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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.25 no.2 São Paulo jul./dez. 2022

http://dx.doi.org/10.57167/Rev-SBPH.v25.489 

PARTE I PANDEMIA: O CUIDADO E SEUS EFEITOS

 

A vivência do luto em familiares de pacientes internados pela COVID-19*

 

The experience of mourning in family members of patients hospitalized by COVID-19

 

 

Thaina Aparecida Barbosa RochaI; Vitória Freitas de SouzaII; Viviane de Fátima Dias da SilvaIII; Ana Cristina de Oliveira AlmeidaIV

IInstituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - rochaathaina@gmail.com
IIInstituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Carapicuíba/ SP - psivitoriasouza@gmail.com
IIIInstituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - São Paulo/ SP - diass.viviane@gmail.com
IVInstituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - São Paulo/ SP - ana.coalmeida@hc.fm.usp.br

 

 


RESUMO

Esta pesquisa objetivou identificar, descrever e examinar o fenômeno do luto na experiência dos familiares de pacientes internados em um hospital escola, com suspeita e/ou diagnóstico confirmado de COVID-19. Trata-se de um estudo retrospectivo, configurando-se como relato de pesquisa. A amostra constitui-se como de conveniência, foram utilizados dados obtidos pela assistência prestada aos familiares, sendo ao todo, um público adulto. Foram analisados 385 atendimentos que continham discursos relacionados ao luto de 136 familiares. Utilizou-se a análise temática de Bardin para análise dos resultados. Os instrumentos correspondem à entrevista semidirigida e planilha de dados. Verificou-se a manifestação de discursos associados à vivência do luto, relacionada ao afastamento físico e temor do falecimento do paciente, bem como a mudanças no cotidiano dos familiares assistidos. Conclui-se que a vivência do luto foi recorrente na experiência da população atendida. O acompanhamento psicológico orientou-se à mitigação do sofrimento emocional e à prevenção do luto complicado.

Palavras-chave: covid-19; luto; psicologia hospitalar.


ABSTRACT

This research aimed to survey, identify and describe the mourning of family members of patients interned in a teaching hospital, with suspected and/or confirmed diagnosis of COVID-19. This is a retrospective study, formed as a research report. The sample was formed as a convenience sampling, using data obtained from the assistance provided to adult family members. The analysis comprised a total of 385 attendances related to the mourning of 136 family members. Bardin's thematic analysis was used to analyze the results. The instruments correspond to a semi-structured interview and a data sheet. It was verified discourses associated with the experience of mourning, related to physical withdrawal and fear of the patient's death, as well as changes in the daily life of the family members. It is concluded that mourning was recurrent in the experience of the family members. Psychological follow-up was aimed at mitigating emotional suffering and preventing complicated grief.

Keywords: covid-19; mourning; health psychology.


 

 

O processo de internação e tratamento de um adoecimento é dotado de implicações e modificações na vida do sujeito e de sua família, sendo compreendido como um momento complexo vivenciado por ambos (Caiuby, 2013). Quando situamos esta experiência no contexto da pandemia de COVID-19, a vivência da internação acaba por infligir maiores limitações, o que por sua vez repercute negativamente sobre o campo psicológico dos sujeitos afetados.

A pandemia de COVID-19 impôs aos familiares a impossibilidade de contato físico com o paciente internado, o que fez com que o sofrimento psicológico desses sujeitos fosse intensificado (Gesi, Carmassi, Cerveri, Carpita, Cremone, & Dell'Osso, 2020). Esse sofrimento se agrava quando o paciente internado evolui a óbito. Tal conjuntura impeliu aos sujeitos perdas em diferentes níveis, manifestando-se diante delas reações emocionais que podem caracterizar o início de um processo de luto.

Bertuccio e Runion (2020) apontam as consequências deletérias geradas pela atual conjuntura na saúde mental da população, afetada por um intenso sentimento de perda e luto, decorrentes das mudanças na rotina e do crescente número de óbitos pela COVID-19. As autoras apontam que a "angústia de incerteza" (Bertuccio & Runion, 2020, p. 87) seria um dos principais sintomas produzidos a partir desta experiência, caracterizando-a como um sentimento de angústia propiciado pela incerteza quanto ao futuro.

Freud (1917/1969), em Luto e Melancolia, discorre sobre as reações dos sujeitos diante de uma perda sofrida, que podem se configurar como um processo de luto ou de melancolia. Ele caracteriza o luto como uma reação à perda de um ente querido, à perda real de um objeto amado que recebeu forte investimento libidinal, como também à perda simbólica, de uma abstração que ocupou o lugar desse objeto. As expressões psíquicas do luto e da melancolia assemelham-se pelo desânimo profundo e penoso, a suspensão do interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de investir em um novo objeto de amor e a inibição de atividades que não estejam relacionadas ao objeto perdido.

