SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.6 issue1I trust my husband: research of social representations of women in a closed relationship about AIDS preventionThe violent couple dynamic evaluation and its influence under the children author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.6 no.1 São Paulo June 2004

 

ARTIGOS

 

Construção de uma escala de ansiedade para pacientes de ambulatório: um estudo exploratório

 

The construction of an anxiety scale for ambulatory patients: a exploratory study

 

 

José Carlos da Silva OliveiraI, Fermino Fernandes SistoII

I Universidade do Vale do Sapucaí, Pouso Alegre, Minas Gerais
II Universidade São Francisco, São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho teve como objetivo estudar a possibilidade de construção de uma escala para avaliar a ansiedade de pessoas em ambulatório. Participaram 636 pacientes, atendidos no ambulatório pelos serviços de saúde de um hospital universitário, nas áreas de Cardiologia, Clínica Médica, Dermatologia, Endocrinologia, Gastroenterologia, Ginecologia, Neurologia, Oftalmologia, Ortopedia e Urologia, com idades entre 25 e 50 anos. O instrumento foi composto por 57 frases e, em uma primeira análise, 13 fatores foram identificados. Como esse primeiro resultado forneceu pouca possibilidade de explicação do fenômeno observado, algumas frases foram eliminadas, e realizou-se uma segunda análise fatorial, impondo-se a configuração de três fatores. Eliminando-se os itens com saturação inferior a 0,40, chegou-se a 39 frases com três fatores. O núcleo do fator 1 foi interpretado como apreensão, aflição; o núcleo do fator 2 foi interpretado como medo, ameaça e o núcleo do fator 3 foi interpretado como reações emocionais positivas de enfrentamento de situações ansiolíticas. Das três subescalas, a que apresentou menor fidedignidade por alfa foi a do fator 3 e a que apresentou maior fidedignidade foi a do fator 1. Para a escala geral a precisão por alfa apresentou um coeficiente bastante aceitável.

Palavras-chave: Avaliar, Ansiedade, Análise fatorial, Hospital.


ABSTRACT

This work aimed to construct a scale to evaluate anxiety for ambulatory patients. Six hundred thirty six participants were interviewed in the ambulatory of a college hospital, in Cardiology, Medical Clinic, Dermatology, Endocrinology, Gastroenterology, Neurology, Ophthalmology, Orthopedia and Urology, with ages from 25 to 50 years old. The scale was composed of 57 sentences and in a first analysis, 13 factors were identified. As this first result provided few possibilities to explain the observed phenomenon, some sentences were eliminated. A second factorial analysis was followed, imposing the three factors configuration; the items, which showed saturation lower than .40, were eliminated. There were 39 sentences with three factors left. The factor 1 nucleus was interpreted with apprehension, agony, factor 2 nucleus was interpreted as fear, threaten and factor 3 nucleus was interpreted as positive emotional reactions of facing anxiolitic situations. From the 3 sub-scales, the one which presented the lowest accuracy by alpha was the factor 3 and the one which presented the highest was factor 1. For the general scale, the accuracy by alpha presented a very satisfactory level.

Keywords: To evaluate, Anxiety, Factor analysis, Hospital.


 

 

Introdução e revisão teórica

Em situação de doença a pessoa que procura serviços de saúde experimenta ansiedade, uma vez que há preocupação com a enfermidade em si e com sua progressão. É uma situação potencialmente ameaçadora que, quando enfrentada, pode levar o indivíduo a desenvolver respostas eficientes de luta, fuga ou mecanismo psicológico de defesa para diminuir a ansiedade.

Desde a Antiguidade vários autores já se manifestaram a respeito da ansiedade, mas anteriormente a Freud era discutida pelos filósofos preocupados com conflitos e crises existenciais dos seres humanos. Freud deu-lhe uma posição científica de destaque e colocou a ansiedade em evidência para a compreensão dos distúrbios emocionais e psicológicos (MAY, 1980).

Freud (1936) considerou a ansiedade como um estado ou condição emocional desagradável, incluindo componentes fisiológicos e comportamentais, acompanhados por descargas motoras, conseqüentes de uma situação de perigo. Além disso, por sua inegável relação com a expectativa, caracterizou-a como ansiedade por algo. Seu desenvolvimento dar-se-ia sempre que a psique fosse assaltada por estímulos, externos ou internos, que difi cultassem ou impedissem seu domínio ou descarga. Ao longo de seu desenvolvimento, o ego adquiriria a capacidade de produzir ansiedade quando surgisse uma situação de perigo e, mais tarde, em antecipação ao perigo.

