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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.4 no.2 São Paulo  2002

 

ARTIGO

 

Os pais das crianças com deficiência: reflexões acerca da orientação em reabilitação motora

 

Parents of disabled children: thoughts on motor rehabilitation orientation

 

 

Gislaine Bacarin Lopes; Lucila Suemi Kato; Patricia Ribeiro Campos Corrêa

Faculdade de Psicologia Universidade de São Francisco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo discute a família e como os pais reagem à orientação motora para seus filhos deficientes. Argumenta que as famílias são aliados importantes ao lidar com crianças deficientes e que seu auxílio é imprescindível para a implementação de terapias multiprofissionais.

Palavras-chave: Deficiência; Família; Orientação motora.


ABSTRACT

This paper discusses the family and how parents react to motor guidance to their physical disabled children. It argues that families are important partners when leading to disabled children and that their help is vital to the implementation pf multiple therapies.

Keywords: Disability; Family; Motor guidance.


 

 

Introdução

A criança com deficiência, para suprir ou amenizar seus déficits, é submetida a tratamento reabilitador conduzido por uma equipe composta por vários profissionais; dentre eles, destacam-se fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, psicólogos e pedagogos.

Esses profissionais, na condução terapêutica do tratamento reabilitador da criança, necessitam manter vínculos com os pais, para que, dentro de suas áreas de atuação, possam orientá-los.

Neste artigo, será abordada a importância da compreensão, por parte do terapeuta, das condições emocionais dos pais da criança com deficiência, para que seja um mediador mais habilitado a orientar o casal durante o processo de reabilitação de seu filho.

Segundo Assumpção (1993), por ocasião da chegada de uma criança com problemas na família, esta já terá sentido o impacto de um acontecimento estranho e misterioso: um de seus membros é deficiente. Continuando, afirma que, sendo a família um sistema, qualquer mudança em um de seus integrantes afeta todos os outros. A família de uma criança com deficiência tem seus problemas intensificados pelos muitos pré-requi-sitos, necessidades e atitudes que lhe são impostos devido à deficiência.

Desde muito cedo, a criança com deficiência e sua família entram em contato com diversos profissionais ligados à saúde e à educação, que, por sua vez, de acordo com o tipo de deficiência, oferecem orientações quanto aos cuidados necessários. Dentre eles, destacam-se como oferecer estímulos adequados, como higienizá-la, alimentá-la, carregála e, acima de tudo, como realizar as adaptações que irão facilitar o dia-a-dia dessa família.

A educação e o suporte familiar são os aspectos mais benéficos quando se educa uma criança incapacitada. Contudo, isso nem sempre tem sido feito de maneira adequada (Umphred, 1994). Provavelmente, isso aconteça em decorrência de alguns fatores. Na formação acadêmica de profissionais da equipe de reabilitação, muitas vezes não há a preocupação de capacitá-los em educação e suporte familiar.

 

Reabilitação motora: orientação como parte essencial do tratamento

Em reabilitação motora, lida-se com questões pertinentes às dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência, bem como o que essas dificuldades provocam em suas relações com os outros.

Orientações de manuseio, postura e posicionamentos, além das muitas formas de brincar e de adaptação das atividades do quotidiano dessas crianças, são utilizadas como técnicas e estratégias fundamentais para o tratamento fisioterapêutico.

As diversas formas de orientação em reabilitação motora envolvem conceitos e teorias ligados a métodos de tratamento, que são utilizados com crianças com distúrbios motores.

Segundo Sheperd (1996), a aquisição do controle motor e das habilidades motoras é conseqüente à modificação progressiva do sistema nervoso, que se caracteriza pelas alterações que se processam nas ligações sinápticas, e essas conexões estão na dependência do uso e da manipulação. Portanto, não se pode esperar que a criança adquira certas habilidades antes do respectivo desenvolvimento neural, porém a prática e a oportunidade para as interações eficazes com o meio ambiente parecem exercer influência decisiva sobre o desenvolvimento neuromuscular.

Pode-se, então, refletir sobre a importância da orientação aos pais que, por sua vez, devem inserir-se no cotidiano da criança com deficiência utilizando estímulos e intervenções que visem a adequar o tônus, corrigir e controlar as posturas e movimentos que estejam alterados e desordenados, em conseqüência da patologia que esteja prejudicando o desenvolvimento das aquisições motoras de seu filho.

De acordo com Bobath (2001), qualquer que seja o tratamento ao qual a criança esteja submetida, não será efetivo se essa experiência não for transferida para as atividades de seu cotidiano. As orientações devem ajudar os pais a entender o porquê de a criança não conseguir realizar certos movimentos e por que outros movimentos são feitos com anormalidades e muito esforço. Entendendo que as posturas e movimentos anormais de seus filhos fazem parte de uma condição que pode ser modificada e melhorada, os pais sentem-se motivados a ter uma participação ativa no processo de reabilitação.