Ainda que o luto abranja a perda de interesse pelo mundo externo, havendo um afastamento do indivíduo do que seria considerado como uma atitude normal diante da vida, ele não é considerado como uma condição patológica. Já para algumas pessoas, as mesmas influências podem suscitar melancolia, e nestes casos, suspeita-se que esses sujeitos apresentam uma disposição patológica. Na melancolia é presente uma diminuição dos sentimentos de autoestima, culminando na expressão de autorrecriminação. Essa última característica não é presente no luto. No luto, é necessário tempo para que o teste da realidade se imponha, para que então o ego consiga libertar o investimento da libido do objeto perdido (Freud, 1917/1969).

Nasio (1997) afirma que a dor presente não se refere diretamente à perda, mas ao trabalho de elaboração do luto, que se compreende como o processo presente na reação à perda do objeto amado. O processo do luto é descrito por meio de três momentos: inicialmente há necessidade de ocorrer a retomada aos detalhes que interligavam a pessoa enlutada ao objeto perdido, deste modo, há um período de focalização a esse objeto, o investimento na representação que se mostra presente. Em seguida, ocorre o desinvestimento dessa imagem, e por último, há o transporte para o eu da libido que fora destacada da imagem mental desse outro perdido, possibilitando a identificação com a imagem perdida. Pode-se nomear os três momentos da elaboração do luto como superinvestimento, desinvestimento e o transporte do afeto para o eu, ou seja, a identificação (Nasio, 1997).

Kübler-Ross (1996) propõe que diante da iminência de morte o indivíduo vivencia estágios, que caracterizam o processo de luto por se relacionarem à perda, nestes casos, da própria vida. O primeiro estágio seria a negação, etapa em que o sujeito não é capaz de aceitar a realidade da perda. O segundo estágio é caracterizado pela exteriorização do sentimento de raiva, momento em que há o reconhecimento da perda e uma consequente revolta pelo fato. Em seguida tem-se o estágio da barganha, definido pelas tentativas do indivíduo de "negociar" o adiamento da perda, que é inevitável. O quarto estágio é manifesto pela depressão, indicado por um intenso sentimento de pesar. E o último estágio, a aceitação, em que há maior tranquilidade e amenidade em face à perda.

A Perda Ambígua, o Luto Antecipatório e o Luto Complicado são apontados por Bertuccio e Runion (2020) como três repercussões emocionais originadas a partir da experiência de perda vivenciada na situação da pandemia atual. A perda ambígua é caracterizada pelas autoras como "(...) presença psicológica e ausência física ou presença física e ausência psicológica". (Bertuccio & Runion, 2020, p. 2)

Em consonância com o estudo de Wallace, Wladkowski, Gibson e White (2020); Bertuccio e Runion (2020) apontam que o luto antecipatório acontece diante dos inevitáveis questionamentos e presunções sobre as possibilidades de perdas. Cancelamentos ou adiamentos de projetos e celebrações também são mudanças inevitáveis que geram sofrimento. Perante essas possibilidades, os sujeitos podem ser acometidos por sentimentos ansiosos. Já o luto complicado, é caracterizado pelas autoras como um processo que suscita sintomas graves e disfuncionais por meses ou anos após uma perda. Pode se assemelhar a quadros ansiosos e depressivos, mas difere destes por ser uma resposta à perda. "Os sintomas incluiriam saudade do que foi perdido, solidão, ruminação, choque, negação, raiva e desconfiança" (Bertuccio & Runion, 2020, p. 2). Em um contexto de pandemia, tais aspectos podem se manifestar com intensidade.

A relevância do trabalho da psicologia no contexto de luto objetiva auxiliar os indivíduos na elaboração dos sentimentos vivenciados diante da morte, utilizando-se da escuta psicológica dos familiares e paciente, além do suporte à equipe de saúde, tendo como foco o acolhimento (Carr, Boerner & Moorman, 2020; Faria & Figueiredo, 2017).

Diante das informações apresentadas, a pesquisa se faz relevante, visto que destaca e busca esclarecer a importância do cuidado psicológico aos familiares dos pacientes internados, configurando-se como prática preventiva, visando a melhor elaboração do luto e o favorecimento da saúde mental desses sujeitos.

 

Objetivo

O estudo teve como objetivo identificar, descrever e examinar o fenômeno do luto na vivência dos familiares de pacientes internados com suspeita e/ou diagnóstico confirmado de COVID-19.

 

Método

Trata-se de um estudo retrospectivo de natureza exploratória, configurando-se como relato de pesquisa. O estudo utilizou como base os dados oriundos da assistência psicológica prestada às famílias de pacientes internados no Hospital das Clínicas de São Paulo. Para tal, foi construída uma planilha em que as manifestações da experiência de luto foram categorizadas e quantificadas, possibilitando assim a análise qualitativa dos dados obtidos. Buscou-se a compreensão dos dados obtidos a partir dos aportes teóricos da psicanálise. O projeto que deu origem a esse estudo foi encaminhado à Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa (CAPPesq) da instituição e foi aprovado por meio da Plataforma Brasil (CAAE: 40977320.7.0000.0068 e número do parecer 4.540.263). Houve também a aprovação do Comitê de Ética de Psicologia responsável do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (COSEP) com número de parecer 05/20.