As teorias comportamentais sugeriram que a ansiedade é uma resposta condicionada a estímulos ambientais específicos (KAPLAN; SADOCK, 1993). De acordo com Skinner (1938), as emoções seriam produtos do controle externo e as idéias modeladas por controles ambientais e, nesse contexto, o medo e a ansiedade seriam formas de defesa do organismo contra a ameaça do perigo. Entretanto, enquanto o medo sempre se instalaria ante uma ameaça concreta, a ansiedade seria um estado emocional motivado por um estímulo ameaçador antecipado (RODRIGUES, 1976).

A ansiedade é vista nessas posições teóricas como um termo adequado para caracterizar situações e reações desagradáveis para a pessoa, sentido em que o termo é definido na Classificação de transtornos mentais e de comportamento (CID-10) e no Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV), fontes da operacionalização do constructo ansiedade, usadas neste estudo. No transtorno de ansiedade, conforme o CID-10, há uma variabilidade grande dos sintomas dominantes, estando entre as queixas comuns e contínuas as de palpitações, tremores, sudorese, nervosismo, desconforto epigástrico, tensão muscular, sensação de cabeça leve e tonturas, além de medo relacionados a si mesmo ou de parentes de adoecer e/ou sofrer acidentes e uma série de outros pressentimentos e preocupações. O DSM-IV traz como sintomas de ansiedade irritabilidade, perturbação de sono ou sono insatisfatório, fatigabilidade, inquietude ou sensação de estar com os nervos à flor da pele, tensão muscular e dificuldade em concentrar-se ou sensação de branco na mente. Sugere, ainda, que a ansiedade, a preocupação ou os sintomas físicos causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.

Apesar de as escalas de avaliação de sintomas ansiosos serem muito utilizadas em pesquisas clínicas, Nardi (1998) comenta que não há acordo em relação ao grupo de escalas mais indicado para a avaliação sintomatológica em cada transtorno específico. Entre as escalas clínicas podem-se citar a Escala de Ansiedade de Hamilton – HAM-A (HAMILTON, 1959), a Escala de Ansiedade de Beck (BECK; BROWN; EPSTEIN; STEER, 1988), a Escala Clínica de Ansiedade – CAS (SNAITH; CLAYDEN; HUSAIN; SIPPLE, 1982), a Escala Breve de Ansiedade – BAS (TYRER; OWEN; CICCHETTI, 1984) e a Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica – BPRS (OVERALL; GORHAM, 1962). Como exemplo das escalas de auto-avaliação tem-se o Inventário de Ansiedade Traço-Estado – IDATE (SPIELBERGER; GORUSCH; LUSHENE, 1970), a Escala de Ansiedade de Zung (ZUNG, 1971), a Escala de Ansiedade Manifesta de Taylor (TAYLOR, 1953), a Subescala de Ansiedade do Symptom Checklist – SCL-90 (DEROGATIS; LIPMAN; COVI, 1973), o “Profile of Mood States” – POMS (LORR; MCNAIR, 1984) e a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão – HADS (ZIGMOND; SNAITH, 1983). Esta última escala é muito usada em hospitais como um instrumento para separar os sinais de ansiedade e depressão. Salienta-se que as escalas de Taylor, de Zung e de Hamilton apresentam construtos semelhantes, com ênfase nos aspectos somáticos da ansiedade, sendo esta última também bastante usada no Brasil.

São poucos os estudos a respeito de ansiedade em pacientes portadores de doenças não caracterizadas como psicológicas. Alguns objetivaram estudar a ocorrência de ansiedade por meio do IDATE em pacientes coronariopatas (LAMOSA; MARTYNIUK; TEDDE, 1983) e em pacientes hipertensos (STELA, 1991). O estudo de Sougey (1987), por sua vez, estudou ensaios clínicos com medicação e escalas de avaliação de ansiedade, aprofundando-se nos comentários da escala de Hamilton.

