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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.25 no.1 São Paulo jan./jun. 2022

http://dx.doi.org/10.57167/Rev-SBPH.v25.033 

PARTE IV- ATUALIDADES EM PSICOLOGIA HOSPITALAR

 

Terapia Focal de Aceitação e Compromisso (FACT): revisão de literatura

 

Focused Acceptance and Commitment Therapy (FACT): literature review

 

 

Jennifer David Silva SakaiI; Olívia Rodrigues da CunhaII

IPUC Goiás - Goiânia/GO - sakai.dsjennifer@gmail.com
IIPUC Goiás - Goiânia/GO - olivia.rcunha@gmail.com

 

 


RESUMO

A Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) é uma terapia contextual que apresenta uma versão breve de aplicação, chamada FACT. Objetivou-se caracterizar a aplicação da FACT e de intervenções breves baseadas na ACT e investigar possibilidades de sua aplicação no cenário brasileiro. Vinte e sete publicações de caráter interventivo entre 2010 e 2020 foram analisadas conforme as características metodológicas e dos pilares da flexibilidade psicológica abordados. As intervenções foram majoritariamente voltadas a pessoas com uma condição clínica de adoecimento, em grupo, com até 4 encontros de 1 a 2 horas de duração, seguidas de follow-up. Os estudos em geral abordaram os três pilares de flexibilidade psicológica. Os EUA foram o país com mais publicações. Não se encontrou publicações brasileiras. Notou-se o interesse pela ACT e pela busca de evidências de sua efetividade por diversos grupos de pesquisa e o caráter flexível desta quanto à procedimentos e à população-alvo. O sistema de saúde brasileiro tem características que o situam como um campo viável de experimentação desta terapia. A FACT é um modelo de terapia promissor, cada vez mais estudada, especialmente no campo da saúde. No Brasil, a falta de estudos da FACT evidencia um campo de pesquisa potencialmente vasto e inexplorado.

Palavras-chave: terapia de aceitação e compromisso; psicoterapia breve; medicina do comportamento.


ABSTRACT

The Acceptance and Commitment Therapy (ACT) is a contextual therapy that presents a brief version of the application, called FACT. The objective was to characterize the application of FACT and of brief interventions based on ACT and investigate possibilities of its application in the Brazilian scenario. Twenty-seven publications of an interventional nature between 2010 and 2020 were analyzed according to the methodological characteristics and the pillars of psychological flexibility addressed. The interventions were mostly aimed at people with a clinical condition of illness, in a group, with up to 4 meetings lasting 1 to 2 hours, followed by follow-up. Studies have generally addressed the three pillars of psychological flexibility. USA was the country with the most publications. Not Brazilian publications were found. Interest in the ACT and the search for evidence of its effectiveness by various research groups was noted, as well as its flexible nature in terms of procedures and target population. The Brazilian health system has characteristics that place it as a viable field of experimentation with this therapy. The FACT is a promising therapy model, increasingly studied, especially in the health field. In Brazil, lack of FACT studies highlights a potentially vast and unexplored field of research.

Keywords: acceptance and commitment therapy; brief psychotherapy; behavioral medicine.


 

 

As terapias contextuais têm despertado interesse na comunidade brasileira desde os anos 90 (Vandenberghe, 2011) e nas palavras de Lucena-Santos, Pinto-Gouveia e Oliveira (2015), a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) tem sido a mais proeminente destas, acumulando inúmeros estudos sobre seus benefícios. Historicamente, a ACT começou a ser desenvolvida nos anos de 1970, tendo como principal referência o psicólogo Steven Hayes (Saban, 2015). Ela parte da investigação do papel do comportamento verbal e da linguagem sobre o comportamento "anormal". Contudo, foi apenas reconhecida como terapia contextual por volta dos anos 2000, após fundamentar-se na Teoria dos Quadros Relacionais (TQR, ou RFT, do inglês Relational Frame Theory) e após a publicação do livro "Acceptance and Commitment Therapy: an experiential approach to behavior change", considerada um marco na disseminação deste modelo psicoterapêutico (Barbosa & Murta, 2014).

