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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. v.5 n.2 São Paulo dez. 2003

 

ARTIGOS

 

Validade de testes utilizados em seleção de pessoal segundo recrutadores1

 

Validity of personal selection tests according to professionals

 

 

Fabiana Marques PereiraI; Ricardo PrimiII; Claudia CobêroIII

I Centro Universitário Salesiano
II Laboratório de Avaliação Psicológica e Educacional (LabAPE), Universidade São Francisco
III Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo listar os testes e métodos utilizados em seleção de pessoal em 34 empresas multinacionais e nacionais do Estado de São Paulo e comparálos com a literatura encontrada sobre os testes utilizados nos Estados Unidos, observandose, principalmente, a existência de estudos de validade preditiva. Os resultados demonstram alta freqüência de utilização do Teste de Wartegg (15,2%) e Dinâmica de Grupo (15,2%). Além disso, há uma contradição em como os recrutadores compreendem validade, já que muitos descrevem utilizar determinados testes pela sua validade, mesmo não existindo estudos empíricos sobre essa característica dos testes citados. Os resultados deste estudo chamam atenção para um problema que precisa ser solucionado, na formação do profissional, para que se possa estabelecer uma prática mais competente no que se refere à avaliação psicológica no contexto organizacional.

Palavras-chave: Avaliação psicológica, Validade, Seleção de pessoal.


ABSTRACT

This study identifies tests and methods used in personnel selection practices in 34 national and multinational companies in the State of São Paulo. It also compares the results with tests used in the United States found in literature by focusing in the predictive validity studies. Results showed that Wartegg (15,2%) and Group Interview (15,2%) were the most frequent tools used. A contradiction was found in the way professionals understand the concept of validity as they refer that the choice is based on the validity of the instrument under consideration although no validity evidence was found in the literature for the mentioned tools. The results point to limitations in professional training that need to be addressed in order to build more competent practices of psychological assessment in the field of industrial and organizational psychology.

Keywords: Psychological assessment, Validity, Personnel selection.


 

 

Introdução e revisão teórica

Os testes são considerados ferramentas essenciais nas organizações no âmbito da seleção de pessoal. Sua utilização é defendida por muitos, mas também é foco de divergência de opiniões. Estudos na área de Avaliação Psicológica têm suscitado discussões sobre sua aplicação em seleção como ferramenta auxiliar no processo de escolha ou ferramenta classificatória e de mecanismos de exclusão de candidato. Pasquali (1999, p. 34) refere que os testes na área de seleção “são bastante criticados porque quase não existem testes construídos para esta ou aquela profissão, o que revela que não se sabe se os que estão sendo utilizados são válidos para tal fim”.

No dia-a-dia, a maioria das pessoas é submetida a testes e, portanto, está vulnerável a eles que, em sua essência, deveriam auxiliar no processo de tomada de decisão para identificação do profissional que contemple habilidades e traços de personalidade desejados em relação a determinado cargo.

As pesquisas realizadas na área de Avaliação Psicológica para seleção de pessoal são bastante ativas nos Estados Unidos (SCHMIDT e HUNTER, 1998; RUSSEL e KAROL, 2000) e trazem dados sobre a adaptação dos testes à área organizacional e a escolha do melhor teste para determinada função. Esses estudos apresentam informações fundamentais para o uso coerente dos testes de seleção objetivando a predição de comportamentos futuros do candidato em relação ao cargo que irá ocupar. Já no Brasil, apesar da gama de testes utilizados em seleção de pessoal ser variada, pouco ainda se tem estudado sobre sua validação; mesmo assim continuam sendo utilizados em larga escala, seja pela sua popularidade, seja pela sua facilidade de administração e avaliação (NORONHA, 2000).

A definição de seleção de pessoal está próxima para administradores e psicólogos, ou seja, para ambos, a seleção é um processo pelo qual se escolhem, dentre um grupo homogêneo, os candidatos com as melhores aptidões e capacidades para determinada posição na empresa. Nesse sentido, as empresas vêem o processo de seleção muito mais do que uma simples contratação, como peça-chave para o sucesso do negócio. Portanto, para a empresa, conhecer a adequação de um teste para seleção de pessoal é fundamental para uma contratação correta, evitando dispêndio de dinheiro e de tempo numa escolha inadequada. Outro ponto refere-se aos problemas éticos que a má utilização do teste pode causar, como, por exemplo, transformar-se em ferramenta de exclusão e discriminação.

