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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.24 no.1 São Paulo jan./jun. 2021

 

Mulheres diagnosticadas com câncer de mama: índices de estresse durante tratamento quimioterápico

 

Women diagnosed with breast cancer: stress levels during chemotherapy

 

 

Monyke Cabral e Silva de SouzaI; Leopoldo Nelson Fernandes BarbosaII; Fernanda Gabriela Lima Oliveira BezerraIII

IUniversidade Federal de Pernambuco (UFPE). Instituto de Medicina Integral Professo Fernando Figueira (IMIP) - Recife/PE - monyke_cabral@hotmail.com
IIFaculdade Pernambucana de Saúde (FPS). Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP) - Recife/PE - leopoldopsi@gmail.com
IIIUniversidade Federal de Pernambuco (UFPE) - Recife/PE -fernandaoliveiraufpe@gmail.com

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: O câncer é considerado uma das doenças que, quando anunciada, desperta diversas fantasias e medos. Fatores associados ao estresse tendem a surgir desde os momentos iniciais da doença
OBJETIVO: Avaliar índices de estresse em mulheres com câncer de mama em tratamento através da quimioterapia
MÉTODO: Trata-se de estudo de corte transversal, onde participaram 18 mulheres entre 40 e 59 anos, diagnosticadas com câncer de mama em estágios iniciais da doença e em tratamento. A fim de alcançar os objetivos propostos foram utilizados um questionário semiestruturado, prontuários multiprofissionais e o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp
RESULTADOS: As análises estatísticas descritivas revelaram que as mulheres com câncer de mama apresentaram indícios significativos de estresse (77,8%), com predominância de sintomas compatíveis com a fase de resistência (71,4%) e prevalência de sintomas psicológicos (50%
CONCLUSÃO: Os resultados preliminares desta pesquisa mostraram-se promissores por evidenciar o perfil das mulheres atendidas em um hospital de referência para o tratamento do câncer de mama no estado de Pernambuco. Além disso, sinalizaram à comunidade médica e aos profissionais de saúde, sobre a importância do sofrimento psicológico de mulheres que estão vivenciando um processo de adoecimento permeado por situações desencadeadoras de estresse

Palavras-chave: estresse emocional; câncer de mama; protocolo de quimioterapia antineoplásica


ABSTRACT

INTRODUCTION: Cancer is considered one of the diseases that, when announced, arouses fantasies and fears. Signs of stress symptoms tend to show up in early stages of the disease
OBJECTIVE: This research aimed to evaluate stress indexes of women with breast cancer during chemotherapy
METHODS: The sample consisted of 18 women between the ages of 40 and 59, diagnosed with breast cancer in early stages of the disease and undergoing treatment. To achieve the proposed objectives, a semi-structured questionnaire was used, multiprofessional records and the Lipp Adult Stress Symptom Inventory
RESULTS: Descriptive statistics revealed that women with breast cancer showed significant signs of stress (77.8%), with symptoms compatible with the resistance phase (71.4%) and prevalence of psychological symptoms (50%
CONCLUSION: The preliminary results of this research evidenced the profile of women assisted at a reference hospital for treatment of breast cancer in the state of Pernambuco. Those results were also significant because they can become an alert to the medical community and health professionals about the importance of psychologic suffering of women who are experiencing a process of illness that involves stressful situations

Keywords: emotional stress; breast cancer; antineoplastic chemotherapy protocols


 

 

Introdução

O câncer ou neoplasia é uma das doenças que tem afetado um número crescente de pessoas em todo o mundo. Os avanços associados aos processos de transição demográfica e epidemiológica, apesar de terem proporcionado diversos efeitos positivos como o aumento da expectativa de vida, trouxeram também o aumento da incidência das doenças crônicas, dentre as quais o câncer desponta com uma das principais enfermidades (Medici & Beltão, 2015).

O câncer é considerado uma das doenças que, quando anunciado, desperta diversas fantasias e medos. Há algumas décadas, inclusive, o nome "câncer" não era dito, isso porque a doença era tida como "maligna", cruel e vergonhosa. Atualmente, já é possível evidenciar progressos em relação à desmistificação do estigma que a palavra câncer carrega, porém, o câncer ainda é considerado uma das doenças que mais amedronta a população (Espíndola, 2012).

