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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. v.6 n.1 São Paulo jun. 2004

 

ARTIGOS

 

Prevalência e cronicidade da violência física no namoro entre jovens universitários do Estado de São Paulo – Brasil

 

Prevalence and cronicity of physical aggression against dating partners by university students in São Paulo – Brazil

 

 

Tânia Aldrighi

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta os resultados dos primeiros dados do Estudo Internacional de Violência no Namoro de 455 estudantes universitários do estado de São Paulo. Trata-se de uma pesquisa intercultural, cujo instrumento, “Revised Conflict Tactics Scale”, foi utilizado para avaliar a freqüência e o padrão da violência entre casais, bem como para examinar os tipos de negociação de conflito e os efeitos das diferenças socioculturais na etiologia da violência no namoro. As porcentagens revelam índices significativos de agressão entre parceiros, havendo uma prevalência na violência psicológica e coerção sexual quando comparadas à violência física. 78,6% das agressões físicas de maior severidade são práticas mútuas entre homens e mulheres. A presença dessa simetria de gêneros, associada aos dados que mostram que as mulheres são mais freqüentemente agredidas por seus parceiros, sugere atenção voltada a programas de prevenção para ambos, pois tais condições podem conduzir a uma escalada da violência nas diversas formas.

Palavras-chave: Violência, Namoro, Violência conjugal, Prevenir.


ABSTRACT

With a sample of 455 university students of the State of São Paulo/Brazil the author presents the first data of the International Dating Violence Study. The present study is part of an intercultural research to evaluate and explore the frequency and patterns of violence among couples, as well to examine the type of conflict negotiation and its sociocultural effects in the etiology of dating violence. The used instrument was the “Revise Conflict Tactics Scale”. The findings revealed expressive indexes of aggression between partners with a prevalence of psychological abuse and sexual coercion if compared to physical abuse: 78% of high severity physical aggression are mutual practice among men and women. The presence of gender symmetry associated do data that show that women are more frequently abused by their partners, suggest the need of prevention programs for both, because the findings may lead to the escalation of violence in various forms.

Keywords: Violence, Dating, Couple violence, To prevent.


 

 

Introdução

Nos últimos anos podemos observar um crescente aumento das pesquisas, de campanhas governamentais e de entidades sensibilizadas com a temática da violência familiar. É um fenômeno que intriga e preocupa a todos. Muitos dos estudos referentes à violência conjugal têm sido direcionados para a compreensão do ciclo da violência, como também para o aumento da conscientização do público acerca da violência entre parceiros; porém, muito ainda tem de ser feito, pesquisado e esclarecido, quando se fala em prevenção.

No que diz respeito à nossa realidade, os estudos sobre violência familiar começam a se fazer presentes a partir da década de 1980, com o primeiro estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística – IBGE – o qual identifi cou que as mulheres representavam 63% das vítimas das agressões físicas ocorridas dentro de casa. De acordo com dados da OMS – Organização Mundial de Saúde, de 10% a 34% das mulheres foram agredidas por seus parceiros em várias regiões do mundo. Outras estatísticas apontam que, em São Paulo, 10% das mulheres afirmam ter sofrido abuso sexual de seus companheiros; em Pernambuco, as vítimas da violência chegam a 14%. No Rio de Janeiro, 8% das mulheres acima de 16 anos foram violentadas sexualmente (Rede Feminista, 2001).

Os estudos que se aproximam do núcleo familiar têm demonstrado como os vínculos iniciais estão correlacionados com os comportamentos na vida adulta ante os amigos, pais, parceiros, comunidade, no envolvimento com as regras e normas culturais, e tanto na capacidade de amar quanto na de desenvolver atos de crueldade contra as pessoas mais próximas (WIDOW, 1996; 2000).