Os eventos psicológicos são abordados pela ACT a partir da relação que mantém com o indivíduo (Barbosa & Murta, 2014). Ela é guiada pela filosofia contextualista funcional, uma interpretação da abordagem pragmatista de Skinner cujo principal objetivo é a predição e influência do comportamento individual ou das ações de um grupo, por meio do uso de conceitos e relações precisos, com alto escopo e profundidade (Biglan & Hayes, 2016).

Quanto à base teórica, a ACT é fundamentada na TQR, cujo pressuposto é o de que as pessoas conseguem estabelecer diversas relações arbitrárias entre estímulos definidas por uma comunidade verbal, independentemente de suas propriedades físicas ou formais (Perez, Nico, Kovac, Fidalgo & Leonardi, 2013). Uma das decorrências desta teoria é a de que por serem produtos de um longo processo de aprendizagem, as relações cognitivas, como pensamentos ou memórias não podem ser eliminadas. No entanto, o controle contextual desses conteúdos pode ser modificado, reduzindo os prejuízos acarretados ao indivíduo (Hayes, Luoma, Bond, Masuda & Lillis, 2006).

A possibilidade de alterar o controle contextual das relações cognitivas é extremamente relevante tanto para a conceituação quanto para as condutas frente a psicopatologia pelo escopo da ACT. A onipresença do comportamento verbal torna as funções do comportamento mais um produto de regras e relações arbitrárias do que um resultado de suas consequências diretas e efetividade (Hayes, Strosahl & Wilson, 1999; Hayes, Pistorello & Biglan, 2008). Essa condição favorece um contexto de literalidade quanto aos eventos encobertos: as descrições dos pensamentos, sentimentos e memórias passam a ter um caráter definidor da pessoa, de identidade. Esse processo é chamado de fusão cognitiva (Saban, 2015). Para além disso, a cultura também influencia essa tendência, tal como colocado por Hayes et al. (2008):

Devido às relações temporais e comparativas presentes na linguagem humana, as ditas emoções "negativas" são verbalmente previstas, avaliadas e evitadas. A esquiva de experiência é baseada neste processo natural da linguagem, ou seja, em um modelo que é culturalmente ampliado com o foco em "sentir-se bem" e em evitar a dor. Infelizmente, tentativas de se evitar situações pessoais desconfortáveis tendem a aumentar sua importância funcional e, às vezes, sua magnitude e frequência. Elas se tornam mais salientes como objeto de controle, sendo verbalmente ligadas à resultados conceitualmente negativos e assim evocando pensamentos e sentimentos negativos. (p.83-84)

A esquiva e a fusão cognitiva são repertórios que restringem a capacidade do ser humano em responder de maneira adaptativa às suas próprias experiências e ao ambiente externo, promovendo uma inflexibilidade.

O principal objetivo da ACT é justamente desenvolver o repertório oposto: a flexibilidade psicológica. Trata-se da capacidade de entrar em contato de maneira consciente com o momento presente e manejar o comportamento em direção aos próprios valores, de acordo com as condições determinadas pelo contexto (Luoma, Hayes & Walser, 2017). Os valores são como direções de vida desejadas pelo sujeito, qualidades de ação, podendo ser vivenciadas, mas jamais alcançadas, de fato (Hayes et al., 1999). Para tornar o indivíduo mais flexível psicologicamente, a ACT indica o desenvolvimento de 6 processos terapêuticos: aceitação, desfusão, self como contexto, momento presente, valores e ações com compromisso (Luoma et al., 2017; Saban, 2015).

Aceitação diz respeito à postura aberta frente aos eventos privados dolorosos, uma alternativa ao controle, e ao abandono de estratégias de esquiva de tais eventos, de forma a favorecer a adoção de comportamentos mais efetivos (Hayes et al., 1999; Saban, 2008). A desfusão aborda a mudança de função dos eventos privados, diminuindo sua aversividade e literalidade por meio da mudança na forma como o indivíduo se relaciona com os mesmos (Hayes et al., 1999; Hayes et al., 2008). O self como contexto é a capacidade de tomar uma perspectiva diferente sobre si, perceber-se como o local onde os eventos psicológicos acontecem, reduzindo a rigidez que o conteúdo dos eventos privados possa ocasionar sobre o autoconceito do indivíduo (Barbosa & Murta, 2014).