Outros estudos avaliaram a ansiedade pré e pós-intervenção. Assim, pacientes cardiopatas nos períodos pré e pós-operatório foram avaliados pelo IDATE (LAMOSA; QUADROS; ZAMBONI, 1985) ou pelo IDATE e pela Escala de Hamilton (CAMPOS; NASCIMENTO, 1990), por exemplo. Em se tratando de intervenção não cirúrgica, entre outros estudos, aplicou-se a Escala de Hamilton (1959) em pacientes medicados durante a psicoterapia breve grupal dinâmica (LIMA, 1993); e o IDATE foi estudado em adultos cardíacos pré-cirúrgicos com atendimento psicológico (AJUB; WIEHE; ROTERT; BARRAZ; RUSCHE, 1995).

Dos testes usados nas pesquisas no Brasil observou-se que, além de não avaliarem a ansiedade em ambulatório, são em número reduzido, medem diferentes aspectos da ansiedade e não foram construídos para a realidade brasileira. O instrumento mais utilizado é o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE), de Spielberger, Gorusch e Lushene, traduzido e adaptado no Brasil por Biaggio e Natalício (1979). Trata-se de uma escala de auto-avaliação que mede aspectos não específicos de ansiedade e presentes em várias situações. Há observações no manual de uma certa superioridade da escala de ansiedadeestado, decorrente de um alto índice de consistência interna e pesos fatoriais significativos. No manual da versão brasileira há dados nomeados como de validade de concorrente entre a forma na língua inglesa e a forma traduzida, a fidedignidade por coeficiente alfa e por estabilidade temporal, calculados com grupos de poucos sujeitos e quase sempre diferentes. A padronização foi realizada com um número maior de sujeitos nos grupos constituídos, via de regra estudantes universitários e de segundo grau, e novos cálculos de precisão foram apresentados. Fornece uma tabela com médias para (a) pacientes neuropsiquiátricos e (b) pacientes médicos e cirúrgicos em geral e jovens prisioneiros. No segundo grupo (n=161), discrimina as médias para pacientes sem complicação psíquica, com complicação psíquica e prisioneiros; há uma outra tabela para pacientes neuropsiquiátricos hospitalizados, com médias e correlações com o MMPI; e, finalmente, uma outra com médias e desvios padrões de pacientes pré e pós-cirúrgicos. Estudos posteriores são relatados no manual, a maior parte deles não brasileiros.

Estudos de construção e validação de instrumentos de ansiedade são encontrados na literatura brasileira. Entre eles alguns devem ser citados.

Schmitz (1982) desenvolveu um instrumento para a determinação da ansiedade das mães de crianças hospitalizadas (Escala de Ansiedade para Mães de Crianças Hospitalizadas – EAMCH). Seus 35 itens e o IDATE – Estado foram aplicados a 175 sujeitos. Os resultados mostraram um coeficiente alfa satisfatório para o EAMCH; a maioria de seus itens obteve coeficientes de correlação item-total satisfatórios e a correlação obtida entre os escores da EAMCH e IDATE – Estado foi moderada.

Por sua vez, Bueno e Poubel (1989) examinaram o emprego da escala de ansiedade da Association of Methodology and Documentation in Psychiatry – Anxiety Scale (AMDP-AT) em ambulatório e apresentaram resultados preliminares obtidos pela aplicação em um grupo controle e outro constituído por pacientes com diagnóstico de transtornos generalizados de ansiedade (DSM-III-R). Os dados permitiram uma avaliação correta pela escala AMDP-AT e um grau de confiabilidade semelhante aos de outras escalas.

Em relação ao IDATE há, principalmente, dois estudos publicados. Em um deles, Andrade, Ruffino e Ruffino (1994) evidenciaram associação entre ansiedade e ocorrência de infecções cirúrgicas. Em outro, Souza, Lipp e Guerreiro (1994) não encontraram diferenças significativas entre mulheres com epilepsia parcial e mulheres não epilépticas no período pré-menstrual.

Um estudo para verificar a validade da Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (The Hospital Anxiety and Depression Scale HADS) de Zigmond e Snaith (1983) em pacientes epilépticos e seus acompanhantes foi desenvolvido por Botega e cols. (1998). Utilizando como instrumentos uma entrevista estruturada segundo o DSM-III-R, a HADS e a Escala de Impressão Clínica Global (ICG), concluíram que a freqüência de ansiedade em ambos os grupos não foi estatisticamente significativa, mas que sua utilização pode revelar casos de transtorno do humor.

