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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. v.5 n.1 São Paulo jun. 2003

 

ARTIGOS

 

A escola e o trabalho entre adolescentes do ensino médio da cidade de São Paulo: uma análise de representações sociais

 

The school and the work among adolescents in high school of São Paulo city: an analysis of social representations

 

 

Denize Cristina de OliveiraI; Frida Marina FischerII; Maria Cristina Triguero Veloz TeixeiraII, III; Mariana Almeida do AmaralII

I Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
II Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo
III Universidade Presbiteriana Mackenzie

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As representações sociais são formas de conhecimento socialmente elaboradas e compartilhadas. A pesquisa teve como objetivo analisar os conteúdos da representação social do trabalho e da escola entre adolescentes trabalhadores e não trabalhadores do ensino médio da cidade de São Paulo. Foram realizados 21 grupos focais com uma amostra de 208 adolescentes, na faixa etária de 14 a 18 anos, cursando o ensino médio em uma escola pública da cidade de São Paulo. Para o processamento dos dados, foi utilizado um programa informático de análise de dados textuais denominado Alceste, versão 4.5, criado por Max Reinert. A análise foi executada dentro das três dimensões que configuram uma representação social. Nas classes associadas com o trabalho, encontrou-se uma contradição entre o reconhecimento do trabalho como valor moral e positivo e os problemas decorrentes de uma carga física e psicológica precoce do adolescente trabalhador. Os conteúdos de representação social do tema “escola” mostraram problemas de qualidade do ensino noturno, dificuldades cotidianas de relacionamento entre professores e alunos, bem como, ainda, a atuação do professor como coadjuvante das dificuldades do processo ensino-aprendizagem.

Palavras-chave: Representação social, Adolescente, Escola, Trabalho, Alceste.


ABSTRACT

Social representations are a knowledge forms socially created and shared. The objective of this research is to analyse the social representations contents concerning subjects school and work. The sample was constituted by 208 high school adolescents from a public school in the city of São Paulo, organized it 21 focus groups. For the data processing it was used the text data analysis program Alceste 4.5, by Max Reinert. The analysis was made upon the three configuring dimensions of a social representation. The classes associated to work presented a contradiction between the recognition of work as a moral value positive, and the outcoming problems of early physical and psychological burden to the adolescent worker. Contents of the social representation about school revealed problems on evening classes everyday relationship among students and teachers, and the teachers as the main responsible actor for the low performance of the group.

Keywords: Social representations, Adolescents, School, Work, Alceste.


 

 

Introdução

O trabalho da criança e do adolescente vem constituindo um importante questionamento há várias décadas, no entanto apenas nos últimos anos tem sido problematizado como uma questão social. Em muitos estudos, argumenta-se a respeito dos aspectos positivos e benéficos da entrada precoce de adolescentes na força de trabalho, no sentido de contribuir para seu crescimento como pessoa e cidadão, incorporando sentimentos de auto-estima e de realização à personalidade (FORASTIERI, 1997). Outros autores, entretanto, argumentam que o trabalho pode se tornar uma atividade com conseqüências negativas para o adolescente, se não for conciliado com outras atividades igualmente importantes: o estudo, o lazer e o próprio convívio em família (LIMA e CÂMARA, 2002; NETO e MOREIRA, 1998; OLIVEIRA, FISCHER e MARTINS, 2000; OLIVEIRA et al, 2000).

Os resultados apresentados neste estudo pertencem a uma pesquisa que explorou as condições de vida e de trabalho de estudantes do ensino médio do município de São Paulo, e que contou com três subprojetos: um estudo epidemiológico, um estudo do ciclo vigília-sono e um estudo de tipo sociopsicológico. Neste último, localizam-se os resultados deste trabalho, que teve como objetivo geral analisar os conteúdos da representação social da escola, do trabalho, da família e do futuro entre adolescentes. Dada a extensão da pesquisa, o presente artigo discutirá os resultados referentes à análise das representações sociais da escola e do trabalho.

