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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.4 no.1 São Paulo June 2002

 

ARTIGOS

 

Algumas considerações sobre o espaço potencial

 

Reflections about the potential space

 

 

Elizabeth Polity1

Colégio Winnicott

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O trabalho visa discutir o conceito winnicottiano de espaço potencial e mostrar como este conceito foi norteador no atendimento de uma família cuja queixa era dificuldade de aprendizagem de um de seus membros. A partir da minha experiência, quero mostrar que o espaço potencial criado entre o sistema familiar e o terapêutico propic iou um continente seguro para o brincar, para a criação de símbolos e significados que fizessem sentido para o cliente e seu grupo familiar e, ainda, para que legados de sua cultura pudessem ser introduzidos como elementos enriquecedores da compreensão da dinâmica familiar.

Palavras-chave: Terapia Familiar; Aprendizagem; Espaço Potencial; Contexto Terapêutico.


ABSTRACT

The work aims to argue the Winnicott’s concept of potential space and sample as this concept was important in the attendance of a family whose complaint was difficulty of learning of one of its members. From my experience, I want to show that the potential space between the familiar and the therapeutical system propitiated a safe continent for the play, for the creation of symbols and meanings that still made sense for the customer and its familiar group and, yet, for that the legacies of its culture could be introduced as enrichment elements of the understanding of the familiar dynamics.

Keywords: Familiar Therapy; Learning; Potential Space; Therapeutical Context.


 

 

Objetivo

O objetivo deste trabalho é tecer algumas considerações sobre o conceito winnicottiano de espaço potencial, enfocando primeiramente a relação mãe-bebê e, posteriormente, estendêlo ao contexto terapêutico, no trato com queixa de dificuldade de aprendizagem. Para tanto, pretendo trazer minha experiência clínica em atendimento familiar, onde penso poder identificar a construção de um espaço potencial que abrigou clientes e terapeuta.

 

Pressupostos Teóricos

Sobre espaço potencial Winnicott afirma:

O brincar tem lugar no espaço potencial entre o bebê e a figura materna. Brincar desenvolve-se no espaço potencial de acordo com a oportunidade que o bebê tem de experienciar separação sem separação, e sua iniciação está associada com a experiência do bebê em desenvolver confiança na figura da mãe (Winnicott, in Abram, p. 226).

Segundo o autor, quando o bebê pode criar a mãe, estabelece-se a experiência de ilusão. Desta experiência inicial de onipotência, surge o espaço potencial, que seria a área entre o bebê e a mãe que emerge durante a fase de repúdio do objeto não-eu.

A característica espec ífica deste lugar em que se inscrevem o jogo e a experiência cultural é a seguinte: a existência deste lugar depende da experiência da vida e não das tendências herdadas (Winnicott, 1967, p. 45).

Não é um espaço transcendental nem instintivo, a partir do qual compreendemos o mundo, mas um espaço no qual entramos como parte de nossa compreensão do mundo. Essa incorporação não é automática, mas gradual e deliberada e provém de experiências vitais como aprendizagem, exemplos e relações intersubjetivas, que vão se configurando como num jogo. É a área importante da experiência

entre o indivíduo e o meio, esse espaço que no começo une e separa o filho e mãe, quando o amor da mãe que se revela e manifesta pela comunicação de um sentimento de segurança, outorga de fato à criança um sentimento de confiança no meio (Winnicott, 1967, p. 45).

Entendo ser importante perceber que é a figura mediadora (a mãe ou sua substituta), metapessoal, quem simboliza seu assentamento, não apenas biológico, mas humano no mundo. Pode-se pensar então em união e separação. Processos que serão a base para a confiança e para o desenvolvimento do amor-próprio, da autonomia. Processos que, quando não estiveram presentes nas primeiras fases da vida, serão muitas vezes buscados incessantemente em trabalhos terapêuticos: o resgate do pertencimento, do movimento de aproximação, de dar sentido para ação.

