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Revista da SBPH

versión impresa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.24 no.1 São Paulo ene./jun. 2021

 

COVID-19: Relato de experiência com grupos terapêuticos para colaboradores de um hospital de Urgências

 

COVID-19: Experience report with therapeutic groups for employees of an emergency hospital

 

 

Danilo Pereira LimaI; Francielly Tavares de AraújoII; Ketlin Monteiro Felipe de OliveiraII; Marina Rodrigues Novais PiresIII

IHospital Estadual de Urgências da Região Noroeste de Goiânia Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol) - Goiânia/ GO - danilo.pereira.l@hotmail.com
IIHospital Estadual de Urgências da Região Noroeste de Goiânia Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol) – Goiânia/ GO – francielly-tavares@hotmail.com
IIIHospital Estadual de Urgências da Região Noroeste de Goiânia Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol) - Goiânia/ GO - ketlin.m@hotmail.com
IVHospital Estadual de Urgências da Região Noroeste de Goiânia Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol) - Goiânia/ GO - marinarnovais@hotmail.com

 

 


RESUMO

Situações de desastres e emergências, como a pandemia de COVID-19, são descritas pela literatura como um evento estressor significativo e fonte desencadeadora de sintomas psicológicos agudos com possíveis repercussões negativas a longo prazo, em especial para as equipes de saúde. Considerando estes aspectos, foram aplicados dois modelos de intervenção em grupo com o objetivo de fornecer apoio psicológico aos profissionais de saúde de um Hospital de Urgência. Os colaboradores participantes das intervenções em grupo (n=111) apresentaram demandas referentes aos medos de contaminação própria e de familiares, angústia de morte e angústia relacionada ao distanciamento social entre os colaboradores. No escopo deste trabalho, a intervenção em grupo foi identificada como uma ação válida e pertinente ao fortalecimento e manutenção de estratégias adaptativas no enfrentamento às repercussões psicológicas da pandemia.

Palavras-chave: pandemia; COVID-19; grupos; psicologia; profissionais de saúde.


ABSTRACT

Disaster and emergency situations, like the COVID-19 pandemic, are described in the literature as a significant stressor event and a source of acute psychological symptoms with possible long-term negative repercussions, especially for health teams. That said, two models of group intervention were applied with the objective of providing psychological support to health professionals in an Emergency Hospital. Employees participating in group interventions (n=111) presented demands related to fears of own and family contamination, anguish of death and anguish related to social distance between employees. Within the scope of this work, group intervention was identified as a valid and pertinent action for the strengthening and maintenance of adaptive strategies to face the psychological repercussions of the pandemic.

Keywords: pandemic; COVID-19; groups; psychology; health professionals.


 

 

Introdução

As situações de desastres e emergências englobam eventos inesperados que acarretam danos ou prejuízos à vida humana, sendo potencialmente traumáticos, delimitados no tempo e experimentados de forma coletiva, com início abrupto e consequências que se estendem a longo prazo. Portanto, geram repercussões de grande impacto à sociedade, tanto pelo nível de destruição que ocasionam, quanto pela sensação de vulnerabilidade que despertam devido ao sofrimento humano ocasionado (Paranhos & Werlang, 2015; Vasconcelos & Cury, 2017).

Vasconcelos e Cury (2017) salientam a pertinência de se enquadrar as situações de epidemia neste conceito, uma vez que o advento de uma pandemia possui várias destas características e implicações. Esta discussão faz-se especialmente relevante, considerando a pandemia vigente de COVID-19 - um vírus (SARS-CoV 2) da família dos coronavírus, responsável por infecções respiratórias dentre outros acometimentos -, com casos registrados desde 31 de dezembro de 2019 em Wuhan, na China. Os principais sintomas incluem febre, tosse seca e cansaço, sendo que a transmissão se dá pela inalação ou contato dos olhos, nariz e/ou boca com gotículas expelidas pela tosse, pelo espirro ou durante fala por pessoas que estejam contaminadas pela COVID-19 (World Health Organization [WHO], 2020a).

