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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. v.6 n.2 São Paulo dez. 2004

 

ARTIGO

Inventário de ambivalência em relação aos homens: adaptação brasileira e relação com o gênero

 

Ambivalence inventory towards men: brazilian adaptation and relation to gender

 

 

Valeschka M. Guerra; Valdiney V. Gouveia; Viviany S. Pessoa; Giovani A. Rivera; Marcílio L. de Souza Filho

Universidade Federal da Paraíba

Endereço para correspondência

 

 



RESUMO

As atitudes sexistas constituem um construto importante para compreender as relações interpessoais estabelecidas no cotidiano. A escassez de informação a respeito motivou a presente pesquisa, cujos objetivos foram adaptar para o contexto brasileiro o Inventário de Ambivalência perante os Homens e, em seguida, verificar a existência de diferenças de gênero com relação a estas atitudes. Participaram 205 estudantes universitários, com idade média de 20,8 (DP = 3,62), sendo a maioria do sexo feminino (51%). Estes responderam ao Inventário de Ambivalência perante os Homens (IAH), além de questões de caráter sociodemográfico. Os resultados confirmaram a estrutura bifatorial da medida, representada pelos fatores hostil (alfa = 0,80) e benevolente (alfa = 0,69). Conforme esperado teoricamente, foram encontradas diferenças significativas nas médias do sexismo hostil e benevolente de acordo com o gênero, variável que demonstrou ser importante para a análise dos resultados de ambos os fatores.

Palavras-chave: Inventário, Sexismo, Gênero.


ABSTRACT

Sexist attitudes are an important construct to understand the interpersonal relation established on adaily basis. The lack of information regarding this subject has motivated the current research, which aimed to adapt the Ambivalence Inventory towards Men to the Brazilian context and, also, to verifyi gender differences in sexist attitudes toward men. The sample was formed by 205 university students, mostly females (51%), with a mean age of 20.8 years old (DP = 3.62). They answered the Ambivalence Inventory towards Men (AIM) and socio-demographic questions. The results confirmed the measure as being of a bi–factorial nature, represented by the hostile (Alpha = .80) and benevolent (Alpha = .69) factors. As was theoretically expected, there were significant differences found in the hostile and benevolent sexism depending on the participant's gender, a variable that proved important in the analysis of the results of both factors.

Keywords: Inventory, Sexism, Gender.


 

 

Introdução

Allport (1954), em seu livro The nature of prejudice, definiu o preconceito como uma antipatia baseada em uma generalização falha e inflexível, que pode ser sentida ou expressa, dirigida a um grupo como um todo ou a um indivíduo, membro deste grupo. Este autor afirma que, para algumas pessoas, o agrupamento dos indivíduos de acordo com seu sexo é definidor de seus comportamentos. Esta definição de papéis implica numa sensação de segurança com relação à sua posição na sociedade. Assim, enquanto um grupo, as mulheres são vistas como pertencendo a uma espécie completamente diferente dos homens, o que é usado de forma a justificar uma discriminação de acordo com o sexo (ALLPORT, 1954).

De acordo com Strey (1999), o termo sexo diz respeito exclusivamente aos caracteres biológicos que permitem a reprodução humana e definem as características anatômicas e fisiológicas específicas. Quando este conceito passa a incluir as características psicológicas típicas de cada sujeito, seus comportamentos, interesses, estilos de vida, papéis sociais definidos e a consciência de si, passa a ser considerado gênero (D’AMORIM, 1993; STREY, 1999). Assim, pode-se perceber que o termo gênero permite pensar e discutir a respeito do sexo em termos históricos e socioculturais, para homens e mulheres, sendo considerado um elemento fundamental na estruturação das relações sociais (KAHHALE, 2001).

As mudanças ocorridas na sociedade a partir da ação dos movimentos feministas e homossexuais têm influenciado permanentemente a construção dos estereótipos feminino e masculino e a forma como esses gêneros são encarados nos relacionamentos interpessoais (BELO, 2003). No entanto, ainda permanece um sistema de crenças que inclui estereótipos sobre homens e mulheres, atitudes diante dos papéis apropriados para cada sexo, e uma percepção de que aqueles que não se encaixam nestes papéis estão violando os padrões tradicionais de gênero, que exclui homossexuais masculinos e femininos (WHITLEY, 2001).