Uma outra pesquisa nacional americana acompanhou o desenvolvimento, ao longo do ciclo vital, de crianças agredidas ou negligenciadas, revelando que a probabilidade de envolvimento na vida criminal é extremamente signifi cativa. Segundo esses mesmos dados, as crianças negligenciadas apresentam uma probabilidade maior de se tornarem adultos violentos (WIDOW, 2000, 2001).

Também de acordo com outros estudos, a negligência deve provocar muito mais danos ao desenvolvimento do que as situações de maus tratos, isso se os maus tratos não estiverem associados a danos neurológicos (ALEN e OLIVER, 1982; GEFFNER, 1997).

Esses dados revelam que a questão da violência conjugal é uma realidade presente em várias regiões no mundo, diferenciando-se no sistema de crenças que mantém a violência. Conforme podemos verifi car em outros estudos, esta questão tem repercussões além da esfera privada, pois, segundo estimativas do Banco Mundial, o custo com a violência representa, no Brasil, 10,5% do PIB, uma vez que muito do absenteísmo do trabalho decorre de situações de violência doméstica.

Podemos constatar que há uma urgência para a ampliação do conhecimento dos fatores de riscos e das origens da violência para que se possa trabalhar na origem do problema. Além do mais, precisamos admitir o fato de que não temos muitas respostas para este problema, e que a pesquisa nesta área deveria estar direcionada para encontrarmos formas de prevenção e alternativas de intervenção.

Além desses dados, numerosos estudos americanos e canadenses apontam uma alta incidência de violência física entre um grupo específi co da população que nos chama a atenção: os jovens universitários. Alguns estudos apontam a incidência de 20% a 40% nos índices de violência entre os jovens. Partindo dessa constatação, e de demais estudos que apontam o início de agressões no período que antecede o casamento, foi iniciado o “The International Dating Violence Study – IDV” – Estudo Internacional sobre Violência no Namoro, formado por um grupo de pesquisadores de diversas regiões do mundo. Esse estudo tem como pesquisador responsável o Dr. Murray Straus, do Family Research Laboratory da Universidade de New Hampshire-USA. Participam 38 países, representados por um grupo de 48 pesquisadores. Até o presente momento, os dados de 16 países em 34 universidades já foram coletados, entre eles o Brasil.

Os objetivos do estudo internacional estão direcionados ao conhecimento da incidência e cronicidade dos fatores de violência entre jovens universitários, como também ao teste das teorias que pretendem explicar a violência na fase de namoro. Inúmeras razões justifi cam a escolha dessa parcela da população. Entre elas podemos citar: primeiramente, a população universitária tem uma representatividade signifi cativa em muitos países. No Brasil, de acordo com os dados do Censo da Educação Superior, nos últimos quatro anos houve um aumento de 167% de universitários, num total aproximado de 2.400.000 estudantes universitários. Além disso, cabe ressaltar que, além de a população universitária ser representativa em nossa sociedade, investigar essa população é poder romper com um dos grandes estereótipos, o de que a violência somente tem lugar nas classes sociais subalternas e dotadas de recursos culturais empobrecidos (INEP, 2002).

Por outro lado, inúmeros estudos sobre violência conjugal apontam o inicio das agressões na fase de namoro, e no período da formação universitária encontramos a maior incidência da formação de casais e o início da constituição de famílias, o que pode determinar um padrão de relacionamento ao longo do ciclo vital (BARNETT, MILLER-PERRIN e PERRIN, 1997; GELLES e STRAUS, 1988; O’LEARY, BARLING, ARIAS, ROSENBAUM, MALONE e TYREE, 1989).

Em uma primeira análise comparativa do IDV entre as universidades participantes foi verifi cada semelhança importante referente aos altos índices de violência física e sexual entre os jovens e seus parceiros. Até mesmo as universidades com índices reduzidos quando comparadas com outras universidades apresentaram altos índices de força física para coagir o sexo (STRAUS, 2004).