Os últimos dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que até 11 de outubro de 2020 foram confirmados mais de 37 milhões de casos de COVID-19, incluindo mais de 1 milhão de mortes em todo mundo (WHO, 2020b). No Brasil, segundo levantamento do Ministério da Saúde do dia 03 de outubro de 2020, os dados indicam 4.906.833 casos confirmados e 145.987 óbitos, tendo sido o primeiro caso identificado em 26 de fevereiro de 2020 (Ministério da Saúde, 2020).

Situações de emergência e desastre, como a pandemia por COVID-19, vivenciada diretamente pelos pacientes e familiares das pessoas contaminadas e pelos profissionais de saúde, geram repercussões psicológicas importantes (Chen et al., 2020; Xiang et al., 2020). Frequentemente identificam-se profissionais das equipes de saúde com sinais de esgotamento físico e mental, sentimento de incapacidade, insegurança com relação aos procedimentos técnicos, irritabilidade e sintomas de sofrimento psíquico (Chen et al., 2020).

Estas observações denotam a importância do acompanhamento psicológico em contextos como o da pandemia por COVID-19. Neste campo de atuação, Trindade e Serpa (2013) salientam que as ações em saúde mental podem acontecer nos períodos: pré-impacto, impacto e pós-impacto. No pré-impacto, as intervenções focam a prevenção ou mitigação dos futuros danos; durante o impacto são realizadas as ações emergenciais; e no pós-impacto o principal objetivo é a reconstrução das comunidades.

Uma das modalidades de intervenção psicológica com respaldo teórico e efetividade verificada em diversos estudos empíricos é o atendimento psicológico em grupo (Bechelli & Santos, 2004). Esta forma de atuação oferece um espaço de compartilhamento de vivências, de expressão de emoções, além de colaborar para a desindividualização do sofrimento vivenciado, aprimorando e desenvolvendo competências pessoais (Albanaes, Rodrigues, Pellegrini & Tolfo, 2017; Schmidt, 2011).

O modelo de trabalho com grupos utilizado em situações de emergência e desastres encontra respaldo na literatura e é tratado como um método de referência para intervenções neste contexto (Pender & Anderton, 2016). Ademais, a ação em grupo configurada para promover bem-estar psicológico aos profissionais de saúde torna-se relevante, uma vez que esta dimensão, em situações como a de uma epidemia, é fundamental para a condução efetiva do trabalho destes profissionais (Surya, Jaff, Stilwell & Schubert, 2017).

Considerando as implicações psíquicas de situações extremas para os profissionais da saúde envolvidos nas respostas a estes eventos, as indicações presentes na literatura e a possibilidade de inclusão de um número maior de participantes em um breve período de tempo, estabelecido pela urgência da pandemia, foi idealizada uma proposta de intervenção em grupo com os colaboradores de um hospital de urgência e emergência. Tal proposta, teve como objetivo oferecer espaço de escuta e acolhimento, visando mitigar a ansiedade e demais demandas psicológicas relacionadas a pandemia. O presente artigo consiste em um relato de experiência que tem como objetivo principal discutir esta proposta de intervenção.

 

Método

As intervenções foram realizadas em um Hospital Estadual de Urgências da cidade de Goiânia que conta com mais de 2 mil colaboradores, sendo que foram ofertados dois modelos de grupo (A e B), denominados Momento Terapêutico. As intervenções foram destinadas a todos os colaboradores da unidade hospitalar que desejassem participar voluntariamente. Os participantes recebiam, como parte da intervenção, orientações sobre cuidados em saúde mental, enquanto os colaboradores que não participaram das intervenções não tiveram qualquer prejuízo decorrente, e poderiam buscar o setor de Recursos Humanos (RH) da instituição para obtenção das orientações em saúde mental. O presente estudo foi submetido e aprovado pela Comissão de Ensino, Pesquisa e Residência em Saúde do hospital.

Grupo A

O modelo de Grupo A foi estruturado pela tutoria da residência de Psicologia em parceria com as gerências multiprofissional e de Recursos Humanos do hospital supracitado. A condução dos grupos foi alternada entre os três psicólogos residentes do segundo ano do programa de Residência em Área Profissional de Saúde, modalidade multiprofissional, na área de concentração Urgência e Trauma.