Momento presente alude à habilidade em perceber ou tomar consciência das experiências privadas e públicas no momento em que elas ocorrem, adaptando-se melhor às mudanças no ambiente (Hayes et al., 1999). Valores referem-se ao processo de clarificar as qualidades de ação que trazem sentido e significado à vida do indivíduo e as ações com compromisso retratam o processo de se engajar em comportamentos direcionados aos valores, trazendo mudanças efetivas (Saban, 2015).

As literaturas brasileira e internacional apresentam diversos cenários em que o modelo da ACT foi aplicado, como dor crônica (Herbert et al., 2018; Saban, 2013; Sousa & De Farias, 2014), ansiedade (Lima, 2019; Sianturi, Keliat & Wardani, 2018; Vogel, 2014) e depressão (Cardoso, 2011; Pots et al., 2016). Hayes et al. (2006) citam ainda estudos que demonstram sua eficácia abordando transtornos de personalidade, psicose, abuso de substâncias e estresse.

De acordo com Strosahl, Robinson e Gustavsson (2012), foram surgindo pesquisas que utilizaram a ACT em intervenções mais curtas, de uma a quatro sessões, tanto no formato de terapia como de sessões de psicoeducação, as quais trouxeram consigo resultados a longo prazo, motivando a criação da Terapia Focal de Aceitação e Compromisso (do inglês, FACT, em tradução livre; não confundir com a junção da ACT com a FAP, também conhecida como FACT). Segundo estes autores, ela é basicamente uma versão condensada da ACT, que mantém seus princípios fundamentais e se utiliza de estratégias de aceitação e mindfulness para promover mudanças a partir de intervenções de curto prazo. A distinção trazida pela FACT para a área de terapias breves é que se trata de um modelo transdiagnóstico - aplicável a uma série de problemas humanos - baseado em evidências e adequado às mudanças recentes nos cuidados em saúde e saúde mental, especialmente na atenção primária, a qual diz respeito às ações amplas e acessíveis de promoção à saúde e prevenção de agravos, no campo da saúde coletiva (Böing & Crepaldi, 2010).

Na FACT, tal qual descrito em Strosahl et al. (2012), a flexibilidade psicológica é apresentada a partir de três pilares, que serão foco de intervenção do terapeuta: Abertura, Tomada de consciência e Compromisso (do inglês, respectivamente: openness, awareness e engagement; em tradução livre). Abertura refere-se a habilidade de experimentar eventos privados indesejados ou dolorosos, sem lutar contra ou julgá-los, proporcionando a visão de que a dor emocional não é soberana no controle do comportamento, e sim os valores. A capacidade de estar presente no aqui e agora e tomar uma perspectiva mais ampla dos problemas caracteriza a Tomada de consciência. Consciência implica, nesse sentido, ser capaz de se adaptar às mudanças nas circunstâncias, ao invés de se prender a regras ou narrativas rígidas e recorrer à esquiva. Por fim, o pilar do Compromisso corresponde à capacidade de se conectar e guiar as ações a partir dos valores e de princípios importantes ao indivíduo.

A formulação de caso proposta pela FACT se divide em duas partes: a primeira é avaliar a flexibilidade psicológica do cliente a partir da identificação de seus pontos fortes e fracos no que diz respeito aos três pilares mencionados; a segunda seria avaliar a efetividade ou funcionalidade dos comportamentos privados e públicos do cliente quanto à proximidade aos valores dele (Strosahl et al., 2012).

A situação e o indivíduo direcionam a escolha do terapeuta sobre qual pilar desenvolver primeiro, no entanto, os autores sugerem começar pela Tomada de consciência, por ser um pré-requisito para os outros (Strosahl et al., 2012). Eles trazem ainda alguns princípios que guiam as intervenções breves.

Primeiramente, é importante que desde a primeira sessão, o cliente já tenha um plano de mudança que tenha algum potencial de mudar sua qualidade de vida, uma vez que em contextos breves, a primeira sessão pode ser também a última. Ensinar o cliente a instigar possíveis comportamentos mais efetivos para um contexto problemático e assimilar as consequências de novos comportamentos são as duas principais formas de oferecer ajuda, até que os clientes consigam fazer isso por si mesmos.