Estudar tal tema é de extrema urgência, pois reforça a importância da utilização dos testes de maneira adequada, evitando erros na contratação, injustiças com o candidato e esclarecendo o papel do psicólogo na organização, já que esta é uma atribuição diferencial de sua profissão, além da própria carência de estudos nessa área.

Na área organizacional, o conceito de seleção é evidente. É um processo pelo qual escolhe-se os que têm as melhores aptidões ou capacidades em um grupo com características semelhantes. A seleção é um processo que inicia, na verdade, no recrutamento. O recrutamento é uma responsabilidade da área de Recursos Humanos, tal como a seleção, que objetiva pesquisar dentro e fora da empresa candidatos potencialmente capacitados para preencher os cargos disponíveis em determinada organização (CARVALHO, 1997). Uma força de trabalho bem recrutada contribui de maneira decisiva para que a empresa não despenda tempo nem dinheiro na seleção.

As informações para a identificação de um profissional para a empresa dependem primeiramente da descrição de cargo e das competências exigidas para este. A chamada análise de função, como defendem Anastasi e Urbina (2000, p. 351):

“[...] busca identificar qualidades pessoais que contribuem para ou limitam o sucesso. A busca é pelo KSAOs, [...] referindo-se ao conhecimento (K=Knowledge), habilidades (S=Skills), capacidades (A=Abilities) e outras características (O=Others) incluindo atitudes e hábitos”.

Essa ligação de informações permitirá que o profissional faça mais adequadamente as exigências do recrutamento, e que a seleção desenvolva a triagem usando de alguns recursos, dentre eles: entrevistas, provas situacionais e testes psicológicos. A preparação de um procedimento de seleção deve levar em conta medidas que avaliem todas as características dos candidatos consideradas importantes na análise da função e que, portanto, sejam potenciais preditores do desempenho futuro.

A escolha de um teste psicológico deve ser feita pelo psicólogo, e este deve observar determinados fatores. Para Pasquali (1999), o psicólogo deve definir atributos e características a serem avaliados, investigar na literatura especializada os melhores instrumentos disponíveis para cada objetivo desejado e, principalmente, avaliar as características psicométricas dos instrumentos a serem utilizados, como sensibilidade, validade, precisão e existência de normas específicas e atualizadas para a população brasileira.

 

O problema da análise da validade nos testes de seleção de pessoal

O uso de testes ou de qualquer recurso científico em seleção somente pode ser considerado eficaz quando existe comprovação de que os indivíduos considerados aptos para o cargo são realmente melhores do que os rejeitados. Porém, com base em que referencial se faz tal distinção? Isso se associa ao parâmetro de validade. Anastasi e Urbina (2000, p. 459) referem que “todos os procedimentos para determinar a validade de um teste preocupam-se com as relações entre desempenho no teste e outros fatores independentemente observáveis do comportamento em consideração”. Um teste psicológico em seleção tem como objetivo avaliar características de personalidade, conhecimentos e competências do candidato, no momento em que ele concorre a uma vaga, e, por meio delas, predizer o desempenho que ele teria em atividades específicas associadas ao trabalho pretendido. Por isso, o procedimento de validade preditiva é extremamente relevante para mostrar que os testes usados na seleção de pessoal são ferramentas verdadeiramente úteis. Como afirma Dunnette (1976, p. 45), em qualquer decisão referente à seleção é de extrema importância saber que áreas de comportamento profissional podem ser relacionadas com medidas psicológicas e outras técnicas de avaliação usadas para seleção.

Nesse delineamento, as atividades específicas que uma pessoa exercerá no futuro tornam-se o critério que o teste procurará predizer, isto é, o teste deverá mostrar-se correlacionado com a boa performance nessas atividades específicas. Isso reforça a idéia de que os testes não são válidos ou inválidos de maneira geral, mas sim válidos ou não para determinados usos específicos.

