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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.4 no.1 São Paulo June 2002

 

ARTIGOS

 

A psicologia escolar/educacional na educação infantil: o relato de uma experiência com pais e educadoras

 

The school/education psychology in the children education:a report on an experience with parents and educators

 

 

Josiane da Silva Delvan; Maria Cecília Ramos; Morgana Brocardo Dias

Universidade do Vale do Itajaí

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo tem por objetivo apresentar a experiência de estágio obrigatório em Psicologia escolar/educacional do curso de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí que foi desenvolvido em uma instituição pública de Educação Infantil. O enfoque teórico utilizado abrange uma visão sócio-histórica do desenvolvimento e aprendizagem na infância. Aborda a importância das relações entre a escola, educadoras e os pais e qual o papel destes na educação da criança. Como estratégias para atingir os objetivos propostos foram utilizados murais informativos para as educadoras e encontros de orientação aos pais. Esta intervenção promove uma aproximação escola-pais, proporcionando a participação e a integração dos envolvidos no processo educativo.

Palavras-chave: Educação Infantil; Desenvolvimento; Criança; Pais; Educadoras.


ABSTRACT

This article intends to present the experiences gained in the compulsory training in school and educational Psychology for the Psychology course of the UNIVALI (Vale do Itajaí University) that was undertaken in an official institution for children education. The theoretical focus utilized includes a social-historic view of the development and apprenticeship in childhood. It broaches the importance of the relations among school, educators, and parents, and its role in the children bringing up. The strategies to achieve our goal included information wall charts for the educators and orientation meetings for the parents. This intervention promotes an approximation between school and parents, yielding the participation and integration of the bring-up process involved agents.

Keywords: Children Education, Development; Child; Parents; Educators.


 

 

O estágio em Psicologia escolar/educacional tem como finalidade propiciar ao estudante de Psicologia experiências do mundo do trabalho que possam ser úteis para sua futura prática profissional. Os conhecimentos adquiridos ao longo do período de formação, vinculados com a prática exigida no período do estágio curricular, permitem ao acadêmico um contato direto com as situações que exigem uma postura profissional adequada. Neste contexto, a prática fornece ao futuro psicólogo uma visão mais ampla da sua inserção no mercado de trabalho.

A experiência de estágio que será apresentada foi desenvolvida numa instituição pública de Educação Infantil que atende a uma clientela com faixa etária entre 0 e 5 anos.

Partindo do princípio de que a Educação Infantil deve promover o desenvolvimento integral da criança num ambiente socializador, para o qual os conhecimentos psicológicos vêm a acrescentar e proporcionar novas possibilidades para uma prática educativa diferenciada. Desta forma, a infância deve ser considerada em suas especificidades: sua capacidade de imaginação, fantasia e criação.

A Psicologia escolar/educacional, atuando neste contexto, pode estar trabalhando para que haja transformações no processo ensino-aprendizagem. A partir das relações existentes (educadora-criança, criança-criança), o psicólogo atua como um mediador, pois os conhecimentos da Psicologia auxiliam na resolução de questões pertinentes à Educação. O psicólogo escolar/educacional parte da compreensão do contexto educativo como um microssistema social, em que se produzem e reproduzem diferentes formas e níveis de relacionamento, para que se proponha uma ação psicológica de âmbito preventivo e que se contemple a instituição em sua totalidade.

 

Pressupostos teóricos

Tendo em vista as mudanças sociais e tecnológicas a que o mundo está sujeito, a Educação deve assumir um papel renovador. A Educação deve propiciar a aquisição de saberes e saber-fazer de acordo com as transformações sociais, econômicas, políticas e culturais adaptadas a esta nova situação, alicerçando as competências para o futuro (Delors, 2000). No entanto, é de sua alçada proporcionar que as pessoas não se percam em meio a tantas informações sem que saibam o que fazer. É preciso orient á-las a projetos pessoais e coletivos, nos quais o indivíduo se permite ousar a criar e a enriquecer seus conhecimentos, estabelecendo interações que possibilitem o seu desenvolvimento.

Cabe à Educação criar condições que propiciem ao indivíduo uma aprendizagem cont ínua, em que os conhecimentos acumulados durante os primeiros anos de vida possam ser explorados, confrontados e aprofundados na instituição escolar. No entanto, fazer uma articulação entre os conhecimentos adquiridos formalmente e os acontecimentos vivenciados no cotidiano exige uma compreensão de quatro aprendizagens que são essenciais para a formação de cada um.