Critério de Inclusão

Constituirá a amostra os relatos de familiares dos pacientes internados devido à COVID-19 no período de 14/04/2020 31/07/2020, que apresentarem idade mínima de 18 anos.

Critério de Exclusão

Serão excluídos desta pesquisa dados de familiares que não aceitaram a realização da primeira entrevista psicológica ou que não atenderam os contatos telefônicos realizados.

Participantes

A amostra configurou-se como de conveniência, uma vez que corresponde ao público atendido durante o período de assistência psicológica, destinada aos familiares dos pacientes internados devido à COVID-19. Foram realizados 469 atendimentos aos 191 familiares acompanhados durante o período de assistência, que ocorreu de 14 de abril de 2020 até 31 de julho de 2020. Desse total, 136 familiares apresentaram discurso relacionado ao luto, casuística que compõe os dados a serem analisados neste trabalho. O número total de atendimentos analisados é de 385.

Instrumentos

Entrevista Semidirigida (Anexo A)

O formulário de atendimento ao familiar consiste em eixos temáticos que foram utilizados para análise. Utilizaram-se apenas aqueles que têm relação com o objetivo de investigação deste estudo, conforme a seguir:

A. Dados de caracterização (sócio demográficos); B. Avaliação situacional (compreensão da demanda psicológica); C. Plano terapêutico do familiar atendido, assim como, as informações referentes aos atendimentos pós-óbitos.

Planilha

Foram utilizados os dados de anotações das entrevistas semidirigidas, obtidos por meio da assistência prestada aos familiares, a partir das anotações dos psicólogos responsáveis pelo estudo. Tais dados constituíram uma planilha, composta pelo discurso dos participantes do estudo, objetivando a categorização e análise dos dados.

Procedimentos

Coleta de Dados

Foram utilizadas as informações adquiridas por meio da assistência psicológica prestada aos familiares de pacientes em situação de internação devido à COVID-19. Tais informações correspondem aos dados oriundos de entrevistas semiestruturadas realizadas no primeiro contato com o familiar, bem como, informações decorrentes dos atendimentos psicológicos de seguimento dos familiares que permaneceram em acompanhamento. Os dados citados foram extraídos das anotações clínicas dos psicólogos responsáveis que realizaram os atendimentos psicológicos, além de uma planilha composta por esses dados.

Deste modo, foi realizada a análise dos dados obtidos utilizando-se da teoria psicanalítica com foco nas manifestações e repercussões do luto. A assistência psicológica realizada estabeleceu um planejamento de atendimento que objetivou a oferta de acompanhamento psicológico aos familiares, por meio da tecnologia. Para a investigação dos objetivos deste estudo foram analisados os casos em que as manifestações relacionadas a processos de luto puderam ser identificadas.

Para realização dos atendimentos psicológicos, foi disponibilizada a opção de atendimento por vídeo, além do contato telefônico.

De acordo com a resolução Nº410, de 26 de março de 2020, foi estabelecida a normativa do Conselho Federal de Psicologia (CFP), para a regulamentação da prestação de serviços psicológicos mediante Tecnologia da Informação e da Comunicação durante a pandemia da COVID-19, a prestação de serviços psicológicos através dessas plataformas está condicionada à realização de cadastro prévio na plataforma e-Psi junto ao respectivo Conselho Regional de Psicologia - CRP. Os autores desta pesquisa, também responsáveis pelo atendimento realizado durante a assistência prestada, foram devidamente cadastrados nesta plataforma, estando assim habilitados e autorizados a realizar os atendimentos online e por meio de aparelho telefônico.

Os atendimentos ocorreram a partir da técnica de orientação psicológica utilizada em situações de crise ou emergência, com enfoque no contexto hospitalar, intervindo em favor da estabilização emocional e organização psíquica dos sujeitos atendidos, como propõem Schmidt, Crepaldi, Bolze, Neiva-Silva e Demenech (2020).

Aspectos Éticos - Processo de Consentimento Livre e Esclarecido

Trata-se de trabalho retrospectivo que não necessita de identificação dos pacientes ou instituição, utilizando material já coletado. A partir do método de análise, compreende-se e explicita-se que o anonimato dos discursos apresentados pelos familiares será mantido, preservando o sigilo dos atendimentos realizados, bem como, respeitando o contexto de atuação envolto por situações de luto. Deste modo, houve a dispensa da aplicação do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE).

Análise dos dados

Realizou-se o levantamento quantitativo dos dados obtidos. A análise qualitativa dessas informações foi feita a partir do referencial teórico da psicanálise.