Para Formiga, Gouveia, Maia e Santos (2002) a distinção entre homens e mulheres se baseia nas concepções de que a identidade masculina e a feminina derivam da aceitação de seu sexo biológico. Assim, a sociedade está impregnada de ideologias que servem, de certa forma, como guia e justificação das condutas do indivíduo, legitimando e contribuindo para que homens e mulheres adotem certos esquemas psicológicos, biológicos e de condutas a respeito da formação dos papéis sexuais (PAÉZ, TORRES; ECHEBARRÍA, 1990).

Em um estudo relatado por Triandis (1994), os estereótipos sexuais foram medidos em amostras de 30 países. Os participantes foram solicitados a indicar características típicas de homens e mulheres em uma lista dos 300 atributos (adjetivos) mais utilizados para descrever homens e mulheres. Os resultados mostraram que os estereótipos compartilhados ao redor do mundo afirmavam que as mulheres são emotivas, atenciosas e frágeis, enquanto os homens são agressivos, aventureiros e independentes. Este sistema de crenças caracteriza o sexismo.

Segundo a teoria do sexismo ambivalente (GLICK; FISKE, 1996), o sexismo é um conjunto de estereótipos que avaliam de forma cognitiva, afetiva e atitudinal os papéis apropriados aos indivíduos, em função de seu sexo. As atitudes sexistas justificam e reforçam a desigualdade entre os sexos e podem ser expressas de forma ambivalente, ou seja, por meio de atitudes tanto hostis como favoráveis/benévolas ante o sujeito-alvo de preconceito (ver também GLICK; FISKE, 2001).

Durante décadas, os estudos foram direcionados para o sexismo perante as mulheres (GLICK; FISKE, 2001), influenciados pelas diferenças de poder e status que coexistem com a interdependência íntima entre os sexos. No entanto, atitudes sexistas perante os os homens também são influenciadas por essas diferenças e interdependência. Os homens, caracterizados como possuidores de maior poder na sociedade, são vistos como autoritários no âmbito público, mas incapazes no privado.

Glick e Fiske (1996), numa linha sociocognitiva, procuram aprofundar a concepção de sexismo como um conjunto de estereótipos acerca da avaliação cognitiva, afetiva e atitudinal dos papéis apropriados dos indivíduos na sociedade de acordo com seu gênero. Esta nova concepção encara o sexismo como ambivalente, pois assume dois tipos de expressão: uma direta e tradicionalista, denominada de sexismo hostil, e uma outra forma, mais sutil, aparentemente favorável, denominada de sexismo benevolente (FORMIGA, GOUVEIA, MAIA; SANTOS, 2002). Estes dois tipos de sexismo podem ser descritos como segue (GLICK; FISKE, 2001):

O sexismo hostil é concebido como uma expressão flagrante de preconceito em relação ao gênero, uma antipatia generalizada que reflete uma certa intolerância com relação aos papéis sexuais, baseados na imagem da mulher como um ser frágil e inferior e do homem como um ser forte e superior. Na ambivalência perante os homens, o sexismo hostil associa o sexo masculino a uma imagem autoritária, que busca poder e dominação acima de tudo (FORMIGA e colaboradores, 2002; GLICK; FISKE, 1999; GLICK, LAMEIRAS; CASTRO, 2002).

O sexismo benevolente se refere a uma atitude positiva que muitas vezes é considerada não preconceituosa, pois assume uma postura paternal ou maternal perante o indivíduo de acordo com seu gênero. O homem é visto como o provedor da família, cuja presença garante a proteção e o sustento da casa. Embora estas atitudes sexistas possuam um aspecto favorável com relação ao objeto do preconceito, elas ajudam a perpetuar os padrões sexuais estabelecidos socialmente, que associa diferentes características e funções sociais aos indivíduos de acordo com seu gênero. A benevolência justifica concessões e tratamentos diferenciados entre homens e mulheres e despreza aqueles que se afastam de alguma forma deste padrão (FORMIGA e colaboradores, 2002; GLICK; FISKE, 1999; GLICK, LAMEIRAS; CASTRO, 2002).