A validação de instrumento para seleção deve levar em conta o coeficiente de correlação, isto é, quão estreita é a correspondência entre duas variáveis. Como afirma Cronbach (1996, p. 326): “um coeficiente de validade é uma correlação de um escore de teste com uma medida de critério”. O coeficiente de correlação nos diz se a relação entre dois fenômenos ou variáveis é elevada ou baixa. Uma correlação elevada indica a tendência apresentada pelos dois fenômenos a variar concomitantemente no mesmo sentido, mas não necessariamente indicando uma relação de causa e efeito entre eles. Em seleção de pessoal, o teste de classificação ideal tem uma correlação positiva com o desempenho em uma função e uma correlação zero ou negativa com o desempenho em outras funções, de tal forma que possua uma especificidade (CRONBACH, 1996).

De posse dessa informação, o profissional pode escolher dentre os testes que demonstram possuir maior validade. De acordo com documento publicado pelo U.S. Department of Labor Employment and Training Administration de 1999 (http://www.hr-guide.com), para determinar se um teste particular é válido para seu uso pretendido, deve-se consultar revisões independentes de manuais disponíveis do teste. Infelizmente essas revisões ainda são inexistentes no Brasil.

Buscando verificar quais eram os instrumentos mais válidos para seleção, Schmidt e Hunter (1998) realizaram uma meta-análise, isto é, combinaram dados de 85 anos de pesquisas e estudos em seleção de pessoal sobre a validade de 19 procedimentos de seleção, pesquisando sua capacidade de predizer a performance futura no trabalho. A Figura 1, criada com base nos dados fornecidos pelos autores, descreve a correlação encontrada para algumas ferramentas de seleção com o desempenho no trabalho.

 

 

Esse estudo indicou que a validade de um teste de capacidades cognitivas gerais, utilizado com um teste de integridade para predizer desempenho no trabalho, é de 0,65; a junção de um teste de capacidades cognitivas gerais com o uso de entrevista estruturada é de 0,63; e teste cognitivo com simulação de trabalho também é de 0,63. Ou seja, esses procedimentos combinados consistem ferramentas que demonstram uma correlação alta na avaliação do desempenho no trabalho. Esse estudo estimou ainda que a validade operacional média de medidas de integridade para predizer as avaliações dos supervisores do desempenho no trabalho é de 0,41 e “indicou que esses testes também podem ter valor na predição de comportamentos disruptivos no trabalho” (CRONBACH, 1996, p. 411). Segundo Craig e Smith (2000, p. 3), “os testes de integridade são inventários psicológicos designados a predizer a probabilidade de que um candidato exiba comportamentos delinqüentes e contraprodutivos [...] testes como esses têm sido chamados testes de honestidade, fidelidade”. Os testes de capacidade cognitiva geral têm sozinhos o valor mais alto na previsão de desempenho, e sua correlação foi igual a 0,52.

Por outro lado, como se pode verificar na Figura 1, a grafologia, largamente utilizada no Brasil, não demonstrou possuir validade aceitável. Portanto, ainda não existem pesquisas suficientes para reconhecê-la como técnica legítima de avaliação de características psicológicas. Driver, Buckley e Frink (1996), ao fazerem uma revisão de estudos sobre a grafologia nos Estados Unidos, constataram que sua utilização como um auxílio nas decisões de trabalho tem sido cada vez mais questionada.

A grafologia é mais próxima das técnicas projetivas gráficas. As técnicas projetivas se distinguem dos testes de aptidão, de interesse, de habilidades e de inventários de personalidade pela liberdade de resposta que lhes é dada. Os estímulos são vagos e ambíguos, de forma que o material do teste serve como estímulo inicial por meio do qual a pessoa interpreta as respostas e com isso atribui suas características, como, por exemplo, agressões, conflitos, medos, necessidades, processos característicos de pensamento e aspectos intelectuais de comportamento ao estímulo (ANASTASI e URBINA, 2000; PASQUALI, 1999; LELÉ, no prelo).