Segundo o relatório da UNESCO para o século XXI (Delors, 2000), essas aprendizagens correspondem aos quatro pilares da Educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser.

Aprender a conhecer implica aprender a aprender, ou seja, construir um conhecimento necessário que dará subs ídios a aprendizagens subseqüentes. A partir do momento em que o indivíduo começa a entender o ambiente que o cerca e a cultura à qual pertence, pode apreender o mundo de uma forma mais significativa, desenvolvendo capacidades para que outros conhecimentos sejam construídos. Nesta perspectiva, podemos entender como se processa a construção de conhecimentos desde o início da vida. A educação de 0 aos 6 anos deve propiciar as bases para a continuidade do aprendizado. Para se desenvolver, a criança requer um amparo que lhe forneça instrumentos e referenciais para criar e transformar conceitos pré-elaborados.

O aprender a fazer na Educação refere-se a uma preparação do indivíduo além das habilidades práticas. Leva em consideração a subjetividade humana, suas potencialidades e qualidades, promovendo as relações interpessoais. Desta forma, o objetivo da Educação está em mostrar ao indivíduo as diversas possibilidades de aplicação dos conteúdos aprendidos, sem negligenciar o contexto social que o cerca e a capacidade de compreensão do mundo que lhe é inerente.

Neste sentido, aprender a viver juntos, outro pilar da Educação, significa uma aceitação das diferenças, isto é, compreender o outro e perceber que nessa interação se dá o conhecimento sustentado nas expectativas de cada um e nas trocas de experiências. Por intermédio da cultura e do meio social historicamente construído o homem vai resignificando a sua atividade psicológica, ou seja, vai internalizando os signos externos e apreendendo os comportamentos (Vygotsky, 1989). Para tanto, fica claro a importância do trabalho em grupo para a concretização de objetivos comuns e para a resolução de conflitos.

O aprender a ser refere-se a um preparo para o mundo de uma maneira geral que possibilite o desenvolvimento global do indivíduo. A Educação deve caminhar rumo ao descobrimento das aptidões e interesses da pessoa, levando em consideração suas crenças e valores formados. A partir daí, o indivíduo cria formas adequadas de comunicação com o mundo, posicionando-se na sociedade com autonomia. Piaget refere-se à autonomia como a capacidade que as pessoas possuem para refletir os valores e regras sociais como relativos, sendo que as interações entre as pessoas são estabelecidas no respeito e cooperação. A moral autônoma analisa a possibilidade de modificar as leis, mesmo sabendo que as regras devem ser seguidas para preservação da ordem social (La Taille, 1992).

A Educação formal não deve apoiar-se apenas no conhecimento codificado e repassado dentro das salas de aula. Deve promovê-lo de forma ampla, buscando questões pertinentes à atualidade e ao contexto do indivíduo. Conforme Gadotti (1999), a educação deve assumir um papel transformador na sociedade e preparar o indivíduo para a vida social, integrando os conhecimentos educacionais com a realidade vigente. Porém, isso só pode acontecer na prática educativa havendo uma integração dos quatro pilares da educação, propostos pela Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI (Delors, 2000).

Compreender a Educação desta maneira implica adotar novas posturas no espaço da creche e da pré-escola, com nova conotação centralizada nas questões desenvolvimentais dos aspectos físicos, intelectuais, emocionais e sociais. Mas nem sempre foi assim, para tanto, é necessário nos remeter à história da Educação Infantil para compreender seu percurso até o momento atual.

 

Uma pequena explanação sobre a história da Educação Infantil no Brasil

A educação das crianças desde a Antiguidade tem sido uma preocupação da civilização. No entanto, a partir da Idade Moderna, com a crescente industrialização, é que a função de educação e cuidados das crianças deixa de ser preocupação exclusivamente da família, passando a fazer parte dos interesses da Igreja, a qual objetivava ensinar às crianças noções de aritmética, noções morais, religião, leitura e escrita.

