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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. v.6 n.spe São Paulo  2004

 

ARTIGOS

 

Pedagogia, futuro e liberdade: a instituição escolar representada por professores, pais e alunos

 

Pedagogy, future and freedom: the school institution as represented by teachers, parents and students

 

 

Denise Cristina de OliveiraI, Ignez Salas MartinsII, Frida Marina FischerII, Celso Pereira de SáIII, Antonio Marcos Tosoli GomesI,Sergio Corrêa MarquesI

I Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
II Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo
III Instituto de Psicologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo identificar o conteúdo e a estrutura das representações sociais de professores, pais e alunos do ensino fundamental e médio sobre a instituição escolar e o processo de escolarização formal. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semi-estruturadas e grupos focais. O material coletado foi submetido à análise lexical, análise de evocações livres e análise de similitude. Os resultados indicam a presença de representações diferentes nos grupos estudados. Para os professores, a escola é vista como locus pedagógico; para os pais, a instituição de ensino se apresenta como única possibilidade de futuro para as crianças; para as crianças, a escola é representada como possibilidade de liberdade por meio do conhecimento. Conclui-se que se trata de um processo de estranhamento entre imagens distintas sobre a instituição de ensino, atreladas às práticas cotidianas dos sujeitos, que legitimam as ações de aceitação/rejeição da própria instituição escolar.

Palavras-chave: Instituição escolar, Representação social, exclusão social.


ABSTRACT

Teachers, parents and students’ social representations of the fundamental and medium teaching in the school institution were studied in two districts of the state of São Paulo, Brazil. Data collection was accomplished through semi-structured interviews with 84 teachers and 40 parents, and 34 focus-group sessions with adolescents from 11 to 18 years old. Data were analysed by using the softwares ALCESTE 4.5, for lexical analysis, EVOC, for the analysis of free evocations, and SIMI, for similitude analysis. Results showed different conceptions on the part of each studied group, as a function of the potentialities attributed to the school institution. For teachers, school was seen as a “pedagogic locus”; parents saw the teaching institution as the “only future possibility” for children of popular classes; and students represented the school as the possibility of “freedom through knowledge”. It is then concluded that the processes of social representations construction in the different groups have as their results sharply different images about the school institution, which correspond to the daily practices of those subjects and so legitimate their respective actions of approval or rejection of that institution.

Keywords: School institution, Social representations, Social exclusion.


 

 

Introdução

Para a compreensão de uma dada realidade é necessário identificar as formas como a população que vive determinadas conjunturas reconhece, explica e elabora essa situação. O produto desse processo de retradução da realidade são as representações sociais, que, por sua vez, refletem determinada visão de mundo. São elas também que expressam a forma como crianças e adolescentes são vistos e “construídos” como sujeitos sociais e objeto de cuidados. Isso vai determinar as formas como a sociedade e também a ciência interagem com esses indivíduos e com as problemáticas que os envolvem.

Neste aspecto, cabe considerar que o estudo das representações sociais sobre as relações estabelecidas no processo educacional tem como pressuposto, por um lado, a consideração do processo educativo como participante do processo de desenvolvimento do ser humano, e, por outro, que práticas e representações estão estreitamente associadas numa relação dialética de determinação, podendo-se fazer inferências sobre as práticas educativas a partir do mapeamento das representações, bem como reconhecer os intercâmbios estabelecidos entre trabalho e escolarização. A compreensão desse processo assenta-se, por sua vez, em práticas determinadas por valores interiorizados por pais e educadores e transmitidas às crianças e jovens.

Considerando a instituição escolar como participante ativa do sucesso e do fracasso da escolarização e o trabalho como elemento fortemente associado a esses mesmos processos, a teoria de representação social apresenta-se como referencial teórico rico para a compreensão da assimilação simbólica da instituição escolar, já que participará da determinação das atitudes e também das práticas dos agentes neles implicados. Por outro lado, o processo educativo coloca-se como importante indicador da qualidade de vida, e, como tal, apresenta-se como caminho profícuo para a compreensão das formas de manifestação da exclusão social.

A partir desses pressupostos, definiu-se como objetivo geral a descrição do conteúdo e a análise da estrutura das representações sociais de professores, pais e alunos do ensino fundamental e médio sobre a instituição escolar e o processo de escolarização formal, em dois municípios do estado de São Paulo.

 

Metodologia

A coleta de dados foi feita com a realização de 84 entrevistas semi-estruturadas com professores, 40 entrevistas com pais e 34 grupos focais realizados com adolescentes, na faixa etária de 11 a 18 anos, alunos de 5.ª a 8.ª série do 1.º grau e de 1.ª a 3.ª série do ensino médio.