O Grupo A foi destinado a todos os colaboradores do hospital, sendo composto por até oito pessoas, conforme recomendação do Serviço de Controle de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (SCiRAS) quanto aos riscos de contaminação. Os grupos foram realizados no auditório da instituição e em uma sala administrativa, conforme a disponibilidade de utilização dos espaços.

As intervenções tiveram início no dia 25 de março de 2020, em diferentes horários, que contemplassem os plantões dos colaboradores dos diversos setores do hospital, bem como a carga horária dos residentes. A divulgação e inscrição para os grupos foram realizadas na página principal do site institucional.

Os grupos tiveram duração média de 40 minutos, onde as intervenções se iniciavam com a apresentação do psicólogo e dos participantes, seguidas de uma proposta de relaxamento associada a um momento de reflexão sobre o propósito de vida dos colaboradores. Posteriormente, foi proporcionado um espaço de escuta e acolhimento às demandas apresentadas. Por fim, foi realizada a exibição de vídeos que expressavam mensagens de valorização do colaborador e entregue um girassol confeccionado de papel A4 pela equipe de psicólogos com a seguinte frase: "Que eu seja todo dia como girassol/ De costas para o escuro e de frente pra luz!" (Nunes, 2019).

No modelo de Grupo A compareceram 77 colaboradores do hospital, sendo 50 destes pertencentes à equipe Assistencial e 27 à equipe Administrativa. Dentre os profissionais da equipe Assistencial, estiveram presentes Farmacêuticos (6), Fisioterapeutas (9), Fonoaudiólogos (5), Psicólogos (10), Assistentes Sociais (6), Técnicos em Enfermagem (2), Técnicos em Farmácia (7), Técnicos em Nutrição (1) e Terapeutas Ocupacionais (4).

Grupo B

O modelo de Grupo B foi idealizado pela tutoria da residência de psicologia em parceria com as gerências multiprofissional e de Recursos Humanos, além de duas psicólogas preceptoras. As intervenções foram realizadas por um dos psicólogos residentes do programa de Residência já mencionado e por uma das preceptoras supracitadas.

O modelo de Grupo B foi destinado aos colaboradores envolvidos diretamente no atendimento a pacientes com COVID-19. Os grupos foram realizados nos setores de atuação destes colaboradores, devido a recomendação da SCiRAS, e conduzidos por dois psicólogos que se alternavam, de acordo com os horários dos grupos. As intervenções foram realizadas em dois dias diferentes, sendo ofertados três grupos por dia com o intuito de abarcar as equipes noturna e diurna das unidades. Ressalta-se que o período de dois dias foi suficiente para atingir todos os colaboradores das unidades.

Houve um incentivo da gestão para que os profissionais alocados nesta área participassem dos grupos e comparecessem de acordo com sua disponibilidade e dos horários ofertados. Inicialmente, foi realizado um momento de apresentação do psicólogo e dos participantes. Logo após, os colaboradores foram convidados a escrever em uma folha de papel sobre suas contribuições profissionais e pessoais aos pacientes, e no verso desta, os seus medos com relação ao contexto nos quais estão inseridos. Posteriormente, foi aberto espaço para compartilhamento das contribuições elencadas.

Em seguida, foi realizado um momento para que, em outra folha de papel, os participantes elencassem atitudes que deveriam "parar de ter", "continuar a ter" e "começar a ter", identificando, assim, estratégias funcionais de enfrentamento às implicações da COVID-19. Por fim, disponibilizou-se espaço para compartilhamento das informações relatadas pelos participantes e foi exibido um vídeo de valorização dos profissionais.

O modelo de Grupo B teve um total de 37 participantes, sendo todos colaboradores diretamente envolvidos nos cuidados aos pacientes com COVID-19, suspeitos ou confirmados, compondo a equipe Assistencial COVID-19. Os grupos foram compostos por Auxiliares de Serviços Gerais (4), Enfermeiros (6), Fisioterapeutas (2), Fonoaudiólogo (1), Técnicos em Enfermagem (23) e Técnico em Farmácia (1).