Glick e Fiske (1999) afirmam que homens e mulheres são vistos tanto de forma hostil como benevolente e propõem que estas atitudes ambivalentes podem estar associadas às ideologias que as pessoas usam para justificar a estrutura de relações de gênero existente. Elementos como o patriarcado, as relações de gênero e a heterossexualidade estão relacionados a estas ideologias, tomando formas hostis ou benevolentes, a saber (GLICK; FISKE, 1996, 1999, 2001):

Patriarcado. Este elemento pode ter duas vertentes. A primeira, associada ao sexismo hostil, demonstra um ressentimento do patriarcado sentido pelas mulheres pela desigualdade de tratamentos, pelo fato do homem ter mais poder e posturas de superioridade. Ao mesmo tempo em que as mulheres se ressentem pelo poder masculino, estas atitudes são moderadas por uma benevolência com relação aos homens, em um segundo elemento denominado de maternalismo. Especificamente, o maternalismo é a suposição de que os homens estariam perdidos sem as mulheres para orientá-los e tomar conta deles em casa, associados à crença de que as mulheres devem administrar a vida doméstica.

Diferenciação de gênero. De acordo com a sua associação ao tipo de atitude demonstrada, a diferenciação de gênero pode ser compensatória ou complementar. O sexismo hostil inclui uma diferenciação de gênero compensatório, que procura caracterizar os homens como incapazes, principalmente do ponto de vista da vida privada. Esta atitude está relacionada ao maternalismo, mas apresenta um componente hostil. O lado benevolente da diferenciação de gênero é complementar. Ele inclui um reconhecimento dos homens como protetores e provedores da família, que assumem riscos para proteger as mulheres. Kilianski e Rudman (1998) encontraram que as mulheres atribuem características positivas a homens descritos como sexistas benevolentes, o que sugere que homens protetores são admirados por muitas mulheres.

Heterossexualidade. Para Glick e Fiske (1999, 2001) o poder masculino emerge algumas vezes por meio da coisificação sexual das mulheres e do controle sobre decisões importantes nos relacionamentos heterossexuais. Assim, muitas mulheres apresentam uma hostilidade heterossexual, em que é enfatizada uma noção de homem sem caráter, que tenta dominar as mulheres e considera que estas são meros objetos sexuais. No entanto, ao mesmo tempo, as mulheres heterossexuais precisam dos homens como parceiros românticos. Dessa forma, a crença na importância de uma intimidade heterossexual seria o componente benevolente destas atitudes.

De forma sucinta, segundo os autores da teoria, quando o sexismo hostil é direcionado para as mulheres, estas são vistas como alguém que procura retirar o controle do homem ou controlá–lo, por meio da ideologia feminista ou da sedução sexual, enquanto o sexismo benevolente inclui atitudes protetoras, afetivas, mas paternalistas diante das mulheres que se conformam com seus papéis tradicionais. De forma semelhante, atitudes sexistas perante os homens incluem hostilidade, porque os estereótipos convencionais caracterizam–nos como poderosos e arrogantes, mas também benevolentes, que admitem seu papel tradicional de protetor e provedor (GLICK, LAMEIRAS; CASTRO, 2002).

Apesar de parecer inofensivo, o sexismo benevolente pode ter um grande impacto no bem-estar psicológico dos sujeitos-alvo de preconceito, pois apóia a desigualdade entre os gêneros e rejeita aqueles que fogem aos padrões tradicionais, como os homossexuais masculinos e femininos, porque a homossexualidade constitui uma ameaça à sua visão de mundo. Além disso, justificativas benevolentes para a discriminação são mais facilmente aceitas do que as hostis.

Swim e colaboradores (2001) procuraram estudar os efeitos que as atitudes sexistas têm nas pessoas e mostraram que estes incidentes afetam o bem-estar psicológico, por meio de uma redução do conforto e da auto-estima geral, além de um aumento dos sentimentos de raiva e depressão, que podem ser vivenciados por homens e mulheres.