O tratamento de dados foi realizado utilizando os softwares ALCESTE 4.5, EVOC 4.0, SIMI 95 e AVRIL, conforme especificado abaixo:

Evocação livre: solicitou-se aos entrevistados que produzissem as cinco primeiras palavras que lhes ocorressem a partir dos temas indutoresescola, estudar e desempenho escolar.

Quadro de quatro casas: as evocações foram distribuídas em um quadro de quatro casas, considerando a freqüência e a ordem das evocações produzidas. Essa organização possibilitou a indicação dos termos que, por hipótese, se destacam da representação formando seu núcleo central, bem como a indicação dos elementos que cumprem um papel periférico na mesma (VERGÈS, 1984, 1992; FLAMENT, 1986a).

Análise de similitude: nesta técnica admite-se que dois itens serão mais próximos na representação quanto mais elevado for o número de indivíduos que aceitem ou rejeitem os dois ao mesmo tempo (SÁ, 1996). Essa relação pode ser expressa em um índice de proximidade que varia de 0 a 1 e que pode ser representado em um gráfico de ligações entre os termos, formando árvores máximas de ligações entre os termos da representação) (FLAMENT, 1986b).

Verificação do núcleo central: a interpretação do gráfico de similitude possibilita a confirmação ou o abandono da hipótese da centralidade, resultante da construção do quadro de quatro casas (ABRIC, 1994).

A análise de dados foi realizada à luz da teoria geral das representações sociais, conforme concebida por Serge Moscovici (1976; 1986), e da teoria complementar do núcleo central (ABRIC, 1994).

 

Resultados

A escola e suas representações

Os temas orientadores da coleta de dados foram triangulados entre professores, pais e alunos e são os seguintes: A escola e sua função social; Ensinar e aprender no contexto da escola formal; e A exclusão escolar e o futuro. O estudo de cada tema foi metodologicamente orientado objetivando a análise do campo e da estrutura da representação social, apoiado na teoria geral das representações sociais e na teoria do núcleo central.

 

A escola e sua função social

A escola na sua dimensão de futuro entre os pais e de liberdade entre os alunos

A análise do tema “estudar” entre pais e alunos revelou o predomínio de uma dimensão de futuro entre os pais e de liberdade entre os alunos.

 

 

 

 

Na análise do núcleo central da representação no grupo de pais, observa-se a presença das dimensões moral e do saber como elementos provavelmente constituintes do núcleo central; em nível intermediário, observa-se a reafirmação da dimensão moral e o aparecimento das dimensões do futuro e da necessidade; em nível periférico destaca-se a reafirmação da dimensão moral.

O conteúdo da representação sobre o estudo entre pais é constituído por elementos que destacam a importância da inserção da criança na escola formal, objetivando a aquisição de um capital intelectual e social que não está disponível no seu meio de origem. Por outro lado, essa mesma noção é objetivada na associação da escola à empregabilidade e a uma via de acesso ao futuro, além de funcionar como prevenção da marginalidade, na medida em que “tira a criança da rua”, dando um sentido à sua vida e ocupando o seu tempo. Esse tempo, na visão dos pais, se não ocupado pelo trabalho ou pela escola, funcionaria como uma porta para as drogas e para a marginalidade.

A escola representa e é representada como a via legítima de ascensão social para crianças de meios sociais desfavorecidos, ou como a única via de acesso a um capital simbólico que poderia possibilitar à criança a ocupação de um espaço social e o pertencimento a um campo social, ao qual ela não teria acesso a partir do seu meio de origem, conforme proposto por Pierre Bourdieu (1989).

A hipótese de centralidade apontada pela análise dos quadrantes, no entanto, necessita ser confirmada. Optou-se pelo uso da análise de similitude, que vem confirmar o papel organizador da dimensão moral e revela uma segunda dimensão como central, a do futuro, que nesta análise representa a objetivação, a partir dos instrumentos da nossa sociedade, de efetivação do capital simbólico, reafirmando as noções anteriormente discutidas.

Os resultados observados entre os alunos fazem emergir uma dimensão de futuro associada à representação do estudo, tomando-o como elemento facilitador da ascensão social das classes desfavorecidas, seja essa mobilidade social garantida por um melhor emprego ou profissão, seja ela assegurada por elementos abstratos como “ser alguém na vida”, afirmação essa provavelmente mais associada ao sucesso financeiro.

A dimensão do saber aparece destacada e associa a escola ao aprendizado, visto em diversos planos: o aprendizado de habilidades como ler e escrever, de regras sociais e de características de desenvolvimento valorizadas socialmente, como atenção, educação e inteligência. Desta forma, a escola é concebida pela criança como um locus de saber, que ora é vista como positiva e estimulante, ora é vista como ruim, desinteressante e cansativa.