No mercado brasileiro há poucos instrumentos de avaliação de ansiedade, o que compromete o diagnóstico e a condução de estudos prospectivos para esclarecer fatores de riscos e os possíveis resultados. O Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE) é o mais utilizado, apesar das sérias divergências quanto à sua validade (SCHMITZ, 1982; LAMOSA; MARTYNIUK; TEDDE, 1983; SOUZA; LIPP; GUERREIRO, 1994). Assim, pensando na difi culdade dos profissionais da área de saúde e nos instrumentos para avaliar a ansiedade na situação clínica hospitalar de pacientes com doença não psicológica é que se pretendeu estudar a possibilidade de construir um instrumento para medir a ansiedade dessas pessoas, investigando sua validade fatorial e precisão.

 

Metodologia

Participantes

Foram sujeitos desta pesquisa 636 pacientes, com idade entre 25 e 50 anos, de ambos os sexos1. Na hora da aplicação do instrumento seriam atendidos em ambulatórios (situação clínica) pelos serviços de saúde de um hospital universitário, nas áreas de Cardiologia, Clínica Médica, Dermatologia, Endocrinologia, Gastroenterologia, Ginecologia, Neurologia, Oftalmologia, Ortopedia e Urologia. O instrumento foi aplicado a um total de 887 sujeitos, sendo que 251 protocolos foram anulados por estarem incompletos.

Construção dos itens

Na elaboração dos itens de avaliação da ansiedade em ambulatório, tomou-se precaução para tornar as frases compatíveis com o atributo, para que as mesmas expressassem uma única idéia, fossem simples, curtas e inequívocas. Preocupou-se ainda em usar uma linguagem variada e equilibraram-se termos positivos e negativos. Trabalhou-se com frases que enfatizassem as situações com base nas quais as manifestações comportamentais pudessem aparecer e fossem compatíveis com as definições de ansiedade encontradas no CID-10 e no DSM-IV. Em cada frase deveria ser indicada a intensidade da ocorrência (sempre, às vezes, nunca) do conteúdo descrito.

Foram então construídas 68 frases e, por meio de uma análise de conteúdo, feita por dois juízes, buscou-se encontrar semelhanças entre elas, excluindo-se 11. As 57 frases restantes foram seqüenciadas de forma aleatória na formatação.

As frases do instrumento formatado foram classificadas em três categorias de sintomas, quais sejam, físico (21 frases), emocional (33 frases) e outros (3 frases). As situações específicas de ambulatório consideradas foram consulta/exame (13 frases), doente/doença/saúde (17 frases), genérico/tempo (9 frases), hospital/ambulatório (3 frases), médico/enfermeira (7 frases), tratamento/remédio/operação (8 frases). Além disso, 31 frases se referiam ao futuro e 26 ao passado.

As 21 frases que compuseram a categoria de sintomas físicos da ansiedade apresentaram as maiores freqüências nos conjuntos doente/doença/saúde (7) e consulta/exame (6) e as menores incidências nos conjuntos tratamento/remédio/operação (1) e hospital/ ambulatório (0). As 33 frases que compuseram a categoria de sintomas emocionais da ansiedade apresentaram as maiores freqüências nos conjuntos doente/doença/saúde (9), consulta/exame (7) e tratamento/remédio/operação (6), e a menor incidência nos conjuntos hospital/ambulatório (3) e médico/enfermeira (3). Apenas três frases não ficaram nas categorias anteriores, sendo classificadas em outros.

Procedimento de aplicação e critério de correção

A aplicação foi realizada no ambulatório de um hospital universitário, pelo pesquisador e por um universitário, de forma individual, no período diurno, antecedendo a consulta, após leitura e a assinatura do termo de consentimento pelo participante. Foi solicitado que a pessoa lesse as frases e assinalasse a intensidade de sua ocorrência. As frases foram pontuadas, atribuindo-se um ponto à resposta “nunca”, dois pontos à resposta “às vezes” e três pontos à resposta “sempre”.

 

Discussão de resultados

Foi feita uma análise de componentes principais com rotação varimax nos dados, com eigenvalues iguais ou maiores que 1, que forneceu 13 fatores, explicando 51,665% da variância. Dada a pouca concentração dos itens pelos fatores, ficou difícil interpretar cada um deles em termos de núcleos de condutas.

Para esses dados, calcularam-se alguns coeficientes de fidedignidade. O coeficiente alfa resultou em 0,8566 e pelo procedimento das duas metades, usando a fórmula de Spearman-Brown, o coeficiente foi de 0,8946. Esses valores podem ser considerados bons para uma escala ainda não refinada.