A pesquisa foi orientada pela Teoria de Representações Sociais, conforme proposta por Moscovici (1978). Segundo Moscovici (1981, p. 181), criador da teoria, “uma representação social é um conjunto de conceitos, proposições e explicações originadas na vida cotidiana, no curso de comunicações interpessoais, que funciona como uma espécie de ‘teoria do senso comum’”. A pesquisa empírica das representações sociais tem se beneficiado de um contínuo refinamento de métodos e de técnicas de coleta e de tratamento de dados, conforme afirma Sá (1998), e foi claramente demonstrada pelos trabalhos de Jodelet (1989), Doise et al (1992), Abric (1994), Moliner (1994), Reinert (1990) e Sá (1996).

As representações desempenham papel fundamental nas práticas e na dinâmica das relações sociais. Dentre suas funções específicas, Abric (1994) define quatro: saber, orientação de comportamentos e de práticas, justificação de posicionamentos, e comportamentos. As contradições entre representações sociais e respectivas práticas expressam-se por uma relação de conflito, podendo gerar a transformação de uma ou da outra.

Do ponto de vista da análise estrutural de uma representação social, Moscovici (1978) propõe que existem três dimensões sob as quais os conteúdos de uma representação podem se organizar: o campo da representação ou da imagem, o da informação e o da atitude. O campo da representação ou da imagem remete aos conteúdos concretos e limitados das proposições e imagens de um determinado objeto da representação. Isso nos permite inferir que o campo de representação possui uma organização subjacente de elementos capazes de ter caráter ordenado, estruturado e hierarquizado, e que nos sugere uma idéia de imagem ou de modelo social. Essa dimensão de campo da representação implica uma unidade hierarquizada de elementos representacionais. A respeito dessa organização hierárquica da representação, uma das contribuições teóricas mais interessantes tem sido a Teoria do Núcleo Central de Abric (1994) e o modelo figurativo desenvolvido pelo próprio Moscovici (1978).

A informação, como segunda dimensão da representação social, refere-se à quantidade e à qualidade de conhecimento que o grupo possui a respeito de um determinado objeto social, isto é, tudo aquilo que o sujeito conhece acerca do objeto da representação.

A atitude, a terceira dimensão, reflete a orientação global em relação ao objeto socialmente representado, quer seja favorável, quer desfavorável, quer neutra (Moscovici, 1978). Ela é uma concretização e uma parcialização das representações sociais mais globais, passível de ser encarada unicamente do lado da resposta e como preparação para a ação.

 

Metodologia

A amostra estudada foi composta por 208 adolescentes, na faixa etária de 14 a 18 anos, do ensino médio de uma escola estadual da cidade de São Paulo, que oferece ensino médio nos períodos diurno e noturno. Para a seleção da amostra dos grupos focais, foi utilizado o critério de grupo real estruturado ou orgânico, já que entre os participantes existia uma relação com base na atividade em comum que efetuavam – o estudo –, dela derivando deveres e obrigações comuns a todos. Em todos os grupos, houve adolescentes de ambos os sexos, trabalhadores e não-trabalhadores, de diferentes séries escolares. Na composição dos grupos focais intervieram outras variáveis que diziam respeito às características da técnica de grupo focal propriamente dita, como mínimo de oito sujeitos por grupo e máximo de 15 e duração de, no máximo, uma hora e meia. No total, foram executados 21 grupos focais, oito grupos com adolescentes não-trabalhadores e dois grupos com adolescentes trabalhadores, no período diurno, e nove grupos focais com adolescentes trabalhadores e dois grupos com adolescentes não-trabalhadores, no período noturno. Todas as discussões foram registradas em dois gravadores e transcritas posteriormente.