Segundo uma pesquisa realizada por Whitley (2001) com estudantes de universidades públicas norte-americanas, os homens tendem a aderir mais fortemente às crenças tradicionais de gênero do que as mulheres. Estes também costumam vivenciar maior pressão cultural para conformar–se com as expectativas de gênero, como mostra uma pesquisa realizada por Formiga e colaboradores (2002). Com uma amostra de 200 estudantes de Psicologia de João Pessoa, com idades variando entre 20 e 56 anos, e objetivando a adaptação do Ambivalent Sexism Inventory (ASI) para o Brasil, estes autores demonstraram a existência de uma correlação entre o sexismo perante as mulheres e o gênero neste contexto: os homens apresentaram maior sexismo hostil, enquanto as mulheres apresentaram maior sexismo benevolente. No que diz respeito ao sexismo direcionado aos homens, Glick e Fiske (2001) concluíram que, com amostras dos Estados Unidos, Argentina, Colômbia, Cuba, Holanda, Portugal e Espanha, os homens pontuaram mais nas atitudes benevolentes, enquanto as mulheres apresentaram maiores pontuações nas atitudes hostis.

De acordo com Glick e Fiske (2001), estas atitudes ambivalentes surgem mais provavelmente na adolescência. Durante a infância, as crianças apresentam comportamentos e atitudes geralmente hostis com relação a crianças do sexo oposto, constituindo grupos independentes. Na adolescência, ocorre uma transição no que diz respeito às estruturas de relacionamentos entre os pares. O que antes era separado em grupos masculinos e femininos passa a ser interdependente com o aumento do interesse por membros do sexo oposto como parceiros românticos. Essa interdependência serve de base para a redução ou transformação da hostilidade, tornando-a mais sutil e menos diretiva, e ajuda no desenvolvimento de atitudes benevolentes.

Estes papéis sexuais sociais expressam sistemas de crenças tradicionais a respeito dos comportamentos adequados para homens e mulheres. Uma pesquisa realizada por Whitley (2001) demonstrou a relação entre o sistema de crenças de gênero e as atitudes negativas diante da homossexualidade. O sexismo benevolente, o gênero e a aceitação dos papéis tradicionais de gênero explicaram 45,7% da variância das atitudes. Estes mesmos resultados foram observados por Kilianski (2003).

Em resumo, diversos estudos comprovaram a existência de atitudes sexistas hostis e benevolentes perante os homens (GLICK; FISKE, 1999, 2001; GLICK, LAMEIRAS; CASTRO, 2002). Dessa forma, com a presente pesquisa, pretende-se adaptar o Inventário de Ambivalência diante dos Homens (IAH) ao contexto brasileiro. Para tanto, se faz necessário apresentar o instrumento original a ser adaptado, seção esta apresentada a seguir.

 

ANEXO I: Inventário de Ambivalência perante os Homens (IAH)

Para medir estas atitudes ambivalentes perante os homens, Glick e Fiske (1999) desenvolveram o Ambivalence Toward Men Inventory (AMI), que procura integrar tanto a hostilidade como a benevolência perante os homens. Os itens da subescala de sexismo hostil presumem que os homens sempre irão ter maior vantagem de poder e status, e demonstram um certo ressentimento por esta superioridade. Contrariamente, a subescala de atitudes benevolentes avalia positivamente as relações tradicionais de gênero, incluindo crenças que justificam o atual sistema social. No estudo original, um conjunto de 133 itens foi construído a partir de considerações teóricas, sendo complementados com anotações realizadas em grupos de discussão com mulheres, que procuravam listar o que mais gostavam e o que mais detestavam nos homens. Nesses itens, construídos como sentenças afirmativas, os respondentes deveriam indicar concordância ou discordância em uma escala de seis pontos que variava de 0 = Discordo totalmente a 5 = Concordo totalmente. Com base em análises fatoriais exploratórias e confirmatórias, estes itens foram reduzidos a 20, que compreendem a versão final do instrumento.