Atualmente, as técnicas projetivas são muitas e, em sua maioria, nasceram do contexto clínico, mas vêm sendo utilizadas em outras áreas da Psicologia, como a seleção de pessoal. Além do problema da validade mencionado acima, a utilização dos testes projetivos como parte do processo de seleção pode ser questionada já que, ainda que válido, ele revela características pessoais sem que a pessoa tenha clareza do que está demonstrando (LELÉ, no prelo). Isso cria um dilema ético em relação aos critérios da avaliação que nesses casos não seriam claramente explicitados. Já nos inventários de personalidade, as ligações entre as questões e o que é avaliado são mais claras. Se, por um lado, isso abre espaço para simulação, por outro torna o processo de seleção mais transparente.

O principal problema não só das técnicas projetivas, mas também da maioria das técnicas usadas em seleção, refere-se aos estudos de validade aplicados a esse contexto. No Brasil, esse tipo de preocupação parece inexistente seja em relação aos inventários de personalidade, a testes cognitivos ou a técnicas projetivas. Diante disso, este trabalho procurou identificar os testes utilizados em seleção de pessoal e verificar se os profissionais têm informações sobre a validade de tais procedimentos.

 

Metodologia

Participantes

Foi enviado um questionário a psicólogos da área de recrutamento e seleção de 112 empresas nacionais e multinacionais do Estado de São Paulo e, destas, 33 recrutadores responderam à pesquisa. Essa amostragem representa 36,96% da amostra inicial, sendo 12 de empresas nacionais (36%) e 21 de empresas multinacionais (64%). A escolha das empresas foi aleatória, e o responsável pelo recrutamento deveria ter formação em Psicologia.

Materiais

Com base em um questionário criado por Noronha, Sartori, Freitas e Ottati (2002) sobre 169 testes editados no Brasil, foram selecionados aqueles que melhor condiziam com a utilização para avaliação no processo de Seleção de Pessoal e foi criado um segundo instrumento com 62 testes e três questões abertas. Por meio desse instrumento, foi desenvolvida uma home page em HTML (ver http://www.fabianamarques.cjb.net), interfaceada com banco de dados em Access, para que o instrumento fosse apresentado aos sujeitos via Internet e que suas respostas fossem armazenadas no banco de dados. Para cada teste, cabia ao recrutador responder cinco questões com respostas sim/não: faço uso do Instrumento por ser muito utilizado na área organizacional; faço uso do Instrumento pela facilidade de aplicação e correção; faço uso do Instrumento pela sua validade, como aprendeu a aplicação e correção? (escola fora da escola?) Caso os materiais citados não correspondessem à opção do recrutador, havia um espaço aberto para que pudesse fazer seus comentários.

Os psicólogos da área de Recrutamento e Seleção foram informados sobre a pesquisa via e-mail. No corpo do e-mail, foram descritos os objetivos e propósitos da pesquisa, informações sobre os aspectos éticos e o consentimento que se daria a partir da resposta do questionário via Internet. Foi também estabelecido um prazo para resposta do questionário de até 15 dias após o envio do e-mail. Após o encerramento desse prazo, com base nos dados coletados, foram feitas as análises estatísticas, utilizando-se o programa SPSS (Statistical Package for Social Sciencies).

 

Discussão de resultados

As respostas fechadas foram tabuladas de forma que apresentassem a freqüência e porcentagem de respostas no que se refere à escolha do teste, a validade do teste segundo o recrutador, o aprendizado de aplicação e a correção.

Os dados da Tabela 1 mostram os testes mais freqüentemente utilizados pelos entrevistados. O Teste de Wartegg e a dinâmica de grupo foram escolhidos como ferramentas de seleção de pessoal por 15,2% dos recrutadores. A entrevista estruturada foi apontada por 11,4% dos recrutadores no uso em seleção, e a entrevista não-estruturada, isto é, a entrevista informal que não dá parâmetros comuns de comparação entre dois candidatos, apareceu como opção de utilização por 7,6% da amostra.