Os alunos que fizeram parte do estudo foram levados a uma sala de aula, na qual foi explicada a pesquisa e entregue a cada um dos que aceitaram participar um Termo de Consentimento, em que se documentava sua disposição voluntária de participação do estudo. O Termo de Consentimento constou do projeto apresentado ao Comitê de Ética da Faculdade de Saúde Pública da USP, o qual deu parecer favorável à pesquisa (Of. COEP/125/00).

A coleta de dados foi realizada nos períodos de aula dos sujeitos. No horário da manhã, os grupos começavam às 10 horas e, no horário da noite, às 19h30. Os aspectos relevantes do grupo focal são as opiniões, conceitos e valores veiculados entre os participantes do grupo de discussão, o que está determinado, dentre outros fatores, por uma das técnicas que o coordenador do grupo utiliza no sentido de encorajar os participantes e de buscar apenas “deixas” dos falantes que possam dar continuidade à discussão (MINAYO, 1994).

Os 21 grupos foram conduzidos por um coordenador e um observador. Na realização dos grupos focais, os coordenadores executaram os seguintes procedimentos: preparação do ambiente físico (disposição circular de cadeiras); colocação do título da pesquisa na lousa da sala; recebimento de todos os participantes; estabelecimento do rapport por meio das informações referentes aos objetivos da pesquisa, do tipo de atividade a ser desenvolvida, das funções do coordenador, das funções dos observadores e das funções dos participantes; como parte do rapport, a todos os participantes foram requisitadas informações de identidade (nome e idade) e da técnica de auto-associação a um animal, com a pergunta: “se fosse um bicho, que bicho gostaria de ser?”. Posteriormente, deuse início à discussão focalizando quatro temas: a escola, o trabalho, a família e o futuro, adotando o tema trabalho como eixo transversal das discussões; para iniciar a discussão com cada um dos temas, o coordenador pedia aos participantes que falassem o que vinha à cabeça deles quando ouviam a palavra do tema em questão. Os coordenadores falaram o mínimo possível garantindo que todos os participantes expusessem suas opiniões sobre cada tema-foco da discussão; não se seguiu uma ordem rígida dos temas. A seqüência aconteceu conforme a dinâmica da discussão se desenvolvia. Na realização dos grupos focais, os observadores fizeram registros em forma de gravação das discussões de todos os grupos focais, com as correspondentes identificações de cada grupo (número do grupo, data de realização, nome do observador, número de fita); observaram cuidadosamente toda a dinâmica do grupo anotando diversos aspectos sobre a execução dos grupos para posterior elaboração do relatório de observação (número de integrantes do grupo, tempo de duração, características emocionais das verbalizações de cada sujeito, comportamentos expressos, contagem das participações de cada sujeito em cada tema, avaliação dos temas em função da fluidez dos participantes e da riqueza da discussão, rumo tomado pelas discussões, tempo de discussão dedicado a cada tema, e focus da discussão principal conforme o tema, dentre outros aspectos).

Os procedimentos que se seguiram a transcrição das produções discursivas de cada grupo focal foram os seguintes: 1) na primeira linha da transcrição, constavam as variáveis descritivas de cada grupo (turno escolar – diurno ou noturno –, série escolar, relação dos adolescentes do grupo com o trabalho – trabalhadores, desempregados, não trabalhadores); 2) todas as falas dos coordenadores foram escritas em letras maiúsculas; 3) foi adotado parágrafo a cada vez que mudasse o sujeito que estava falando; 4) as frases incompletas foram indicadas por reticências entre parênteses, os trechos ilegíveis foram identificados por “inaudível” no momento correspondente; 5) correção de erros de pontuação e de português, transcrição de formas coloquiais de acordo com escrita correta, correção da conjugação verbal e concordância de gênero, as expressões e gírias foram mantidas, como “zoar”, “quebrar o pau” e outras; 6) revisão ortográfica minuciosa a fim de corrigir falhas em quaisquer instruções apontadas no item anterior.