Outro princípio é o de que cada intervenção é válida na medida em que é um experimento para o cliente, e caso não funcione, haverá outras opções a se tentar, sustentando a premissa de que as pessoas podem aprender mesmo quando falham. Valorizar e estimular que pequenas mudanças ocorram também é imprescindível, uma vez que um comportamento diferente pode levar a consequências impactantes no contexto do indivíduo.

Por último, criar o que os autores chamam de valência positiva, ou seja, explicitar a relação entre a ocorrência de um comportamento (uma pequena mudança) a um resultado intensamente desejado (vivência com mais significado) traz benefícios em termos de motivação e engajamento em outras pequenas ações (Strosahl et al., 2012).

A FACT tem se apresentado no cenário internacional como uma possibilidade de intervenção em contextos cujo setting terapêutico se afasta do modelo clínico tradicional. Além disso, é, segundo Strohsal et al. (2012) uma das únicas modalidades de terapia breve que passou por estudos controlados antes de ser adotada por serviços de saúde mental. Dado o seu potencial de aplicação e pesquisa, a presente pesquisa objetivou caracterizar, a partir de uma revisão de literatura, a aplicação da FACT e de intervenções breves baseadas na ACT e investigar possibilidades de sua adoção no cenário brasileiro, especialmente no âmbito da saúde.

 

Método

Trata-se de uma revisão bibliográfica acerca das produções acadêmicas dos últimos dez anos sobre a FACT e o uso de ACT em contextos breves nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola. Optou-se por tal intervalo para averiguar as características das produções mais recentes sobre o tema. Devido ao tipo de estudo, não houve necessidade de submissão do mesmo à um comitê de ética.

Para o levantamento das publicações, utilizou-se as bases de dados ScieELO e PubMed. Cabe salientar que este passo do método foi realizado no ano de 2020. Os descritores usados foram (Acceptance and Commitment Therapy) AND (brief therapy) e respectivas traduções para o português (Terapia de Aceitação e Compromisso e terapia breve) e espanhol (Terapia de aceptación y compromiso e psicoterapia breve). Nas duas bases, optou-se pela pesquisa dos descritores em todos os campos (ou all fields), incluindo título, resumo e corpo do texto, por exemplo. Foram considerados artigos, teses e dissertações.

Utilizou-se como critérios de inclusão: publicações dos últimos 10 anos (2010 a 2020); publicações de caráter interventivo que abordem a FACT, referindo explicitamente a esse termo; ou publicações que apresentem uma intervenção breve baseada em ACT, que aborde pelo menos um dos pilares constituintes da flexibilidade psicológica, tal qual descrito pela FACT (abertura, tomada de consciência e/ou compromisso).

Os critérios de exclusão foram: publicações duplicadas; estudos cuja metodologia indique mais de 4 sessões ou encontros terapêuticos com os participantes; estudos cuja metodologia indique intervenção ou treino com duração menor do que 20 minutos; estudos cuja intervenção se baseie em programas online ou por aplicativos autoguiados pelo participante; estudos cujo objetivo envolva o treinamento de pessoas/profissionais em ACT.

Para a descrição do tipo de estudo, optou-se por utilizar a definição trazida no próprio artigo, seja no título, resumo ou no corpo do texto.

Para definir país de origem, verificou-se o local de realização da pesquisa. Quando o local não era explicitamente descrito no estudo, classificou-se a origem como indeterminada.

Para categorizar o tipo de população, estipulou-se que: população clínica descreve participantes que tinham diagnóstico de alguma condição ou doença orgânica, tal como câncer ou tabagismo e/ou que já vinham fazendo tratamento para tal; população clínica psiquiátrica refere-se aos participantes que haviam sido diagnosticados ou apresentavam sintomas associados a um tratamento de transtornos psiquiátricos, tais como esquizofrenia ou transtorno de estresse pós traumático; população com ambas condições retrata os participantes que apresentavam diagnóstico e/ou tratamento tanto para uma condição orgânica como para uma psiquiátrica, por exemplo, um participante com lesão cerebral e depressão.

População com sintomas subclínicos envolve os participantes que verbalizavam a presença de algum sintoma relevante para a pesquisa e/ou pontuavam determinados valores em escalas específicas, mas que não se verificava a presença de um diagnóstico formal ou tratamento anterior; e por fim, população geral indica os participantes das pesquisas cujos critérios de escolha e inclusão não abarcavam as condições anteriores, por exemplo, mães de crianças autistas ou mulheres jovens.