Segundo Bogomoletz (1995),

para a existência de um espaço potencial é preciso antes de tudo que exista a possibilidade de se perceber esse outro como alguém distinto e separado de nós. Conforme sabemos, na díade, ou relação simbiótica não há um “primeiro” e um “segundo”. As duas partes da relação não se percebem como indivíduos, como entidades separadas, como pessoas inteiras. Neste tipo de configuração humana percebe-se duas pessoas (do ponto de vista do observador, como diria Winnicott) que não se percebem duas pessoas, e sim uma espécie de gêmeos siameses, entre as quais existe um istmo invisível, como se fosse um cordão umbilical fantasma, que as une e as impede de existirem independentes (fisicamente) uma da outra. Esta condição “física” torna-as psicologicamente inseparáveis, fusionadas e portanto inexistentes enquanto unidades individuais. “Individual”, nesse caso, é a díade, indivisível e indissolúvel.

Winnicott explica:

A fase da fusão tem duas etapas. A primeira, do narcisismo primário ou dependência absoluta. Não há “outro” nessa fase, nem mesmo esse semi-outro que é a própria mãe. A mãe só se torna “ela” na segunda fase, que ele chama de “ruthlessness”, ou da dependência relativa, na qual não há compaixão nem há empatia, na qual há ainda fusão e a qual se situa a meio caminho entre o narcisismo primário (ou absoluto) e a fase do “concern”, em que há compaixão, há empatia, e o “outro” começa a ser aceito de bom grado, se todo o processo anterior transcorreu favoravelmente (Winnicott, 1967, p. 65).

Essa fase intermediária é aquela em que surge uma incipiente consciência do ‘eu’, e também de tudo aquilo que ‘não é eu’. Nessa fase o ‘não-eu’ não é tolerado, porque o bebê ainda vive a ilusão de onipotência, ainda não passou pela desilusão em relação à existência prévia do mundo, e qualquer coisa que não pareça fruto da sua criatividade é percebida como uma coisa intrusa e intolerável.

Parafraseando Bogomoletz, a maior parte das mães inicia o seu processo de gestação na condição de unidade: mãe-embrião e depois mãe-feto. Para ela, a percepção de que a mãe e o bebê constituem um ser único e indivisível somente pode ser empregada a partir de um certo momento no processo de desenvolvimento da criança.

Para a mãe considerada “normal” há um momento, cedo ou tarde, em que o filho não é mais visto como uma parte dela mesma, mas não é fácil dizer que essa percepção algum dia se completa inteiramente. O fato é que a mãe considerada “normal” é aquela em quem percebemos uma consciência não muito atormentada de que há um mínimo de independência entre ela e o filho.

Numa segunda fase então, podemos falar de díade propriamente dita, pois há duas pessoas que se percebem como uma só. Isto a partir da situação anterior, em que uma das pessoas (o bebê) nada podia perceber. Mas agora ele percebe, e vai relutar muito até aceitar, se tudo correr bem, como diz Winnicott, que aqui há duas pessoas, e não uma. E vai fazer o possível para que tudo continue como antes, pois a mudança parece forçosamente assustadora. Crescer e aprender podem ser muito ameaçadores para algumas crianças.

É a paciência da mãe, diz Winnicott, que permite ao bebê ir aceitando o inevitável. E o inevitável é a percepção de que há duas pessoas, não duas metades que formam um todo.

Neste momento o que importa é dizer que a passagem da fusão para a dependência mínima é a passagem do estado de natureza para o estado da cultura, é a aceitação (pelo bebê) da mãe e posteriormente dos demais como pessoas por direito próprio, é o surgimento de um “eu” que se relaciona com o “não-eu”, em vez de combatê-lo, é a derrota da onipotência como instrumento de administração do mundo, embora não como instrumento de aperfeiçoamento desse mundo, é o início do ser propriamente humano, com toda a dignidade e todo o risco que isto implica. Cria-se ent ão a possibilidade de um espaço potencial.

Parafraseando Safra (2000) é no espaço potencial que o sujeito pode completar o processo de construção de seu self. À medida que interage com o outro – a mãe, primeiramente; mais tarde, o analista, o professor, o amigo – pode entrar em contato com diversas subjetividades por meio de manifestações culturais como a música, o texto, o diálogo, enfim, a presença humana, que enriquece e complementa.

 

Resultados

“É uma alegria estar escondido, mas um desastre não ser encontrado...” (Winnicott, 1963).

Todos nós sabemos como é gostoso brincar de esconde-esconde. Quando crianças, tentávamos encontrar o melhor lugar para que ninguém nos achasse e assim, nos sentíamos vitoriosos e espertos. Mas, se a brincadeira prosseguisse e ninguém nos tivesse achado, e pior: nem tivessem sentido nossa falta! Aí sim, seria um desastre. Parece que esperteza e astúcia têm limites. É bom podermos nos diferenciar – achar um lugar bem difícil para nos escondermos – mas, se por causa dessa diferença, formos excluídos, aí a tristeza e o desamparo abatem-se sobre nós.