Os passos seguidos para o processamento das produções discursivas com o software Alceste foram: 1) adaptação das produções discursivas às normas do software; 2) exclusão das falas dos coordenadores do corpus e da análise, adaptando-se alguns trechos de falas dos adolescentes, como por exemplo: Coordenador: O que vem à sua cabeça quando eu falo a palavra “família”? Aluno: Base da vida. Adaptando, indicamos como sendo do aluno a frase: “Quando falam a palavra família penso que ela é a base da vida”; 3) lançamento da análise do material.

O software opera, resumidamente, em quatro etapas de análise: 1) Etapa de leitura do texto e de cálculo dos dicionários: preparação do corpus, reconhecimento das unidades de contexto inicial – UCI – e separação das unidades de contexto elementares – UCE, ou pequenos segmentos de texto de tamanho variável, respeitando-se a ordem de aparição no corpus de análise. Foi feito, também, um agrupamento das palavras em função das suas raízes, como, por exemplo, aprendam, aprende, aprendemos, aprender, aprenderem, aprendesse, aprendeu, aprendo, agrupadas na forma reduzida “aprend+”. O programa faz uma distinção entre palavras-instrumento (artigos, preposições e conjunções, essenciais para a organização do texto) e palavras analisáveis (substantivos, verbos, adjetivos, aqueles termos que definem os conteúdos representacionais). 2) Etapa de cálculo de matrizes de dados e classificação das UCE: classificação das UCE em função de seus respectivos vocabulários e repartição dessas UCE em função da freqüência das formas reduzidas no texto. Isso é feito com a ajuda de matrizes de freqüências, que cruzam as formas reduzidas do corpus e as UCE. Nessa etapa, o programa executa uma análise hierárquica descendente, que consiste em repartir as UCE em várias classes em função do vocabulário que as compõem, de tal forma que seja obtido o maior valor possível numa prova de associação c2 (análise de cluster). Executa-se o mesmo procedimento com as classes obtidas até que o vocabulário das UCE de todas as classes seja homogêneo. A partir daí, o Alceste oferece um dendograma que apresenta a distribuição das classes formadas (Figura 1). 3) Etapa de descrição das classes e das UCE escolhidas: essa etapa proporcionou os resultados mais importantes, pois possibilitam uma primeira compreensão das classes obtidas, principalmente por seus vocabulários característicos (léxicos) e pelas suas palavras com asterisco (variáveis descritivas dos participantes).

Para Reinert (1990), essas classes podem ser interpretadas como noções de mundo ou como quadros perceptivo-cognitivos com certa estabilidade temporal. Já do ponto de vista de Camargo (1998), ao aplicar o Alceste no estudo da representação social, essas classes, formadas por vários segmentos de texto com vocabulários semelhantes, podem ser consideradas indicadores de diferentes noções de representação social ou campos de imagens sobre um determinado objeto. 4) Etapa de cálculos complementares: esta etapa é um prolongamento da terceira. Com base nas classes das UCE escolhidas, o programa fornece as UCE mais características de cada classe e contextualiza as ocorrências do vocabulário típicas de cada uma. Outro recurso desta etapa é permitir exportar as UCE obtidas para outros programas informáticos.

 

Discussão dos resultados

Os resultados da análise da produção discursiva dos 21 grupos focais foram denominados, genericamente, “O ensino no contexto social brasileiro atual”. Os resultados da análise Alceste são mostrados na Figura 1, que apresenta os conteúdos discursivos organizados em forma de um dendograma resultante da análise descendente hierárquica.

 

 

Observa-se nesse dendograma (Figura 1) que a produção discursiva foi distribuída em dois blocos iniciais de texto denominados, respectivamente: “O futuro do adolescente e o contexto social brasileiro atual” (primeira ramificação) e “Qualidade do ensino” (segunda ramificação). O bloco “Qualidade do ensino” desdobrou-se em duas classes, ambas referentes a deficiências da escola, guardando, portanto, uma relação de proximidade temática entre si, apesar de focalizarem diferentes níveis de insatisfação com essa instituição: “A relação professor-aluno e a qualidade do ensino”, na classe 1, e “Políticas educacionais e qualidade do ensino”, na classe 5.

