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Revista da SBPH

Print version ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.24 no.2 São Paulo July/Dec. 2021

 

Risco Psicológico de Pacientes no Tratamento Radioterápico

 

Psychological Risk for Patients in Radiotherapy Treatment

 

 

Raquel de Sousa NetoI; Silvia Maria Cury IsmaelII; Adriana Aparecida FregoneseIII; Cinthia Lira VieiraIV

IHcor - Associação Beneficente Síria - São Paulo/SP - E-mail: rsneto@hcor.com.br
IIHcor - Associação Beneficente Síria- São Paulo/SP - E-mail: sismael@hcor.com.br
IIIHcor - Associação Beneficente Síria- São Paulo/SP - E-mail: afregonese@hcor.com.br
IVHcor - Associação Beneficente Síria- São Paulo/SP - E-mail: cliravieira@gmail.com

 

 


RESUMO

Variáveis psicológicas estão relacionadas com enfrentamento do paciente oncológico, destacando a importância da intervenção precoce. Objetivos: Conhecer o perfil sociodemográfico e clínico dos pacientes que apresentam risco psicológico através de rastreio pelo Indicador de Risco Psicológico em Oncologia (IRPO) durante o tratamento radioterápico. Método: foram avaliados 262 prontuários de pacientes adultos que realizaram tratamento radioterápico no ano de 2018 e 2019 e responderam ao IRPO. Resultados: 30,7% da amostra indica risco psicológico. A mediana de idade desta população foi de 58 anos e a neoplasia maligna da mama a mais prevalente (44,5%). Pacientes com antecedente psiquiátrico apresentaram pontuação maior entre os parâmetros de percepção de doença, suporte social emocional, enfrentamento ativo, distress atual e risco psicológico significantemente maior. As variáveis suporte social e instrumental contribuíram para maior risco psicológico em mulheres em relação aos homens. Assim como, a variável enfrentamento ativo contribuiu para risco psicológico em pacientes idosos em relação aos adultos. Conclusão: O histórico de saúde mental está correlacionado com o risco psicológico do paciente oncológico, assim como a ausência de enfrentamento ativo em idosos e o suporte social em pacientes do sexo feminino. Conhecer tais características favorece a qualidade das intervenções.

Palavras-chave: enfrentamento; radioterapia; triagem; psico-oncologia.


ABSTRACT

Psychological variables are related to coping of oncological patients, highlighting the importance of early intervention. Objectives: Understand the socio-demographic and clinical profile of patients who show psychological risk by screening them using the Psychological Risk in Oncology (IRPO) during the radiotherapy treatment. Method: 262 medical records of adult patients who had undergone radiotherapy treatment in 2018 and 2019 and responded to IRPO were evaluated. Results: 30.7% of the sample indicate risk of poor psychological adaptation. The median age of this population was 58 years old, the malignant breast neoplasm is the most prevalent one (44.5%). Patients with a psychiatric history had a higher score among the parameters of illness perception, emotional social support, active coping, current distress and significantly higher psychological risk. The instrumental and social support variables contributed to a higher psychological risk in women compared to men. Likewise, the active coping variable contributed to psychological risk in elderly patients compared to adults. Conclusion: The mental health history is correlated with the psychological risk of the oncological patient, so are the absence of active coping with the elderly and social support with female patients. Being acquainted with such characteristics favors the quality of the interventions.

Keywords: coping; radiotherapy; screening; psycho-oncology.


 

 

Introdução

O "Câncer é o nome dado a um conjunto de mais de 100 doenças que têm em comum o crescimento desordenado de células, que invadem tecidos e órgãos" (Instituto Nacional do Câncer - INCA, 2020).

Segundo o INCA (2021a) os tipos de câncer mais prevalentes, entre os homens são de próstata (29,2%), seguido do câncer de cólon e reto (9,1%) e traqueia, brônquio e pulmão (7,9%). Na população feminina, o câncer de mama é o mais prevalente (29,7%), seguido pelo câncer de cólon e reto (9,2%) e de colo de útero (7,5%). Interessante pontuar que em 2018, o câncer de traqueia, brônquios e pulmões era o mais prevalente entre os homens (13,9%) e o segundo mais prevalente entre a população feminina (11,5%), ações de prevenção ao tabagismo se correlacionam com essa casuística.

O tratamento oncológico, principalmente desses tipos mais prevalentes, pode ser feito através de cirurgia, quimioterapia, radioterapia e imunoterapia. Em muitos casos, é necessário combinar mais de uma modalidade de tratamento. A radioterapia é parte do tratamento oncológico, em até 70% dos casos (INCA,2021b).