Nesta frase de Winnicott encontram-se os dois aspectos fundamentais para a realização pessoal: o registro do singular e do coletivo. Na ausência de um dos pólos, há um sofrimento e uma experiência de não realização do self.

Com muito interesse pela psicanálise, foi em Winnicott que pude começar a articular a teoria psicanalítica com conceitos relacionais. Desta combinação nasceu a possibilidade de perceber, na obra do autor, idéias que vão dar ênfase ao que é construído “na relação” com o meio, com a cultura, com o mundo. Nesta perspectiva se encaixa o conceito de espaço potencial.

Uma das idéias centrais no esquema do desenvolvimento proposto por Winnicott é a de que a mãe precisa, com o tempo, diminuir aos poucos o grau de sua adaptação às necessidades iniciais do bebê. De um certo momento em diante, é preciso que ela permita a ocorrência de pequenas frustrações no dia-a-dia do bebê, pois esta será a única maneira de ele desenvolver um contato com o mundo em que terá de viver que não se caracterize por hostilidade e receio.

Winnicott acentua a idéia de que esse processo de tolerância crescente à frustração só pode ocorrer quando houve anteriormente uma quantidade suficiente de ilusão – a ilusão de onipotência. Então nos vemos ante o paradoxo segundo o qual a aceitação da realidade depende essencialmente de uma prévia falta de percepção dessa mesma realidade. Assim sendo, não há por que se espantar com a idéia de que, a partir de Winnicott, os assuntos humanos talvez devam ser entendidos segundo a lógica paradoxal, e não mais segundo a lógica linear.

A saída da onipotência deve ser feita pela via da empatia, recíproca. Essa mesma condição é que vai ser usada no contexto terapêutico para que se crie o espaço potencial.

Penso que com esta referência podemos descrever o sofrimento que alguns pacientes apresentam: o desamparo resultante de uma saída rápida demais do universo da fusão, ou o desamparo resultante de uma permanência demasiadamente longa dentro dele, que, por simetria, causam o mesmo estrago, pois a mãe que não percebe o desamparo do bebê e deixa que o mundo o invada, e a mãe que não percebe o crescimento do bebê e o afoga em seu amparo, roubando-lhe o acesso ao mundo, fazem a mesma coisa: deixam de perceber o bebê.

No processo de terapia temos (pelo menos) duas pessoas envolvidas, que ao brincar percebem-se mutuamente. Winnicott fala:

A psicoterapia tem lugar no encontro de duas áreas do brincar: uma do paciente, outra do terapeuta. A psicoterapia acontece quando duas pessoas brincam juntas. O corolário desta afirmação é que aonde não pode acontecer o brincar, o trabalho do terapeuta será o de trazer o paciente de um estágio onde o brincar não é possível para um estágio onde o brincar torne-se possível (Winnicott, in Abram, p. 228).

Voltando ao início deste tópico e pensando na frase de Winnicott, percebemos que na brincadeira podemos resignificar o que é estar escondido – valorização das competências individuais, autonomia, independência - e o que é ser encontrado (ou não) – fazer parte do coletivo, sentir-se pertencendo, compartilhar experiências humanas - e perceber que é no equilíbrio dessas duas posições que se caminha rumo ao desenvolvimento e à aprendizagem.

Relatarei a seguir o atendimento de uma família, no qual penso que por meio da criação de um espaço onde brincar teve lugar – espaço potencial - foi possível seus membros resgatarem a aprendizagem, por meio da criatividade e da capacidade de resolução de conflitos.

A., um rapaz de 15 anos, vem à terapia, trazido pelos pais, alegando dificuldades na aprendizagem e envolvimento com drogas. Bem vestido e bem arrumado, não lembra nem pela aparência, nem pelas atitudes, um drogadicto.

Seus pais dizem não entender o que se passou com o filho, que sempre fora ótimo estudante e muito responsável em casa. Cursou até a 2a série do Ensino Médio. Ao se aproximar do fim do curso, ele parecia estar desmotivado e sem condições de prosseguir. A escola os chamou para informar que A. apresentava dificuldades de atenção, concentração, organização para tarefas sistematizadas, o que o deixava impossibilitado de acompanhar o ritmo dos colegas. Decidiram então que naquele momento era melhor tirá-lo do colégio. Ele afirma querer ajuda e estar disposto a retomar sua vida.