Uma terceira ramificação (“Contexto social do adolescente no Brasil”) separou dos conteúdos restantes uma classe denominada “A relação trabalho-estudo” – a classe 2, que trata da conciliação do estudo com o trabalho, suas causas e suas conseqüências. A partir de uma quarta ramificação (“Família e problemas da sociedade brasileira”), outras três classes se derivaram: “A família como preparação para a vida” – classe 3; “Posicionamentos sociopolíticos dos jovens” – classe 4; e “Futuro associado à Faculdade – classe 6.

Como o presente estudo focaliza os temas escola e trabalho, serão discutidas aqui, especialmente, as classes 1, 2 e 5, respectivamente denominadas “A relação professoraluno e a qualidade de ensino”; “A relação trabalho-estudo” e “Políticas educacionais e a qualidade do ensino”. O detalhamento dessas classes pode ser observado na Figura 2.

 

 

O primeiro conjunto de conteúdos discursivos isolado pelo software Alceste foi denominado “A relação professor-aluno e a qualidade do ensino” e refere-se à classe 1. Essa classe foi composta por 554 unidades de contexto elementares (UCE), representando 23,10% do total do material analisado no conjunto dos grupos focais (Figura 2). Esse percentual representa o maior conjunto de UCE identificado na análise. A análise das variáveis descritivas dessa classe permite caracterizá-la como sendo associada aos grupos focais de adolescentes não trabalhadores que cursavam a 1ª série do ensino médio no período diurno.

Além disso, essa classe, juntamente com os conteúdos da classe 5, pertence à ramificação “Qualidade do ensino”. As palavras contidas na classe 1 expressam conteúdos relacionados com a crítica ao trabalho desenvolvido pelo professor em sala de aula, bem como às imagens idealizadas pelos alunos do “bom professor”, que às vezes conta com exemplos concretos do dia-a-dia. São elas: “professor”, “aula”, “aluno”, “respeito”, “bagunça” e “prestar atenção”, dentre outras. Um conteúdo identificado nessa classe refere-se à necessidade de estabelecimento de uma relação de parceria entre aluno e professor, a fim de alcançar o objetivo comum da boa qualidade do ensino. Esse conteúdo pode ser observado nas palavras: “respeito” e “prestar atenção”, dentre outras. Tais palavras são identificadas nas UCE que exemplificam a classe.

Como mostram alguns autores (HEWSTONE, 2001; MOSCOVICI, 1978, 1981; SÁ, 1996), a representação social pode ter uma função explicativa. Nessa classe, em particular, diversas UCE apontam para a atribuição de causalidade da baixa qualidade do ensino às dificuldades de relacionamento entre professor e aluno, e também à falta de delimitação de objetivos em sala de aula. Nas UCE, observam-se imagens, nas quais o tema escola está ancorado, que refletem, além dessa dimensão, outras duas dimensões de informação e de atitude. Por exemplo, o campo da informação pode ser observado no modo como definem um professor ruim, e o campo da atitude quando se colocam a favor da imposição de limites e, ao mesmo tempo, exigem respeito por parte do docente.

A UCE abaixo exemplifica uma das imagens sobre o ensino e sobre o professor que esses jovens compartilham:

[...] Não dá vontade de estudar nem de saber o que o professor está falando. O cara escreve na lousa e manda a gente se virar. Eu já estou emburrada e o cara na lousa escrevendo, mandando todo mundo calar a boca? Um horror [...] (Campo da imagem – Adolescente trabalhador do grupo 06, turma da noite, 3a série).

A seguinte UCE aponta para a dimensão da informação daquilo que eles consideram um professor ruim o que, em nosso modo de interpretar, associa-se com muitas das experiências do dia-a-dia do ensino na escola. Um ensino muito formal, às vezes carente de didática e pouco preocupado com o aprendizado do aluno.