Se considerarmos que esta é a fase do início da formação das estruturas familiares, e outros estudos apontarem para relações entre distúrbios de comportamento na vida adulta e desestruturas nas formações vinculares iniciais, conhecer como esse fenômeno pode estar presente nessa fase do desenvolvimento humano é de extrema urgência.

 

Revisão teórica

Entender as situações de violência conjugal exige a compreensão de uma complexidade de fatores que vão da passagem de uma posição de não reconhecimento da violência como problema para uma posição de denúncia dessa mesma violência. Lipchik e outros (1997) afirmam que, desde o início do movimento feminista, há um crescente entendimento para a realidade em que a violência é perpetrada e tanto agressores quanto vítimas pertencem a todos os grupos sociais, econômicos e raciais. Um outro dado para o qual devemos atentar é o que demonstra que 50% a 75% dos casais envolvidos em violência continuam seus relacionamentos mesmo após intervenções sociais, legais e policiais. Portanto, necessitamos voltar nossa atenção para essa relação.

Ressaltamos dois pontos de vistas diferenciados na compreensão do casal envolvido em padrões de violência: em um, a mulher é vista como vítima e, em outro, há mútua responsabilidade do casal. É importante estarmos atentos a esta controvérsia atual: só muito recentemente se fala em homens agredidos.

A idéia da mulher sendo violenta é difícil para muitas pessoas assumirem, pois isso vai contra o estereótipo da passividade e desproteção feminina. Por outro lado, homens que experenciam violência devem ser relutantes em registrar as agressões, uma vez que a vergonha e a visão de masculinidade impedem esses registros. Se pensarmos sobre o contexto histórico e cultural que nos apresenta o homem como o que tem a força, o poder e o domínio sobre sua esposa, é como se dentro desse contexto não existisse a possibilidade de a agressão feminina ocorrer.

Acreditamos não haver dúvidas de que a violência conjugal é um problema social. Porém, tanto agressores quanto vítimas, na maioria das vezes, negam, minimizam e justificam tais atos, até mesmo no momento da busca de ajuda ou denúncia da violência, quando o silêncio é interrompido.

Acreditamos, quando estamos falando a respeito da agressão entre parceiros, ser importante a busca de uma compreensão, objetivando o contexto da violência, a identificação da história da violência, o padrão comunicacional estabelecido, os mitos e as crenças envolvidos e o significado que a violência tem para ambos os parceiros de acordo com os padrões interacionais.

Uma outra maneira de tentar entender a violência conjugal está no reconhecimento da evolução de como os atos agressivos acontecem na relação conjugal, buscando-se pontuar os eventos dentro do padrão relacional estabelecido pelo casal.

Porém, se entendermos que o casal estabelece um padrão de interação dentro de um contexto, é necessário ampliar o conhecimento além de simples padrões e considerarmos também as diferenças de gênero, entre outras, se quisermos entender como se processa a resolução de conflitos conjugais. É dessa forma que podemos entender as questões de violência conjugal como um dos aspectos intrínsecos a esse padrão estabelecido.

Gelles (1986) afirma que o conjunto de fatores sociais, econômicos, relacional e cultural presente nas situações envolvendo a violência e as tentativas de resolução deste conflito.

Compartilhando da visão de Gelles, para dar conta e explicar a origem da violência conjugal temos de abandonar a visão linear de vítima e agressor, e dirigir a atenção ao reconhecimento de mitos e crenças sobre violência conjugal que sustentam tanto a compreensão do leigo, como a dos profi ssionais atuantes nessas práticas.

 

Metodologia

Na proposta do IDV, foi utilizado a Escala Revisada de Táticas de Confl ito – CTS2 – como instrumento de investigação. Alguns passos foram seguidos antes de os dados serem coletados pelas universidades, no sentido de assegurar tanto a privacidade quanto a adaptação transcultural da Escala CTS2, de acordo com os procedimentos necessários na busca da equivalência semântica.