Análise Quantitativa

Foi realizada a análise quantitativa dos dados sociodemográficos obtidos, como por exemplo, idade dos participantes, sexo e constituição familiar. As variáveis qualitativas, que correspondem aos conteúdos apresentados no discurso dos participantes, também foram analisadas quantitativamente em sua frequência absoluta (n) e frequência relativa (%), após a tabulação dos dados, possibilitando o cálculo de média. Objetivou-se analisar, em seguida, os dados quantitativos em conjunto aos dados qualitativos.

Análise Qualitativa

A partir dos dados obtidos, foram identificadas as manifestações do luto diante da internação do familiar em situação de pandemia. Todo o conteúdo discursivo foi categorizado para análise qualitativa, utilizando a análise de conteúdo.

A análise dos dados obtidos nas entrevistas foi realizada por meio da Análise Temática proposta por Bardin (1977/2006), na qual o objetivo é possibilitar a interpretação do conteúdo do discurso, quantificando o conteúdo manifesto das respostas à questão proposta.

 

Resultados

Foram analisados os dados correspondentes aos familiares que apresentaram discurso ou manifestações relacionadas ao luto. Desse modo, foram analisados dados correspondentes a 113 famílias no total. Foi disponibilizado o acompanhamento psicológico a 136 familiares, e deste total, ao final do atendimento inicial, 15 familiares não aceitaram seguir em atendimento, correspondendo a 11,03%, enquanto 121 aceitaram e seguiram em atendimento psicológico.

Ao todo, foram realizados 385 atendimentos, com média de 2,83 atendimentos por familiar. Os atendimentos foram feitos via contato telefônico em sua totalidade. Foi ofertada a possibilidade de se realizar os atendimentos através de aplicativos de comunicação que possibilitasse a videoconferência, como WhatsApp e Skype, porém, observou-se unanimidade na preferência pelo atendimento via telefone. Dessa forma, diante da impossibilidade dos familiares ao uso de outras mídias, devido à indisponibilidade de recursos ou por sua preferência em seguir com a modalidade de atendimento inicial, os atendimentos foram realizados através de contato telefônico.

Quanto ao gênero, 72,79% (99/136) dos familiares atendidos foram mulheres, versus 27,21% (37/136) dos familiares do gênero masculino. Ao todo, 40,44% (55/136) de famílias tinham crianças em seu núcleo familiar. Foi possível identificar que desta totalidade, apenas 10,29% (14/136) das famílias apresentaram dificuldade no manejo com as crianças, tanto em relação à situação de pandemia quanto às informações relacionadas à hospitalização do paciente. O maior público atendido correspondeu aos familiares com idade entre 31 a 40 anos, com total de 30,15% (41/136), seguido do intervalo de 41 a 50 anos, que correspondeu a 25% (34/136) dos familiares. Os dados integrais a respeito do sexo e idade dos familiares são apresentados no Gráfico 1.

Em relação ao parentesco dos familiares atendidos, verificou-se o predomínio dos filhos (as) e noras em 46,32% (63/136), companheiros (as) amorosos 27,21% (37/136) e irmãos (ãs) em 11,03% (15/136), enquanto outros familiares (mães, netos, sobrinhos, primos, ex-companheiras, sogra, pai, tia e cuidadora) atingiram o total de 15,44% (21/136).

Na entrevista inicial observou-se que 11,76% (16/136) dos familiares apresentaram diagnóstico anterior de transtornos mentais e acompanhamento psiquiátrico. Referente à ocupação laboral, 58,09% (79/136) dos familiares atendidos estavam trabalhando e com algum tipo de renda, enquanto 27,94% (38/136) não apresentavam atividade laboral, restando 13,97% (19/136) de familiares que não referiu a situação profissional durante os atendimentos

Em relação à presença de diagnóstico e sintomas da COVID-19, constatou-se o total de 11,76% (16/136) familiares com diagnóstico confirmado, 16,18% (22/136) familiares citaram a presença de sintomas, porém sem confirmação. Em 36,03% (49/136) familiares houve manifestação de dúvidas sobre a internação e/ou quadro clínico do paciente, assim como temores e dúvidas quanto à COVID-19. Em ambos os casos, os familiares receberam orientações acerca da necessidade de procurar atendimento médico em caso de piora dos sintomas, bem como esclarecimentos acerca dos sintomas indicativos da COVID-19 e as precauções necessárias para evitar a contaminação e possível propagação do vírus, como a manutenção do isolamento social, evitar compartilhar objetos pessoais e o uso correto da máscara.

No atendimento inicial realizado identificou-se no discurso dos familiares manifestações relacionadas ao luto, isto é, conteúdo relacionado às diversas perdas ocorridas durante o período de pandemia. Por vezes, o mesmo familiar apresentou mais de uma demanda durante o atendimento psicológico, por exemplo, sofrimento em razão do afastamento de seu familiar e/ou temor de sua morte e a interrupção de planos pessoais. Tais queixas são apresentadas na Tabela 1 (Queixas e manifestações de luto).

