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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. v.5 n.2 São Paulo dez. 2003

 

ARTIGOS

 

Pensamentos automáticos e ansiedade num grupo de jogadores de futebol de campo

 

Automatics thoughts and anxiety in soccer team

 

 

Sonia RománI; Mariângela Gentil SavoiaII, III

I Departamento Amador do Santos Futebol Clube, Universidade Unimonte
II Setor de Psicologia, Centro de Atenção Integrada, Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
III Ambulatório de Ansiedade, Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O atleta de futebol experiencia situações estressoras que, interpretadas como ameaçadoras, podem desencadear respostas de ansiedade. A ansiedade exacerbada existe nos jogadores com crenças muito rígidas, as quais afetam substancialmente sua percepção das situações esportivas. O presente estudo tem o objetivo de avaliar a ansiedade no esporte em equipes de futebol e identificar as crenças e os pensamentos disfuncionais mais comuns apresentados por esses jogadores. Foram investigadas três equipes de futebol amador. Utilizaramse os instrumentos: Inventário de Depressão de Beck (BDI) e Inventário de Ansiedade de Beck (BAI). Verificaram-se 61% de sintomas de ansiedade e 39% de depressão. Os pensamentos automáticos disfuncionais relatados pelos atletas concentram-se nas concepções sobre o erro, perfeccionismo e na estrutura do trabalho. Com um plano de atendimento baseado na abordagem cognitiva comportamental, a Psicologia do Esporte pode ganhar tempo e dinâmica, auxiliando o atleta a transformar seus pensamentos disfuncionais em pensamentos racionais que levem a comportamentos mais satisfatórios a ele, à equipe e à torcida.

Palavras-chave: Psicologia do esporte, Pensamentos automáticos, Ansiedade.


ABSTRACT

The athlete of soccer lives many stress situations to perform his function that can be interpreted as a menace to induce to anxiety responses. The interpretations generally can be shown by irrational beliefs and the dysfunctional thoughts. The excess of anxiety exists in many players who has rigid beliefs that modifies the perception of the sportive situations that they live (Barrera, 2000). The aim of this paper is assessment the anxiety in soccer teams, identify these players’ beliefs, verify if the dysfunctional thoughts are present in these situations. Three amateur teams of soccer were studied with Beck Depression Inventory (BDI) and Beck Anxiety Inventory (BAI). 61% of the symptoms were of anxiety and 39% of depression. The core of this thoughts were mistaken, perfectionism and in the work structure. The approach Cognitive Behavioural offers to Psychology of Sport dynamism helping the athlete to modify his dysfunctional automatic from thoughts that induced to anxiety to more satisfactory thoughts behaviours to them, to the team and to the cheers.

Keywords: Sport Psychology, Automatics thoughts, Anxiety.


 

 

Introdução e revisão teórica

O atleta de futebol passa pelas mais variadas situações estressantes, como, por exemplo, erros que comete em campo ao jogar, competições acirradas, pressão da torcida, troca de clube, salários atrasados, lesões inesperadas pelo atleta, perdas nas partidas decisivas, cobrança financeira da família, dentre outras. Nessas situações, aqui entendidas como estressoras, ele pode vir a desenvolver respostas de ansiedade, ou seja, uma resposta física diante de uma situação de ameaça real ou de uma situação interpretada como ameaçadora.

Uma certa quantidade de estresse é importante para se ter um bom rendimento em qualquer tarefa, o chamado eutress, que impulsiona e motiva para realizações. Em contrapartida, o distress, o estresse disfuncional, pode desencadear respostas inadequadas à situação. A ansiedade considerada agradável (CAZABAT e COSTA, 2000) para alguns, como subir numa montanha-russa, praticar pára-quedismo ou esportes mais radicais, pode trazer desconforto para outros.

Essas situações eliciam os pensamentos automáticos comuns a todos os indivíduos, atletas ou não, e fazem parte de nossas experiências, pois a ansiedade em alguns momentos é impulsora do desempenho. Os pensamentos automáticos eliciadores de ansiedade podem traduzir-se em uma vontade normal e funcional de entrar em campo para um combate competitivo, diferentemente de pensamentos automáticos disfuncionais, eliciadores de ansiedade que interferirão no desempenho e tidos como disfuncionais.