[...] Um professor ruim é aquele que só passa toda a lição na lousa e fica sentado. Ou manda você abrir o livro, olhar os mapas e manda você escrever o mapa numa folha, que é a mesma coisa e você não está fazendo nada (Campo da Informação – Adolescente trabalhador do grupo 01, turma da noite, 1a série).

A UCE apresentada a seguir mostra a reação que eles têm perante os problemas do ensino. Essa reação contém elementos que permitem identificar duas dimensões da representação social da relação professor-aluno e a qualidade do ensino. De um lado, há imagens compartilhadas sobre o que é um bom professor para eles e, de outro, há conteúdos em que se refletem atitudes contra um ensino de má qualidade.

[...] Se todos os professores fossem iguais a ele eu tenho certeza de que não estaríamos reclamando. Se tivessem autoridade dentro da sala não seria assim. Um professor bom é aquele que sabe explicar a matéria, chama a atenção, impõe respeito, que te respeita e que trata por igual (Campos da atitude e da imagem – Adolescente trabalhador do grupo 19, turma da manhã, 2a série).

Nas falas dos jovens, embora de modo menos expressivo, pode ser observada a idéia da necessidade de um trabalho conjunto entre corpo docente e discente, a fim de alcançar as melhorias que seriam de interesse de todos. Por um lado, o professor é reconhecido como autoridade necessária, no momento específico da sala de aula, mas, por outro, essa autoridade é aceita apenas se for expressa nos modelos presentes nas expectativas dos jovens.

Observa-se, portanto, uma rigidez no posicionamento dos adolescentes característico do tipo de personalidade em desenvolvimento, e, provavelmente, uma sensação de impotência por parte dos professores resultante do desenvolvimento da personalidade adolescente nas relações estabelecidas entre adolescentes-adultos, agravadas por problemas circunstanciais, como falta de motivação do professor, baixos salários e falta de capacitação para o trabalho com jovens.

Observa-se, na Figura 2, que o conjunto de conteúdos referentes a “A relação trabalho- estudo” pertence à classe 2. Essa classe é composta por 360 UCE, representando 15,01% do total das UCE analisadas. A análise das variáveis descritivas dessa classe permite caracterizá-la como tendo sido produzida, fundamentalmente, nos grupos focais de adolescentes trabalhadores que cursavam a 1a e a 2a série do ensino médio, no período noturno.

Na Figura 1, pode ser observado que a classe 2 surgiu de uma terceira subdivisão dos conteúdos analisados. Ela pertence, juntamente com os conteúdos das classes 3 – “A família com a preparação para a vida” – e da classe 4 – “Posicionamentos sociopolíticos dos jovens” –, à ramificação denominada “Contexto social do adolescente no Brasil”, que, por sua vez, está contida em uma outra ramificação nomeada de “O futuro do adolescente e o contexto social brasileiro atual”, que inclui também os conteúdos da classe 6 – “Futuro associado à Faculdade”.

Algumas palavras da classe 2 expressam conteúdos que definem o trabalho como uma atividade que: 1) demanda muito esforço; 2) ocupa grande parte do tempo que o aluno deveria dispensar para o estudo; e 3) prejudica o rendimento escolar. São elas: “trabalho”, “estresse”, “acordar”, “horário”, “responsabilidade”, dentre outras.

Do ponto de vista da teoria da representação social, uma das funções de uma representação é a de saber, compreender e explicar a realidade. Das imagens que os adolescentes atribuem ao estudo vinculado ao trabalho, infere-se que os benefícios apreendidos por eles da realidade da conciliação do estudo com o trabalho são morais, no sentido de atribuir um status de adulto ao jovem em função da assunção de responsabilidades. Essa assunção de responsabilidades pode, também, ser relacionada com outra função da representação social – a de identidade. Foram destacadas imagens positivas sobre essa conciliação.