No enfrentamento da angústia suscitada pelas queixas e sintomas descritos acima, foram identificados os mecanismos de defesa utilizados pelos familiares, com maior frequência, para lidar com as situações de luto que se apresentaram. Do mesmo modo, a partir dos discursos dos familiares atendidos, objetivou-se identificar e compreender quais recursos de enfrentamento eram utilizados.

Com relação aos pacientes internados que tiveram suas famílias atendidas, a partir das quais foram analisados os dados nesse estudo, receberam alta hospitalar 63,97% (87/136) e 36,03% (49/136) evoluíram para óbito. No desfecho dos atendimentos 33,09% (45/136) dos familiares apresentaram demanda para seguimento com atendimento psicológico e/ou psiquiátrico. Sendo assim, os devidos encaminhamentos foram realizados. Foram realizados encaminhamentos a serviços externos para assistência em saúde mental, devido ao término do vínculo com o hospital naquele momento, bem como à necessidade de seguimento e acompanhamento psicológico, em razão da permanência de demandas relacionadas a manifestações de luto. Dispositivos de saúde com oferta de acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico foram mapeados para o direcionamento destes familiares, como as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que fossem referência ao território de suas residências. Outra modalidade foram os serviços de atendimento online disponibilizados especialmente para responder às demandas que surgiram durante o período da pandemia.

A partir dos resultados quantitativos apresentados, foi possível observar e compreender conteúdos manifestos nos discursos dos familiares atendidos relacionados a processos psíquicos que se referem à manifestação de luto. Criou-se, deste modo, categorias de análise correspondentes às queixas apresentadas, às manifestações do luto, aos mecanismos de defesa apresentados e aos recursos de enfrentamento utilizados.

 

Discussão

Queixas

Diante dos resultados obtidos, foi possível analisar o discurso dos sujeitos atendidos a partir de suas queixas mais frequentes. Foram identificados os sentimentos de angústia manifestados por esses sujeitos frente à situação de internação de seu ente querido, que se intensificaram com o isolamento social e a impossibilidade de visita aos pacientes hospitalizados no contexto de pandemia. No total, 68,38% (93/136) dos familiares atendidos manifestaram sentimentos de angústia diante deste contexto. Outra queixa que surgiu em 36,03% (49/136) dos casos foram as dúvidas e temores referentes ao quadro clínico do familiar internado e às formas de transmissão da COVID-19. Foi possível identificar, que nestes casos, os familiares temiam tanto um desfecho desfavorável ao seu ente querido, quanto uma ameaça à sua própria existência. Laplanche e Pontalis (2001) apresentam o conceito utilizado por Freud no quadro da sua segunda teoria da angústia: "angústia perante um perigo exterior que constitui para o sujeito uma ameaça real." (p.26).

Neste cenário, a angústia se refere ao afeto que mobiliza o sujeito, impactando em um sofrimento emocional importante. Os sujeitos que relataram tal sintoma apresentavam uma desorganização frente às atividades do cotidiano e de autocuidado. Foram mencionadas em 49,26% (67/136) dos casos dificuldades em se estabelecer um sono regular e saudável, como também sintomas de inapetência. Os sujeitos que manifestavam reações de angústia, apresentavam dificuldade em nomear o que estavam sentindo diante da falta de seu familiar. Essa falta demarca a manifestação de aspectos condizentes com a experiência de luto.

Manifestações do luto

O processo de luto envolve diferentes e amplos aspectos, como se propôs introduzir neste trabalho. Surge a partir da perda de um objeto, ou como no caso do luto antecipatório, surge a partir da possibilidade e aproximação de uma potencial perda (Wallace et al., 2020). Durante a pandemia de COVID-19, inúmeras foram as perdas diárias com as quais a população se deparou, e ao mesmo tempo, foi chamada a enfrentar.

Pode-se compreender que a primeira perda presente, diante da necessidade do isolamento social, correspondeu à ausência de liberdade. A população foi orientada a permanecer em suas residências. A experiência do isolamento gera impactos negativos na vivência emocional dos indivíduos (Wallace et al., 2020). Essa vivência desencadeou intenso sofrimento na população, tal sofrimento é inerente ao processo de luto. Nasio (1997) descreve e compreende o processo de luto como doloroso, pois advém da reação à perda de um objeto amado. A partir das concepções de Freud, o autor discute que a dor presente no processo de luto, não corresponde diretamente à dor de perder um objeto, mas de ter presente a representação de um objeto que se mostra ausente.