Lorenzini (1999) enfatiza que as crianças com deficiência reagem a menos estímulos do ambiente, e as suas respostas a esses estímulos são demoradas ou ausentes, portanto necessitam de trabalho contínuo para que possam tirar proveito de suas experiências. A autora relata ainda que, para que a criança desenvolva suas capacidades, ela deve ser assistida de forma que os estímulos cheguem até ela e seus movimentos receptivos venham ao encontro de suas necessidades e interesses.

Assim, a autora acima citada propõe que a orientação seja conduzida de maneira simples e voltada para atividades e brincadeiras integradas na rotina da família, de uma maneira divertida e focada no potencial da criança.

Finnie (2000) sugere diversas formas de brincar com as crianças com paralisia cerebral, orientando os pais sobre as maneiras mais adequadas de carregar, higienizar e alimentar seus filhos, propondo utensílios e adaptação que em muito facilitarão o cotidiano de pais de crianças com deficiência.

Uma vez que a criança faz parte de uma unidade familiar, o profissional deve programar o tratamento, visando a beneficiar tanto a criança como sua família. Assim, o que provocar uma melhora na criança refletirá na sua família, e o que se conseguir em relação à conscientização da família refletirá na criança.

A eficácia da orientação está relacionada concomitantemente à orientação técnica com a capacidade de reconhecer as condições emocionais de quem a ouve (pais).

Para Vygotsky (apud Braga, 1995), é por meio da interação do ser humano com outras pessoas e com seu meio social que ocorre a formação do comportamento e do pensamento. Ainda segundo esse pedagogo construtivista, todo processo de tomada de consciência do sujeito, através dos processos sociais, é permeado pelo processo de mediação, visto que a mediação é a própria relação carregada de significados e sentidos.

E, como o que está em discussão é o papel da orientação na reabilitação motora, tornase evidente a importância do terapeuta como mediador desse processo.

Já Piaget (1975) afirma que a vida afetiva vai se desenvolver em paralelo com as aquisições intelectuais, e os afetos são expressos por atividades, as quais resultarão na elaboração do universo de emoções que se projetarão, por sua vez, sobre outras atividades. Desse modo desenvolve-se o processo de interação entre pais e filho. Tal desenvolvimento somente será benéfico para ambas as partes, à medida que os processos emocionais e afetivos dos pais forem compreendidos, analisados e orientados pelo terapeuta.

A relação entre o terapeuta e os pais torna-se uma adaptação primordial à situação da deficiência, de maneira que os pais possam visualizar nessa relação uma base de apoio, sem tornar a criança com deficiência dependente ou incapaz de enfrentar situações sociais cotidianas.

 

Estágios emocionais do desenvolvimento familiar em relação à deficiência

“Ninguém quer ter um filho deficiente.” Bavin (2000, p. 19) inicia seu capítulo dessa forma. Tal constatação pode ser explicável, se pensarmos um pouco nos pais que têm filhos com algum tipo de deficiência.

Na sociedade competitiva em que vivemos é natural, durante o período gestacional, que os pais anseiem por um bebê saudável, normal e que cresça como qualquer outra criança. Conforme Kennell (1993, p. 245) “o bebê é a culminação dos melhores esforços de seus pais e concretiza suas esperanças para o futuro”. Quando esses mesmos pais se deparam com a realidade do filho desejado ter uma(s) deficiência(s), muitos sentimentos podem aflorar. As respostas a essa realidade, tanto sociais como familiares, podem ser desde a proteção excessiva até a rejeição.

O período de sensibilidade se encontra nos primeiros minutos e horas após o nascimento. Durante esse tempo, os pais devem estar em íntimo contato com a criança para estabelecer fortemente a ligação que irá mais tarde tornar-se mais profunda, seja olhando para o bebê, tocando-o ou carregando-o.

Klaus e Kennell (1992) referem que os pais geralmente parecem experimentar cinco estágios emocionais: choque, negação, tristeza e cólera, equilíbrio e reorganização. Esses autores acreditam que educação e suporte familiar são os aspectos mais benéficos quando se tem uma criança com deficiência. E a reação familiar nesse momento delicado será de fundamental importância para o bem-estar futuro, tanto do bebê como de toda a família.

Após o choque inicial, a família precisa ponderar sobre sua tarefa de fazer o melhor pelo filho com deficiência. Os pais têm papéis a serem desempenhados no processo da reabilitação, se ambos se sentem responsáveis pelo tratamento e acompanhamento da criança com especialistas.

Atitudes como aceitação incondicional do filho com deficiência, amor equilibrado, demonstrações de afeto muito auxiliarão na reabilitação física, uma vez que é na família que as primeiras e mais importantes relações interpessoais são vivenciadas pela criança; bem como a busca de uma vida familiar normal, sem sacrificar os membros da família emprol do bem-estar da criança com deficiência.