 

 

A Tabela 2 apresenta o conhecimento sobre a validade do teste. É importante mencionar que o julgamento da validade do teste é do próprio recrutador participante da pesquisa. Sendo assim, correlacionando a alta freqüência de utilização do Teste de Wartegg com as respostas sobre o porquê da utilização do teste, observa-se que 85% (f=17) dos profissionais responderam que conhecem a sua validade. No Brasil, por exemplo, ainda não existem estudos de validade sobre o Teste de Wartegg, e nos Estados Unidos, em levantamento realizado na Base de Dados PsycInfo, constam apenas quatro artigos publicados sobre o teste entre os anos de 1988 a 2002. Já em relação à grafologia, 88,9% (f=8) relataram conhecimento sobre sua validade; sobre o teste palográfico, 75% (f=6) responderam conhecer a validade. Da mesma maneira, esses instrumentos não possuem dados documentados sobre sua validade.

 

 

Vale analisar, aqui, qual a idéia dos recrutadores, comparando conhecimento da validade versus uso do instrumento pela sua validade. Na Tabela 3, é possível verificar quais testes são escolhidos em razão de sua validade. É interessante notar que, em alguns casos, mesmo dizendo conhecer o teste pela sua validade, os recrutadores não o utilizam. Portanto, isso é mais uma divergência no conceito de validade.

 

 

A dinâmica de grupo é citada como instrumento usado pela sua validade por 75% dos recrutadores (Tabela 4), sendo reconhecida pela sua validade por 90% dos que a citaram (Tabela 3). A entrevista estruturada é utilizada por 40%, mas 80% dizem conhecer sua validade. Das pessoas que citaram a grafologia, 77,8% usam-na porque acreditam ser uma técnica válida e, no caso do teste palográfico, 62,5% relatam uso também por causa da validade.

 

 

Na Tabela 4, apresentamos os instrumentos relatados usados pela facilidade de aplicação e de correção. Alguns procedimentos são mais propensos ao uso pela facilidade de aplicação e correção, como: AC – Teste de Atenção Concentrada; Dinâmica de Grupo; G36 – Teste de Inteligência não-verbal; e Teste Palográfico.

Outro dado interessante nos dados dessa pesquisa refere-se à informação de como os recrutadores aprenderam a aplicação e correção dos testes (Tabela 5). Como pode ser visto, a maioria dos recrutadores aprenderam os testes citados (68,9%) em razão de procura espontânea. Por outro lado, 31,1% aprenderam na graduação.

 

 

O instrumento propiciava aos participantes um espaço para resposta, caso as questões fechadas não se adequassem à sua realidade ou ainda caso quisessem complementar as informações (por exemplo, não usavam testes no processo de seleção). Dentre as respostas, segue a transcrição de alguns argumentos divididos em categorias:

Descrença sobre os testes: “Não utilizamos porque a psicóloga da empresa não acredita em testes”.

Terceirização do processo: “Utilizamos testes, mas terceirizamos todo o processo”; “Nossa empresa terceiriza o recrutamento e seleção, porém solicitamos a aplicação do Teste Wartegg, quando necessário”.

Uso associado do teste com outra técnica de seleção: “Não trabalhamos em hipótese alguma somente com os dados apresentados pelos testes psicológicos. Além dos testes psicológicos mencionados, utilizamos provas situacionais, dinâmicas de grupo, estudos de caso e, como ferramenta principal, utilizamos a entrevista diretiva”; “Procuramos não usar testes. Damos maior ênfase ao uso de dinâmicas e estudos de caso, além de fazermos entrevistas por competência”.

Motivo da escolha: “Porque são os testes mais fáceis de serem aplicados e são bem aceitos pelas gerências da empresa”; “Pela precisão nos resultados”; “Escolhi o Wartegg porque é um dos melhores testes (projetivos de personalidade) que já conheci. Já apliquei ao longo da minha carreira mais de 5 mil testes e garanto a fidedignidade deste. Dinâmica e entrevista são instrumentos para colher informações, correlacionar fatores etc.”.