Em reflexão sobre as perdas atuais, é possível identificar o enfraquecimento de vínculos sociais e a perda da gratificação afetiva presente nas relações sociais e profissionais. Esse aspecto é identificado no afastamento da rotina de trabalho e da rotina diária, diante da necessidade de se manter em casa. Na amostra deste estudo, 23,53% (32/136) dos familiares afastaram-se de seu emprego. A mesma porcentagem de familiares relatou sofrimento decorrente da impossibilidade de sair conforme sua vontade ou de realizar atividades de lazer devido a pandemia de COVID-19. Eventos estressantes, o isolamento social, bem como, o enfraquecimento de vínculos são fatores que podem agravar o processo de luto (Carr et al., 2020). Deste modo, compreende-se que a forma de vivência do luto modificou-se durante o período de pandemia, devido ao risco de seu agravamento (Singer, Spiegel & Papa 2020).

A interrupção de planos pessoais se mostrou presente no discurso de 19,85% (27/136) dos familiares. Momentos significativos como o planejamento de eventos importantes foram impossibilitados ou tiveram de ser adiados, não somente pela situação de pandemia, mas pela própria internação do ente querido e as preocupações que esse período proporcionou aos familiares.

No estudo de Ishikawa (2020), buscou-se compreender como os idosos têm enfrentado o período de pandemia, podendo ser observado a presença da interrupção de planos pessoais no relato de um de seus participantes, como é ilustrado pelo autor na frustração de uma mulher de 75 anos que se mudaria para a praia, junto de sua filha, mas não o pode devido a sua contaminação por COVID-19.

O sofrimento presente devido à impossibilidade de visita aos pacientes internados também se mostrou como aspecto significativo apresentado pelos familiares. No total, 86,76% (118/136) dos familiares referiram sofrimento diante da perda do contato físico com seu familiar. O distanciamento e a perda de contato compreendem-se como outra forma de manifestação do processo de luto relacionado às diversas experiências de perda na pandemia. Mesmo cientes das impossibilidades geradas pela COVID-19, os familiares questionavam os motivos do impedimento de visitas. A ausência da visita e acompanhamento do familiar internado, é apresentada por Gesi et al., (2020) como um complicador do processo de luto, caso haja o falecimento do paciente, e assim é um fator que contribui para a aparição do luto complicado.

Outros fatores também são importantes na possibilidade de aparição de dificuldades na elaboração do luto. A impossibilidade da despedida apresentou-se como angustiante para os familiares atendidos que temiam o falecimento de seus entes, tanto para os familiares que se depararam com a possibilidade do óbito confirmada pela equipe médica, quanto aos familiares dos pacientes internados e em recuperação que não tinham essa confirmação. O temor do falecimento mostrou-se em 86,76% (118/136) dos familiares atendidos. Wallace et al., (2020) e Gessi et al., (2020), apontam que a impossibilidade de despedida corresponde a um fator que possibilita a aparição do luto complicado. O temor da morte mostrou-se frequente, em relação aos pacientes internados e aos próprios familiares, quando refletiam sobre a possibilidade de contaminação e se depararam com a sua finitude.

Durante o acompanhamento e atendimentos psicológicos realizados, objetivou-se proporcionar o trabalho ao luto antecipatório com propósito de intervir preventivamente no surgimento do processo de luto complicado, tendo em vista o alto risco de óbito apresentado pelo quadro de COVID-19 dos pacientes internados. Wallace et al., (2020), define o luto complicado por suas características mal adaptativas, permeado por sentimento de intenso desgosto, impedindo que o indivíduo lide com sua perda de maneira natural. Deste modo, buscou-se realizar o acolhimento do familiar em processo luto de modo a tornar esse momento significativo e passível de elaboração. Conversar com os familiares sobre a vida do falecido, ouvir histórias e memórias da pessoa que partiu, mostra-se como uma conduta necessária nesse momento (Carr et al., 2020).

Ao todo, 22,06% (30/136) da amostra receberam atendimento psicológico pós-óbito do paciente internado. Nos casos em que houve indicativos que sugeriam o início de um processo de luto complicado (Bertuccio & Runion, 2020), como discursos em que predominavam a ausência de suporte afetivo; dificuldade de encontrar recursos de enfrentamento; sintomas depressivos como ideias de culpa, inutilidade, e perspectiva pessimistas e irreais sobre o futuro; sentimento de solidão, expressão de pensamento ruminativo ou negacionista, relacionado à doença e à própria morte do paciente; foram realizados mais de um atendimento.

Além dos atendimentos pós-óbito, 33,09% (45/136) dos familiares atendidos receberam encaminhamento para continuidade do acompanhamento em serviços de saúde mental. Nos casos em que houve a manifestação de repercussões emocionais que predisporia a manifestação do luto complicado, os familiares foram encaminhados para continuidade do acompanhamento psicológico através da UBS e/ou pelos serviços de atendimento psicológico online, oferecidos por instituições de tratamento para saúde mental. Os familiares que já apresentavam transtornos mentais ou de comportamento, que ainda não recebiam atendimento psiquiátrico regular, receberam encaminhamento para início do acompanhamento em CAPS e/ou serviços ambulatoriais destinados ao tratamento em saúde mental da região a qual pertencia o familiar.