Com a revolução industrial, uma nova posição da mulher perante a sociedade obrigou-a a deixar o trabalho doméstico a serviço de um trabalho remunerado. Conforme Drouet (1997), aumentando o número de fábricas, as mulheres tiveram de optar pelo trabalho, enquanto que seus filhos, para não ficarem nas ruas, eram deixados em lugares que tinham a finalidade assistencial de cuidar deles. Em fins do século XVIII, na Europa, as crianças eram atendidas nos chamados “refúgios”, casas de mulheres que não trabalhavam e que se ocupavam com as atividades de alimentar e cuidar dos filhos de mães que trabalhavam nas fábricas.

Mais tarde, na França, criaram-se instituições que passaram a se chamar “creches”, mantendo, porém, a mesma finalidade assistencial. A necessidade de serem criadas mais creches aumentou com a Primeira Guerra Mundial, pois os homens eram chamados para a batalha e a mulher teve de ocupar o lugar destes no mercado de trabalho para poder sustentar os filhos (Drouet, 1997).

As transformações sociais, políticas e econômicas que surgem no mundo moderno fazem com que a educação de crianças pequenas tome um novo impulso. Com a necessidade de se criarem mais instituições educacionais para atender as crianças, muitos estudiosos se preocuparam em estudar o desenvolvimento infantil, descrevendo o comportamento das crianças de acordo com cada faixa et ária para que as pessoas que as atendiam pudessem classificá-las de acordo com escalas.

Outros teóricos também trouxeram contribuições significativas para novas formas de perceber o desenvolvimento infantil. Alguns precursores das creches e jardins de infância podem ser citados: Comenius, preconizando a criação de escolas maternais; Rousseau, passando a pensar a criança como um ser com idéias próprias; Froebel, criador dos jardins-deinfância e influenciado por Pestalozzi; Montessori, criando um método próprio e adaptado ao desenvolvimento da criança; Piaget, com estudos importantes sobre o desenvolvimento dos processos cognitivos da criança; e Freinet, grande educador do século XX, objetivando um método no qual a criança deve aprender fazendo, entre outros (Drouet, 1997).

No Brasil, grande parte das instituições de atendimento à criança pequena tinham como finalidade única resolver questões pertinentes à sobrevivência, já que sua clientela era proveniente de uma classe menos favorecida socioeconomicamente.

Essa finalidade das instituições de Educação Infantil, o assistencialismo, manteve-se por muito tempo, o que de uma forma ou de outra segrega as classes sociais, estigmatizandoas e rotulando-as (Kuhlmann, 1998). A modificação desse sistema assistencial envolve rever o papel do Estado perante estas instituições, as concepções de desenvolvimento e educação infantil e as inter-relações entre a sociedade, a comunidade, a creche e a família.

Atualmente, a Educação de crianças com idade entre 0 e 6 anos tem uma finalidade educativa e de formação social, implicando a valorização de conhecimentos próprios da criança para a apropriação de novos conteúdos. Assim, a função principal da Educação Infantil passa a ser a preparação para o ensino fundamental e a promoção do desenvolvimento integral das crianças, propiciando novas experiências e aquisição de conhecimentos sistematizados pela escola.

Para tanto, a prática educativa na instituição de Educação Infantil deve promover condições que possibilitem à criança criar, conhecer e descobrir novos valores, crenças e costumes e, dessa forma, favorecer que assumam papéis sociais na interação com as outras pessoas.

Conforme o artigo 30 da LDB 9394/96, a Educação Infantil deve ser oferecida em: creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até 3 anos de idade; e pré-escolas, para as crianças de 4 a 6 anos de idade. Regulamentando a creche como uma instituição para crianças de 0 a 3 anos, e pré-escola, pública ou particular, para crianças de 4 a 6, tal lei rompe com a visão antiga, na qual a creche era concebida como uma instituição que visava atender somente crianças de famílias de baixa renda.

De acordo com a Constituição Federal de 1988, a educação da criança de 0 a 6 anos passa a ter um caráter de formação social, em que o atendimento é necessariamente ao cidadãocriança. Esta passa a ter direitos à educação, saúde e assistência, levando em consideração suas características desenvolvimentais (Proposta Curricular de Santa Catarina, 1998).

A educação voltada à criança como parte de um processo histórico e social aponta para práticas diferenciadas de atuação, em que as questões como família, gênero e cultura têm papel preponderante na sua maneira de aprender e ver o mundo. Esta maneira peculiar de entender a criança deve ser prioridade nas instituições da Educação Infantil.

