que o adolescente reajuste todo seu processo de definição de identidade. E essa foi a característica mais surpreendente para as participantes da pesquisa: a descoberta de um novo lugar social acompanhada de mudanças na própria identidade, uma experiência de autoconhecimento que elas puderam significar como nova e positiva.

A maternidade para essas adolescentes se apresentou, nesse momento, como uma forma de definir uma identidade para si mesmas. Um acontecimento valorizado que evidenciou características positivas de sua personalidade, como ser mais paciente, mais feliz, afetuosa e altruísta. Percebem ainda mudanças significativas no autocuidado e melhora nos relacionamentos. A necessidade de ser mais responsável também foi colocada como uma característica positiva.

Supõe-se, então, que essa oportunidade de amadurecimento pode ter trazido a percepção de sentir-se viva e real, já que todas elas estavam passando por situações de transição de vida (término do Ensino Médio; início de uma faculdade; término de contrato de trabalho; mudança de Estado; mudança de escola), além da própria crise de transição da adolescência, o que poderia acarretar a sensação de incerteza sobre quem se é e em quem se tornará (Leitão, 2011). Winnicott (1971/1975b) define que "sentir-se real é mais do que existir; é descobrir um modo de existir como si mesmo, relacionar-se aos objetos como si mesmo e ter um eu (self) para o qual retirar-se, para relaxamento." (p.161). Esse aspecto pode ser evidenciado na fala da participante S. de 19 anos:

"Acho que vou ser assim agora, não passa mais pela minha cabeça ser como eu era antes (...) Mesmo não tendo planejado ter o meu filho agora, eu entendo o motivo dele ter vindo nesse momento, que foi pra me mudar mesmo, mudar o meu jeito."

Dadoorian (2003), ao pesquisar sobre a função do desejo da adolescente pela gravidez, especialmente nas classes populares, concluiu que o significado inconsciente do filho é a via de acesso à feminilidade. A sua capacidade reprodutiva a faz perceber que não é mais menina, e, sim, mulher. "Constata-se uma valorização da maternidade, onde ser mãe equivale a assumir um novo status social, o de ser mulher." (p.87). As jovens relataram com orgulho sobre serem experientes em limpar a casa, cozinhar e cuidar de crianças da família, e com isso, nota-se que o papel feminino está bastante vinculado à função de cuidadora, já que ter um bebê que demanda cuidados tão específicos sugere então o sentimento de utilidade, de adquirir uma importante função naquilo que ela está apta para realizar: "É uma pessoa que eu teria que proteger, teria que dar o meu peito para ele, agora seria diferente, teria alguém nesse mundo por mim! (...) É a melhor coisa da vida ter alguém que precisa da gente!" (F1. 16 anos).

A partir do que foi desenvolvido, pode-se concluir que ter um bebê prematuro na adolescência constitui um somatório de crises concomitantes: a adolescência, a maternidade e a prematuridade. No que foi avaliado neste estudo, percebe-se que no período de internação do bebê na UTIN, a crise relacionada à prematuridade se sobressai em relação às dificuldades relacionadas à adolescência e à maternidade. Como mencionado nos resultados obtidos, apenas uma das adolescentes identificou que questões da adolescência poderiam dificultar o processo de maternagem e se mostrou preocupada com a questão. As demais entrevistadas só apontaram dificuldades em maternar seu bebê relacionando aos aspectos da própria internação.

Assim como no estudo desenvolvido por Leão (2012), a UTIN se constitui para essas adolescentes como um lugar à parte da sua realidade "lá fora", um espaço quase inviolável, que não pode ser contaminado por outros problemas além das próprias complicações da prematuridade. "É possível que a UTI fosse um espaço que de certa forma as protegia das ameaças da vida lá fora. Mas, por outro lado, ameaçava-as com a instabilidade constante dos bebês." (p.136).

O comportamento de estar mais orientada para as questões do bebê de forma que retira temporariamente seu interesse no social, é ainda uma característica da Preocupação Materna Primária, no entanto, nota-se que a internação pode intensificar esse aspecto. É percebido assim que, para elas, a internação do bebê é a maior dificuldade que conseguem lidar, nenhuma outra questão é relevante o suficiente para ser considerada nesse momento, nem mesmo as questões da adolescência. É notável que existe certa idealização da adolescente em relação à sua vivência na UTIN e à vida após a alta do bebê. Devido à intensidade do que passaram durante a internação, parecem não conseguir formular possíveis preocupações ou dificuldades futuras, como se após superar essa dificuldade nada mais seja impossível de ser superado.

 

Considerações Finais

Os resultados deste estudo demonstraram que o nascimento prematuro de um bebê traz a sensação de desamparo e dependência afetiva para a adolescente que se sente, inicialmente, culpada e incapacitada por não ter sido capaz de suprir as necessidades de seu filho pelo tempo necessário de gestação. A equipe especializada e a tecnologia disponível em uma UTI Neonatal reforçam seu sentimento de inadequação na função de garantir a boa evolução de seu bebê. A mulher considera que seu papel de mãe só poderá ser vivenciado por completo após a alta, em sua casa, onde o contato e os cuidados com o bebê não serão atravessados por protocolos e procedimentos.