Acredita-se que este medo seja ocasionado pelas estatísticas alarmantes publicadas constantemente nos meios de comunicação e pesquisas em relação a incidência e aos índices de mortalidade do câncer no Brasil e no mundo. Para o ano de 2020, estimam-se 625 mil casos novos de câncer no país, sendo esperados 309.750 em homens e 316.280 em mulheres, portanto, devido sua ampla abrangência em território nacional, é considerada um relevante problema de saúde pública (Brasil, 2020).

No que se refere especificamente ao câncer de mama, as estimativas são ainda mais preocupantes, uma vez que representa a principal causa de morte em mulheres no Brasil. A taxa de incidência estimada para cada ano do triênio 2020/2022 foi de 43,74 novos casos para cada grupo de 100 mil mulheres na região nordeste. Entre as capitais da região nordeste, Salvador, Recife e Aracaju apresentaram tendências decrescentes no nível de mortalidade, denotando a importância do acesso aos serviços de saúde para detecção precoce, diagnóstico e tratamento oportuno (Brasil, 2020).

O câncer de mama é relativamente raro antes dos 35 anos, com incidência rápida e progressiva com o avançar da idade, sendo diagnosticado na maioria das vezes em mulheres entre 40 e 60 anos (Silva & Riul, 2011). Por esta razão, optou-se por avaliar mulheres nesta faixa etária.

No que diz respeito à etiologia do câncer, ainda não se sabe ao certo quais são os fatores causadores da doença, mas acredita-se em uma origem multifatorial que envolve tanto fatores de ordem genética como ambientais e relacionados ao estilo de vida que interagem entre si (Brasil, 2008).

Diversas variáveis estão relacionadas ao aumento do risco de uma mulher vir a desenvolver câncer de mama. O envelhecimento e outros determinantes associados à vida reprodutiva da mulher destacam-se como os principais fatores de risco, tais como: menarca precoce, idade de primeira gestação, ausência de gravidez, uso de anticoncepcionais, menopausa tardia e terapia de reposição hormonal (Brasil, 2011).

O recebimento de um diagnóstico de câncer de mama tende a mobilizar diversos sentimentos, em especial por colocar essas mulheres em contato com a possibilidade de sua própria finitude. Neste sentido, fatores associados ao estresse tendem a surgir desde os momentos iniciais da doença. A religião e a espiritualidade têm sido consideradas estratégias de enfrentamento, uma vez que podem proporcionar uma adequação positiva da paciente frente ao diagnóstico e a terapêutica do câncer (Silva, Barreto, Barreto de Carvalho & da Silva Carvalho, 2020).

Além do diagnóstico de câncer de mama carregar esse sentimento de uma doença ameaçadora da vida, o tratamento também é caracterizado como sendo um processo doloroso, geralmente de longo prazo e que pode acarretar perdas significativas que incluem prejuízos corporais, como a perda de partes do corpo, da força e das funções físicas; perda da autonomia e independência; além de perdas sociais e afetivas (Bianco, 2006).

Observa-se também que a falta de informação e o constrangimento de ter uma doença estigmatizada faz com que mulheres diagnosticadas com câncer de mama se afastem das pessoas de seu convívio social por medo de rejeição (Silva, Barreto, Barreto de Carvalho & da Silva Carvalho, 2020). Segundo, Machado e Oliveira (2017), as modificações corporais decorrentes dos efeitos da quimioterapia tais como, alopecia, diminuição da libido e aumento de peso interferem de forma negativa a autoimagem da mulher.

Somados a isso, pesquisas indicam os impactos que as doenças oncológicas femininas provocam na vida familiar, sexual, afetiva e psicossocial da mulher, evidenciando um caráter ameaçador, estigmatizante e permeado por dificuldades (Neme & Lipp, 2010). Neste sentido, variáveis relacionadas à idade, estado civil, ocupação, região de moradia e ao acesso aos serviços de saúde, situação socioeconômica despontam como fatores que podem estar relacionados ao aumento dos índices de estresse em mulheres em tratamento contra o câncer de mama ou atuarem, por outro lado, como fatores de proteção.