Em razão do elevado número de fatores e da dificuldade em interpretá-los, procedeuse a uma primeira eliminação de frases. As frases foram selecionadas pelo critério de freqüência 85%, que se refere à ocorrência de uma resposta em particular na população em estudo. Por esse critério, quando uma dada frase teve uma resposta quase unânime em uma determinada intensidade de ocorrência, considerou-se que ela não distinguiu as pessoas. Em seguida, foram realizadas análises de componentes principais, rotação varimax, impondo-se a confi guração de 3, 4 e 5 fatores, sendo que a de 3 fatores foi a que mostrou melhor configuração por mostrar melhor possibilidade de interpretação. Foram eliminados os itens que apresentaram uma saturação inferior a 0,40. Com a aplicação desses critérios, chegou-se a 39 frases, com 3 fatores bem discriminados. Os resultados da análise de componentes principais feitas com os 39 itens restantes encontram-se na Tabela 1.

 

 

Antes da rotação foram encontrados os seguintes eigenvalues: para o fator 1, o índice de 9,778, explicando 25,07% da variância; para o fator 2, o índice de 5,810, explicando 5,810% da variância; e, para o fator 3, o índice de 1,780, explicando 4,56% da variância. Com a rotação, os eigenvalues passaram a ser os seguintes: para o fator 1, o índice de 6,195, explicando 15,885% da variância; para o fator 2, o índice de 5,435, explicando 13,936% da variância; e, para o fator 3, o índice de 2,194, explicando 5,626% da variância. Os três fatores explicaram 35,447% da variância total.

Para interpretar cada fator observou-se a possível nucleação das frases, com base no conteúdo semântico. Assim, o núcleo do fator 1 foi interpretado como apreensão, aflição; o núcleo do fator 2 foi interpretado como medo, ameaça e o núcleo do fator 3 foi interpretado como reações emocionais positivas de enfrentamento de situações ansiolíticas presentes.

A comparação entre os itens dos dois instrumentos (piloto e final) e os sintomas usados para a geração dos itens possibilita algumas considerações. Das 17 frases do instrumento piloto com base nos sintomas do DSM-IV, incluindo duas sobre tensão muscular também descrito no CID-10, no instrumento final permaneceram nove frases, e apenas os sintomas irritabilidade e dificuldade em concentrar-se não fizeram parte do instrumento final.

Os sintomas da ansiedade descritos no CID-10 são encontrados em 23 frases do instrumento piloto, incluindo as duas frases com o sintoma tensão muscular (comum ao DSM-IV). No instrumento final observa-se a permanência de 17 frases com uma forte concentração em preocupação e pressentimentos, e apenas o sintoma palpitações não fez parte do instrumento final. Os sintomas sensação de cabeça leve e tonturas não fizeram parte de instrumento piloto.

Outros sintomas da ansiedade, encontrados em bibliografia pertinente, constaram tanto do instrumento piloto quanto do instrumento final. No instrumento piloto há 19 frases e no instrumento final permaneceram 15 frases, com uma certa concentração no sintoma fuga de situações desagradáveis. No caso deste conjunto, todos os sintomas tiveram representação no instrumento final.

Em relação à distribuição dos sintomas pelos fatores extraídos pela análise de componentes principais, no fator 1, cujo núcleo é interpretado como apreensão, aflição, as frases apresentam maior concentração nos sintomas do CID-10 (oito frases) e se distribuem no DSM-IV (cinco frases) e outros sintomas (cinco frases). No fator 2, que é interpretado como medo, ameaça, existe uma concentração em outros sintomas (sete frases) e no CID-10 (quatro frases) e uma menor concentração no DSM-IV (duas frases). O fator 3, que é interpretado como reações emocionais positivas de enfrentamento de situações ansiolíticas presentes, apresenta uma distribuição equivalente no CID-10 (três frases), no DSM-IV (duas frases) e outros sintomas (três frases).

As medidas de precisão, calculadas para cada subescala e para a escala total, estão na Tabela 2. Entre as subescalas, a que apresentou menor precisão tanto por alfa como pela técnica das duas metades foi o fator 3, com coeficiente alfa 0,5514 e coeficientes das metades por volta de 0,54, talvez devido ao pequeno número de itens. No entanto, essa subescala indica a necessidade de uma melhor composição, com vistas a melhorar sua consistência.