Na radioterapia são utilizadas radiações ionizantes para destruir o tumor ou impedir que suas células aumentem. O número de aplicações de radioterapia pode variar de acordo com diversos critérios clínicos (como a extensão e a localização do tumor, por exemplo). A rotina deste tratamento envolve, geralmente, retornos diários ao setor de radioterapia. Os principais efeitos colaterais são: cansaço, perda de apetite, dificuldade para ingerir alimentos e reações cutâneas, o que pode afeitar a qualidade de vida do paciente. Trata-se de um tratamento que exige a adesão do paciente tanto para sua realização como para minimizar os efeitos colaterais com uso de medidas preventivas (INCA, 2021b).

Estudos demonstram que o câncer é um fator preditivo de impacto emocional e que o paciente em sofrimento psicossocial pode apresentar falta de adesão ao tratamento, prejuízos significativos em sua qualidade de vida e transtornos mentais (Kissane, 2014; Mehnert et al, 2014; Blázquez & Cruzado, 2016). Almigbal et al (2019) corroboram com estes dados e afirmam que pacientes oncológicos que apresentam sofrimento psíquico tiveram também internações mais prolongadas.

Blázquez e Cruzado (2016) avaliaram a saúde mental e as necessidades de atendimento psicológico de pacientes com câncer no tratamento radioterápico eencontraram que os transtornos de ansiedade foram os mais prevalentes, seguidos por transtornos de adaptação e depressão. Já Pereira, Passarin, Coimbra, Pacheco e Rangel (2020) ao analisar a população brasileira durante a radioterapia, encontraram que "insônia", "perda de apetite" e "dificuldades financeiras" destacaram-se entre os maiores preditores de baixa qualidade de vida. Ademais, contatou-se que 22% dos indivíduos avaliados apresentaram algum grau de transtorno de humor.

Diferentes autores, (Blázquez & Cruzado, 2016; Almigbal et al, 2019; Souza, 2014; Pereira et al, 2020), salientam que seus achados destacam a importância da avaliação psicológica precoce para identificar os pacientes com risco psicológico e sofrimento emocional frente ao contexto de adoecimento e tratamento oncológico para encaminhamento ao psico-oncologista. Indicam que este objetivo pode ser alcançado através de um protocolo de triagem.

Almigbal et al (2019) referem que a identificação de pacientes com maior probabilidade de sofrimento psíquico ao longo da trajetória da doença é essencial, para assim, direcionar as intervenções adequadas, fornecer os melhores cuidados e favorecer o reestabelecimento do bem-estar (Pereira et al, 2020).

Um desafio da assistência é encontrar um instrumento capaz de contemplar a diversidade e amplitude das variáveis exploradas em psico-oncologia e a alta demanda que inviabiliza a triagem presencial do psicólogo em muitos casos. Atualmente a literatura sugere a avaliação do Distress e/ou de sintomas de ansiedade e depressão como instrumentos de triagem (Sant`Anna, Laros & Araujo, 2009; Salmon, Clark, McGrath, Fisher, 2015).

Entretanto, Souza (2014) buscou preditores em pesquisas empíricas sobre o risco psicológico de pacientes com câncer e encontrou que a percepção de doença, o suporte social emocional e instrumental, o enfrentamento ativo e distress são variáveis relevantes que influenciam o enfrentamento do paciente. Estes foram os aspectos que embasaram a construção do Indicador de Risco Psicológico em Oncologia (IRPO), utilizado para a triagem de pacientes oncológicos, levando em consideração características sinalizadoras de risco psicológico.

Através desta pesquisa, Souza (2014) sinalizou os principais fatores que contribuem para o risco psicológico de pacientes em tratamento oncológico, o que favorece uma atuação preventiva e adequada às necessidades dos pacientes.

A literatura aponta também que outras características estão relacionadas ao enfrentamento do paciente oncológico, como o sexo (feminino), idade (pacientes jovens), estado civil, menor escolaridade, tratamento cirúrgico ou quimioterápico prévio, tempo de diagnóstico, histórico de saúde mental vulnerável estiveram associados com maior prevalência de transtornos mentais, desenvolvimento ou persistência desses distúrbios (Hemmington et al, 2019; Blázquez & Cruzado, 2016; Pérez-Fortis et al, 2018).