O próprio contexto hospitalar, que faz parte da rotina das mulheres em tratamento, é também um lugar onde elas são constantemente colocadas em contato direto com o sofrimento, seja ele físico ou psíquico. As experiências vivenciadas neste contexto são, na maioria dos casos, consideradas eventos desencadeadores de estresse, pois fazem com que o indivíduo se aproxime de questões referentes a vida, morte, sentido da vida, frustração, dor, medo e angústia.

Dessa forma, o forte impacto emocional que a própria doença carrega, somados com as diversas alterações no cotidiano das mulheres e as perdas, simbólicas e concretas, vivenciadas durante todo o processo de adoecimento, constituem-se, portanto, como os principais fatores desencadeadores de estresse (Alves, Santos & Fernandes, 2012).

O estresse tem sido um campo de estudo amplamente investigado na área da psicologia. De forma geral, o estresse pode ser definido como uma reação natural do organismo, constituída por componentes emocionais, físicos, mentais e químicos, que ocorre quando o indivíduo se depara frente a situações ambientais que demandem grande adaptação (Rossetti et al., 2008).

Hans Selye (1959) é considerado um pesquisador de referência sobre o assunto. Esse autor descreve o estresse como sendo uma reação adaptativa do corpo capaz de desencadear modificações no organismo e que se manifesta através de diversos sintomas que ele denominou Síndrome Geral de Adaptação (SGA). Selye foi um dos primeiros estudiosos que buscou definir o estresse por meio, sobretudo, de sua dimensão biológica. Segundo ele, a SGA é constituída por um conjunto de respostas orgânicas que se expressa através de três fases: (i) fase de alerta; (ii) fase de resistência; e (iii) fase de exaustão (Filgueiras & Hippert, 1999).

Modelos teóricos atuais, baseados na teoria trifásica do estresse proposto por Selye, abordam essas fases de forma mais ampla, isto é, discutindo-as não só através de sua dimensão orgânica, mas também psíquica.

Neste sentido, a fase de alerta tem sido caracterizada, de forma geral, como uma resposta natural do organismo a momentos ou situações estressantes. Já a fase de resistência é considerada o momento em que o indivíduo busca manter o equilíbrio ou a homeostase interna diante das demandas ambientais desencadeadoras de estresse. Caso essas demandas persistam em frequência ou intensidade, ocorre uma ruptura na resistência e o sujeito passa então para a fase de exaustão. Esta última fase é considerada, portanto, como sendo a fase patológica do estresse, onde ocorre maior desequilíbrio psicológico e fisiológico. É este o momento em que as doenças graves podem acometer os indivíduos (Lipp, 2003).

Lipp (2003) acrescenta ainda uma quarta fase, chamada de quase-exaustão, que se encontra entre a fase de resistência e de exaustão. Este momento é caracterizado por um enfraquecimento do indivíduo que não consegue mais se adaptar ou resistir frente às exigências ocasionadas pelo ambiente. É possível também que surjam algumas doenças, embora elas não sejam tão graves como as apresentadas na fase de exaustão.

No que diz respeito ao Sistema Nervoso Central, a resposta neurofisiológica ao estresse ocorre de forma complexa. Inicialmente, o indivíduo recebe, através de seu sistema sensorial, os estímulos do ambiente. Esses estímulos são então enviados para o encéfalo e traduzidos em percepções. É importante ressaltar que o sentido ou interpretação que o indivíduo dará a esses estímulos será variável e dependerá de suas experiências anteriores. Dessa forma, caso o sujeito perceba que o estímulo é perigoso ou ameaçador, o organismo irá reagir com uma resposta de luta ou fuga. Quando o estímulo atinge o córtex cerebral, ocorre a liberação do hormônio liberador de orticotrofina (CRH) pelo hipotálamo. Esta substância ativa a liberação do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) pela hipófise. Através da corrente sanguínea, o ACTH atinge o córtex da glândula adrenal nos rins, promovendo liberação de cortisol. O cortisol em excesso lança na corrente sanguínea grande quantidade de glicose que é considerada essencial para a produção de energia e para resposta ao estresse (Elias & Castro, 2005).