Por outro lado, muito dos conceitos errôneos e preconceitos acerca da deficiência advém da própria atitude familiar. Pais cônscios da realidade atuam como agentes multiplicadores da real compreensão sobre as necessidades da criança com deficiência.

Mas, enfim, o que os pais precisam fazer para auxiliarem o filho no processo da reabilitação física? Em primeiro lugar, esforço. A aceitação passiva de um prognóstico vago está longe de ser uma atitude ideal. A família deve procurar observar realisticamente o estado de evolução da criança e procurar mecanismos que ajudem o filho a desenvolver ao máximo suas capacidades. Perseverança e paciência são ingredientes essenciais na superação das dificuldades.

Em segundo lugar, a disciplina. As crianças com deficiência física podem e devem desenvolver comportamento socialmente aceito. Quando isso ocorre na prática, facilita o processo da reabilitação física. Em casa, com a família, a criança aprende a ficar quieta, a deixar as coisas no seu devido lugar, e, assim, na sessão de reabilitação estará menos agitada e mais atenta às orientações dos terapeutas.

A princípio, o comportamento dos pais em relação a seu filho com deficiência, para minimizarem o próprio sentimento de culpa, faz com que os limites impostos à criança não fiquem claros, dificultando, assim, o estabelecimento de regras e disciplinas, ocasionando comportamentos sociais indesejáveis, por parte da criança.

Como relatado por Umphred (1994), o ajuste psicológico familiar e terapêutico é um processo fluido, pois todas as pessoas estão constantemente em processo de mudança. Os componentes do ajustamento psicológico bem-sucedido à incapacidade física variam. Para trazer um paciente ao nível de função que seja da melhor qualidade de vida possível, os terapeutas precisam olhar, holisticamente, para os aspectos psicossociais e para os processos de ajustamento envolvidos, avaliar cada componente e integrar os processos no meio terapêutico para promover o crescimento em todas as áreas.

 

Conclusões

Um bom entendimento das condições emocionais dos pais e, conseqüentemente, do vínculo destes com o seu filho com deficiência, torna o terapeuta um mediador mais habilitado a orientar.

Segundo Umphred (1994) para que o trabalho da reabilitação conduza as pessoas com deficiência para uma melhor qualidade de vida, os terapeutas precisam levar em consideração os aspectos psicossociais e os processos de ajustamentos envolvidos.

Os profissionais da reabilitação têm de ser conscientizados e instigados para que pensem em seus pacientes como um todo, e não apenas como um ser humano cuja característica única a ser observada seja o déficit a ser tratado.

Um olhar mais atento à pessoa com deficiência, inserida num contexto familiar e social, promove uma maior conscientização de que terapeutas e pacientes caminham juntos no processo de reabilitação.

 

Referências

ASSUMPÇÃO JÚNIOR, F. B. & SPROVIERI, M. H. (1993). Deficiência mental, família e sexualidade. São Paulo: Memnon.        [ Links ]

BAVIN, J. (2000). Os problemas dos pais. In: N. R. Finnie (Ed.), O manuseio em casa da criança com paralisia cerebral. São Paulo: Manole, p. 19.        [ Links ]

BOBATH, K. (2001). Base neurofisiológica para o tratamento da paralisia cerebral. São Paulo: Manole.        [ Links ]

BRAGA, L. W. (1995). Cognição e paralisia cerebral: Piaget e Vygotsky em questão. In: Paralisia cerebral. Salvador: Sarah Letras.        [ Links ]

FINNIE, N. R. (2000). O manuseio em casa da criança com paralisia cerebral. 3. ed. Trad. Maria da Graça Figueiró da Silva. São Paulo: Manole.        [ Links ]

GARDNER, M. (2000). Orientação psicológica. In: N. R. Finnie (Ed.). O manuseio em casa da criança com paralisia cerebral. São Paulo: Manole.        [ Links ]

KENNELL, J. H. & MARSHALL, H. K. (1992). Pais/bebê: a formação do apego. Porto Alegre: Artes Médicas, p. 245.        [ Links ]

LORENZINI, M. V. (1999). Brincando no ambiente natural: uma contribuição para o desenvolvimento sensório-motor da criança portadora de paralisia cerebral. Campinas: Universidade Estadual de Campinas (Tese de Doutorado).        [ Links ]

PIAGET, J. (1975). O nascimento da inteligência na criança. 2. ed. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar.        [ Links ]

SHEPERD, R. (1996). Fisioterapia em pediatria. São Paulo: Editora Santos.        [ Links ]

UMPHRED, D. A. (1994). Fisioterapia neurológica. Trad. Lilia Bretenitz Ribeiro. São Paulo: Manole.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência

Universidade São Francisco (UFS) – Campus Italiba
Faculdade de Psicologia
R. Alexandre Rodrigues Barbosa Italiba, 45
Itatiba – SP
CEP 13231-900
E-mail:rdsc@zaz.com.br

Tramitação:
Recebido em agosto/2002
Aceito em novembro/2002