Cabe também identificar os termos a serem utilizados, de modo a melhor situar a presente pesquisa. Quando começamos a buscar o entendimento das razões do ser humano para desenvolver um comportamento agressivo, deparamos primeiramente com questões do que é inato ou não, e como poderia ser ele erradicado de nossa sociedade. Este é um problema amplamente discutido e sabemos que nenhuma abordagem consegue abarcálo, por se tratar de uma questão multifacetada e envolver a complexidade das relações humanas.

A mesma controvérsia está presente quando, ao tentarmos fazer uma distinção dos termos “agressividade”, “agressão” e “violência”, nos defrontamos com perspectivas específicas, ou seja, biológica, ambientalista, etológica, psicanalítica ou fenomenológica.

Segundo Caneghem (1980), de acordo com a perspectiva adotada, independentemente de ser a agressão tida como inata ou adquirida, essa discussão poderá estar centrada em 3 pontos: a agressividade ser considerada como algo que se sofre de dentro (concepção de Freud), ou de fora (concepção de Skinner), ou de ambos lados (concepção de Dollard e Kurt Lewin).

Porém, para efeito da presente proposta, os termos agressão e violência estarão sendo empregados de acordo com as definições adotadas no estudo internacional de violência no namoro. Para tanto, é necessário diferenciar dois tipos de agressão:

A agressão normal, que é um ato sem a intenção, ou percepção da intenção, de causar dor ou dano físico a outra pessoa (STRAUS, 1981). O segundo tipo é definido como agressão hostil, que é um ato intencional com alto potencial de causar dano físico à outra pessoa.

Os termos violência e agressão hostil podem ser considerados como sinônimos, mas para efeito deste estudo emprega-se o termo violência no sentido de questionar os atos que tradicionalmente são considerados como necessários, úteis, inevitáveis ou instintivos. Como decorrência disso, considera-se violência física conjugal o ato destrutivo intencional que provoca danos físicos ao parceiro, ou seja, empurrões, chutes, pontapés, tapas, arremesso de objetos, atirar ou tentativa de disparar arma de fogo em relação ao parceiro.

Por sua vez, o namoro é definido como uma relação diádica que envolve encontro para uma interação social, em atividades conjuntas e com intenção implícita ou explícita para continuar o relacionamento, até o momento que uma ou outra parte decida rompê-la, ou que um relacionamento mais próximo seja estabelecido, tal como: morar juntos, noivado ou casamento.

De acordo com os instrumentos e aspectos a serem explorados neste estudo cabe ainda defi nir os seguintes termos:

Prevalência: é a porcentagem da amostra que apresentou uma ou mais ocorrências de atos em cada item do instrumento proposto pelo estudo.

Cronicidade: a freqüência das ocorrências em cada item do instrumento, entre aqueles que estiveram envolvidos em uma ou mais ocorrências desses itens.

Negligência: é um padrão de comportamento dos pais que é caracterizado por uma falha na capacidade de envolvimento, pois é imprescindível e de responsabilidade dos pais fornecer e atender as necessidades da criança (STRAUS, 2001).

 

Participantes

Os participantes foram estudantes universitários maiores de 18 anos de idade de diversos cursos universitários do Brasil, mais especificamente residentes no estado de São Paulo. O número de participantes foi de 455 estudantes universitários, dos cursos iniciais de administração de empresas, economia, medicina e psicologia, sendo esse número dividido em partes iguais para cada sexo. Os dados encontrados não podem ser entendidos como representativos dos estudantes em geral, isso porque os estudantes universitários não são representativos de uma nação, mesmo porque as amostras não foram escolhidas por serem representativas de todos os estudantes.

O objetivo do estudo e o direito de participação não só foram explicados verbalmente como também impressos antes do inicio da aplicação. Foi explicitado aos participantes que o questionário abordava questões a respeito das atitudes, crenças e experiências pessoais, e que continha questões muito pessoais, incluindo relacionamento sexual. Ao final da participação foi entregue uma folha a cada participante, explicitando o estudo em maiores detalhes e fornecendo telefones e recursos na comunidade que poderiam ser acessados.