Um estudo envolvendo 8.360 participantes de 16 países mostrou que as atitudes hostis e benevolentes perante os homens, como medido pelo AMI, correlacionaram–se positivamente com: a) atitudes sexistas ambivalentes perante as mulheres (medido pelo ASI); e b) índices nacionais de desigualdade de gênero, em comparações transculturais na América Latina, Europa, Ásia e Austrália (GLICK e colaboradores, no prelo). Estes autores afirmam que, teoricamente, as atitudes sexistas ambivalentes perante as mulheres são geradas pelas mesmas forças que produzem as atitudes sexistas perante os homens (as diferenças de poder e status e a interdependência entre os sexos). Estes resultados são consistentes com a noção de que a ambivalência perante os homens e as atitudes sexistas perante as mulheres formam um conjunto complementar de crenças tradicionais de gênero (GLICK; FISKE, 2001).

Dessa forma, como objetivo específico, o presente estudo pretende comprovar a estrutura bifatorial conhecida, que contempla os dois tipos de atitudes sexistas: hostis e benévolas. Espera-se que, da mesma forma que tem sido demonstrado pelos autores, ambos os fatores se apresentem como positivamente correlacionados entre si (GLICK; FISKE, 2001; GLICK, LAMEIRAS; CASTRO, 2002). Além disso, será verificada a existência de diferenças significativas nas médias de homens e mulheres nas subescalas hostil e benevolente.

 

Método

Amostra

Participaram deste estudo 205 estudantes de universidades públicas (47%) e particulares (53%), com as mulheres constituindo 51% da amostra. Do total de participantes, a idade variou de 18 a 40 anos (M = 20,8; DP = 3,62). A maioria indicou ser estudante da área de humanas (40%), de classe média (64%) e de religião católica (72%). No que tange ao estado civil, a quase totalidade disse ser solteira (93%). Todos os dados foram coletados na cidade de João Pessoa (PB). A amostra é considerada não probabilística, podendo ser definida como intencional; foram consideradas as pessoas que, quando consultadas, dispuseram-se a colaborar, respondendo o questionário apresentado.

Instrumentos

Inventário de ambivalência perante os homens. Desenvolvido e validado por Glick e Fiske (1999), este instrumento contém 20 itens, divididos em duas subescalas: sexismo hostil (por exemplo, um homem que está sexualmente atraído por uma mulher faz de tudo para levá–la para cama); e sexismo benevolente (por exemplo, em situações de emergência, os homens se desesperam menos do que as mulheres). Esta versão foi traduzida para o português por um psicólogo bilíngüe e avaliada por um segundo psicólogo bilíngüe. Para responder ao questionário, o participante deve ler cada item e indicar o quanto está de acordo com o conteúdo expresso, utilizando uma escala de seis pontos, que apresenta os seguintes extremos: 0 = Discordo totalmente, a 5 = Concordo totalmente. Este instrumento já foi validado em 16 países, apresentando a mesma estrutura bifatorial (GLICK e colaboradores, 2003) e parâmetros psicométricos consistentes nos 16 países (Alfa de Cronbach: Benevolente = 0,77; Hostil = 0,76). Um estudo piloto foi realizado visando verificar a facilidade de compreensão dos itens, traduzidos do original em inglês, no contexto brasileiro, tendo sido realizado com a participação de 28 estudantes do ensino médio de uma escola pública da cidade de João Pessoa. Os participantes apresentaram idade variando entre 14 e 20 anos (M = 15,5; DP = 1,32), sendo 53% do sexo feminino. Sugeriu–se que aqueles itens problemáticos ou ambíguos fossem assinalados pelos respondentes e que estes opinassem sobre a melhor redação do item. Não foram sugeridas modificações, fazendo com que todos passassem ao instrumento final.

Questionário sociodemográfico. Foram elaboradas questões de caráter sociodemográfico (por exemplo, idade, sexo, classe social, religião etc.) para caracterização da amostra. Uma questão sobre o grau de religiosidade dos participantes foi incluída nesta seção. Os participantes foram solicitados a responder o quanto se consideram religiosos, em uma escala, tipo Likert, de 5 pontos, onde 0 = Nada e 4 = Muito (ponto médio = 2).