O trabalho do psicólogo no cenário da UTI Neonatal atua nesse tempo em que a mãe vivencia como suspenso entre o nascimento e a alta do bebê, período que, na concepção dela, seria apenas para o bebê se desenvolver fisicamente, e que a partir da alta eles possam recomeçar essa relação. Ocorre que este é um tempo importante para ser vivenciado, ainda que tenha sido abalado, pois, trata-se da possibilidade de instalação/ampliação de um sentido para a existência do filho no contexto da internação hospitalar, individualizando-o como sujeito e convocando-o para uma relação com ela.

Percebe-se, no conteúdo manifesto pelas adolescentes deste estudo, certa idealização na medida em que afastam qualquer sentimento que possa influenciar ou prejudicar o bem estar do bebê. Assim, acabam não verbalizando suas próprias inseguranças ou preocupações nesse momento. No entanto, é impossível dissociar sua subjetividade da internação e cabe à equipe que atua nessa especialidade possibilitar que essa mãe reconheça o sofrimento atrelado a essa experiência e ofereça escuta qualificada para ele. Dessa forma, a mulher pode se sentir autorizada a expressar os sentimentos que considera negativos, sem achar que está rejeitando ou prejudicando seu filho e, assim, sentimentos de impotência e de inadequação possam ser trabalhados.

O profissional da saúde, nesse contexto, precisa conhecer as especificidades da fase da adolescência, principalmente no que diz respeito ao entendimento da gravidez nesse período da vida, de forma que não tenha um olhar preconceituoso, nem julgamentos que possam incitar culpa nas adolescentes ou limitá-las na aproximação com o bebê. É necessário valorizar a singularidade do discurso da adolescente acerca de sua própria gestação e suas possibilidades de construção de maternidade.

Conforme demonstrou este estudo, avalia-se que a questão da gravidez na adolescência não está diretamente relacionada à falta de informação sobre contraceptivos ou sexualidade, e que não é totalmente indesejada. Ainda que não planejada, a gravidez tem um caráter de desejo inconsciente, compreendido a partir da concepção que todas as adolescentes do estudo constroem do papel social da maternidade como um lugar de valor, social e emocional, na medida em que as participantes percebem que podem desenvolver vínculo com o bebê e de prover cuidados a ele em um ambiente desafiador como a UTI Neonatal. Além disso, puderam desenvolver uma identidade mais madura, responsável e qualidades que, na concepção delas, facilitam os relacionamentos interpessoais - o que pode ser interpretado como o ingresso na vida da mulher adulta. Nesse sentido, todas elas deram um significado positivo à experiência da maternidade nesse contexto.

É importante ressaltar a limitação do estudo quanto à sua amostra, que pode ser ampliada em estudos futuros, permitindo considerar apenas os resultados encontrados na população em questão e sem possibilidades de comparar resultados com um grupo de adolescentes mães de bebê termo, por exemplo.

Considera-se relevante que novos estudos sejam realizados para que se possa desenvolver um conhecimento mais abrangente da relação "mãe adolescente-bebê prematuro" após a alta hospitalar, por exemplo, para se avaliar como se dá esse relacionamento fora do ambiente idealizado da UTIN e após o período de preocupação materna primária.

Estes estudos prospectivos poderiam avaliar se existem consequências a longo prazo devido ao período de suspensão do adolescer que a jovem mãe realiza para poder cuidar de seu bebê, período em que se priva de experiências próprias da fase, como a expressão de imaturidade. Neste sentido, poderia ser questionado se de fato a experiência auxilia o amadurecimento pessoal que segue de forma gradual ou se a forma abrupta com que tiveram de lidar com essas responsabilidades gera apenas uma falsa maturidade baseada na personificação do adulto, assumindo responsabilidades além do que seria necessário, criando fantasias sobre o que é ser adulto e eliminando traços de espontaneidade que remeta à adolescência (Winnicott, 1971/1975a).

De qualquer forma, esperamos que esse trabalho tenha despertado o interesse em se aprofundar na interação entre essas três crises concomitantes enfrentadas: adolescência, gestação e parto prematuro e que tenha mostrado a importância do suporte que deve ser dado à adolescente para ajudá-la a ressignificar os sentimentos gerados nesta fase e construir um vínculo positivo com seu bebê.

 

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* Agência de Fomento: Hospital Municipal e Maternidade-Escola Dr. Mário de Moraes Altenfelder Silva.
Ludmilla Oliveira Lima Cerqueira - Psicóloga especialista em Neonatologia pelo Programa de Residência Multiprofissional em Neonatologia da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (SMS-SP).
Carolina Valério Barros - Psicóloga na Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (SMS-SP). Preceptora do Programa de Residência Multiprofissional em Neonatologia da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (SMS-SP). Mestre em Psicologia Clínica e Doutora em Psicologia do Desenvolvimento pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP).

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