Os adolescentes representam a inserção prematura no mercado de trabalho de uma forma positiva, por meio das palavras “bom”, “importante”, “enobrece o homem”, “liberdade”, “dinheiro”, imagem que também foi observada em outros estudos relacionados à temática em questão (ZIBAS, 1995; PINHEIRO, 1999). Tais conteúdos podem ser identificados nas UCE que exemplificam a classe. Por exemplo:

[...] Quando se começa a receber o próprio dinheiro, você começa a comprar o que quer. Quando você queria comprar uma roupa cara, sua mãe comprava, mas agora não, trabalhando você vai ter o seu próprio dinheiro, vai poder usá-lo. É liberdade (Campo da imagem – Adolescente trabalhador do grupo 16, turma da manhã, 3a série).

Há estudos que verificaram as conseqüências positivas do exercício do trabalho para os adolescentes, quando o adolescente controla as condições de trabalho e sem obrigatoriedade de nenhuma ordem (McKECHNIE et al, 1996; NIOSH, 1997). Infelizmente, o trabalho do jovem na realidade brasileira foge dessas definições, em decorrência da condição de pobreza ampla existente no País. As imagens sobre desvantagens ou aspectos negativos dessa alternância trabalho-estudo apareceram de maneira clara em UCE da classe e expressaram imagens sobre o cansaço decorrente das obrigações, da sobrecarga ligada à dupla jornada, das más condições de sono, de lazer e de relacionamento interpessoal.

[...] Eu trabalho a semana toda. Semana toda. Saio do trampo e venho para cá, direto. Quando se fala em trabalho, penso que hoje em dia é tudo (Campo da imagem – Adolescente trabalhador do grupo 02, turma da manhã, 1a série).

A seguinte UCE mostra o alto nível de estresse que alguns desses jovens sofre decorrente da dupla jornada trabalho-escola.

[...] Você fica muito estressada. Eu saio do trabalho e [...] todo trabalho cansa. Tudo que é demais enjoa e cansa. Se você ficar meia hora lá no computador tudo bem (Campo da imagem – Adolescente trabalhador do grupo 18, turma da manhã, 1a série).

O conjunto de conteúdos discursivos isolado pelo software Alceste denominado “Políticas educacionais e a qualidade do ensino” refere-se à classe 5. Essa classe foi composta por 260 UCE, representando 10,84% do total das UCE analisadas no conjunto dos grupos focais (Figura 2).

A análise das variáveis descritivas dessa classe permite caracterizá-la como associada aos grupos focais de adolescentes que cursavam a 2a ou a 3a série do ensino médio, no período noturno. Ela surgiu de uma segunda subdivisão dos conteúdos analisados.

As palavras da classe expressam conteúdos relacionados com as atuais políticas educacionais, tais como: “repetir”, “particular”, “pública”, “noturno”, “manhã”, dentre outras. Também foram discutidos temas mais ligados ao cotidiano escolar, com destaque para os problemas de infra-estrutura da escola e as desvantagens experimentadas pelos alunos das escolas públicas no período noturno. As principais palavras relacionadas a esse conteúdo da representação foram: “ensino”, “particular”, “pública”, “manhã”, “noturno”, “diferença”, “biblioteca”, “computador”, entre outras. Muitas dessas palavras poderão ser identificadas nas UCE que exemplificam a classe.

A prática escolar dos adolescentes que, em sua maioria, freqüentam a escola durante o período noturno, influenciou muitas imagens contidas nessa classe. Os adolescentes desse turno vêem-se afetados por diferentes aspectos ligados a deficiências de infraestrutura da escola e, também, às desvantagens das escolas públicas. Observaram-se imagens negativas a respeito da estrutura escolar e governamental, as quais, sendo precárias, segundo os alunos, prejudicariam as condições de aprendizado.