Procedimento

Os participantes foram abordados em suas instituições de ensino, respondendo ao instrumento de forma individual, em situação coletiva de sala de aula. Uma vez tendo concordado em participar, estes preencheram um termo de livre consentimento, de forma a atender às normas éticas para pesquisas com seres humanos. A todos foi assegurado que suas respostas seriam confidenciais, devendo ser tratadas estatística e coletivamente. Aplicadores de ambos os sexos participaram da coleta de dados, seguindo, invariavelmente, um procedimento padrão no qual, uma vez obtida a autorização do professor da disciplina, estes se apresentavam solicitando a colaboração voluntária dos estudantes presentes. Foi–lhes informado que se tratava de uma pesquisa sobre as relações entre homens e mulheres, não havendo respostas certas ou erradas. Procurou–se igualmente indicar dois endereços institucionais onde os participantes poderiam se dirigir em caso de dúvidas e/ou com o fim de obter informações sobre os resultados da pesquisa. O inventário é auto-aplicável, exigindo mínima interferência por parte do aplicador, esta ocorrendo apenas em caso de dúvidas sobre a forma como responder ao mesmo. Foram necessários cerca de 10 minutos para responder ao instrumento.

Análise dos dados

Para a análise dos dados, foi utilizada a versão 11.5 do pacote estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences). Foram realizadas análises descritivas, bem como o teste t de Student, para verificar as diferenças entre as médias de homens e mulheres, o coeficiente r de Pearson e o cálculo da consistência interna, a partir do coeficiente Alfa de Cronbach. A Análise Fatorial Confirmatória foi realizada com o programa AMOS 4, sendo apresentados os seguintes índices estatísticos X2/gl (graus de liberdade): considerado uma bondade de ajuste subjetiva, são aceitos índices iguais ou inferiores a 5,00; Índice de Bondade de Ajuste (GFI / AGFI): medida de variabilidade explicada pelo modelo. Este índice varia de 0 a 1,00, sendo que quanto mais próximo de 1,00, mais os índices são considerados satisfatórios, indicando que o modelo se ajusta aos dados; Raiz Quadrada Média Residual (RMSR): Baseia–se nos residuais, que se aproximam de zero. Assim, quanto mais próximo este índice for de zero, mais o modelo teórico se ajusta aos dados (JORESKÖG & SÖRBOM, 1989).

 

Resultados

Poder discriminativo e parâmetros psicométricos

O poder discriminativo dos itens foi estabelecido por grupos critério internos, ou seja considerando os 50% dos escores totais abaixo e acima do ponto mediano, denominados de grupo inferior e grupo superior. Mediante o uso do teste t, foram comparadas as médias para cada item, com o objetivo de verificar se estes itens conseguem distinguir pessoas com magnitudes próximas. O resultado desta análise pode ser observado na Tabela 1, a seguir.

 

TABELA 1: Poder discriminativo dos itens do Inventário de Ambivalência perante os Homens (IAH).


Como pode ser observado, do conjunto de 20 itens, apenas um foi eliminado (item 03) por não apresentar um poder discriminativo satisfatório. Assim, 19 itens foram considerados nas análises posteriores.

Os itens do instrumento original foram elaborados segundo a proposta de Glick e Fiske (1999) de que o sexismo ambivalente é constituído por duas categorias principais: o sexismo hostil e o sexismo benevolente. Assim, inicialmente, foi verificada a adequabilidade da amostra à análise fatorial, tendo sido obtidos os seguintes índices: KMO = 0,76 e Teste de Esfericidade de Bartlett X2= 1091,67; p < 0,001. Estes dados sugerem a adequação de se efetuar tal análise.

A partir de uma análise fatorial dos eixos principais (PAF), com rotação oblíqua, encontraram-se dois fatores, com eigenvalues (valores próprios) superiores a 1,0, explicando conjuntamente 29% da variância total. Adotando–se as cargas fatoriais dos itens maiores ou iguais a 0,30, foi possível observar que o inventário proposto para avaliar a ambivalência perante os homens é bifatorial.

No que diz respeito ao índice de consistência interna (Alfa de Cronbach), o fator hostil apresentou um alfa de 0,80, enquanto o fator benevolente apresentou alfa de 0,68. Considerando que os fatores são teoricamente correlacionados, foi realizado o cálculo da consistência interna geral do inventário, sendo encontrado um índice de 0,80. Com estes parâmetros considerados satisfatórios, a escala apresentou validade de construto em sua adaptação a uma amostra brasileira.