 

Procedimentos

A pesquisa vem sendo conduzida por um pesquisador representante de cada país. Cada pesquisador foi responsável na adaptação do instrumento no sentido de manter a “equivalência conceitual”. Após o retorno da tradução e o acréscimo das questões pertinentes a cada país, os procedimentos de aplicação também foram padronizados e conduzidos de acordo com os termos do consentimento explícito.

A CTS2 foi aplicada individualmente, com tempo médio de 60 minutos. Na administração do questionário, as informações dos objetivos do estudo, bem como de questões que abordam temas mais íntimos, constam da capa impressa do questionário, ao mesmo tempo em que o indivíduo é informado da participação voluntária e anônima ao responder o questionário. Tais procedimentos foram revistos pelo Comitê de Ética da Universidade de New Hampshire – USA, bem como pelos Comitês de Ética de cada universidade participante. Os questionários foram aplicados no decorrer do ano de 2002, no período regular de aulas, pelo pesquisador representante do consortium1 no Brasil e por pesquisadores colaboradores da Universidade de Taubaté, representados pela professora Adriana Leônidas.

 

Instrumento

Na proposta do estudo são utilizados em conjunto dois instrumentos: a Escala de Táticas de Conflito – CTS2 – e o Perfil Pessoal e de Relacionamento – PRP2.

A Escala de Táticas de Conflito ou CTS2 (STRAUS, 1990) é um instrumento amplamente utilizado e validado pelo Family Research Laboratory da Universidade de New Hampshire há mais de 20 anos. Essa escala tem sido aplicada desde 1972 em mais de 70.000 participantes, numa ampla diversidade cultural.

A CTS2 é uma revisão e ampliação da CTS1, com a inclusão de outras escalas que avaliam diferentes formas de agressão.

O segundo instrumento, incluso no presente estudo, é o PRP, que avalia 22 fatores de risco da violência conjugal. As características avaliadas pelo PRP foram selecionadas com base na revisão das pesquisas relacionadas à violência conjugal e nas teorias que abordam a etiologia da violência conjugal. As teorias psicológicas da etiologia da violência focalizam as características do agressor e da vítima, ao passo que as teorias sociológicas centralizamse nas características de relacionamento. Esse instrumento avalia tanto as características no nível individual, tais como depressão e histórico criminal, como no nível relacional, as questões de poder e comunicação (STRAUS, 2001).

Cada país participante do consortium pode aprofundar o estudo de acordo com os interesses e características de cada cultura. Para a população brasileira, foi abordada a questão referente ao sistema de crenças e valores relacionados ao comportamento agressivo entre parceiros. Tal proposta esteve baseada a partir dos dados obtidos na pesquisa de dissertação sobre a temática da violência conjugal (ALDRIGHI, 2001).

O resultado é a CTS2, que avalia os índices de perpetração de coerção sexual, violência psicológica, violência física e os danos físicos decorrentes das agressões entre parceiros, as suas conseqüências e a utilização de um sistema de crenças e negociação para lidar com conflitos. A CTS2 foi dividida em quatro partes: caracterização social, CTS, PRP e a parte temática de cada região. Os itens da CTS2 são apresentados aos pares (o que corresponde à ação do participante e o que corresponde à ação do parceiro). Portanto, com isso se obtêm dados de ambos os membros do casal.

A base teórica da CTS2 é a teoria do confl ito, que compreende ser o confl ito parte inevitável de toda relação humana, considerando que a violência não pode ser uma estratégia para lidar com o conflito. A CTS tem sido utilizada nos últimos 25 anos em milhares de jovens e casais e há uma evidência significativa de confiabilidade e validade (ARCHER, 1999; STRAUS, 1990).