Cabe, portanto, às instituições que trabalham com as crianças menores de sete anos de idade um redimensionamento de suas funções visando à superação tanto de assistência-científica, quanto de seu caráter compensatório e de preparação para o ensino formal [...] (Proposta Curricular de Santa Catarina, 1998, p. 21).

Dessa forma, estas instituições devem trabalhar de maneira a promover o desenvolvimento das crianças na sua totalidade, formando cidadãos capazes de interagir socialmente.

 

A finalidade da Educação Infantil

A Educação Infantil no momento atual deve assumir as especificidades da criança, atentando para as responsabilidades da sociedade, bem como para o papel do Estado no atendimento às crianças de 0 a 6 anos.

É preciso destacar a Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a proposta de Política da Educação Infantil elaborada pela COEDI/MEC e, por último, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei número 9394), de 20 de dezembro de 1996, como os fundamentos legais que explicitam que a Educação Infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seu aspecto f ísico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (Proposta Curricular de Santa Catarina, 1998, p. 22).

Considerando estes aspectos, as instituições de Educação Infantil passam a ser entendidas como o lugar que deve permitir a aquisição e a ampliação de conhecimentos. Por meio de um redimensionamento da prática pedagógica, visando entender as peculiaridades do mundo infantil, a prática em Educação Infantil toma nova posição e direcionamento.

Para tanto, a compreensão das práticas desenvolvidas nas instituições de Educação Infantil requer que os princípios norteadores sejam apropriados pelos educadores, no sentido de: promover o desenvolvimento físico, emocional, intelectual e social da criança [...] a apropriação do conhecimento científico e dos bens culturais produzidos pela humanidade, através do currículo trabalhado de forma interdisciplinar, desvelar as desigualdades sociais, trabalhando com as crianças os conflitos existentes, na busca de transformações alicerçadas em um novo relacionamento ético, político e afetivo (Proposta Curricular de Santa Catarina, 1998, p. 22).

Nesta perspectiva, entende-se que um novo posicionamento da Educação deve levar o sujeito a uma construção ativa de seu conhecimento. As influências do meio social são aspectos fundamentais no processo de ensino, pois, por intermédio da cultura que permeia a vida do indivíduo e do conhecimento elaborado formalmente, há a apropriação de novos conhecimentos. Estes conhecimentos, porém, devem ser transmitidos de forma ética e coerente por parte dos professores. Perante este posicionamento, a educação precisa levar em conta os aspectos culturais, sociais e emocionais dos sujeitos, promovendo a aquisição do conhecimento. Ainda, ao professor cabe o papel de facilitador, dando importância às experiências do cotidiano de cada criança. Neste sentido, o professor vai mediar a aprendizagem, deixando fluir espontaneamente a capacidade de cada criança, visto que uma é diferente da outra, variando o ritmo de aprendizagem.

Para Rosseti-Ferreira (1998), compreender a criança na sua individualidade como um ser que possui uma história e que está inserido num contexto cultural remete o trabalho pedagógico a uma organização e ampliação das experiências pessoais, no sentido de garantir a apropriação e a reformulação de conhecimentos, e a exploração das relações interpessoais.

No contexto da Educação Infantil, porém, há uma diversidade de práticas. Conforme o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998), algumas práticas privilegiam os cuidados físicos, compreendendo a criança como um ser passivo e dependente, não respeitando a sua individualidade. Tais práticas impossibilitam a autonomia e a capacidade da criança de conhecer a si própria e o meio que a cerca. Outras concepções permitem que a criança explore o ambiente à medida que vai interagindo com as outras pessoas e se apropriando de novas experiências por meio das brincadeiras.

Há também as que se preocupam com o desenvolvimento emocional, direcionando o atendimento dos profissionais como substitutos maternos, principalmente nas creches. Uma tendência também é a prática de uma pedagogia que privilegia as interações pessoais entre adultos e crianças. O que se faz presente também em algumas práticas é o desenvolvimento cognitivo, onde são priorizadas as capacidades de raciocínio, memória e elaboração de conceitos.

De uma maneira geral, as bases para o trabalho pedagógico na Educação Infantil situam-se nas tarefas de cuidar, brincar e educar. Tendo em vista a abordagem sócio- histórica, cabe entender como as instituições de ensino infantil devem se utilizar desses conceitos na sua prática educativa.