 

Análise fatorial confirmatória

Com o objetivo de confirmar a estrutura bifatorial do inventário, foi realizada uma análise fatorial confirmatória. O modelo final testado pode ser observado na Figura 1, a seguir.

 

FIGURA 1: Modelo final do sexismo hostil e benevolente frente aos homens.

Como é possível observar na figura 1, em relação ao conteúdo dos tipos de sexismo ambivalente perante os homens, a solução com os dois fatores foi estabelecida. No geral, o modelo teórico se ajustou satisfatoriamente aos dados: a razão X2/gl foi de 2,21, com um GFI de 0,87, um AGFI de 0,82 e o RMR de 0,21. Além disso, como esperado teoricamente, os fatores apresentaram–se positivamente correlacionados entre si (r = 0,33; p < 0,01).

Sexismo ambivalente e dados sociodemográficos

Além dos parâmetros psicométricos do inventário, também foram realizadas análises para verificar a ocorrência de diferenças de gênero com relação ao construto estudado. A tabela 2 apresenta as médias de homens e mulheres nas respectivas subescalas da ambivalência perante os homens.

 

TABELA 2: Médias de homens e mulheres no sexismo hostil e benevolente.


Como descrito na tabela 2 foi encontrada uma diferença nas médias de homens e mulheres em ambas as subescalas. De acordo com a teoria de Glick e Fiske (1996, 1999), o gênero do participante está relacionado às atitudes sexistas. Assim, como proposto teoricamente, as mulheres apresentaram maiores pontuações médias de sexismo hostil (M = 3,21; DP = 0,72) do que os homens (M = 2,41; DP = 0,87), t (203) = 7,111, p < 0,001; contrariamente, estes apresentaram maiores pontuações médias no sexismo benevolente (M = 2,64; DP = 0,82) do que as mulheres (M = 2,27; DP = 0,82), t (203) = 3,20, p < 0,01.

Além da diferença entre os gêneros, foram realizadas análises de comparação entre as pontuações médias no sexismo hostil e benevolente diferenciando os participantes que tiveram ou não relação sexual prévia, cujos resultados estão descritos na Tabela 3 a seguir.

 

TABELA 3: Médias dos participantes no sexismo hostil e benevolente de acordo com a relação sexual prévia.

 


Como poder ser observado, foi encontrada uma diferença estatisticamente significativa entre os participantes que já tiveram relações sexuais prévias (M = 2,70; DP = 0,88) e os que não tiveram esta experiência (M = 3,07; DP = 0,86) nas pontuações do sexismo hostil [t (203) = 2,82, p < 0,01]. Com relação ao sexismo benevolente, esta diferença não foi considerada significativa [t (203) = 0,54; p > 0,05].

Além disso, apesar de não fazer parte dos objetivos propostos, foram observados os coeficientes de r de Pearson para verificar a existência de correlações significativas entre as subescalas do sexismo ambivalente e a pontuação total com o grau de religiosidade do participante, como pode ser observado na tabela 4, a seguir.

 

TABELA 4: Correlações do sexismo ambivalente perante os homens com o grau de religiosidade.


Como descrito na tabela 4, os participantes consideraram-se religiosos (M = 2,7; DP = 1,14), situando-se acima do ponto médio da escala. Foram encontradas correlações positivas do grau de religiosidade do participante com o sexismo benevolente (r = 0,15, p < 0,05) e a pontuação total do sexismo (r = 0,14, p < 0,05). O sexismo hostil, no entanto, não apresentou uma correlação significativa com esta variável (r = 0,09, p > 0,05).

 

Discussão

O presente estudo procurou conhecer os parâmetros psicométricos do Inventário de Ambivalência perante os Homens no contexto brasileiro. As análises estatísticas efetuadas permitiram a comprovação de sua validade de construto, apresentando índices satisfatórios de bondade de ajuste para a análise fatorial confirmatória realizada. No entanto, é essencial que se postule uma das possíveis limitações desta pesquisa: sua amostra foi reduzida a estudantes universitários. Não se conhece o padrão de resposta deste inventário na população geral. Nesse sentido, espera–se que novos estudos possam ser realizados, com a aplicação deste instrumento em diferentes tipos de amostra, de forma a aprofundar o conhecimento sobre o construto medido.