Almigbal et al (2019) encontraram também que o tipo de câncer dos pacientes foi significativamente associado ao nível de sofrimento físico, emocional e sintomas depressivos. Pacientes com câncer de mama apresentaram sintomas de depressão e angústia maiores que pacientes com câncer colorretal.

Almigbal et al (2019) salientam também a escassez de estudos que avaliam o sofrimento psíquico entre pacientes submetidos a radioterapia e a importância das estratégias de intervenção, como a psico-educação, psicoterapia e grupos de apoio para pacientes com câncer submetidos à radioterapia. Em seu estudo 80% dos participantes estavam interessados em conversar com um especialista em saúde mental e 69% estavam interessados em participar de um grupo de apoio oferecido.

Assim, a literatura destaca que a identificação precoce e a intervenção qualificada favorecem que o desfecho seja adaptativo, com redução do sofrimento emocional e engajamento no tratamento radioterápico.

Os objetivos desse estudo foram definidos então partindo da hipótese de que fatores como o perfil sociodemográfico e clínico e variáveis do IRPO (percepção de doença, suporte social emocional e instrumental, enfrentamento ativo e distress) podem ser preditoras de risco psicológico durante o tratamento radioterápico e que conhecer tais características pode favorecer a qualidade das intervenções.

 

Objetivos

Objetivo Primário

Conhecer o perfil sociodemográfico e clínico dos pacientes que apresentam risco psicológico através de rastreio pelo Indicador de Risco Psicológico em Oncologia (IRPO) durante o tratamento radioterápico.

Objetivo Secundário

Investigar quais as variáveis do IRPO (percepção de doença, suporte social emocional e instrumental, enfrentamento ativo e distress) tem maior ocorrência nesses pacientes.

 

Metodologia

Delineamento

Estudo retrospectivo referente ao ano de 2018 e 2019. Foi realizado a coleta de dados já existentes no prontuário dos pacientes do setor de radioterapia de um hospital privado da cidade de São Paulo e do banco de dados do serviço de psicologia da mesma instituição.

Critérios De Elegibilidade

Pacientes maiores de 18 anos, com diferentes diagnósticos oncológicos, de ambos os sexos e que preencheram o Indicador de Risco Psicológico em Oncologia (IRPO) no início de seu tratamento radioterápico por rotina do setor de psicologia para triagem de risco psicológico.

Critérios De Exclusão

Foram excluídos os pacientes que não preencheram o instrumento de maneira completa, visto que influencia a validade do resultado final do questionário.

Análise Estatística

A análise de distribuição de normalidade das variáveis quantitativas foi realizada por meio do teste de Kolmogorov-Sminov, dessa maneira foram realizados testes para variáveis não paramétricas, apresentadas em mediana e intervalo interquartis (mínimo e máximo). As variáveis categóricas foram expressas em medidas de frequência.

O teste de Mann Whitney foi utilizado para comparação de medianas de variáveis entre os grupos. Para correlação entre os parâmetros utilizou-se o teste de correlação de Spearman. Erro menor do que 5% foi aceito para rejeitar a hipótese de nulidade (p<0,05). As análises estatísticas foram realizadas no software SPSS, versão 24 para Windows (IBM, Chicago, IL, EUA).

 

Controle De Qualidade Dos Dados

Coleta De Dados

Os dados foram coletados do prontuário dos pacientes e do banco de dados do serviço de psicologia pelo pesquisador responsável e colaboradores. No início do tratamento radioterápico o paciente é orientado pela enfermeira sobre o preenchimento IRPO para triagem de risco psicológico. O instrumento é autoaplicável, após o preenchimento, é corrigido pelo serviço de psicologia e o paciente que pontua maior ou igual a 55 pontos é convidado a receber assistência psicológica devido à sinalização de risco. Os dados coletados são armazenados no prontuário eletrônico do paciente e no banco de dados do serviço de psicologia.

Assim, para este estudo, os pesquisadores responsáveis consultaram a base de dados do serviço de psicologia, onde constam os dados de todos os pacientes que preencheram o instrumento por onde cronológica de preenchimento, de janeiro de 2018 até dezembro de 2019. Foi feita a rotina de dupla checagem das informações.

Aspectos Éticos

O presente trabalho está de acordo com as normas da Resolução No. 466/2012 e suas normas complementares, como a Norma Operacional No. 001/2013 e Resolução No. 510/2016. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Através do número: 4.270.278.

A confidencialidade e privacidade de todas as informações foram asseguradas. Apenas um número, iniciais e/ou sua data de nascimento foram utilizados para identificar os participantes.