 

Resultados

A base de dados SciELO não apontou nenhum resultado para os descritores usados, independentemente do idioma. A PubMED apontou 107 resultados (106 em inglês, 1 em espanhol e 0 em português). Desses, 27 estudos foram escolhidos a partir dos critérios de inclusão e exclusão. As referências e ano de publicação estão descritos na Tabela 1.

Observa-se que o ano com mais publicações foi o de 2018, concentrando 7 dos 27 estudos (26%). 2016 e 2020 vêm logo em seguida, com 4 estudos (15%) cada um. Cabe mencionar que em 2018 a Conferência Mundial da Association for Contextual Behavioral Science (ACBS), sediada no Canadá, trouxe em sua programação um workshop específico sobre a utilização da ACT em contextos breves (Association for Contextual Behavioral Science, 2018).

Das 27 publicações, 15 (55%) são ensaios clínicos, randomizados ou não. Seis trabalhos (22%) não mencionam explicitamente o tipo de estudo. Dentre os objetivos das pesquisas da amostra se destacam os de avaliar os efeitos das intervenções breves baseadas em ACT sobre diferentes variáveis; de verificar viabilidade e aceitabilidade das intervenções e/ou programas; e de comparar os efeitos da ACT com os de outras terapêuticas.

Nos estudos da amostra, a ACT predominantemente se mostrou protagonista tanto nos objetivos como na metodologia. Porém, observou-se que ela também ocupou um lugar coadjuvante, no qual esteve presente, mas suas possíveis contribuições não foram avaliadas pelos autores (Redner, Robertson & Lo, 2018). Um aspecto curioso foi o de que em alguns estudos, os facilitadores ou responsáveis em aplicar as intervenções não eram psicólogos ou terapeutas experientes em ACT, mas sim estudantes de ensino superior (Kohtala, Lappalainen, Savonen, Timo & Tolvanen, 2015) e até mesmo pessoas da comunidade que receberam treinamento, supervisão e mentoria (Fung, Lake, Steel, Bryce & Lunsky, 2018).

É interessante notar que de toda a amostra, apenas um estudo aborda a FACT explicitamente (Glover et al., 2016), incluindo até mesmo um protocolo baseado em Strosahl et al. (2012).

De forma a conhecer melhor a amostra, a frequência e porcentagem de algumas de suas características foram calculadas e apresentadas na Tabela 2.

Constata-se que os estudos foram realizados principalmente na América e na Europa, sendo os Estados Unidos os que mais publicaram (11 estudos). Quase metade dos estudos (44%) teve como alvo pessoas com alguma condição clínica orgânica e 33% foram conduzidos em unidades de saúde, sendo este o setting mais frequente entre os estudos que mencionam o local das intervenções. Trinta e sete por cento não descreve tal característica.

Quanto ao formato das intervenções, grande parte dos estudos incluiu até 4 encontros com os participantes (48%), adotou o formato grupal (59%) e optou por sessões que duravam entre 1 e 2 horas (52%). Onze por cento dos estudos não mencionam a duração da intervenção, descrevendo-as, por exemplo como "um workshop de um dia". Quanto ao follow-up, 70% dos estudos o apresentou como parte da metodologia e o tempo de avaliação após a intervenção variou de 1 semana a 20 meses.

A Tabela 3 descreve o número de participantes e a presença dos pilares da flexibilidade psicológica em cada publicação, apresentadas na mesma ordem em que foram citadas na Tabela 1.

Como se pode observar na Tabela 3, a maioria das pesquisas abordou todas as três bases da flexibilidade psicológica. Isso se deve à condensação do Hexaflex nos três pilares, assim, é possível trabalhar um pilar ainda que apenas um de seus componentes. Alguns estudos descrevem de forma pouco clara a intervenção, o que não significa que os aspectos não foram trabalhados, apenas que não se pôde identificá-los.

A Tomada de Consciência foi o pilar menos descrito nas metodologias, gerando dúvida quanto à sua presença nas intervenções, enquanto houve na maior parte dos estudos a citação de atividades claramente voltadas à Abertura e ao Compromisso. É possível que isto aconteça pela ênfase dada aos processos nestes dois pilares, especialmente quando se considera o modelo do Hexaflex, pois as habilidades de vivenciar o momento presente e a concepção de self como contexto (que compõem a Tomada de Consciência) são considerados processos intermediários, que permeiam tanto o desenvolvimento da aceitação e desfusão como o dos valores e da ação com compromisso.