Segundo Selye (apud BALLONE, 2003), o estresse significa o esforço de adaptação do organismo para enfrentar situações ameaçadoras a sua vida e a seu equilíbrio. A ausência de flexibilidade que o atleta pode ter para responder às situações de estresse torna-o “vulnerável”, o que confirma a ausência de recursos de enfrentamento. Isto pode ativar mecanismos de fuga ou evitação no atleta quando, finalmente, não encontra respostas adaptativas, levando-o, inclusive, à interrupção de habilidades motrizes finas (GUZMÁN, ASMAR e FERRERAS apud HERNANDEZ, VOSER, GOMES, 1999). Os efeitos fisiológicos, cognitivos, emocionais e comportamentais resultantes dessas respostas são descritos a seguir num paralelo com o esporte:

a) Dilatação das pupilas – a química do medo faz que as pupilas se dilatem. Isso diminui a capacidade de a pessoa perceber os detalhes que a cercam, mas aumenta o poder de visão geral. Em tempos ancestrais, esse recurso permitia que o homem identificasse no escuro das cavernas um predador e as possíveis rotas de fuga. Segundo Martin (2001), nesse momento, o jogador com ansiedade teria uma capacidade de ver o todo, mas perderia pequenos lances. É comum ouvirmos dos torcedores expressões do tipo: “por que não passou a bola para o jogador ao lado?”, “fominha... quer fazer o gol sozinho, podia ter passado a bola”, “não tá enxergando não, ganso? (jogador que não joga nada)”, “vai pra casa”. Expressões como essas dão uma alusão de que o jogador não está enxergando direito, o que pode ser verdade, pois pode vir a perder sua capacidade de detalhes, uma vez que tem suas pupilas dilatadas pela ansiedade.

b) Estimulação do coração (palpitação ou taquicardia) – a maior irrigação sanguínea faz que o cérebro e os músculos trabalhem mais intensamente, deixando a pessoa alerta e ágil. O fato de o coração bater acelerado exige maior oxigenação tornando a respiração mais curta, ofegante. Nesse correspondente com o atleta ansioso, com o ritmo cardíaco acelerado, o atleta sentir-se-á esgotado fisicamente, muitas vezes não tendo “pernas” para o jogo todo, no caso do futebol de campo, nos 90 minutos. O futebol é um esporte de resistência (MARTIN, 2001) em que o atleta precisa poupar sua energia. O mesmo não acontece nos esportes de explosão, como uma corrida de 100 metros. E acrescenta: “um nadador que fica nervoso logo antes de uma prova de quatrocentos (400) metros tem possibilidade de morrer durante as últimas viradas”.

A precipitação é um fator que o jogador experimenta com o aumento da adrenalina. No caso do futebol, as finalizações sofrerão déficits na qualidade, pela ativação excessiva; muitas pessoas ligadas ao esporte não entendem por que o atleta vai bem nos treinos e no dia do jogo tem uma atuação deficiente.

c) Diminuição da produção de saliva (boca seca) – podemos ver alguns atletas rodando os dedos indicadores para o técnico, sinalizando o esgotamento (não provocado por lesão). Há, nesta pesquisa, um atleta que depois de um jogo com muita ansiedade usou o termo “minha língua colou na boca... eu não conseguia mover a língua. Depois do jogo, cheguei a comentar com o meu pai que me levasse ao médico porque estava assustado com isso”.

d) Tensão nos músculos – segundo pesquisa da educadora física Eliana Bois (1998, obra não publicada), o terceiro estágio do aprendizado da destreza é a automatização, conseguida por meio de treinamento repetitivo; por exemplo, o comportamento de chutar até que se torne um hábito.

Qualquer movimento tem uma dosagem certa de tensão nos músculos para ser bem executado, ou seja, a precisão técnica (WILLIAMS, 1991). A ansiedade e a tensão desestruturam a precisão, pois as vias neurais se ocupam com impulsos de alerta do sistema de luta ou fuga, decrescendo ou inibindo os impulsos precisos, para completar a destreza e o movimento coordenado. Uma ótima execução não sucede quando os atletas pensam nela, o que enfatiza que o aprendizado em sintonia com a execução de funções automáticas e inconscientes é algo que está livre de toda interferência do pensamento (GALLWEY, 1996). A tática e a técnica não mudam de uma semana para outra, mas as reações psíquicas sim.