Mecanismos de Defesa

A experiência de permanecer afastado de um ente querido, sob o risco de perdê-lo, mostrou-se como vivência ameaçadora, gerando intensas repercussões emocionais para os familiares dos pacientes internados. Foi observado que alguns deles recorriam a mecanismos de defesa como forma de proteção diante da intensidade da experiência vivida. A repressão (ou supressão), apresentada por 10,29% (14/136) dos familiares atendidos, manifesta-se pela tentativa consciente de retirar do campo psíquico um afeto ou ideia que cause desconforto ao sujeito (Roudinesco & Plon, 1998). Nos casos onde a mesma foi verificada, os familiares costumavam dedicar-se a atividades ou práticas em que pudessem focar a atenção, numa tentativa de "silenciar" o afeto incômodo.

A negação, observada no discurso de 6,62% (9/136) dos familiares, é definida como a ação de negar como seu um desejo, uma ideia ou afeto, pelo desconforto gerado ao assumir tais conteúdos como próprios (Laplanche & Pontalis, 2001). Esse mecanismo foi observado quando os familiares se negavam a reconhecer a gravidade do quadro clínico do paciente, ou mesmo a patologia que motivou a internação do mesmo, isso pela perturbação psíquica que tal reconhecimento geraria. Outro mecanismo de defesa observado foi a projeção, entendida enquanto método cujo sujeito localiza no outro seus desejos e afetos, que não são identificados como seus (Roudinesco & Plon, 1998). Observou-se em 5,88% (8/136) da amostra discursos em que a consternação emocional era observada em outro familiar, quando na verdade, no decorrer dos atendimentos verificou-se que o familiar atendido era quem apresentava dificuldade em vivenciar a experiência, sendo uma saída inconsciente reconhecer esta fragilidade no outro, no caso, os demais familiares do paciente.

Recursos de Enfrentamento

Luna e Moré (2020), em estudo com familiares enlutados, definem que "os recursos de enfrentamento no luto se referem aos comportamentos de apoio utilizados pelos participantes para a elaboração de um luto." (p. 99). Observa-se que o indivíduo lança mão de tais recursos a fim de diminuir o impacto emocional causado por determinada situação, suportando assim vivenciá-la. O que definirá quais mecanismos serão utilizados serão as características próprias do indivíduo e os recursos disponíveis em seu meio (Luna & Moré, 2020). Em se tratando dos recursos de enfrentamento, os mais utilizados pelos familiares atendidos foram a busca de apoio social (61,03% 83/136), o estabelecimento de rotina (50,74% 69/136), a religião (51,47% 70/136) e o desenvolvimento de práticas de autocuidado (19,12% 26/136).

A busca de apoio social caracterizou-se pela tendência dos familiares a procurarem suporte afetivo e emocional em outras pessoas da família, em amigos ou na comunidade à qual pertenciam, sendo o apoio recebido descrito como fator importante para manutenção do bem-estar psicológico e redução da tensão. Kübler-Ross (1996) corrobora com tal compreensão quando afirma que o investimento no suporte afetivo oferecido por amigos e pessoas próximas, favorece a expressão da vivência dos familiares e os ajuda a mitigar suas dores. A tentativa de envolver-se em atividades e afazeres, ou continuar seguindo a rotina estabelecida antes da internação do paciente, demonstrou ser um recurso frequentemente utilizado pelos familiares atendidos. Neste caso, destaca-se a busca desses indivíduos por alguma atividade ou tarefa que lhes possibilitasse focar em algo além da internação do ente querido.

A prática de atividades de autocuidado também se fez presente no discurso dos familiares. Compreendemos tais práticas como aquelas definidas pelos indivíduos como mantenedoras ou propiciadoras de bem-estar emocional. Kubler-Ross (1996) defendeu a importância de que os familiares se dedicassem a atividades de gratificação própria, mudando por algum período o foco de suas vidas, que na maior parte do tempo se dirige ao paciente adoecido, algo maléfico para ambos, em muitos casos.

Observou-se que o contato com a religiosidade assume papel valoroso diante do impacto emocional causado pela internação ou óbito do ente querido, possibilitando aos mesmos vivenciar a experiência e atribuí-la a um sentido suportável. Dentre as práticas religiosas, as orações, a participação em cultos online, grupos de oração e louvores foram as mais apresentadas. Como assinala Kovacs (2007), "a busca religiosa tem relação com a situação existencial do homem, na qual as questões de vida e morte têm um lugar preponderante." (p. 247). A mesma autora assinala ainda que a religiosidade se faz presente em situações limite, em que há intenso sofrimento psicológico, por favorecer a contemplação e reflexão sobre as experiências as quais os sujeitos vivenciam (Kovacs, 2007).