 

Discussão

A partir dos conteúdos elencados pelos participantes no decorrer dos grupos, pôde-se identificar elementos que se repetiram nas falas dos colaboradores no que diz respeito aos sentimentos vivenciados, tais como medo de se contaminar e transmitir a doença para outras pessoas; medo da própria morte; medo da morte de entes queridos; incertezas; saudades dos familiares; angústia referente ao distanciamento social; receio quanto às possíveis consequências financeiras; e desconfiança da equipe quanto às informações institucionais.

Destaca-se a presença acentuada de algumas reações tais como, ansiedade, medo de se contaminar e de contaminar familiares, assinaladas pela literatura e presentes nos grupos realizados (Chen et al., 2020; Cabello et al., 2020; Xiang et al., 2020). O sentimento de angústia referente ao distanciamento social dos colegas de trabalho foi referido como uma demanda presente entre os colaboradores participantes das intervenções em grupo, coerente com o identificado no estudo de Bai et al., (2004).

A equipe Administrativa manifestou sensação de impotência frente ao contexto da pandemia. Por sua vez, os sentimentos relatados pelas equipes assistenciais foram: pressão em razão da narrativa cultural do herói, impotência frente a possíveis limitações institucionais, e insegurança quanto a procedimentos técnicos (paramentação e desparamentação). A existência de apreensões referentes às limitações do sistema de saúde para atender à demanda crescente de pacientes infectados também foi apontada por Paiano et al. (2020). Ademais, os autores também ressaltam que os profissionais de saúde comumente apresentam inseguranças frente aos novos procedimentos e protocolos de atendimentos instituídos no contexto da pandemia, de modo que as mudanças nas rotinas de trabalho podem gerar ansiedade. Frente a isso, a oferta de treinamentos e capacitações têm se mostrado eficaz para diminuir as incertezas e preocupações da equipe relacionadas à prestação de cuidado.

Observou-se também que os relatos das equipes Administrativa, Assistencial do grupo A e Assistencial do grupo B se diferenciavam em relação à intensidade de expressão dos sentimentos. A equipe Assistencial COVID-19 manifestou medos, receios e ansiedades de forma mais acentuada que a equipe Assistencial do grupo A. Por sua vez, apesar de expressar sentimentos e preocupações similares, a equipe Administrativa exteriorizou menores níveis de angústia em comparação com ambas as equipes assistenciais. Frente a isto, infere-se que quanto mais próximo for o contato do colaborador com pacientes com COVID-19, mais exacerbadas serão as reações emocionais negativas.

Tais resultados corroboram com estudos que abarcam a atuação das equipes de saúde em surtos de doenças infecciosas, nos quais os profissionais que trabalham em unidades de alto risco (unidades com maior exposição a pacientes infectados) tendem a apresentar piores resultados em saúde mental do que aqueles que trabalham em unidades de baixo risco (Brooks, Dunn, Amlôt, Rubin & Greenberg, 2018; Cabello et al., 2020).

Entre as equipes Assistencial, Administrativa e Assistencial COVID-19, não houve divergências entre as estratégias de enfrentamento relatadas. Os colaboradores apresentaram como estratégias de enfrentamento: ressignificação (reavaliação positiva das vivências); comportamentos de prevenção com relação ao COVID-19; apoio social; filtragem das informações sobre a pandemia; religiosidade; distratores e meditação. A presença de diversas estratégias de enfrentamento, apontadas pelos colaboradores, corroboram com a literatura que identifica a situação de crise como um momento possível para ressignificação e de descoberta de características pessoais positivas (Pfefferbaum & North, 2020).

Ademais, foi frequente os relatos sobre o excesso de informações acerca da pandemia e à circulação de fake news, elementos também apontados por Moreira, Sousa e Nóbrega (2020) como relacionados ao aumento do nível de ansiedade e insegurança. Os colaboradores também narraram questões referentes à mudança de rotina, englobando o distanciamento social, a interrupção de atividades de lazer, o afastamento de entes queridos e o fechamento de escolas e locais públicos. Tais alterações na rotina diária foram apontadas como trazendo implicações negativas para o estado psicoemocional dos colaboradores, o que também é evidenciado em Moreira et al. (2020).