Quanto aos parâmetros psicométricos deste inventário, os resultados encontrados demonstraram consistência com os descritos na literatura. Os achados de Glick e Fiske (1999, 2001) de que este apresenta uma estrutura bifatorial foram plenamente corroborados. O fator sexismo hostil surgiu com bastante nitidez nas análises fatoriais confirmatórias, sendo o mais representativo das atitudes sexistas. Já o fator sexismo benevolente não se revelou tão claramente definido como o sexismo hostil, sendo um de seus itens retirado por falta de poder discriminativo; entretanto, seus parâmetros também podem ser considerados aceitáveis.

Além disso, como esperado teoricamente, o sexismo hostil se apresentou diretamente correlacionado com o sexismo benevolente, indicando a associação destes dois tipos de atitudes sexistas na manutenção dos padrões sexuais tradicional e socialmente definidos.

Glick e Fiske (2001) descobriram que, no que diz respeito ao sexismo direcionado às mulheres, estas apresentavam maiores pontuações de sexismo benevolente, enquanto os homens pontuavam mais no sexismo hostil. Da mesma forma, como demonstrado no presente estudo, com relação ao sexismo direcionado aos homens, estes apresentaram maior pontuação nas atitudes benevolentes, enquanto as mulheres o fizeram nas atitudes hostis. Estes resultados corroboraram plenamente aqueles descritos por Glick e Fiske (1999) e Glick, Lameiras e Castro (2002).

Uma nova variável foi introduzida neste estudo: a relação sexual prévia. Como demonstrado no tópico resultados, os participantes que ainda não mantiveram relações sexuais apresentaram maior nível de sexismo hostil do que aqueles que relataram ter tido experiência sexual. Estes apresentaram maior pontuação no sexismo benevolente. Tais achados parecem corroborar a proposição teórica de Glick e Fiske (2001), que indica a existência de uma transição das atitudes hostis para atitudes mais sutis e benevolentes com o aumento da intimidade entre homens e mulheres.

Finalmente, sugere–se que, em pesquisas futuras, ambos os instrumentos, de sexismo perante a mulher e perante o homem, sejam respondidos conjuntamente, de forma a verificar o padrão de correlação existente entre os fatores hostil e benevolente de cada um dos inventários. Caberia, igualmente, procurar compreender a base do sexismo perante homens e mulheres. Belo (2003), por exemplo, acredita o sexismo hostil perante as mulheres é explicado adequadamente pelos valores humanos, principalmente por aqueles sociais (r = 0,38, p < 0,001), destacando-se obediência (r = 0,30, p < 0,001) e religiosidade (r = 0,28, p < 0,001). No caso do sexismo benevolente, unicamente o valor religiosidade apresentou uma correlação significativa (r = 0,15, p < 0,01). Seriam os mesmos valores que explicariam as atitudes sexistas perante os homens? Também valeria a pena conhecer o papel do traço de personalidade denominado de desejabilidade social na explicação do sexismo. Esta é uma forma de preconceito, sendo sua manifestação, no geral, vista de forma negativa pela sociedade (PLANT; DEVINE, 1998). Portanto, esperar–se–ia que pessoas que pontuam alto em desejabilidade social, que procuram ser agradáveis e boas na percepção dos demais (SEISDEDOS, 1996), tenderão a indicar menor atitude sexista.

 

Referências

ALLPORT, G. W. The nature of prejudice. Massachusetts: Addison–Wesley, 1954.        [ Links ]

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Endereço para correspondência
Valeschka M. Guerra
Rua Manoel Paulino Junior, 117 – Tambauzinho
CEP 58042–000
João Pessoa – PB
Tel.: (83) 244-1157/9332–5650
e-mail: valeschka-guerra@uol.com.br

Tramitação
Recebido em junho 2004
Aceito em setembro 2004