Uma das empresas participantes chama a atenção pela argumentação em relação ao uso de testes:

“A empresa não utiliza testes do mercado brasileiro, porque acredita que os mesmos devem ser tratados como ferramentas válidas para a predição de comportamentos do candidato no trabalho. Diante disso, a (empresa) possui, nos EUA, IL, uma área de Avaliação onde são desenvolvidos e validados regionalmente testes específicos para as funções da empresa. Acreditamos que a avaliação deve ser baseada em amostragem de performance no trabalho, fazendo para isso um trabalho de correlação entre várias medidas (ex. testes de habilidade, integridade e avaliação de supervisores). Trabalhamos em cima de dados empíricos e não consideramos, na seleção, avaliação de personalidade com outros testes. Na unidade do Brasil, é feita apenas a validação das ferramentas, ficando para a unidade de IL o desenvolvimento e análise dos dados. [...] Os testes são baterias com direção de 4 horas e envolvem a avaliação de habilidades cognitivas em relação a esses cargos [...] Usamos entrevista estruturada como instrumento, validade e padrão para todos os cargos”.

Facilitar o processo de seleção de pessoal e atender às necessidades das organizações em meio à competitividade do mundo atual tornou-se um desafio para o psicólogo da área organizacional. Cabe a ele identificar o melhor candidato em pouco tempo sem, preferencialmente, demandar gasto para a organização.

Muitas dificuldades existem nesse processo, mas um ponto crítico que tem sido negligenciado refere-se ao problema da validade. Anastasi e Urbina (2000) citam que a validade não pode ser descrita em termos gerais, mas sim determinada por meio de referência ao uso específico para o qual é considerada. No caso da seleção de pessoal, a melhor forma de analisar a validade dos testes é pela análise de sua capacidade preditiva.

Identificar um único teste suficientemente válido, pelo qual seja possível avaliar características necessárias para um profissional específico ou determinadas funções da empresa, ainda não é possível, mas sim identificar testes adequados para avaliar diferentes habilidades necessárias para os cargos em questão, que, se avaliadas e correlacionadas entre si, podem trazer dados importantes em relação à predição de comportamentos futuros do candidato.

Se retomarmos o objetivo deste estudo, que foi explorar a freqüência de utilização de testes e buscar o conhecimento que os profissionais tinham da validade deles, comparando- os com dados estrangeiros, podemos inferir o seguinte: a análise geral dos resultados indicou que a maioria dos testes escolhidos pelos recrutadores, apesar de não possuir estudos sobre validade no contexto brasileiro, muito menos parâmetros de validade preditiva, é largamente utilizada no contexto de seleção. Tomemos, por exemplo, o Teste de Wartegg, uma técnica projetiva gráfica, com aplicação simples e econômica, em que o sujeito completa oito desenhos a partir de traços. Esse teste presume que a análise dos desenhos possa indicar características de personalidade do sujeito. Entretanto, em seu manual, não há referências de estudos de validade no Brasil. Ainda em um levantamento realizado na Base de Dados Internacional PsycInfo, constam apenas quatro artigos publicados sobre o teste, entre os anos de 1988 e 2002.

Isso enfatiza outro ponto encontrado no estudo. Os resultados denotam uma contradição entre a noção que os recrutadores têm de validade e o conceito técnico proposto pela Psicologia, já que a maioria dos recrutadores diz conhecer a validade do Teste Wartegg. Como estudos empíricos de validade inexistem, os recrutadores provavelmente se referiam às suas opiniões baseadas na experiência com o teste.

Esse problema remete ao questionamento da qualidade na formação em avaliação psicológica nas universidades e vem sendo apontado por pesquisadores da área como WeschlerA (2001), quando refere que o ensino das técnicas de exame psicológico tem dado pouco valor aos conhecimentos básicos que implicam a construção, adaptação ou validação de um instrumento psicológico. A autora ainda afirma que:

“A ausência de investimento em pesquisa por parte das editoras de instrumentos psicológicos faz com que prepondere e seja comercializado material antigo, sem atualização de normas ou validação para a realidade brasileira. Entendendo essa dinâmica como um ciclo, podemos concluir que este material só é vendido porque o consumidor, no caso o psicólogo, tem baixo nível de exigência em relação ao que é comprado, devido sua formação deficiente nesta área. Temos, portanto, uma situação que só poderá ser rompida se trabalhada em nível de formação” (WESCHLER, 2001, p.178).