A Escala Revisada de Táticas de Conflito nos permite uma variedade de informações, desde o tipo de violência mais freqüente, os fatores de risco associados ao desenvolvimento desse tipo de comportamento até uma série de indicadores das características de personalidade que respondem ao tipo de comportamento violento.

De acordo com o proposto pelo consortium de pesquisadores, a análise inicial centrarse- ia na leitura da realidade de cada país no que diz respeito à violência física, por esta representar um sinal de perigo maior, e já ser indicador de outros tipos de violência.

 

Discussão de resultados

O processamento das respostas foi realizado pela Universidade de New Hampshire, sendo os dados enviados posteriormente ao pesquisador responsável de cada país. Foi utilizado o software SPSS 10.0 como tratamento estatístico dos dados.

Numa primeira análise dos dados, foram avaliados os índices de violência física e o nível dos danos provocados pelas agressões, diferenciados pelo sexo. Portanto, foram analisados os seguintes pontos:

Prevalência: refere-se à porcentagem de respondentes que tiveram um ou mais episódios de agressão física nos últimos 12 meses.

Severidade: a CTS2 inclui subescalas para dois níveis de severidade. Os níveis mais leves da escala incluem atos como bater ou arremessar alguma coisa em direção ao parceiro. O nível severo da escala inclui atos como socar ou estrangular.

Cronicidade: as escalas da CTS2 indicam quantas vezes no último ano os parceiros provocaram ou foram vítimas de um ou outro tipo de agressão. A cronicidade foi calculada somente pelos respondentes que registraram pelo menos um episódio de agressão física. Além disso, a cronicidade indica o número de vezes em que sujeitos que foram agredidos fisicamente pelo parceiro reagiram com atos agressivos.

Tipos simétricos: há três tipos identificados: “somente pelo homem” refere-se aos casais nos quais a violência no relacionamento foi perpetrada somente pelo homem. “Somente pela mulher” refere-se aos casais nos quais a violência foi perpetrada somente pela mulher. “Ambos” refere-se aos casais em que ambos, homem e a mulher, cometeram pelo menos um ato de agressão física nos últimos 12 meses.

O número de respondentes válidos foi de 455 jovens universitários, variando entre 18 e 40 anos de idade, conforme a Tabela I. Verificamos a maior concentração entre 18 e 21 anos de idade.

 

 

Do total de respondentes, 94% encontravam-se no período de aplicação do questionário em um relacionamento afetivo, conforme apresentado na Tabela 2.

 

 

De acordo com o que se observa na Tabela 2, apesar das diferenças entre a participação masculina e feminina, os índices de violência conjugal nas suas diversas modalidades foram similares para homens e mulheres. A maioria dos participantes refere tempo de namoro superior a um ano, enquanto 71,3% dos participantes informam ter vida sexual ativa com o parceiro atual, existindo poucas diferenças entre os sexos, e 73,8% dos jovens moram com os pais.

 

 

No que diz respeito à prevalência, ou seja, à ocorrência de agressão durante o relacionamento, encontramos que 80% dos participantes informam não ter ocorrido nenhum tipo de agressão durante o último ano, porém 21% registram a ocorrência de pelo menos um episódio de agressão durante o mesmo período, conforme apresentado na Figura I.

 

 

Apesar de a presença da agressão física não estar dentro das estatísticas mais elevadas referidas em outros estudos, o índice encontrado é preocupante ainda mais quando avaliamos a cronicidade das agressões. Neste item os dados foram analisados de acordo com o número de respondentes que apresentam episódios de agressão nos últimos doze meses. De acordo com a Tabela 4, 21,4% dos jovens registraram episódios de agressão. Apesar de quase 80% não registrar este tipo de violência, este número é preocupante e grave, pois a agressão já vem sendo vivenciada numa fase em que a freqüência de conflitos no relacionamento ainda é mínima.