Por mais que os pilares possam ser abordados individualmente, a tendência de incluí-los em sua totalidade reforça a ideia de que eles fazem mais sentido no processo terapêutico quando juntos. Além disso, o uso de metáforas e exercícios vivenciais facilita a abordagem de tais temas sem a necessidade de uma intervenção longa e explicativa, favorecendo a inclusão de todos os pilares sem o comprometimento do tempo da intervenção.

 

Discussão

A presença de pesquisas em países tão diversos demonstra o alcance e o interesse pela temática da ACT por vários grupos de pesquisa, especialmente quando se nota pouca repetição de autores nestes estudos. Isso é relevante ainda que a quantidade de artigos encontrados nessa revisão possa não ser tão significativa quando comparada à de outros modelos terapêuticos.

Também ficou explícito nos resultados o caráter flexível da ACT, tanto no quesito de alvos de tratamento como no modo de fazer. Sua face transdiagnóstica é visível na variedade de problemas abordados na amostra: sintomas psicóticos, depressivos, de ansiedade, estresse, tolerância à dor, percepção de saúde, aceitação, flexibilidade psicológica, dentre outros. Algumas pesquisas também foram voltadas à promoção de comportamentos saudáveis, como atividade física, higiene oral e boa alimentação, apontando para a possibilidade de se trabalhar com enfoque preventivo e de redução de riscos à saúde.

Já quanto ao modo de fazer, a maior parte das metodologias utilizou-se de até 4 sessões variando de uma a duas horas; no entanto, intervenções mais longas de até um dia também surgiram, assim como intervenções com menos de uma hora. Além disso, a possibilidade de as atividades serem conduzidas por não-terapeutas, a partir de manuais e treinamento, abre uma nova perspectiva para seu uso, ainda que se necessite de mais estudos para avaliar os possíveis efeitos disso sobre os resultados. Sugere-se então que a ACT, mesmo breve, seja flexível o suficiente para se adaptar a diversos contextos, com limitações de tempo ou de acessibilidade, por exemplo, o que é um ponto favorável em termos de aplicabilidade e disseminação.

No que se refere ao uso explícito do termo FACT, apenas um estudo o fez. No entanto, cabe ressaltar que por mais que tal termo tenha sido ausente, todas as intervenções da amostra podem ser consideradas FACT, uma vez que trabalham os pilares de flexibilidade psicológica via ferramentas bem estabelecidas na ACT (como exercícios vivenciais e metáforas) e em um curto espaço de tempo. Hipotetiza-se que assim como o campo de pesquisa da ACT em contextos breves está em seus primeiros passos, o uso do termo FACT também não se popularizou ainda.

O fato de não terem sido encontradas publicações brasileiras é um reflexo da inserção da própria ACT no Brasil. A ACT no cenário brasileiro carece de publicações em português, assim como outras terapias de terceira geração, tal como discutido por Lucena-Santos (2018), ainda que haja publicações voltadas à disseminação desse modelo terapêutico (por exemplo: Lucena-Santos et al., 2015; e Saban, 2015). Algumas referências essenciais em ACT como o Acceptance and Commitment Therapy: An Experiential Approach to Behavior Change ou o Learning ACT: an Acceptance and Commitment Therapy skills training manual for therapists foram traduzidas recentemente, em 2021 e 2022, respectivamente, atestando o interesse da comunidade brasileira em mudar este cenário.

Não obstante, o caráter breve da FACT, o fato das pesquisas se concentrarem em populações clínicas e apontarem para efeitos a médio e longo prazo se mostra potencialmente interessante para contextos institucionais no Brasil. Isso porque em contextos fora do consultório existe a necessidade de se alcançar um grande número de pessoas em um curto espaço de tempo e, comumente, com poucos recursos, tanto financeiros como humanos.