 

 

A subescala que apresentou maior precisão foi a do fator 1, com um coeficiente alfa bastante alto, 0,8959. Pela técnica das duas metades os coeficientes ficaram por volta de 0,89, também altos. No fator 2 percebeu-se que tanto por alfa como pela técnica das duas metades os coeficientes foram também altos, embora menores que no fator 1. Para a escala total obtiveram-se coeficientes altos tanto por alfa (0,9103) como pela técnica das duas metades (por volta de 0,87), ambos mais altos que o dos fatores, sendo esses índices considerados muito bons.

As médias, medianas, moda, desvios padrão, valores máximos e mínimos, para a população estudada, são apresentadas no Tabela 3. Além dos dados descritivos fornecidos pela Tabela 3, outras análises foram feitas com vistas a conhecer um pouco mais sobre a tendência da conduta dos participantes em relação a cada um dos fatores.

 

 

Com relação à subescala do fator 1, apenas 27 pessoas obtiveram a pontuação mínima e 3 pessoas obtiveram a pontuação máxima. Além disso, 48,4% das pessoas ficaram abaixo da média, com tendência a responderem nunca ante as frases colocadas. Em contrapartida, 47,5 % dos pacientes tiveram pontuações acima da média, com fortes indicativos de ansiedade nesse fator, pois suas respostas tenderam a ser sempre. Há também que considerar que no fator 1 os participantes tiveram pontuações que variaram de 18 a 54 e o ponto médio entre esses valores é de 34, possibilitando a constatação de que a média da subescala (31,98) foi mais baixa que o ponto médio. Nesse contexto, pôde-se interpretar que o fator, cujo núcleo foi interpretado como apreensão, aflição teve uma concentração de respostas nas alternativas às vezes e nunca.

Por sua vez, na subescala do fator 2 apenas 3 pessoas obtiveram a pontuação mínima e 41 pessoas obtiveram a pontuação máxima, tendência bastante diferente do fator 1. Além disso, 45,8% das pessoas ficou abaixo da média, e acima da média encontrou-se 49,2% de pessoas com fortes indícios de medo, pois as respostas dessas pessoas tenderam a ser sempre. Ao lado disso, observou-se que as pontuações variaram de 13 a 39, fornecendo um ponto médio de 26, pontuação essa bastante inferior à média dos participantes (31,10) nesse fator, cujo núcleo se caracteriza por medo, ameaça. Esses dados sugerem que situações associadas a medo e ameaça foram apontadas em intensidade alta pelos participantes da pesquisa.

Por fim, a subescala do fator 3, cujas características são reações emocionais positivas de enfrentamento de situações ansiolíticas presentes, teve uma distribuição de respostas diferente dos demais fatores. Houve coincidência entre a média (12,01) e o ponto médio da subescala (12), cuja variação das pontuações esteve de 8 a 24 pontos. A pontuação mínima foi obtida por 81 pessoas e uma pessoa obteve a pontuação máxima. Além disso, 45,8% das pessoas ficaram abaixo da média e acima da média encontraram-se 38,2% de pessoas com reações emocionais positivas de enfrentamento de situações ansiolíticas, pois as respostas dessas pessoas tenderam a ser sempre.

Finalmente, ao se analisarem os dados da escala geral de ansiedade observou-se que a pontuação mínima foi obtida por duas pessoas e uma pessoa obteve a pontuação máxima. Além disso, 308 pessoas ficaram abaixo da média, o que corresponde a 48,4%. Na média detectaram-se 1,1% dos participantes e acima da média encontraram-se 50,5% de pessoas com fortes indícios de ansiedade, pois suas respostas tenderam a ser sempre. Os participantes que fizeram a menor pontuação obtiveram 31 pontos e a maior pontuação alcançou o valor de 93 pontos. Nesse contexto, o ponto médio da escala geral foi de 62, a média da subescala (62,08), fi cando ambos os pontos bem próximos.

 

Considerações finais

Para realizar o objetivo proposto inicialmente, estudar a possibilidade de construir uma escala de avaliação da ansiedade no ambulatório, investigando sua validade fatorial e precisão, trabalhou-se com frases que expressam a manifestação comportamental das definições de ansiedade encontradas no CID-10 (Organização Mundial da Saúde, 1993) e o DSM-IV (Associação Americana de Psiquiatria, 1995).