Algumas UCE da classe puderam ser identificadas como pertencentes ao campo representacional da informação. Por exemplo, no que se refere às políticas educacionais, circulam entre os jovens informações de que não existe reprovação durante o ciclo básico e, na representação desses alunos, o sistema é o principal responsável pela queda na qualidade do processo ensino/aprendizado. Também enfatizam que essa nova política tem como conseqüência uma diminuição da autoridade do professor, já que o estudante sabe que será aprovado, tendo estudado ou não, cuidando apenas de garantir a freqüência mínima. Seguem algumas UCE sobre a aprovação automática.

[...] Aí você pensa: ‘por que eu estudei se para chegar no terceiro chega todo mundo?’. Eu acho que para repetir num colégio estadual tem que ser burro. Acho que o governo não se preocupa muito com a qualidade do ensino. Eles querem mostrar lá para fora que as escolas estaduais do Brasil têm notas ótimas (Campo da informação – Adolescente não trabalhador do grupo 13, turma da manhã, 2a série).

Na seguinte UCE pode ser observado o discurso compartilhado desses jovens a respeito das políticas públicas de avaliação.

[...] É só você ter freqüência que você passa. E se você faltar no primeiro bimestre mas no último bimestre você for bem, você passa de ano. Você passa com uma média ‘Satisfatório’. Depois que inventaram esse ciclo, depois que inventaram isso ninguém está estudando nada (Campo da informação – Adolescente trabalhador do grupo 02, turma da noite, 1a série).

O sistema de avaliação utilizado atualmente, que classifica o desempenho do aluno em “plenamente satisfatório”, “satisfatório” e “não satisfatório” também é objeto de desagrado de muitos alunos, que o consideram pouco preciso e pouco estimulante.

 

Conclusões

Do exposto, infere-se que o tema escola, como um dos focos de discussão dos grupos, derivou subtemas mais concretos relacionados com a dinâmica de aula que depende, na percepção dos jovens, tanto do trabalho de docentes como de discentes. Muitos conteúdos da representação social da escola foram caracterizados por imagens do trabalho dos docentes e, particularmente, direcionadas para a culpabilização do professor pelos problemas de ensino. Os diferentes conteúdos em que foi ancorada a imagem da função do professor permitiram construir hipóteses dos três campos estruturais nos quais a representação social organizou-se.

A classe “A relação trabalho-estudo” comportou imagens compartilhadas sobre as múltiplas dificuldades decorrentes da conciliação entre essas duas atividades. Tais imagens foram associadas ao cansaço, à sobrecarga física e à falta de tempo para estudar, para descansar e para o lazer. As imagens indicaram que a condição de trabalhador tem sido imposta pelas necessidades econômicas pelas quais passam as famílias desses jovens. Isso foi confirmado nos resultados referentes à caracterização social do grupo estudado. Dos 354 adolescentes do período noturno, 184 eram trabalhadores, 85 desempregados e 85 não trabalhadores.

Os conteúdos da classe “Políticas educacionais e a qualidade do ensino” mostraram, além de imagens negativas, atitudes contra a atual estrutura e funcionamento da escola pública, particularmente no período noturno. Uma ponte com os resultados de um dos subprojetos da pesquisa referente às condições de vida e saúde permite ressaltar que, no questionário em que os estudantes do período noturno avaliaram a escola, também apareceram críticas à falta de material escolar e de equipamentos (30,5% referiu como problema sério). Dentre os jovens estudados, existe uma representação social da escola pública como aquela que deve não apenas fornecer o saber, mas também uma orientação, no sentido de guiar alguns comportamentos dos jovens, a fim de que, mesmo sem condições ótimas de aprendizado, tenham acesso ao estudo superior. Isso se confirmou nas UCE que configuraram outra classe, denominada “O futuro associado à Faculdade”, observada na Figura 1.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Denize Cristina de Oliveira
Rua General Ribeiro da Costa, 178, apto 1201
22010-050 Rio de Janeiro - RJ - Brasil
E-mail:dco@uerj.br

Tramitação
Recebido em abril/2003
Aceito em agosto/2003