Instrumentos Utilizados

O IRPO foi validado no Brasil para pacientes adultos em tratamento oncológico. É composto por 27 questões, entre elas, 4 questões que avaliam percepção de doença, 6 questões que avaliam suporte social emocional; 4 questões que avaliam suporte social instrumental; 4 questões que avaliam enfrentamento ativo; 8 questões que avaliam Distress atual. Trata-se de um instrumento autoaplicável, composto por perguntas dirigidas, medidas em escala likert. Pontuações igual ou superior a 55 pontos indica risco psicológico, conforme identificado em Souza (2014).

 

Resultados

Foram analisados 262 prontuários e questionários. 8 foram excluídos por não preencherem os critérios de inclusão devido ao preenchimento incorreto do instrumento. Número amostral foi então de 254 participantes, que constituíram uma amostra de conveniência. Observa-se um maior percentual de pessoas do sexo feminino (63,0%) na amostra analisada.

De acordo com as análises descritivas, pode-se observar que a maioria dos participantes do estudo possuía o diagnóstico de Neoplasia Maligna de Mama (44,5%), o que se justifica pela porcentagem maior de mulheres na amostra e por ser a neoplasia mais prevalente na população feminina. Seguida pela Neoplasia Maligna dos brônquios e dos pulmões (16,5%), Neoplasia Maligna de próstata (9,4%) e Neoplasia Maligna de cabeça, face e pescoço (8,7%), Neoplasia maligna do trato gastrointestinal (6,7%), Neoplasia onco-hematológica (4,7%), Neoplasia maligna do trato urinário (2%), Neoplasia maligna do pâncreas (1,2%) e Neoplasia maligna do fígado (1,2%).

A mediana de idade foi classificada em indivíduos idosos 60 (47-72). Em relação aos pacientes que afirmaram que realizaram acompanhamento psicológico prévio, observa-se um maior valor de mediana entre os parâmetros de percepção da doença, distress atual e o IGR (índice geral de risco) (p<0,05).

Quando analisado os pacientes que afirmaram que realizaram tratamento psiquiátrico prévio, houve pontuação significante maior entre os parâmetros de percepção de doença, suporte social emocional, enfrentamento ativo, distress atual e IGR em relação aos que não realizaram o tratamento (p<0,05).

Em análise dos pacientes que afirmaram ideação suicida, observamos maiores medianas em relação à percepção da doença, enfrentamento ativo, distress atual e IGR (p<0,05).

Os valores medianos de Índice Geral de Risco (IGR) indicam que a população está caracterizada abaixo do ponto de corte (55) e os de frequência indicam que 30,7% indicam risco psicológico.

Ao analisarmos a população que pontuou para risco psicológico (IGR 55) encontramos os seguintes dados:

A amostra foi composta por uma porcentagem pequena de pacientes com neoplasia maligna de pâncreas, que não pontuou para risco psicológico. Os demais diagnósticos se mantiveram na análise da amostra com IGR 55. A mediana de idade desta população foi de 58 (47-72).

Dentre a avaliação dos pacientes com pontuação para o IGR, observamos que as mulheres possuem pontuação significativamente maior para o suporte social emocional e instrumental em relação aos homens (p<0,05).

Em relação aos pacientes que informaram que realizaram psicoterapia psicológica prévia, houve maior pontuação para suporte social emocional (p<0,05). Dentre os pacientes que afirmaram que realizaram o tratamento psiquiátrico prévio apresentaram pontuação do IGR significantemente maior (p<0,05). Quando observados os pacientes que afirmaram ideação suicida, houve pontuação significantemente maior em percepção de doença e distress atual (p<0,05).

Dentre os adultos e idosos, observamos maior pontuação no enfrentamento ativo nos idosos (p<0,05), indicando maior risco neste aspecto.

O suporte social emocional e o instrumental apresentaram correlação forte e positiva (r=0,65; p<0,05). Em relação a percepção da doença houve correlação positiva e fraca entre o enfrentamento ativo (r=0,38; p<0,05) e moderada entre as variáveis de distress atual (r=0,43; p<0,05). Por fim, em relação ao enfrentamento ativo e o distress atual observou correlação fraca e positiva (r=0,28; p<0,05).

As questões 1 e 2 que avaliam percepção de doença, 12 e 13 que avaliam suporte social emocional contribuíram de maneira relevante para pontuação de risco psicológico comparada as demais.

 

Discussão

Os dados encontrados nos permitem analisar os resultados em duas perspectivas: considerando a amostra total (254) participantes, sendo pacientes com IGR 55 e IGR 55) e também a amostra de pacientes que pontuou para risco psicológico (78 participantes, com IGR 55).