A ausência de informações por parte da gestão foi outro aspecto ressaltado pelos participantes dos grupos como fator intensificador de ansiedades e angústias. Quanto a este último aspecto, Matsuishi et al. (2012) destacam que o compartilhamento de informações exatas de forma clara e rápida acerca da infecção é fundamental para reduzir o estresse e proporcionar um ambiente de trabalho favorável.

Similarmente, nas equipes Assistenciais pôde-se ainda observar exposições quanto a experiência de estigmatização por serem profissionais da saúde em contexto de COVID-19. Brooks et al. (2018) também registraram que, durante o surto de SARS em 2003, vários profissionais de saúde relataram se sentir estigmatizados e rejeitados em sua vizinhança. Em relação a isso, Bai et al. (2004) ressaltam que tais experiências sociais negativas estão associadas a problemas de saúde mental nos profissionais de saúde.

Em contexto de doenças infecciosas de alta transmissão, como a SARS de 2003 e a COVID-19, alguns estudos realizados com colaboradores que trabalharam nestas circunstâncias demonstraram a presença de relação significativa entre sofrimento psicológico e os fatores: (1) percepção de risco para si mesmo, (2) impacto da crise na vida profissional, (3) afeto depressivo, (4) trabalhar em unidades de alto risco e (5) ter de cuidar de um paciente versus cuidar de vários pacientes com SARS (Huremovic, 2019). Os fatores 1, 2, 4 e 5 foram identificados com frequência no relato dos colaboradores, o que demonstra que os profissionais abrangidos pela intervenção terapêutica estavam expostos a fatores significativamente relacionados à presença de sofrimento psicológico.

Esta condição pode desencadear repercussões psicológicas negativas a longo prazo, como o transtorno de estresse pós-traumático. A literatura aponta a existência de elementos que podem atuar como fatores de proteção diante de cenários como este, a saber: (1) a comunicação clara de diretrizes e medidas de cautela, (2) capacidade de dar feedback e receber apoio da gestão, (3) apoio de supervisores e colegas, (4) apoio da família, (5) capacidade de conversar com alguém sobre suas experiências e (6) convicções religiosas (Huremovic, 2019). A proposta do momento terapêutico em grupo permitiu uma intervenção direta e efetiva no desenvolvimento e/ou fortalecimento dos fatores de proteção 3, 4, 5 e 6.

De acordo com os dados obtidos no Grupo A, pode-se notar a baixa adesão à proposta de intervenção, principalmente no que concerne a equipe de enfermagem, técnicos de enfermagem e médicos. Estes dados, vêm de encontro ao que Chen et al. (2020) relataram acerca da baixa adesão dos colaboradores à implementação de serviços psicológicos e da resistência por parte da equipe em envolver-se, fator este que pode ter influenciado a adesão dos colaboradores à presente intervenção.

Outra hipótese levantada pela equipe de psicólogos que atuou diretamente com os grupos é que a menor participação desses profissionais pode ter ocorrido em função da rotina dos setores, o que torna difícil sua ausência de seus postos para o envolvimento em tais atividades. Infere-se que a logística, os fluxos e as práticas hospitalares envolvendo a equipe de enfermagem, os técnicos de enfermagem e a equipe médica, raramente possibilitam a conciliação de ações que extrapolam a rotina do setor. Referente a isto, Schmidt et al. (2020) afirmam que a baixa adesão dos profissionais de saúde às intervenções psicológicas ocorre por falta de tempo e cansaço associados à sua sobrecarga de trabalho.

No modelo de Grupo B, pôde-se observar uma ampla participação dos profissionais enfermeiros e técnicos de enfermagem; entretanto vale destacar que este modelo de grupo foi realizado no local de atuação dos profissionais, o que pode ter facilitado sua disposição em participar dos grupos. Outro fator a ser destacado é que, no momento da realização dos grupos, as unidades COVID-19 ainda tinham poucos ou nenhum paciente, de modo que as equipes dispunham de tempo para participar das intervenções propostas.