e) Cognições – com o sistema límbico acionado, os pensamentos automáticos disfuncionais podem invadir a mente do atleta; por exemplo, “tenho que fazer gol”, “não estou conseguindo fazer o gol”, “hoje não é meu dia de sorte”, “estou errando demais”, “se continuar jogando assim vou ser substituído” etc. Tais pensamentos ameaçam o atleta, e se ele não souber responder adequadamente a esses estímulos internos, o sistema límbico continuará acionado. Sem recursos, os sintomas continuam (sudorese, taquicardia, palidez etc.), cortando o estímulo medular (arco reflexo) para o cérebro, que é quando o jogador começa a pensar. O piloto automático é interrompido e, nesse momento, o atleta experimenta desconcentração, fica confuso, suas pernas não obedecem, interferindo na performance de seus chutes ou em outros comportamentos, seus músculos tensos, além do limite de ativação ideal, não respondem ao comando consciente. O atleta perderá seu timing e fluidez. A esse respeito, Suzuki, na introdução ao livro Zen e a arte de atirar com o arco, afirma:

“Assim que refletimos, deliberamos e conceituamos, a inconsciência original é perdida e um pensamento interfere [...] A flecha é disparada, mas não voa diretamente para o alvo, nem o alvo fica onde está. Aparece uma conjetura, que é um cálculo inexato [...] O homem é um ser pensante, mas as suas grandes obras são realizadas quando ele não está calculando nem pensando. O “ser criança” deve ser restaurado por meio de longos anos de treino no esquecimento de si mesmo” (SUZUKI apud GALLWEY, 1996, p. 35).

As reações psicológicas (GONZÁLEZ, 1997) são: decréscimo da flexibilidade mental, sentimentos de confusão, aumento do número de pensamentos negativos, menor capacidade de centrar-se na atuação, atenção inadequada a vivências internas, esquecimento de detalhes, recorrência a antigos hábitos inadequados, tendência a precipitar-se na atuação e decréscimo da capacidade de tomar decisões, característica elucidada a seguir.

f) Tomar decisões – o atleta não apresenta essa capacidade ao titubear, ou seja, a jogada específica que ele fará num determinado momento é muitas vezes influenciada pela ansiedade. O titubeio está na indecisão que a ansiedade provoca, pois há o decréscimo da flexibilidade mental; o jogador desconcentra-se da jogada.

A terapia cognitiva entende que as emoções e os comportamentos (BECK, 1997) estão intimamente ligados pelas interpretações dos eventos aos quais os indivíduos passam. A interpretação no esporte, se externada, pode aparecer sob a forma de crenças (pensamentos ou imagens), como, por exemplo, “não posso errar”, “tenho que marcar um gol de qualquer jeito”, “perdi o jogo e me sinto um fracasso”, ou sob a forma de imagens, “ver a torcida vaiando”, “ver seu nome no jornal como mau atleta” ou “ver a família sem proteção”, dentre outros pensamentos, e provocar ansiedade. Segundo Barrera (2000), a ansiedade exacerbada existe nos jogadores que têm crenças muito rígidas, as quais afetam substancialmente sua percepção das situações esportivas e sociais que os rodeiam. Portanto, por meio da identificação dos pensamentos mais comuns nessa população, pode-se propor uma intervenção eficaz. Fazer uso de um atendimento estruturado, com medidas padronizadas para detectar rápidos índices de ansiedade, permite trabalhar o atleta, num espaço de tempo compatível com a urgência inerente ao esporte, no qual o tempo é crucial.

Este trabalho tem por objetivos:

a) avaliar a ansiedade em equipes de futebol;

b) identificar os pensamentos automáticos disfuncionais e as crenças mais comuns que os atletas apresentam;

c) fazer um paralelo com a literatura internacional;

d) apresentar determinadas hipóteses para as mudanças de alguns conceitos que inviabilizam a qualidade no esporte.

 

Metodologia

Realizou-se um estudo de caso em um Clube de Futebol no Departamento Amador que se divide em quatro categorias:

1– Mirim – 13 e 14 anos também chamado de sub 89 e sub 88 (ano de nascimento dos atletas).

2– Infantil – 14 e 15 anos (sub 88, sub 87).

3– Juvenil – 16 e 17 anos (sub 86, sub 85).

4– Juniores – 18 a 20 anos (sub 84, sub 83 e sub e 82).

Em cada categoria, avaliaram-se atletas de dois times, o titular e o time reserva, totalizando 75 jogadores, e alguns foram atendidos mais de uma vez.