O índice Geral de Risco indica que a população estudada está caracterizada abaixo do ponto de corte (55), mas que 30,7% da amostra indica risco psicológico. Este dado destaca, assim como a literatura apresentada (Hernández et at. 2019; Blázquez & Cruzado, 2016; Almigbal et al, 2019; Souza, 2014; Pereira et al, 2020), a importância da triagem para rastreio e acompanhamento psicológico em serviços de oncologia.

Ao considerarmos a amostra total (sendo pacientes com IGR 55 e IGR 55) e a população que pontua para risco psicológico separadamente (IGR 55), a neoplasia maligna da mama foi a mais prevalente em ambas as amostras (44,5% na amostra total e 41% na amostra com IGR 55), o que se justifica pela porcentagem maior de mulheres na amostra e por ser a neoplasia mais prevalente na população feminina.

Encontramos que a mediana de idade dos participantes foi de 60 anos, enquanto na amostra com IGR 55, a mediana de idade foi de 58 anos. Apesar da variação pouco significativa, tal achado corrobora com a literatura que relaciona o aumento de risco psicológico em oncologia com pacientes mais jovens (Hemmington et al, 2019; Almigbal et al, 2019; Blázquez & Cruzado, 2016). A prática clínica revela que o momento do ciclo vital do paciente interfere no enfrentamento do adoecimento oncológico. Perdas de funcionalidade, contato com a finitude, perdas de rotina são menos esperadas e impactam de maneira ainda mais significativa a qualidade de vida do paciente mais jovem.

Além do momento do ciclo vital do paciente, identificamos que os pacientes que afirmaram tratamento psiquiátrico e psicológico prévio, apresentaram percepção negativa da doença oncológica, suporte social emocional insatisfatório, menor enfrentamento ativo, maiores níveis de distress e maior risco psicológico (IGR 55). Entre a amostra que pontuou para risco psicológico, os pacientes que já haviam realizado tratamento psiquiátrico apresentaram pontuação do IGR significantemente maior que os demais.

Tais dados corroboram com achados da literatura (Hemmington et al, 2019), que relacionam o histórico de saúde mental dos pacientes como fator complicador do enfrentamento da doença oncológica. Na avaliação clínica dos pacientes que pontuam para risco psicológico pelo IRPO, encontramos que a dinâmica psíquica, história de vida, dinâmica familiar, relação com a espiritualidade, estão relacionadas com o enfrentamento, distress, percepção da doença, suporte social emocional e adesão ao tratamento. Assim como também se relacionam com o vínculo que o paciente estabelece com a equipe. O encontro com o adoecimento é singular e permeado pela subjetividade de cada paciente.

Em análise dos pacientes que afirmaram ideação suicida, também observamos maior percepção negativa da doença, menor enfrentamento ativo, maior distress e maior pontuação para risco psicológico. E entre os que pontuaram para risco e afirmaram ideação suicida, se destacam a pontuação significantemente maior para percepção negativa de doença e maior distress. O que também vai ao encontro de dados apresentados anteriormente sobre o antecedente psiquiátrico, sobre como o histórico de vulnerabilidade de saúde mental se relaciona com os preditores de risco psicológico em oncologia.

Cole, Bowling, Patetta e Blazer (2014) encontraram em seus estudos uma associação estatisticamente significante entre suicídio e câncer. Silva e Benincá (2018) referem que a ideação suicida em pacientes oncológicos está associada ao relato de comorbidade psiquiátrica, ideação suicida prévia ao diagnóstico de câncer e recidiva da doença. Choi, Lee, Yoon, Won e Kim (2017) encontraram risco de suicídio mais elevado em pacientes diagnosticados com câncer com pior prognóstico. Em nossa amostra ao analisarmos os pacientes que afirmaram ideação suicida, 40% tinham doença metastática, 40% afirmaram tratamento psiquiátrico prévio. As idades variavam de 46 a 85 anos.

Analisando a amostra com IGR 55, identificamos também que as mulheres apresentam a variável suporte social emocional e instrumental como fator significante de risco psicológico quando comparadas a amostra masculina. Walker et al (2014) também encontraram em pacientes oncológicos fatores de risco relacionados ao sexo feminino, idade jovem e baixo suporte social.