Utilizando-se os manuais supracitados (CID-10 e DSM-IV), o profissional que estiver avaliando uma pessoa poderá identificar um quadro de transtorno ansioso se essa pessoa apresentar 6 dos 18 sintomas que se seguem: tremor ou sensação de fraqueza; tensão ou dor muscular; inquietação; fadiga fácil; falta de ar ou sensação de fôlego curto; palpitações; sudorese; boca seca; vertigens e tonturas; náusea e diarréia; rubor ou calafrios; polaciúria; bolo na garganta; impaciência; resposta exagerada à surpresa; dificuldade de concentração ou memória prejudicada; dificuldade em conciliar e manter o sono e irritabilidade. No DSM-IV ainda se enfatiza que o enfoque de ansiedade consiste na preocupação e o CID-10 salienta que uma personalidade ansiosa caracteriza-se pela apreensão, medo, inferioridade e insegurança.

Apesar de ainda tratar-se de uma escala em construção e de no momento ser mais indicada para uso em pesquisa do que para diagnóstico, quando uma pessoa responder seis ou mais frases na intensidade sempre nesse instrumento, suas respostas devem ser analisadas mais pormenorizadamente com base nos indicadores descritos anteriormente. Isso porque podem ser consideradas como indícios de um quadro ansiolítico mais grave, e sugerem o encaminhamento para avaliação de um profissional.

A configuração final da escala de ansiedade para pacientes de ambulatório demonstra maior ênfase em frases com sintomas de preocupações e pressentimentos, inquietação e fuga de situações desagradáveis. Esse dado é interessante e sugere uma maior exploração, pois pode ser uma característica do grupo de pessoas que estão com enfermidades físicas.

Devido à variabilidade das pessoas freqüentadoras de ambulatório ser muito grande, não se pode considerar as médias como pontos bons de interpretação de ansiedade, requerendo uma certa cautela. Nesse sentido, sugere-se também a necessidade de continuar esses estudos, com vistas a poder assumir uma certa estabilidade e organizar parâmetros para interpretação das pontuações.

Além disso, buscar validades por outros meios é uma alternativa necessária. Essa continuidade está alicerçada nos fatores encontrados que foram passíveis de interpretação e apresentaram boas saturações e pelo fato de o coeficiente de precisão da escala ser considerado muito bom e os dos fatores, promissores.

 

Referências

AJUB, A.L.C. et al. Ansiedade em pacientes cardíacos pré-cirúrgicos. Revista da Sociedade de Cardiologia. São Paulo, v. 5, p. 6-8, 1995.        [ Links ]

ANDRADE, T. G. C. E.; RUFFINO, M. C.; RUFFINO, A. N. Ansiedade e infecções cirúrgicas. Revista de Medicina. Ribeirão Preto, v. 27, p. 233-241, 1994.        [ Links ]

ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM-IV. Trad. Dayse Batista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. 880 p.        [ Links ]

BECK, A. T. et al. An inventory for measuring clinical anxiety: psychometric properties. Journal of Consulting and Clinical Psychology, v. 56, p. 893-897, 1988.        [ Links ]

BOTEGA, N. J. et al. Validação da escala hospitalar de ansiedade e depressão (HAD) em pacientes epilépticos ambulatoriais. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, v. 47, p. 285-289, 1998.        [ Links ]

BUENO, J. R.; POUBEL, G. Emprego da escala de ansiedade da AMDP-AT em ambulatório: resultados preliminares. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, v. 38, p. 311-314, 1989.        [ Links ]

CAMPOS, L. H.; NASCIMENTO, G. F. Traços psicológicos dos pacientes submetidos a angioplastia transluminal coronária. Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, v. 5, p. 195-199, 1990.        [ Links ]

DEROGATIS, L. R.; LIPMAN, R. S.; COVI, L. SCL-90. An outpatient psychiatric rating scalepreliminary report. Psychopharmacology Bulletin, v. 9, p. 13-27, 1973.        [ Links ]

FREUD, S. The problem of anxiety. New York: The Psychoanalytic Quarterly Press Broadway and W. W. Norton & Company, 1936.        [ Links ]

HAMILTON, M. The assessment of anxiety state by rating. British Journal of Medical Psychology, v. 32, p. 50-55, 1959.        [ Links ]

KAPLAN, H. I.; SADOCK, B. J. Compêndio de psiquiatria: ciências comportamentais – psiquiatria clínica. Porto Alegre: Artes médicas, 1993. 955p.        [ Links ]

LAMOSA, B. W.; MARTYNIUK, C. S.; TEDDE, M. I. Ansiedade e coronariopatia. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 40, p. 33-35, 1983.        [ Links ]