Os impactos ocasionados pelos altos índices de estresse no tratamento do câncer já têm sido extensamente documentados. Isso porque estudos tem relacionado o estresse crônico com o enfraquecimento do sistema imunológico; sistema responsável pela vigilância do organismo contra a proliferação de células cancerígenas (Barbosa, Ximenes & Pinheiro, 2004; Santos & Barbosa, 2012; Bauer, 2007).

Alterações no sistema imunológico acontecem porque em situações de estresse crônico o cortisol em excesso tem o potencial de comprometer as funções dos leucócitos. Isso quer dizer que as células de defesa do nosso corpo são diretamente afetadas por ação do cortisol, considerado o principal causador de imunossupressão (Fonseca, Gonçalves, Araújo, 2018).

Além de desencadear alterações nos mecanismos de defesa, deixando essas mulheres mais suscetíveis ao aparecimento de doenças, acredita-se que a exposição ao estresse psicológico crônico pode influenciar de forma negativa a adesão dessas mulheres ao tratamento (World Health Organization, 2003).

Diante disso, buscou-se nesta pesquisa avaliar os índices de estresse em mulheres com câncer de mama em tratamento através da quimioterapia, uma vez que se entende que a exposição prolongada e intensa a essas demandas externas pode trazer prejuízos aos indivíduos (Rossetti et al., 2008). Além disso, buscou-se caracterizar a amostra segundo variáveis sociodemográficas, características de saúde e clínica, com o intuito de evidenciar o perfil das mulheres avaliadas neste estudo.

 

Método

Trata-se de um estudo descritivo, do tipo corte transversal, realizado no ambulatório de oncologia de adulto de um hospital escola da região nordeste do Brasil que atende exclusivamente ao Sistema Único de Saúde (SUS). A coleta dos dados foi realizada no período de setembro a novembro de 2017.

A amostra foi constituída por 18 mulheres entre 40 e 59 anos, diagnosticadas com câncer de mama em estágios II e III, em tratamento através do esquema terapêutico AC-T (Doxorrubicina, Ciclofosfamida e Paclitaxel). É válido salientar que as mulheres avaliadas não estavam em acompanhamento psicológico.

As mulheres foram selecionadas levando em consideração os seguintes critérios de inclusão: (i) ser mulher; (ii) possuir câncer de mama em estágios II e III; (iii) estar se submetendo pela primeira vez ao tratamento quimioterápico; (iv) utilizar como forma de tratamento a quimioterapia (v) estar na faixa-etária de 40-59 anos; (vi) assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), tendo sido aprovado para execução sob o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE): 66357717.0.3001.5201. Após a aprovação, as mulheres foram convidadas a participar da pesquisa. Após todos os esclarecimentos, as participantes que concordaram com a participação assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE.

A fim de alcançar os objetivos do estudo, foram utilizados os seguintes materiais: (i) um questionário semiestruturado; (ii) prontuários multiprofissionais; e (iii) e o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp.

O questionário semiestruturado foi aplicado com o objetivo de caracterizar a amostra e o perfil das mulheres analisadas, assim como excluir mulheres que não se enquadravam nos critérios inclusão da pesquisa. Esse questionário foi subdividido em quatro partes: (i) dados de identificação; (ii) características sociodemográficas; (iii) características de saúde; (iv) características clínicas.

Já os prontuários foram utilizados como fonte de consulta para a investigação da história clínica da paciente, identificação do estadiamento e esquema de quimioterapia adotado para o tratamento do câncer de mama.

O Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp foi utilizado para avaliar as mulheres quanto à presença de indicadores de estresse, fase do estresse em que se encontravam e a predominância dos sintomas.

É válido salientar que o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos utilizado nesta pesquisa foi padronizado para a população brasileira e adequado para a faixa etária de interesse (Lipp, 2000). As avaliações aconteceram de forma individual e em ambientes sem interferências sonoras ou de outra natureza que pudessem vir a comprometer a entrevista e a aplicação dos testes.