A prática clínica evidencia que mulheres ainda desempenham o papel de cuidadora principal e quando adoecem, o suporte social pode ser insatisfatório. Tal dado, demonstra a importância do papel do psico-oncologista junto à estas pacientes e seus familiares, para suporte a paciente e até para favorecer a dinâmica familiar a se reorganizar para realizar os cuidados que esta paciente necessita. Visto que os achados de Souza (2014) destacam que suporte social emocional insatisfatório se relaciona com maiores níveis de distress, percepção negativa da doença e ausência de enfrentamento ativo.

Ainda analisando esta amostra (IGR 55), encontramos que, dentre os adultos e idosos, observamos menor uso de estratégias de enfrentamento ativo nos idosos, indicando maior risco neste aspecto. Tal como demonstrado pelo estudo de Hernández et al (2019) ao analisar e comparar pacientes adultos jovens e idosos, encontrou-se que as populações mais jovens com câncer exigem mais informações e participação ativa na tomada de decisões a respeito do seu tratamento, bem como maior capacidade de enfrentar. Wu, Hsu e Hu (2016) encontraram relação entre enfrentamento e distress em pacientes idosos com câncer submetidos à quimioterapia.

Estudos demonstram que o enfrentamento ativo, parece favorecer o ajustamento à doença, enquanto outros, como a desesperança, preocupação ansiosa e negação, tendem a estar associados a um ajuste mais precário doença e um risco maior de Distress (Nipp et al., 2016).

Esta pesquisa também nos permitiu encontrar dados significantes a respeito das variáveis preditoras de risco avaliadas pelo IRPO. Encontramos que duas das questões que avaliam a percepção da doença se destacam por sua maior contribuição em porcentual e dados de mediana para pontuação de risco.

A temática da percepção de doença tem ganhado importância crescente para a prática de profissionais de saúde, uma vez que esse constructo está associado não somente a avaliação de sintomas e interpretações sobre causas e evoluções da doença, mas à adesão ao tratamento proposto, às respostas emocionais ao adoecimento e às estratégias cognitivas e emocionais que serão utilizadas para lidar com o adoecimento (Nogueira, Seidl, Tróccoli, 2016).

Os estudos que exploram a percepção da doença pelo paciente oncológico, encontraram associação desta com distress, enfrentamento e qualidade de vida (Kaptein et al, 2015).

No nosso estudo, a percepção negativa da doença apresentou correlação com menor uso de estratégias ativas de enfrentamento, elevados níveis de distress, IGR 55, e, também, com o histórico de saúde mental vulnerável.

Em Souza (2014), notamos que o distress também se relacionou com menor uso de estratégias ativas de enfrentamento, mas também com menor disponibilidade de suporte social e instrumental e percepção negativa da doença. O que demonstra a importância da equipe multidisciplinar estar atenta a este fator de risco, favorecendo a autonomia e participação ativa do paciente idoso.

Pacientes com câncer irão apresentar diferentes respostas emocionais, cognitivas, comportamentais à doença. Estes dados ressaltam a importância do trabalho interdisciplinar que busca favorecer a autonomia do paciente, através de informações adaptadas aos recursos de compreensão e enfrentamento do paciente, compartilhando com ele o seu cuidado e oferecendo suporte emocional. Ou seja, um cuidado singular, centrado no paciente.

 

Conclusão

Assim, através deste estudo conhecemos mais a respeito das necessidades e variáveis relacionadas à predição de risco psicológico durante o tratamento radioterápico. Encontramos que o histórico de saúde mental influencia de modo significante o enfrentamento do paciente oncológico ao seu contexto e variáveis como: percepção da doença, distress, enfrentamento ativo, suporte social emocional, estão correlacionadas com o risco psicológico. Identificamos também a ausência de enfrentamento ativo em idosos, como um fator de risco psicológico, assim como o suporte social emocional insatisfatório em pacientes do sexo feminino. Tais dados possibilitam apurar a qualidade das intervenções da equipe multidisciplinar e evidenciam a importância da atuação do psico-oncologista, bem como a necessidade de identificação precoce dos pacientes com características que predispõem maior risco psicológico.

Este estudo também evidencia a possibilidade de enriquecer a análise em outros estudos incluindo dados como o tempo de diagnóstico, tipos de tratamentos já realizados, estágio da doença, escolaridade, status civil, religião.

 

Referências Bibliográficas

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Raquel de Sousa Neto - Psicóloga Hospitalar.
Silvia Maria Cury Ismael - Gerente de Saúde Mental.
Adriana Aparecida Fregonese - Coordenadora do Serviço de Psicologia.
Cinthia Lira Vieira - Estagiária de Psicologia.

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