As propostas na Educação Infantil tendem a integrar as funções de educar e cuidar, levando em consideração as brincadeiras e associando padrões de qualidade que consideram as crianças em seus contextos sociais, culturais e emocionais. A prática educativa deve dispor de cuidados pelos quais as crianças vão aprendendo a construir os conhecimentos por meio das situações de interação. Neste sentido, a instituição de ensino infantil deve funcionar como um ambiente socializador que propicie o desenvolvimento individual da criança nas interações entre seus pares e com o adulto.

De acordo com o Referencial Curricular Nacional (1998), cabe à instituição de Educação Infantil oferecer às crianças condições para aprendizagens que decorrem de brincadeiras e de situações pedagógicas intencionais e orientadas por adultos. A ação educativa deve proporcionar à criança o desenvolvimento das capacidades de se relacionar, de reconhecer seu corpo, de interagir com os estímulos e de estruturar novas aprendizagens.

A partir das brincadeiras, as crianças podem desenvolver capacidades como a atenção, a imitação, a memória, a imaginação, além dos aspectos de socialização que podem estar sendo desenvolvidos na interação com outras crianças. Brincando, as crianças experimentam também a utilização de regras e papéis sociais. O jogo do faz-de-conta é uma atividade fundamental para o desenvolvimento psicológico da criança, ela começa a estabelecer a diferença entre o real e o imaginário, cria situações nas quais desempenha o papel daquilo que deseja ser ou fazer, transformando livremente qualquer objeto (Rocha, 1997).

O jogo do faz-de-conta possibilita à criança a imitação. Por volta de um ano de idade, a criança começa a reproduzir e encenar as vivências com os adultos e outras crianças. Esta maneira de se expressar faz com que as crianças compreendam as ações, tanto afetiva como cognitivamente, internalizando-as como se fossem suas. A capacidade de imitar se torna mais complexa com o desenvolvimento da linguagem, assim a criança é capaz de conduzir uma brincadeira, expressando-a para as outras crianças. É justamente essa capacidade simbólica que é construída nos diálogos que a criança estabelece desde o início da vida.

No faz-de-conta a criança aprende a dominar regras, trabalhar suas emoções, seus medos [...] e é por isso que o faz-de-conta se constitui um dos mais importantes referenc iais do trabalho psicopedagógico. É através dele que avaliamos o desenvolvimento das crianças [...] (Rosseti-Ferreira, 1998, p. 96).

Atualmente, há uma diferenciação no papel das instituições de Educação Infantil, apontando para uma integração da educação junto aos cuidados infantis. Esta nova concepção em Educação Infantil requer um padrão de qualidade que leve em consideração atividades que propiciem a autonomia, unindo as tarefas pedagógicas ao brincar, de modo a promover aprendizagens.

Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros [...] (Referencial Curricular Nacional, 1998, p. 23).

Desta forma, a educação da criança pequena deve promover a integração entre os aspectos físicos, emocionais, cognitivos, afetivos e sociais. Tendo em vista esses aspectos, a instituição de Educação Infantil contribui para o processo de socialização, além de propiciar o contato com adultos e crianças provenientes de contextos sócio-culturais diferentes.

 

A atuação do psicólogo escolar/educacional no contexto da Educação Infantil

Existem muitos questionamentos acerca do papel do psicólogo na instituição educacional. Algumas práticas do passado perduram ainda hoje e, em busca de uma identidade profissional, muitas atuações do psicólogo no espaço escolar ficaram restritas a uma aplicação dos conhecimentos psicológicos na educação (uma psicologia da aprendizagem aplicada à educação, uma psicologia do desenvolvimento aplicada à educação...). Entretanto, sabe-se que há uma nova posição perante a atuação do psicólogo na Educação, que se difere da anterior, e que, por conseguinte, pode trazer muitas mudanças no espaço escolar, constituindo-se também em práxis do psicólogo escolar/educacional.

Uma posição diferenciada deste profissional implica um “olhar” para além do âmbito educativo, ou seja, perceber as questões históricas, econômicas, políticas e sociais que engendram a instituição educativa. Partindo da compreensão de que o homem é social e historicamente constituído (Zanella, 1997), a intervenção do psicólogo deve estar centrada para as situações educativas, considerando o indivíduo em todos os aspectos (físicos, afetivos, sociais, cognitivos).