 

 

Por outro lado, de acordo com a Figura 2 verificamos que 19,4% registram cerca de 12 episódios agressivos no prazo de um ano, o que totaliza uma situação de agressão a cada mês. Além do mais, isso não signifi ca que os outros 80% estejam livres da agressão, pois não podemos esquecer que outras formas prévias de agressão podem estar presentes.

 

 

Além do mais, estes 19,4% representam somente o sexo feminino. Isso nos conduz a uma preocupação maior, pois confi rma a preponderância das agressões físicas sofridas pela mulher. Neste artigo não iremos explorar especifi camente as outras formas de agressão, mas vale a pena mencionar as outras formas de agressão quando comparadas com a agressão física, conforme apresentado na Figura 3.

 

 

Verificamos que há uma prevalência signifi cativa da violência psicológica e coerção sexual quando comparadas com a violência física e os danos provocados por esta. Mesmo assim, qualquer incidência de violência física é preocupante, mesmo porque quando verifi camos a incidência desses tipos de violência de acordo com o sexo, na Figura 4, veremos uma mulher que sofre as maiores conseqüências dos diversos tipos de agressão, porém com um agravante, essa mulher também responde às agressões com comportamentos agressivos em menor escala. Sabemos que este pode ser um indicador de uma escalada de violência, e não só de proteção. Entendemos que os riscos aumentam, pois não podemos negar o poder da força física masculina, e aí a escalada tem um potencial de risco ainda maior.

 

 

Nas situações em que a violência é empregada na resolução de conflitos entre os parceiros, a mesma proporção de respostas diferenciadas por gênero pode ser encontrada, conforme apresentado na Tabela 5. Podemos identificar índices signifi cativos de agressão perpetrada por ambos, com uma equivalência entre agressões praticadas somente pelo homem (13,2%) e somente pela mulher (14,5%). Porém, 72,4% dos respondentes apresentaram episódios de agressão mútua.

 

 

Apesar de os índices não representarem a maior porcentagem, revelam a presença da agressão na resolução de conflitos, e ainda numa fase do ciclo vital que a família começa a se formar e a estabelecer um padrão de relacionamento. Isso é consistente com outros estudos sobre violência entre jovens universitários contra os seus parceiros amorosos (KATA, WASHINGOTN KUFFEL e COBLENTZ, 2002, STRAUS, 2004).

Na Tabela 6 estão representados os registros de episódios de agressão severa diferenciados por sexo. Os dados apresentam um alto índice tanto por parte dos homens quanto por parte das mulheres que não registram episódios de agressão praticados por nenhum dos dois. 76,9% das mulheres informam não ter ocorrido nenhum episódio de agressão nos últimos 12 meses, enquanto os homens registram 77,5%.

 

 

Porém, os índices de agressões leves ou severas apresentam-se equivalentes para ambos, que somados representam a presença de episódios de agressão em mais de 20% (23,1% mulheres, 22,5% homens).

 

 

Para exemplificar, a Figura 6 apresenta os índices de alguns tipos de agressões físicas entre homens e mulheres em que a proporção é equivalente aos dados acima mencionados, havendo uma maior incidência das agressões sofridas pelas mulheres quando comparadas com os homens. Porém estas também revelam índices menores de perpetração, mas mais uma vez isso pode significar a possibilidade de escalada da violência, mencionada anteriormente.

 

 

Estes são dados preocupantes, pois apontam para a presença da violência nesta fase de namoro, e similares aos encontrados em diversos estudos e na análise comparativa entre as diversas culturas por Straus (2004). Então a preocupação é maior, pois outros tipos de agressão podem vir permeando a relação entre esses jovens casais, e até mesmo aqueles mais de 70% que não registram episódios de agressão podem não estar livres de outras formas de violência.

 

Considerações finais

Na verdade, ao se pensar na violência, e ainda dentro de um grupo significativo de nossa população, os jovens, exige-se pensar em prevenção. Ampliada essa compreensão, faz-nos questionar as propostas de atendimento à comunidade no que diz respeito à violência doméstica e, mais precisamente, à violência conjugal.