A análise interpretativa dos resultados foi realizada através de técnicas estatísticas descritivas. As variáveis numéricas foram representadas pelas medidas de tendência central e medidas de dispersão. Os cálculos foram realizados através dos Softwares SPSS e o Excel 2010.

 

Resultados e Discussão

Características sociodemográficas

No que diz respeito às características sociodemográficas (Tabela 1), observa-se que as mulheres avaliadas tiveram, em sua maioria, idade média de 48,94 anos, viviam com algum companheiro (66,7%), possuíam escolaridade de até o segundo grau/ensino médio (44,4%), trabalhavam antes do adoecimento (72,2%), moravam predominantemente em área urbana (72,2%), possuíam renda mensal de até no máximo um salário mínimo (82,3%) e percebiam que essa renda não era suficiente para custear as necessidades básicas de moradia, alimentação e saúde (72,2%).

Um aspecto que chama atenção nos resultados diz respeito ao estado civil das mulheres avaliadas. Isso porque um número expressivo de mulheres (66,7%) vivia com algum companheiro. Sabe-se que as mulheres com câncer de mama, além de conviverem com as complicações da própria doença, precisam enfrentar muitas vezes alterações na sexualidade e o afastamento do parceiro, o que pode contribuir para o aumento dos índices de estresse (Biffi & Mamede, 2004; Barbosa, Ximenes & Pinheiro, 2004; Gonçalves, Arrais & Fernandes, 2007).

Rodrigues, Silva e Lopes (2000), sinalizaram a importância atribuída as mulheres com câncer de mama em relação à participação do marido durante o processo de adoecimento. Contudo, apesar do presente estudo ter sinalizado que a maioria das mulheres possui um companheiro, o que pode ser considerado um fator de proteção, não foi possível afirmar se as mulheres avaliadas mantêm com esses companheiros uma relação conjugal positiva, onde seus parceiros as ajudem a enfrentar o adoecimento de forma menos sofrida.

Outro aspecto que chama atenção nos resultados encontrados é que grande parte das mulheres avaliadas exerciam alguma atividade remunerada antes do adoecimento, mas após a rotina de tratamento, precisaram se afastar das suas atividades laborais. Esse fator pode ter contribuído para as estatísticas encontradas associadas à renda mensal recebida e consequentemente para a percepção dessas mulheres em relação à afirmação de que a renda atual é insuficiente para arcar com as necessidades básicas de alimentação, moradia e saúde.

Além disso, sabe-se que as mulheres têm sido sobrecarregadas pela multiplicidade de papeis sociais e familiares que assumem. Diante disso, a perda de sua função laboral, em decorrência do aparecimento de uma doença crônica, irá provocar uma reorganização da estrutura e dos papeis familiares, o que pode ser vivenciado como situações desencadeadoras de estresse.

Outro aspecto que vale a pena ressaltar é sobre a predominância de mulheres que residem em área urbana. Essa predominância pode ser compreendida dado que o câncer, por ser uma doença muito específica e precisar de uma assistência especializada, faz com que pessoas de outras regiões que desenvolvam a doença sejam encaminhadas para hospitais de referência, no caso, o IMIP. Essa diferença, então, parece ter uma relação com a rede de saúde de Pernambuco e como o fluxo de pessoas fora da região metropolitana chega à capital. Outro possível fator para os resultados encontrados pode ter sido ocasionado pela hora em que as coletas foram realizadas, já que o público do interior costuma estar no IMIP nas primeiras horas da manhã.

Em relação aos resultados encontrados no que diz respeito a situação beneficiária das mulheres avaliadas, verificou-se, que um número expressivo de mulheres em tratamento recebia benefícios do governo. Esses achados justificam-se dado ao fato de que, como previsto na Lei Federal nº 8.213/91, todo cidadão que tenha uma incapacidade temporária para o trabalho por mais de 15 dias, independentemente de seu tempo de contribuição, tem direito a receber auxílio-doença. Esse benefício é concedido para todos que são acometidos por uma doença grave, dentre as quais, o câncer. Por outro lado, possivelmente, as mulheres que não recebiam benefício, não o recebem por não se enquadrarem nos critérios de inclusão para o recebimento do mesmo e/ou por desconhecerem seus direitos.