Foi utilizado para medir a ansiedade o Inventário de Ansiedade de Beck (BECK et al, 1988), recurso que dá maior ênfase aos aspectos somáticos da ansiedade, o Inventário de Depressão de Beck (BECK, 1961) e o EASD – Escala de Avaliação dos Sintomas Depressivos – (BARROS NETO, 2000), este último introduzido no trabalho pela sua objetividade de tempo na execução. Os atletas foram atendidos individualmente de dezembro de 2000 a setembro de 2002. Após a aplicação dos inventários, solicitou-se que relatassem os pensamentos automáticos nas situações de jogo que eliciavam os sintomas de ansiedade e depressão. Nesse período as equipes passaram por vários campeonatos, e alguns atletas atenderam ao chamado da seleção brasileira na categoria Juvenil. Todos os atletas deram consentimento para a utilização de dados na pesquisa, de acordo com a resolução 196/96.

Os dados não foram tratados estatisticamente, pois se privilegiou a análise qualitativa, e os dados percentuais são mais um indicativo da qualidade do dado.

 

Discussão de resultados

Dos atendimentos realizados, os atletas apresentaram sintomas em 129 deles – 51 referem-se à depressão e 78 à ansiedade, tema deste trabalho. Verificou-se que a ansiedade está presente em 61% das queixas dos atletas, tendo uma preponderância com relação a queixas de depressão.

Os termos seguintes foram extraídos dos atletas quando se referiam ao comportamento provocado pela ansiedade: “eu paraliso”, “fico em alerta”, “fico atrapalhado”, “sinto-me preso”, “falta personalidade”, “fico na retranca”, “meu corpo prende”, “fico introspectivo”, “fico pensando o tempo todo”, “retraio”, “paraliso meu jogo”, “o jogo diminui”, “me dá dúvida”, “sinto-me estressado”, “estouro fácil”, “não vou na bola”, “parece que fico tímido”, “fico queimando”. Uma vez desaparecida a ameaça, o organismo volta ao seu funcionamento normal, responde ao enorme gasto de energia física e emocional.

Os pensamentos automáticos disfuncionais dos atletas identificados são apresentados a seguir, por ordem percentual decrescente. As categorias indicadas podem ser relacionadas a pensamentos disfuncionais decorrentes da crença “não posso errar”. Várias interpretações das situações que desencadeiam ansiedade de erro nesses atletas foram identificadas e podem ser descritas. A primeira delas é “não posso errar”, com crenças sobre os passes, como podemos verificar na Figura 1.

 

 

A segunda maior preocupação dos atletas é “não posso errar” para não perder oportunidades (Figura 2).

 

 

Seguida pela “não posso errar” para não prejudicar o time, como podemos observar na Figura 3:

 

 

Na Figura 4, estão descritos todos os pensamentos relacionados a “não posso errar” caracterizando: medo das críticas (“não posso errar porque o técnico me tira”); expectativa sobre o próprio desempenho (“tenho que pensar antes do jogo para ir bem”); avaliação do treinador (“não sei o que o técnico acha do meu jogo”); perfeição (“não posso errar porque tenho que ser o melhor”); culpa (“os erros de treinamento são sempre meus”); lesão (“será que vou dar conta?”); e outros de menor porcentagem.

 

 

Neste estudo, identificaram-se pensamentos disfuncionais relacionados à performance no esporte. Ao comparar os resultados desta investigação com a literatura, verificouse que pesquisadores como Gauron (GAURON apud WILLIAMS, 1991) relatam distorções cognitivas relacionadas ao esporte, e não pensamentos disfuncionais. Segundo Beck (BECK et al, 1997), os pensamentos disfuncionais levam as pessoas a desenvolver distorções cognitivas. Pode ser feito um paralelo com as distorções apresentadas por Gauron (apud WILLIAMS, 1991) e os pensamentos disfuncionais encontrados nesta pesquisa.

1. A perfeição é necessária (os atletas precisam ser perfeitos em tudo o que fazem) – o pensamento, relatado por nossos atletas, “se eu não for perfeito tenho que fazer gol para compensar”, demonstra que o jogador apresenta essa distorção.

2. Catastrofizar (qualquer falha é um desastre) – encontramos os seguintes pensamentos catastróficos: “dois erros seguidos e estou numa fase ruim”, “tenho que acertar o passe se não algo ruim acontece”.

3. Valia pessoal depende do êxito – tem-se que ajudar os jogadores a se valorizarem independentemente do desempenho, pois encontramos depoimentos como: “Se perdermos, não posso ser profissional”.

4. Personalização (responsabilizar a si pelos fracassos) – como exemplo, encontramos: “a responsabilidade de perder é toda minha”.