Uma questão importante que não podemos deixar de identifi car envolve as outras formas de violência – como a violência emocional e a coerção sexual – presentes na relação desses casais. Estas, na maioria das vezes, afloram somente quando esses casais chegam ao último estágio da violência, a agressão física. Daí surge uma questão: será que nós, profissionais, também estaríamos negligenciando essas outras formas de violência, da mesma maneira que estes casais o fazem?

Muitas vezes essas formas de violência podem ser entendidas como disputa pelo poder entre homens e mulheres e, com isso, pode haver a aceitação da violência emocional, violência verbal, econômica e outras formas de violência, como fazendo parte da relação.

Dito isso, quando falamos em prevenção, entendemos não ser somente importante a prevenção da violência física, mas, sim, estarmos atentos aos outros tipos de violência, permeadoras das relações entre esses casais e, possivelmente, preditivas de agressão física.

Além disso, podemos identificar os modelos de relacionamento aprendidos desde muito cedo, nas relações com a família de origem. Como resultante, o entendimento e a aceitação da agressão como inerente às relações.

Refletindo sobre tais aspectos, será que não estaríamos compartilhando disso, na medida em que, profissionais, instituições e órgãos públicos estariam, praticamente, mobilizando-se quando há concretização da agressão física? E como explicar que só se considera problema a violência após a formação efetiva da família?

Este ponto é central, pois, quando pensamos em programa de prevenção, temos a obrigação de incluir e centralizar na família a intervenção, já que os primeiros modelos de relacionamento e de resolução de conflitos são aprendidos neste núcleo familiar.

No entanto, quando encontramos similaridades no comportamento entre os sexos, isso nos permite questionar a visão do masculino como sendo a componente chave da opressão feminina, ao retratar o modelo de “vítima”, em que é inconcebível pensar em homens como vítimas da violência doméstica, ao mesmo tempo em que negam a possibilidade de essas mulheres agredirem ou provocarem experiências que “tirem os homens do sério”.

No entanto, ao pensarmos em violência conjugal, não podemos pensar em “conjugal” se continuarmos a entender e intervir em um modelo que entende violência conjugal como o que os homens fazem para as mulheres. Então, essa perspectiva representaria uma única causa da violência conjugal e, portanto, uma única solução.

O que não podemos é ser aprisionados pela batalha dos gêneros, não rotulando ou sendo aprisionados em papéis proibidores de mudanças. Entendemos que a compreensão da polarização de gênero somente serve para perpetuar a batalha entre os sexos.

Certamente, um homem esbofeteando ou empurrando uma mulher é muito mais danoso do que uma mulher fazendo isso, porém, essa mulher, na medida em que o faz, então estaria se colocando em risco de um dano ainda maior, aumentando a escalada da violência.

Não podemos deixar de pensar que esses casais, continuando a viver junto, estão criando seus filhos e repetindo, muitas vezes, um histórico de violência da família de origem. Ignorar a relação violenta, em que ambos podem ser co-responsáveis, e concentrar atenção somente na contenção do homem violento contribui para o ciclo da violência na próxima geração.

Portanto, a violência conjugal não deve ser entendida como um problema de gênero, mas sim como um problema humano. Atuar neste sentido exige modelos de intervenção construídos por profi ssionais e não, simplesmente, por homens ou mulheres.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Rua Cardoso de Almeida, 411, apto 62 – Perdizes
05013-000, São Paulo, SP, Brasil
E-mail:siberi01@uol.com.br

Tramitação
Recebido em fevereiro/2004
Aceito em fevereiro/2004

 

 

1 A relação dos membros participantes do consortium de pesquisadores pode ser consultada em <http://pubpages.unh.edu>.
2 A descrição do estudo e cópia do questionário utilizado está disponível em <http://pubpages.unh.edu/~mas2>.