Características de Saúde

No que diz respeito às características de saúde (Tabela 2), houve uma prevalência de mulheres que não fumam (77,8%), não possuem o hábito de ingerir bebidas alcoólicas (55,6%), que utilizaram contraceptivos em algum momento da vida (61,1%) e que possuíam membros da família com câncer (77,8%). Além disso, as entrevistadas tiveram em média a menarca aos 13,56 anos de idade, relataram 3,19 gestações, 1,20 abortos e 2,71 filhos.

É valido salientar que as variáveis consideradas como fatores de risco para o desenvolvimento do câncer de mama, associadas à vida reprodutiva da mulher, em especial a menarca precoce e a ausência de gravidez não foram características que se evidenciaram na análise do perfil das mulheres investigas. Por outro lado, fatores de risco como uso de medicações contraceptivas e histórico de câncer na família apresentaram resultados significativos nesta pesquisa.

A história familiar da doença, em especial, tem sido um fator epidemiológico de risco já bem estabelecido na literatura. Amendola e Vieira (2005), afirmam inclusive que cerca de 5 a 10% de todos os casos de câncer de mama está associado à existência de um componente genético hereditário que predispõe à doença.

É válido salientar que apenas uma minoria das mulheres reportou a presença de outras doenças (33,3%), em especial doenças reumáticas e hipertensão arterial. Esse dado pode ser compreendido pelo fato de as mulheres com câncer estarem focadas na doença corrente e na resolução desse aspecto.

Características clínicas

Sobre as características clínicas das mulheres com câncer (Tabela 2), 44,5% das entrevistadas estavam no estágio IIIA1 do câncer e 55,6% das mulheres avaliadas realizaram procedimentos cirúrgicos, dentre eles a quadrantectomia, retirada dos gânglios axilares e mastectomia; tanto do lado direito, como esquerdo da mama. Verificou-se também que não houve uma prevalência significativa entre as mulheres em relação à semana do uso do quimioterápico taxol, visto que os dados estão distribuídos de forma heterogênea entre as 12 semanas de administração dessa medicação.

No que diz respeito ao estadiamento, os resultados encontrados evidenciaram que as mulheres avaliadas se encontravam em estágios IIIA da doença. Além disso, é importante ressaltar que as mulheres estavam vivenciando pela primeira vez esse tipo de enfermidade e consequentemente o tratamento quimioterápico. Esses dados são importantes, portanto, para compreender a conjuntura vivenciada por essas mulheres, já que se entende que os momentos iniciais da doença provocam grandes mudanças e adaptações, fazendo o que elas tenham que lidar com uma série de informações e rotinas novas, que podem ser vivenciadas como eventos desencadeadores de estresse.

No que concerne a cirurgia, Ferreira, Franco e Queiroz (2002), sinalizaram em seus estudos que mulheres mastectomizadas, por exemplo, após a mutilação, levam tempo para assimilar e incorporar a nova imagem corporal, o que provoca diversas repercussões para as relações sociais, familiares e conjugais, como foi dito anteriormente. Esses fatores podem ter contribuído também para os índices de estresse encontrados nesta pesquisa.

Portanto, os resultados encontrados a partir das análises descritivas realizadas evidenciaram o perfil sociodemográfico, de saúde e clínico das mulheres atendidas em uma instituição que atende a população em geral pelo Sistema Único de Saúde, onde predomina o atendimento a população em situação vulnerabilidade socioeconômica.

Nível de estresse

Levando em consideração a importância de investigar os impactos que os estados emocionais e a exposição prolongada ao estresse exercem sobre a forma como o corpo das mulheres com câncer de mama responde ao tratamento da doença, buscou-se avaliá-las quanto a esta variável.

Os resultados apontaram que a maioria das mulheres investigadas apresentaram indícios de estresse (77,8%). Além disso, considerando aquelas que apresentaram estresse, 71,4% estavam na fase de resistência, seguidos de 28,6% na fase de quase-exaustão. É importante ressaltar que não foram apresentados índices de estresse associados às fases de alerta e de exaustão (Tabela 3).