5. Pensamento polarizado (tudo ou nada) – como exemplo, encontramos: “Não joguei bem, é uma má fase”.

6. Supergeneralizar (concluir sem provas) – como exemplo, encontramos: “Se não jogo bem, posso ser dispensado”.

É interessante notar que as duas classificações podem trazer benefícios no tratamento desses atletas. A categorização dos pensamentos realizada neste trabalho leva o psicólogo do esporte a se deparar com as preocupações relativas ao futebol de campo, podendo apresentar uma atuação com uma grande probabilidade de eficácia, pois os pensamentos automáticos disfuncionais, uma vez encontrados, agilizam o atendimento. Já a categorização de Gauron (apud WILLIAMS, 1991) dilui os pensamentos relativos ao jogo a distorções gerais e pode auxiliar o psicólogo do esporte a estar atento a esse tipo de distorção.

Em contrapartida, Hernandez (2003) identifica os pensamentos disfuncionais da mesma forma que o presente estudo: “Serei o melhor se não cometer erros”, “quando começo falhando, é seguro que continuarei atuando mal”, “não se aprende, nem se melhora perdendo as competições”, “a autocrítica antes, durante e depois de uma atuação ajuda a render mais”.

Importante salientar que a ativação necessária ao organismo obedece a um continuum que vai do repouso à excitação ou, como propõem alguns autores, do coma ao pânico e que caberá ao psicólogo perceber as diferenças individuais e respeitá-las. Portanto, uma das conseqüências de não se investir emocionalmente no atleta pode acarretar o abandono da carreira, pois seu funcionamento “normal” não se realiza, sua segurança é ameaçada, sem recursos para desafiar seus pensamentos automáticos disfuncionais.

Este trabalho teve como base a proposta cognitivista que preconiza a flexibilização dos pensamentos disfuncionais, podendo ser acrescida da comportamental, que propõe a exposição graduada para o enfrentamento da ansiedade, colaborando intensamente para melhorar o rendimento do atleta, com a redução de sua ansiedade. Tais idéias, pelo menos no futebol do Brasil, ainda não foram assimiladas. Diz Martin (2001, p. 58):

“[...] o efeito final do excesso de nervosismo é que ele acrescenta estímulos adicionais ao ambiente competitivo que, provavelmente, não estavam presentes no ambiente de treinamento, o que interfere com a generalização de estímulos de uma habilidade, do treino para a competição”.

 

Conclusões

A crença “não posso errar” foi a tônica dos pensamentos relacionados à ansiedade nos jogadores pesquisados, e a crença “não posso errar” relativa a passes é a de maior porcentagem (22%) encontrada em nossos jogadores.

Dentre as indagações que surgem diante desse fato destaca-se o porquê do medo de errar ser tão forte nos jogadores de futebol. Uma das hipóteses a ser enfatizada e investigada em pesquisas futuras é de que a cultura (não generalizada) nesse esporte, seja do técnico, seja da comissão técnica, seja dos dirigentes, seja da mídia, é de que os erros nos passes não podem existir e, principalmente, nas finalizações, como se todos tivessem de acertar sempre e de ter controle absoluto sobre todos os momentos cruciais e decisivos dos jogos.

Outra hipótese diz respeito a quanto a exigência do perfeccionismo acelera o processo de ansiedade e/ou o estresse em sua segunda ou terceira fase, quando a ameaça persiste, uma vez que não é possível acertar 100%.

A terapia cognitiva comportamental enfatiza as diferenças individuais dos pensamentos automáticos disfuncionais e não há, por este conceito, a possibilidade de tratamento generalizado no esporte, nem quando nos referimos à equipe. Para tanto, pode-se utilizar o “questionamento socrático” para levar o jogador a perceber a irracionalidade de seus próprios pensamentos, regras e suposições.

A psicologia do esporte deve-se valer de instrumentos como o teste de ansiedade de Beck (1988), para mensuração, facilitando a investigação e reduzindo o tempo de atendimento, já que o sucesso do futebol é medido por resultados práticos muito rápidos – o tempo entre duas partidas pode ser de horas. Um atendimento estruturado pode cooperar para que bons atletas tenham tempo suficiente de mostrar o que sabem fazer, que é jogar futebol, não sendo dispensados injustamente do jogo ou do clube, com a ansiedade interferindo em suas performances.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Sonia Román
Rua da Paz, 24/56, Bairro Boqueirão
11450-520, Santos – SP
E-mail:soniaroman@atribuna.com.br

Tramitação
Recebido em agosto/2003
Aceito em outubro/2003