Quanto aos testes especificamente citados, é importante comentar alguns casos. A dinâmica de grupo é uma técnica de integração de pessoas que, no contexto organizacional, é inspirada principalmente no trabalho de Levy J. Moreno, fundador do Psicodrama. Razoavelmente utilizada pelos recrutadores, é considerada uma ferramenta que auxilia o processo de seleção, mas não deve ser usada isoladamente. Não existem estudos de validade sobre ela, porque não é um teste, mas sim uma técnica que permite observar o indivíduo (ou candidato) em ação, chamada também de role-playing. Em estudos estrangeiros (SCHMIDT e HUNTER, 1998), não há descrição de dinâmicas de grupo, mas sim de job simulation. Esses procedimentos têm validade de 0,37 se utilizados sozinhos e de 0,67 se correlacionados com medidas cognitivas, ou seja, um novo funcionário seria melhor selecionado se fossem usados dois instrumentos em vez de um.

As técnicas de entrevista estruturada e não-estruturada são bastante utilizadas pelos recrutadores da pesquisa, porém descrever sobre a validade de uma entrevista estruturada é relativo, pois esta característica só é possível de ser obtida caso sejam utilizados roteiros padronizados de entrevista. De acordo com Chiavenato (1994, p. 94): “a entrevista estruturada ou padronizada torna possível a cobertura sistemática e completa de toda informação necessária para predizer o provável sucesso do candidato no cargo pretendido”. Nos estudos de Schmidt e Hunter (1998), a validade dessa ferramenta é de 0,51, e, quando usada com testes cognitivos, obtém a validade de 0,63.

A grafologia tem despertado o interesse de muitos psicólogos no Brasil e também é foco de pesquisas científicas nos Estados Unidos, que criticam sua utilização. Neste projeto, a grafologia é citada por uma parcela de recrutadores que a usam pela sua validade. Entretanto, as evidências científicas documentadas sobre ela trazem resultados negativos, como relatado por Driver, Buckley e Frink (1996).

Se classificássemos os testes assinalados nos resultados da pesquisa, segundo o que Anastasi e Urbina (2000) propõem, teríamos uma visualização do perfil dos testes mais utilizados.

Observa-se que, no que se refere aos testes de aptidão, são privilegiadas medidas de fatores específicos, como a velocidade do processamento (testes de atenção concentrada) mais do que escores globais obtidos de baterias, medindo vários aspectos correspondentes ao que Schmidt e Hunter (1998) encontraram possuir o maior valor preditivo. Quanto aos testes de personalidade, são privilegiados os testes projetivos, uma situação bem diferente da realidade norte-americana, que emprega mais inventários de medidas de traços de personalidade, como, por exemplo, o traço de integridade.

Os sujeitos da pesquisa parecem apontar a necessidade de uso de mais de uma técnica no processo de seleção. Esse dado vem corroborar a opinião de autores (SCHMIDT e HUNTER, 1998) no sentido de que, se essas técnicas forem utilizadas correlacionadamente, terão validade mais alta e poderão predizer melhor e significantemente os comportamentos do candidato a determinada vaga.

 

Conclusões

De modo geral, este trabalho mostra que é urgente uma atualização dos conhecimentos e instrumentos na área organizacional. Os psicólogos organizacionais precisam estar atentos à utilização de ferramentas empiricamente estudadas e que trazem informações atualizadas sobre validade e precisão, dentro do contexto específico, como estudos que comprovam principalmente a sua validade preditiva. Entretanto, existe uma grande carência de instrumental adequadamente validado para esse contexto. Por isso, é imprescindível que haja maior movimentação, tanto de pesquisadores quanto de profissionais da área de recrutamento e seleção, para que em conjunto sejam desenvolvidas pesquisas de validação de testes com propósitos específicos na área organizacional.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Laboratório de Avaliação Psicológica e Educacional – LabAPE
Universidade São Francisco
Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45
13251-900, Itatiba – São Paulo – SP
E-mail:labape@saofrancisco.edu.br

Tramitação
Recebido em maio/2003
Aceito em agosto/2003

 

 

1 Este artigo foi desenvolvido com base em um Trabalho de Conclusão de Curso da primeira autora apresentado no curso de graduação em Psicologia da Universidade São Francisco. Os autores agradecem a Capes, Fapesp e o CNPq pelo financiamento dado aos seus projetos e ao LabAPE.