Perante este posicionamento, o profissional da Psicologia não atua somente diante das dificuldades que surgem, mas também na prevenção de que tais dificuldades possam emergir do contexto escolar (Delpizzo, 1999). O psicólogo na instituição educativa pode trabalhar diversos aspectos que fazem parte do contexto educacional. Sua intervenção pode se dar na contribuição de conhecimentos para a formação dos profissionais que atuam neste nível de ensino; auxiliar a formação de uma proposta pedagógica que promova o desenvolvimento infantil por meio de um ambiente escolar adequado; analisar e formular uma rotina de atividades considerando as interações criança-criança e criança-adulto, entre outros. Isto mostra o profissional da Psicologia como membro da equipe da Educação disponibilizando os conhecimentos psicológicos para serem utilizados no espaço educativo. Deste modo, procurando conhecer a realidade em suas múltiplas determinações, o psicólogo pode atuar perante inúmeras questões que, por um lado, trazem contribuições para a Educação (a Psicologia a servi ço da Educação possibilitando um redimensionamento das práticas vigentes), e, por outro, trazem colaborações para o fortalecimento da própria atuação, enquanto profissional da Psicologia escolar/educacional.

Nesta perspectiva, “[...] a demanda pelos servi ços psicológicos vem aumentando [...]” (Guzzo, 1993, p. 44), e como um profissional que pode contribuir para a prática educativa.

É importante enfatizar ainda que, no trabalho do psicólogo em busca de uma nova atuação que vise o estabelecimento de estratégias de ações coletivas (psicólogo e equipe), a Psicologia escolar/educacional pode contribuir significativamente no espaço educacional. O compartilhamento de saberes só vem a melhorar e ampliar os conhecimentos, tanto para a Psicologia, como para a Educação. Contudo, na

[...] produção coletiva de uma nova práxis educativa, o Psicólogo pode contribuir em muito com a análise e redimensionamento das relações sociais que se estabelecem no contexto educacional [...]” (Zanella, 1997, p. 226).

 

A experiência do estágio

O relato que segue objetiva apresentar uma intervenção da Psicologia escolar/educacional na prática educativa dos profissionais da Educação Infantil. Com o intuito de atender a demanda que se apresentou e que se refere à forma de lidar e educar as crianças no contexto institucional e familiar, buscou-se o estabelecimento de estratégias que proporcionassem uma maior implicação dos envolvidos no processo ensino-aprendizagem. A partir des ta premissa, disponibilizou-se às educadoras e aos pais um conhecimento mais específico sobre assuntos referentes ao desenvolvimento e aprendizagem na infância.

O trabalho ficou compreendido no período entre os meses de maio e novembro de 2001, envolvendo duas atividades, uma direcionada às educadoras e funcionárias da instiuição e outra aos pais.

A fim de proporcionar às educadoras um conhecimento mais aprofundado sobre conteúdos da Psicologia do Desenvolvimento para atender suas necessidades, foi elaborado um mural informativo cujo tema era modificado a cada quinze dias.

A Psicologia no âmbito escolar/educacional possui, entre outros, o papel de transmitir ao professor princípios do comportamento humano, principalmente no que se refere ao desenvolvimento e aprendizagem. Neste contexto, o educador pode apropriar-se e tranformar esses conhecimentos em métodos adequados às situações educativas.

Para tanto, o psicólogo necessita se utilizar da linguagem como uma forma de comunicação. Por intermédio da linguagem, nas suas formas mais variadas (escrita, atitudes, verbal...), o psicólogo pode ir de encontro às necessidades que se apresentam no contexto educativo. Para Siqueira e Nuernberg (1998, p. 123), “a linguagem exerce o papel de instrumento [...], permitindo o registro e a transmissão da produção cultural [...]”.

Neste sentido, fez-se necessária a realização de um trabalho voltado a atender a demanda apresentada pela instituição, cuja contribuição do conhecimento psicológico viabilizou-se por meio das formas de linguagem, garantindo uma comunicação entre o grupo.

A avaliação deu-se pelo contato direto com as educadoras, por meio de coleta de informações verbais. Percebeu-se que houve um maior engajamento das educadoras no trabalho com as crianças. À medida que o interesse delas em conhecer e aprofundar os temas aumentou, trouxe uma melhora para a qualidade da práxis educativa.