Por exemplo, o modelo de saúde sustentado pelo SUS preconiza o atendimento integral ao indivíduo e à comunidade. As ações em saúde mental são orientadas para atingirem um maior alcance da população, para promover autonomia dos indivíduos e grupos e para propiciar a inserção dos indivíduos na sociedade, contrariando o modelo manicomial (Ministério da Saúde, 2013). Pode-se dizer que o posicionamento do SUS se alinha a algumas concepções da ACT, como se pode perceber no seguinte trecho:

É preciso cuidado para que as intervenções de saúde não se transformem em regras rígidas, sob a consequência de que estas ações estejam apenas baseadas na remissão dos sintomas, descontextualizadas da vida do usuário e do território em que ele vive. É preciso que o usuário possa se perguntar sobre a relação do seu sofrimento com a manifestação sintomática que está acontecendo. Ainda que necessárias para alguns casos, nem sempre intervenções que se orientem diretamente à supressão dos sintomas estarão aliadas a uma intervenção positiva na vida do usuário. (p. 26)

Assim, unidades de saúde mental, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) podem ser locais de promoção à uma vida de mais valor. Os grupos terapêuticos e operativos estão listados como dois dos principais dispositivos comunitários na atenção básica e inclui profissionais não especializados em saúde mental na promoção de ações de cuidado. Por esse ângulo, uma intervenção tal qual a FACT se alinharia à essas diretrizes do SUS e mostra um potencial de adaptação.

Ainda no âmbito da saúde, tanto na esfera pública como na esfera particular, o atendimento ambulatorial em psicologia costuma adotar sessões mais curtas e focais para o atendimento de uma grande demanda. A FACT também poderia servir como uma alternativa na assistência à essas pessoas, especialmente quando se considera as comorbidades comuns apresentadas pelo paciente.

A escolha por uma abordagem terapêutica breve pode reduzir os gastos do paciente, com melhoras que se prolongam para além do imediato, e assim, se tornar mais acessível ao público geral.

Não se pode dizer, contudo, que a FACT é ideal para esses contextos. Assim como no exterior, são necessárias pesquisas em solo brasileiro, pois, para transpor modelos terapêuticos estrangeiros, é preciso ir além de uma mera tradução. Estudos que adaptem essa terapia e produzam dados sobre aceitabilidade, viabilidade e efeitos sobre aspectos psicossociais da população brasileira serão fundamentais para que a FACT mude de uma possibilidade para uma realidade no cenário nacional.

 

Considerações finais

Embora tenha sido possível caracterizar, a partir de uma revisão de literatura, a aplicação da FACT e de intervenções breves baseadas na ACT e investigar possibilidades de aplicação no cenário brasileiro, esta pesquisa apresenta algumas fragilidades. Infere-se que os descritores utilizados possam ter sido específicos demais para direcionar às publicações, assim como a pesquisa em apenas duas bases de dados possa ter restringido o número de trabalhos alcançados.

Como a proposta foi de verificar o perfil dos estudos mais recentes, estudos anteriores à 2010 não entraram na amostra. Porém, eles existem e pode ser interessante uma análise mais abrangente no tempo, de forma a caracterizá-los melhor e compreender como ocorreu o surgimento e o interesse dos pesquisadores quanto à essa temática.

Este estudo não se propôs a avaliar formas não convencionais de terapia, na qual não houvesse contato direto com um terapeuta, todavia, a busca por artigos expôs vários estudos em que se utilizam aplicativos ou programas interativos estruturados com atividades da ACT, o que também é uma proposta muito atual e que merece ser melhor investigada, especialmente quando se fala na psicoterapia frente aos avanços da tecnologia e meios de comunicação.

A FACT se mostra um modelo de terapia promissor especialmente no campo da saúde. A quantidade de ensaios clínicos demonstra o interessa da comunidade científica em atestar sua efetividade quanto uma prática rápida e abrangente, notadamente em relação à aplicação com grupos e instituições. Em âmbito nacional, a FACT se mostra um modelo não estudado, evidenciando um campo de pesquisa potencialmente vasto e ainda não desbravado.

 

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Jennifer David Silva Sakai - Psicoterapeuta e psicóloga hospitalar, especialista em Psicoterapia Analítico Comportamental (Instituto Skinner) e em Saúde (Programa de Residência Multiprofissional em Clínica Especializada da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás).
Olívia Rodrigues da Cunha - Doutora em Psicologia Clínica (PUC Goiás), professora de pós-graduação, psicoterapeuta e supervisora clínica.

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