LAMOSA, B. W.; QUADROS, C. S. O.; ZAMBONI, E. Ansiedade em cardiopatas cirúrgicos: um estudo da variação do pré e pós-operatório. Revista Brasileira de Medicina, Cardiologia, v. 4, p. 63-68, 1985.        [ Links ]

LIMA, M. G. Avaliação dos níveis de ansiedade através da Escala de Hamilton em pacientes submetidos a psicoterapia breve grupal dinâmica associada a medicação e sem associação medicamentosa. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, v. 42, p. 381-386, 1993.        [ Links ]

LORR, M.; MCNAIR, D. M. The manual of the profile of mood states – POMS. San Diego: Educational and Industrial Testing Service, 1984. 54 p.        [ Links ]

MAY, R. O significado da ansiedade. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1980.        [ Links ]

NARDI, A. E. Comentários do debatedor: escalas de avaliação de ansiedade. Revista de Psiquiatria Clínica, v. 25, p. 331-333, 1998.        [ Links ]

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID 10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Trad. Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. 112 p.        [ Links ]

OVERALL, J. E.; GORHAM, D. R. The brief psychiatric rating scale. Psychological Reports, v. 10, p. 799-812, 1962.        [ Links ]

RODRIGUES, M. Psicologia educacional: uma crônica do desenvolvimento humano. São Paulo: McGraw Hill do Brasil, 1976.        [ Links ]

SCHMITZ, E. M. R. Desenvolvimento de uma escala para determinação da ansiedade da mãe da criança hospitalizada. 1982. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC.        [ Links ]

SKINNER, B. F. The behavior of organisms: an experimental analysis. New York: Appleton Century Co., 1938.        [ Links ]

SNAITH, R. P. et al. The clinical anxiety scale. An instrument derived from the Hamilton Anxiety Rating Scale. British Journal of Psychiatry, v. 141, p. 578-523, 1982.        [ Links ]

SOUGEY, E. B. As escalas de avaliação nos ensaios clínicos com benzodiazepínicos: a propósito da escala de ansiedade de Hamilton. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, v.36, p. 49-53, 1987.        [ Links ]

SOUZA, E. A. P.; LIPP, M. N.; GUERREIRO, C. A. M. Presença de ansiedade no período pré-menstrual em mulheres epilépticas. Jornal da Liga Brasileira de Epilepsia, v. 7, p. 155-158, 1994.        [ Links ]

SPIELBERGER, C. D.; GORUSCH, R. L.; LUSHENE, R. E. Manual for the state-trait anxiety inventory. Palo Alto, C. A., Consulting Psychologist Press, 1970. 62 p.        [ Links ]

SPIELBERGER, C. D.; GORUSCH, R. L.; LUSHENE, R. E. Inventário de ansiedade traçoestado: IDATE-C. Trad. e adapt. de Ângela M. B. Biaggio e Luiz Natalício. Rio de Janeiro: CEPA, 1979. 35 p.        [ Links ]

STELA, F. Avaliação de traços e estados de ansiedade em pacientes hipertensos de centro de saúde. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, v. 40, p. 497-499, 1991.        [ Links ]

TAYLOR, J. A. A personality scale of manifest anxiety. Journal of Abnormal Psychology, v. 48, p. 285-290, 1953.        [ Links ]

TYRER, P.; OWEN, R. T.; CICCHETTI, D. The brief anxiety scale. Journal of Neurology Neurosurgery Psychiatry, v. 47, p. 970-975, 1984.        [ Links ]

ZIGMOND, A. S. E.; SNAITH, R. P. The hospital anxiety and depression scale. Acta Psychiatric Scandinavian, v. 67, p. 361-370, 1983.        [ Links ]

ZUNG, W. W. K. A rating instrument for anxiety disorders. Official Journal of the Academy of Psychosomatic Medicine, v. 12, p. 371-379, 1971.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Fermino Fernandes Sisto
Rua Carlos Guimarães 150, apto 82
13024-200, Campinas, SP, Brasil
E-mail:e-mail: fsisto@nipnet.com.br

Tramitação
Recebido em agosto/2003
Aceito em dezembro/2003

 

 

1 O Comitê de Ética em Pesquisa da Área de Ciências Biológicas e de Saúde da Universidade São Francisco aprovou o projeto de Pesquisa em outubro de 2001.