Além disso, como ressaltado anteriormente, a intensidade dos medos, inseguranças e ansiedades foi maior na equipe Assistencial COVID-19, a partir do que inferimos que tais profissionais poderiam estar mais mobilizados e sensibilizados para participar de uma intervenção psicológica do que os demais colaboradores da instituição. Ademais, no modelo de Grupo B, observou-se que maior encorajamento por parte dos supervisores para a participação dos profissionais nos grupos foi acompanhado de maior adesão por parte destes, o que confirma a importância do apoio dos gestores para as ações em saúde mental, como recomendado pela OMS (WHO, 2020c).

Os colaboradores que participaram dos grupos apontaram o Momento Terapêutico como um espaço de escuta e alívio de estresse, sugerindo que esses momentos fossem mais frequentes e elogiaram a iniciativa. Ressalta-se que o feedback recebido pelos psicólogos possui um viés de seleção e informação, uma vez que a participação era voluntária e abarcou uma pequena parcela dos colaboradores da unidade e, sendo as intervenções realizadas no ambiente hospitalar, a relação dos colaboradores com a instituição pode interferir na avaliação destes acerca da efetividade e percepção sobre o programa.

 

Conclusão

Diante do exposto na literatura e nos achados das intervenções aplicadas, fica demonstrada a fundamentalidade da atenção psicológica direcionada aos trabalhadores. Os desdobramentos psicológicos de situações de desastre e/ ou emergência, como a pandemia por COVID-19, estão descritos em arcabouço teórico substancial e apontam para efeitos deletérios a curto, médio e longo prazo.

O presente trabalho mostrou-se pertinente ao explicitar um modelo de intervenção psicológico capaz de proporcionar espaços de escuta, compartilhamento de emoções e vivências, procurando promover o autocuidado, a mobilização de estratégias de enfrentamento adaptativas e reforço de fatores de proteção associados com a mitigação de repercussões psicológicas negativas a longo prazo.

Duas hipóteses foram levantadas para a baixa adesão por parte dos profissionais: a rotina dos setores e uma possível resistência destes às intervenções propostas. Pondera-se, portanto, a necessidade de se disponibilizar alternativas que flexibilizem o acesso dos colaboradores às intervenções, como atendimentos online e em modelo de plantão psicológico.

Vale ressaltar que o incentivo dos gestores e supervisores para a participação dos colaboradores nas intervenções parece ser uma variável importante para a adesão aos grupos. Infere-se que o apoio da gestão estimula e valida a participação dos profissionais nos grupos, legitimando a ausência dos postos de trabalho, mesmo durante o expediente.

O presente trabalho apresenta algumas limitações. Uma delas é o fato de que a escrita do artigo se originou a partir da experiência e das impressões dos autores acerca do que foi discutido e relatado nos grupos, não havendo registros diretos e fiéis das falas e avaliações dos colaboradores que participaram das intervenções. Além disso, o número de colaboradores que participaram dos grupos foi pequeno se comparado ao contingente total de profissionais que atuam no hospital, de modo que os dados apresentados podem não ser totalmente representativos da população em questão.

 

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Danilo Pereira Lima - Psicólogo graduado pela UNIALFA. Especialista em Urgência e Trauma pelo programa de residência Multiprofissional em Saúde da Secretaria de Saúde de Goiás (SES-GO).
Francielly Tavares de Araújo - Psicóloga graduada pela Universidade Federal de Goiás. Especialista em Urgência e Trauma pelo programa de residência Multiprofissional em Saúde da Secretaria de Saúde de Goiás (SES-GO).
Ketlin Monteiro Felipe de Oliveira - Psicóloga graduada pela Universidade Federal de Goiás. Especialista em Urgência e Trauma pelo programa de residência Multiprofissional em Saúde da Secretaria de Saúde de Goiás (SES-GO).
Marina Rodrigues Novais Pires - Psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Mestre em Psicologia. Tutora de Psicologia do Programa de Residência Multiprofissional da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás na Área de Urgência e Trauma.

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