O oferecimento de uma escuta ativa e acolhedora, embasada pela compreensão psicanalítica do ser, possibilitou aos familiares atendidos um espaço para expressarem conteúdos psíquicos represados, convocando-os a colocar em palavras suas dores, preocupações, medos e anseios, o que contribuiu para a sua estabilização emocional, bem como para um melhor enfrentamento da situação de internação, adoecimento e morte do ente querido. Como ressalta Monteiro (2019) "(...) a escuta do sofrimento psíquico se torna necessária, pois é ela que, em algum ponto, possibilita sua elaboração..." (p. 294). Ao todo, 33,06% (45/136) dos familiares atendidos foram encaminhados para continuidade de acompanhamento em saúde mental após o encerramento da assistência psicológica proposta, isto é, após o óbito ou alta do familiar internado.

É importante salientar que a atuação realizada junto aos familiares também teve caráter psicoeducativo, uma vez que foram realizadas orientações aos familiares sobre a COVID-19 e sobre o funcionamento da instituição, configurando-se igualmente como fatores mitigadores de sofrimento emocional, visto que a falta de esclarecimento sobre a doença e o processo de hospitalização do ente querido suscitavam sentimentos de angústia e preocupação nos familiares. Como pontuam Singer et al., (2020), "psicólogos que trabalham em ambientes hospitalares têm demonstrado atuar como mediadores da comunicação entre pacientes, suas famílias e profissionais de saúde e fornecer psicoeducação aos membros da família" (p.91).

Dentre os 191 familiares atendidos durante o período de assistência, foram encontrados e analisados os dados correspondentes aos familiares que apresentaram discurso ou manifestações relacionadas ao luto. Deparamo-nos com 136 familiares que apresentaram processos psíquicos que envolvem o luto, correspondente a 71,2% (136/191), número que compôs a nossa amostra.

Dentre os processos psíquicos relacionados ao luto, observamos que a população estudada se utilizou de mecanismos de defesa no intuito de lidar com as situações de conflito que envolveram tais vivências. Foi possível identificar os processos de repressão, negação e projeção. Na tentativa de elaboração das vivências acerca do luto, foi constatado que os familiares buscaram formas de enfrentamento como recurso, que podemos destacar como as mais recorrentes: a busca de apoio social, o uso da religião, atividades de autocuidado e o seguimento da rotina.

O intenso sofrimento dos familiares diante das perdas sofridas devido ao contexto de pandemia e de internação hospitalar do ente querido foi notoriamente identificado, tendo demonstrado a necessidade e importância de oferecer a essas pessoas suporte psicológico, a fim de que as repercussões psíquicas fossem atenuadas e não gerassem outros agravos. Nesse sentido, nossa atuação se dirigiu à mitigação do sofrimento dos familiares, a fim de lhes possibilitar maior bem-estar e prevenir o agravamento destes quadros.

O aspecto preventivo de nossa atuação também foi observado, uma vez que foram diagnosticadas situações de risco psicológico e vulnerabilidade social ou, no caso de familiares com diagnóstico de transtorno mental, sem acompanhamento regular. Foi observada uma tendência ao luto complicado entre os indivíduos que apresentavam histórico de transtorno psiquiátrico ou sintomas atuais condizentes, mas sem tratamento adequado. Nestas situações, foram realizadas orientações e encaminhamentos para que tais indivíduos pudessem ser acompanhados de forma integral.

Evidenciou-se que os familiares assistidos se beneficiaram do atendimento ofertado por meio da tecnologia da informação, pois, além do maior alcance através dessa abordagem, eles puderam ser suportados e acolhidos sem que precisassem circular e se expor ao risco de contaminação.

Quanto às limitações da pesquisa, identifica-se a brevidade do acompanhamento psicológico ofertado aos familiares, que cerceou a quantidade de conteúdos narrativos referentes ao luto possíveis de serem identificados e categorizados. Outro limitador foi a rotina efêmera que constitui o ambiente hospitalar e a escassez de recursos materiais para melhor produção da pesquisa. Por fim, ainda que tenham se mostrado efetivas, visto o número de sujeitos aderentes ao atendimento psicológico, as sessões realizadas por telefone impediram que fosse possível verificar elementos comportamentais apresentados pelos sujeitos, o que também comporia dados relevantes acerca da experiência vivida pelos mesmos.

Sugerimos para trabalhos futuros analisar as repercussões psíquicas e culturais, não só imediatas, mas a longo prazo, destas perdas sofridas. Outro fator observado se refere à predominância da mulher exercendo o papel de cuidadora, aspecto que poderá ser discutido em futuros estudos.

 

Referências

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Thaina Aparecida Barbosa Rocha - Psicóloga Especialista em Psicologia Hospitalar.
Vitória Freitas de Souza - Psicóloga Especialista em Psicologia Hospitalar.
Viviane de Fátima Dias da Silva - Psicóloga Especialista em Psicologia Hospitalar.
Ana Cristina de Oliveira Almeida - Psicóloga Mestra pela USP, psicóloga supervisora da Divisão de Psicologia do Instituto Central do HCFMUSP.
* Agência de fomento: FUNDAP - Fundação do desenvolvimento administrativo.

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