Sobre a prevalência dos sintomas de estresse, o grupo de mulheres com câncer exibiu predominância dos sintomas psicológicos (50%), seguidos dos físicos (32,3%) e equivalentes (12,9%).

Similarmente, Barbosa e Santos (2012) avaliaram a presença do diagnóstico do estresse em 20 mulheres com câncer de mama entre 40-60 anos. Eles verificaram que 60% das mulheres apresentaram diagnóstico de estresse e estavam predominantemente na fase de resistência. Esses achados, portanto, se assemelham aos resultados encontrados na presente pesquisa.

Os índices elevados associados à presença do estresse entre as pacientes com diagnóstico de câncer de mama podem ser explicados por diversas razões. Dentre elas, o próprio processo de enfretamento da doença que é muitas vezes vivenciado como um evento estressor. Somados a isso, têm-se ainda a angústia e o medo da morte; o tratamento muitas vezes invasivo e assustador; a própria doença que pode desencadear perdas funcionais e também simbólicas; as internações e ainda a possibilidade de procedimentos cirúrgicos, como a mastectomia, que certamente aumentam o nível de estresse das pacientes (Barbosa & Santos, 2012).

 

Considerações Finais

O presente estudo propôs investigar os índices de estresse em mulheres diagnosticadas com câncer de mama em tratamento através da quimioterapia. Além disso, o trabalho objetivou investigar as características sociodemográficas, condições de saúde e clínicas dessas mulheres, o que permitiu traçar um perfil da população investigada.

Os resultados revelaram que as mulheres com câncer de mama apresentaram indícios significativos de estresse, com predominância de sintomas compatíveis com a fase de resistência e prevalência de sintomas psicológicos.

Desse modo, os resultados preliminares desta pesquisa mostraram-se promissores por evidenciar o perfil das mulheres atendidas em um hospital de referência para o tratamento do câncer de mama em Pernambuco. Além disso, os resultados encontrados sinalizam à comunidade médica e aos profissionais de saúde, sobre a importância de promoverem ações que visem não só o cuidado da saúde física do paciente, mas, sobretudo emocional. Isso porque se entende que essas mulheres estão vivenciando um processo de adoecimento que já é, por si só, permeado por medos, insegurança e situações desencadeadoras de estresse e sofrimento psíquico.

Diante disso, as conclusões desse trabalho trazem implicações substanciais para o aconselhamento psicológico, e a necessidade de se pensar em estratégias de intervenção, que visem promover uma melhor qualidade de vida para aquelas mulheres em situação de estresse psicológico.

Contudo, este estudo apresenta limitações que devem ser levadas em consideração. A primeira delas está associada ao tamanho da amostra investigada. Outra fragilidade diz respeito ao emprego de um único instrumento para avaliar os componentes associados aos índices de estresse. Outra limitação foi que, diante o curto tempo destinado à investigação, não foi possível avaliar as mulheres antes, durante e depois do tratamento. Caso o estudo fosse realizado dessa forma, seria possível, por exemplo, compreender como os sintomas de estresse se comportam ao longo do tratamento.

Por isso, torna-se relevante a realização de mais pesquisas sobre o tema. Sugere-se, por fim, a realização de estudos longitudinais que permitam avaliar o efeito agudo e também a longo prazo do estresse psicológico para a vida dessa população. Além disso, sugere-se a investigação dos índices de estresse em outros grupos de indivíduos, não só a população feminina, o que aponta também para a necessidade de avaliar outros tipos de câncer, além do de mama.

 

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1 O câncer de mama é identificado através de um sistema de classificação de Tumores Malignos (TNM) que se baseia em estágios. A classificação é feita de acordo com as características do tumor primário, dos linfonodos das cadeias de drenagem linfática do órgão em que o tumor se localiza, e pela presença ou ausência de metástases à distância.
Monyke Cabral e Silva de Souza - Mestre em Psicologia pela UFPE e Psicóloga Clínica.
Leopoldo Nelson Fernandes Barbosa - Doutor em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento pela UFPE. Preceptor da equipe de saúde mental do IMIP.
Fernanda Gabriela Lima Oliveira Bezerra - Graduada em Psicologia pela UFPE.

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