Paralelamente a esta atividade, foi desenvolvido um trabalho de orientação aos pais das crianças que freqüentam a creche e a pré-escola, com o objetivo de promover espaços para uma reflexão sobre aspectos do desenvolvimento infantil, organizados em forma de reuniões mensais.

A relação escola-família é um fator de grande importância para o contexto da Educação Infantil. Primeiramente, o papel de educar estava associado inteiramente à escola, hoje, porém, faz-se necessário rever esta posição no sentido de estabelecer um vínculo entre os pais e a escola.

A família, em decorrência dos avanços sociais, econômicos e tecnológicos, tem mudado seus papéis [...], mães e pais têm cada vez mais negociado entre si as tarefas domésticas e responsabilidades no geral. A escola tem também avançado para oferecer aos alunos uma educação pertinente à nossa época. A aproximação das duas instituições é também uma tentativa de rever esses papéis tradicionais e, acima de tudo, visando melhorar a condição de vida e educação de nossas crianças (Bhering e Siraj-Blatchford, 1999, p. 192).

Através do envolvimento da família no âmbito educativo, descentralizando a atuação tradicional do dever de educar vinculado à escola, cria-se um ambiente favorável para o desenvolvimento integral da criança. A participação dos pais no processo educativo implica mudanças positivas, tanto para as instituições escola e família, como para a criança. Sabe-se, contudo, que no caso de famílias de classes sociais menos favorecidas há uma falta de interesse na participação dos pais nas reuniões escolares e nas atividades feitas em casa (Carvalho, 2000).

Isto não se dá por acaso, principalmente com famílias menos favorecidas economicamente. Durante muito tempo, a sociedade considerou como o único saber aquele aprendido na escola. Quando a criança ingressava na educação formal, os conceitos aprendidos na família eram desprezados para que novos fossem estabelecidos nos parâmetros estabelecidos pela escola. Com esta prática, a família passou a considerar-se incapaz de educar a criança, depositando na escola todo o poder e responsabilidade para faz ê-lo.

A partir deste pressuposto, pretende-se o estabelecimento de estratégias que façam com que haja uma implicação maior dos pais com a escola. É nesta perspectiva que a contribuição da Psicologia no espaço escolar vem auxiliar nas mudanças de situações educativas. A participação do psicólogo escolar/educacional está em mediar essa relação, ou seja, este profissional pode trazer questões que favoreçam o contato entre a família e o ambiente educativo, de extrema importância para que a criança se desenvolva plenamente.

Trabalhar assuntos pertinentes à aprendizagem, à relação professor-aluno, ao desenvolvimento infantil, à importância da família para a criança e para a instituição educativa e à rotina institucional é importante para que os pais compreendam qual é o seu papel na educação de seus filhos e qual o papel da Educação Infantil. Desta forma, garante-se também que os medos e desconfianças que os pais sentem muitas vezes em relação à instituição sejam superados.

Após cada encontro, foram aplicados questionários com os pais, nos quais estes expressavam as suas opiniões e sugestões para as próximas reuniões. De uma forma geral, despertou-se nos pais um maior interesse em conhecer a realidade da instituição de Educação Infantil e em saber o que acontece com seus filhos quando ali estão.

Apesar da dificuldade em trazer os pais até a creche e pré-escola, já que muitos por trabalharem, não dispunham de tempo, houve uma maior integração destes com a instituição e com isto maiores possibilidades de conhecer como a educação se processa no ambiente escolar e nos diversos âmbitos em que a criança está inserida.

 

Conclusões

O panorama atual da Educação Infantil visa uma modificação no sistema assistencial. Um entendimento global da criança aponta para todas as relações do âmbito educacional e em particular para a relação entre pais e escola. A aproximação destas duas instituições visa melhorar as condições da Educação Infantil, bem como favorecer questionamentos acerca das atribuições que cada uma tem na constituição da criança

Portanto, como participantes deste processo, colaborando por meio do conhecimento psicológico, buscamos de certa forma promover o contato entre a família e a escola, buscando- se o estabelecimento de estratégias que proporcionaram uma implicação maior dos pais com a instituição de educação infantil.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI
Curso de Psicologia
Rua Uruguai, 458 – Bloco 25b – sala 202
CEP 88302-202 – Itajaí – Santa Catarina
e-mail: delvan@ccs.univali.br

Tramitação
Recebido em março/2002
Aceito em maio/2002