Família humilde de origem judaica, os pais tiveram de trabalhar muito para conquistar uma estabilidade econômica e poder mandar A. para o colégio. A história da família R. é muito rica e repleta de situações interessantes. Entretanto, para não fugir ao escopo deste trabalho, focalizarei apenas o que eu entendo pela construção de um espaço potencial entre a família e a terapeuta.

De início, peço à família que me contem um pouco de sua história. Eles falam então dos avós, que vieram foragidos na 2a Guerra, e das dificuldades que aqui enfrentaram. Fico sabendo que apenas a avó materna ainda vive e que mora no interior do Estado. Incentivo-os a falarem de suas famílias de origem, de seus hábitos e costumes. Percebo que existem muitas histórias carregadas de emoção e tristeza, que cercam os primeiros anos da família no Brasil. Percebo ainda que alguns assuntos parecem proibidos de serem mencionados. Não é uma proibição explícita, mas o assunto é desviado cada vez que falamos, por exemplo, do avô paterno.

Depois de alguns atendimentos centrados em construções de narrativas, começo a perceber que estamos dando voltas em torno dos mesmos pontos e vou me sentindo como que paralisada pelo sistema. Aprendi, em decorrência de minha experiência, que nestes momentos o uso de outros recursos, que não o puramente verbal, pode ser de grande ajuda. Proponho então o início do que eu mais tarde chamei de Fase de jogos: atendimentos onde começamos a jogar War2

Tanto os pais como A. tinham um bom conhecimento de geografia e sentiam-se animados em me dar aulas e contar os hábitos e os costumes de lugares que eu desconhecia. Nestas ocasiões, eram trazidos também assuntos pessoais e eu podia observar a hierarquia, as coalizões e as lealdades entre os três. Num desses encontros, fiquei sabendo que o avô paterno morrera dois dias antes do nascimento de A. Nesta mesma ocasião, ele falou, pela primeira vez, que se sentia muito pouco à vontade com o pai, toda vez que falavam no avô. A mãe começa a chorar e diz que já era hora de terem esta conversa. O pai, visivelmente contrariado, inicia o relato contando que o avô se suicidara pouco antes de A. nascer.

Com esta revelação, muitos assuntos são trazidos à tona e tenho a oportunidade de perceber o lugar que fora designado a A., cujo nome herdara do avô morto.

É importante lembrar que, neste contexto cultural, dar o nome da criança a um antepassado é uma forma de expressar reconhecimento. Neste caso, trazia igualmente muita mágoa e ressentimento. Não vou me estender aqui sobre o fantasma do suicídio que assombra a família. Só não posso deixar de mencionar a enorme carga que um filho carrega quando deve ocupar o lugar do reparador (pelo suicídio) e do morto.

O avô de A. era, segundo o pai, um homem muito inteligente e bem-sucedido, que havia sido arrancado de seu meio, pela eclosão da guerra. Valorizava muitos os estudos e não se conformara em deixar suas propriedades para fugir. Nunca aceitara a situação e, tendo ficado cada vez mais isolado, acabou pondo fim à própria vida.

Deste avô, A. apenas sabia que fora uma pessoa muito esforçada, mas, conforme afirmou, sua fantasia era que ele morrera louco. Nunca teve coragem de perguntar ao pai, mas disse sentir-se com medo de também acabar assim, pois pensava que essa loucura poderia ser hereditária.

Apesar de todo caminho já percorrido, buscava ainda entender, entre outras coisas, quais os caminhos que levaram A. a fazer uso das drogas e a deixar os estudos. Parecia-me que ele respondia a duas demandas paradoxais da família: ser bem-sucedido e correr o risco de se matar X ser um fracassado e permanecer vivo.

A partir daí, fizemos um trabalho com fotos e foi possível para a família resgatar muitas histórias que estavam enterradas, juntamente com a memória deste avô. Aspectos culturais importantes e suas repercussões para a vida da família foram revistos. Pudemos enfim focar a vida atual de A. e suas possibilidades de reintegração social. O paradoxo pode ser explicitado e finalmente entendido.

Em muitos outros encontros voltamos a jogar. Certa vez o pai de A. mencionou que este espaço da terapia era o único lugar onde ele se sentia a vontade, para não precisar representar nenhum papel: ele podia ser ele mesmo.

Penso que neste momento ele se referia ao espaço que fora criado entre a família e a terapeuta, onde havia confiança, tolerância, continência, possibilidade de crescimento. Penso que ele se referia ao espaço potencial.

Winnicott afirma que o período do tempo em terapia deve ser aquele que permita ao paciente experimentar confiança, e que posteriormente ele precisa ser encorajado à separação e à autonomia. “Como o bebê com sua mãe, o paciente não pode tornar-se autônomo, exceto em conjunto com seu terapeuta, que deve estar pronto para deixá-lo partir...” (Winnicott, in Abram, p. 324).

 

Conclusões

O espaço potencial criado entre o sistema familiar e o terapêutico propiciou um continente seguro para o brincar, para a criação de símbolos e significados que fizessem sentido para o cliente e seu grupo familiar e, ainda, para que legados de sua cultura pudessem ser introduzidos como elementos enriquecedores da compreensão da dinâmica familiar.

Junto com essa mudanças, puderam ser observadas alterações no desempenho escolar de A., que voltou a estudar, encontrando prazer em se aproximar do conhecimento. Ao se libertar de segredos e mandatos familiares pôde superar suas dificuldades na aprendizagem, que no meu entender tinha a função “protetora do sintoma” (Polity, 2001).

Gostaria de finalizar este trabalho lembrando que entendo a função terapêutica como um fator facilitador para que a família encontre seus próprios recursos para a resolução de seus conflitos. E como agente facilitador, ele busca a criação de um espaço onde as potencialidades possam ser realizadas: segundo Winnicott, espaço de brincar, de criar, de despertar para a vida.

O enfoque psicanalítico de orientação winnicottiana não nos impede de pensar a família como um sistema de múltiplas interações. Ao contrário, esse enfoque, no meu entender, dá ênfase ao relacional e à importância do meio no desenvolvimento do ser humano.

Se pensarmos que um membro da família apresenta algum problema por ter determinados pais, podemos pensar que estes pais, por sua vez, estão sendo constituídos pela conduta deste filho. Perguntar onde termina uma ação e onde começa outra é como tentar determinar onde termina a praia e onde começa o mar. Só o que podemos observar, dentro da experiência terapêutica, é que, quando existe espaço para as questões serem recriadas e recontadas, a família é capaz de relocar instrumentos internos e relacionais que permitam aos seus membros lidar melhor com as dificuldades que surgem. Esse espaço permite ainda tratarmos de dificuldades que surgem na área da aprendizagem, ao resignificar o sintoma e sua função para o sistema.

Talvez possamos nos inspirar nas palavras do poeta Carlos Drummond de Andrade para tentar compreender algumas dessas questões familiares:

Vou dobrar-me

À regra nova de viver

Ser outro que não eu até agora

Musicalmente agasalhado

Na voz de minha mãe, que cura doenças,

Escorado

No bronze de meu pai, que afasta os raios

Ou vou ser – talvez isso apenas – apenas eu

Unicamente eu, a revelar-me

Na sozinha aventura em terra estranha?

Agora me retalha

O canivete desta descoberta:

Eu não quero ser eu, prefiro continuar

Objeto de família.

 

Referências

ABRAM, J. (1997). The language of Winnicott. New Jersey, London: Jason Aronso Inc.        [ Links ]

BOGOMOLETZ, D. (1999). Considerações sobre o espaço potencial. Disponível em: <www.dwwinnicott.com.br>.        [ Links ]

POLITY, E. (2001). Dificuldades de aprendizagem e família: construindo novas narrativas. São Paulo: Ed. Vetor.        [ Links ]

SAFRA, G. (2000). A face estética do Self. São Paulo: Ed. São Marcos.        [ Links ]

WINNICOTT, D. (1965). Da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Ed. Imago.        [ Links ]

WINNICOTT, D. (1967). O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Ed. Imago.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Colégio Winnicott
Al. Campinas, 1111
Cerqueira César – São Paulo – SP
CEP 01404-001
e-mail: cwinnicott@hotmail.com

Tramitação
Recebido em setembro/2001
Aceito em dezembro/2001

 

 

1 Associação Paulista de Terapia Familiar
2 War – jogo que consiste em conquistar territórios, por meio de jogadas estratégicas e de formação de alianças.