Entre os elementos periféricos, observa-se sobretudo a escola na sua dimensão de saber e de futuro, mas destacando outros elementos como as relações de amizade, comportamentos da criança associados ao estudo e a infra-estrutura da própria escola. Por tratar-se de um plano com caráter prescrito, os elementos periféricos parecem sinalizar para a função de socialização da escola, em que as dimensões de futuro, saber e moral funcionariam como elementos estáveis associados à aprendizagem.

Concluindo, a escola parece colocar-se para as crianças como um objeto de representação ancorado no plano da liberdade e do saber. Dessa forma, o que se pode afirmar é que essas crianças atribuem sentidos bastante claros à instituição escolar e também algumas funções: a escola parece ter o poder de libertar; a escola funciona como instância de saber; e é estreitamente ligada às possibilidades ou impossibilidades de futuro.

A escola na sua dimensão pedagógica entre professores

A análise das representações sobre o estudo entre professores foi efetuada tomando-se por referente a instituição escolar. A metodologia adotada foi a análise lexical de entrevistas, com a utilização do software ALCESTE 4.5.

O perfil geral das classes resultantes da análise é mostrado no Dendograma 1.

 

 

O resultado da análise foi objetivado no modelo pedagógico desenvolvido pela escola e na relação professor-aluno, resultando dessa análise 4 classes temáticas. A primeira foi responsável por 49,58% do material analisado e as três restantes responderam por, respectivamente, 13,85, 16,62 e 19,94% das UCEs analisadas. O total de UCEs produzidas foi de 246, sendo classificadas para análise 185, representando aproximadamente 75% do conjunto de unidades produzidas.

Numa tentativa de síntese desses resultados, pode-se indicar que os temas organizadores nos quais as falas são centradas são os seguintes:

Modelo pedagógico: observam-se quatro posições; na primeira, esse modelo é referido como dependente de uma perspectiva teórica definida – o construtivismo; na segunda, como dependente dos esforços do professor em buscar novas informações e adequar os conteúdos escolares à realidade dos alunos; na terceira, ele é referido ao vínculo moral e afetivo estabelecido entre professor-aluno-escola; e na última vertente, ele é dependente do perfil dos alunos e das famílias de origem.

– Relação professor-aluno: neste tema são observados três tipos de posições: a relação ética, a relação afetiva e a relação depreciativa (ou ausência de relação).

A relação afetiva configura um modelo pedagógico pautado no vínculo e na relação professor-aluno baseada na afetividade e na valorização do aluno.

A relação ética configura uma relação pedagógica objetivada no vínculo estabelecido com o trabalho, além da afirmação de uma auto-imagem profissional positiva. Essa relação com o trabalho cotidiano se confunde com a própria instituição escolar, já que o posicionamento de positividade é observado tanto quando os entrevistados se referem aos alunos, quanto nos casos em que se referem à instituição. Isso denota a existência de uma relação de harmonia entre professor-aluno-instituição.

A relação depreciativa reflete o modelo pedagógico pautado na dependência do aluno e da família. O perfil discursivo demonstra uma forma específica de visualizar os alunos que desestabilizam a rotina do professor, sendo estes nomeados como “problema”. Esse aluno-problema é definido como aquele que apresenta dificuldade de aprendizagem, que é indisciplinado e desinteressado. Essa adjetivação é observada em grande número de entrevistas, sendo a forma possível de explicação para os professores das dificuldades geradas por um grande número de fatores que interferem no cotidiano escolar. A relação de causalidade observada nos discursos atribui o desempenho do aluno à falta de estrutura familiar, ao desinteresse da família pelo aluno e a problemas familiares. Assim, a família é reconhecida pelos professores como a estrutura que trabalha contra a escola, ou seja, que não valoriza o estudo nem a instituição escolar.

Os alunos que não apresentam um bom rendimento escolar são descritos como desinteressados, preguiçosos, oriundos de famílias com problemas etc., fazendo emergir um ponto de vista negativo sobre os fatores que interferem no trabalho do professor e na aprendizagem.

– Desigualdade urbano-rural no ensino: neste tema observa-se a afirmação da desigualdade existente entre as escolas do meio urbano e do rural sem, no entanto, atribuir responsabilidades por essa forma de relação. A carência destacada corporifica-se na falta de material didático, mas é associada também à carência econômica dos alunos. Observa-se um posicionamento dos professores pela necessidade de um tratamento igualitário entre as escolas da zona urbana e da zona rural.

Os professores buscam um referencial imediato para falar da instituição escolar, que neste estudo são as práticas de ensino. A escola como instituição não é referida pelos entrevistados, nem na sua dimensão propriamente macrossocial de aparelho ideológico, nem na sua dimensão microssocial de elemento formador. Observa-se, assim, que apenas o imediatamente vivido é possível de ser reconhecido e verbalizado por esse grupo.

 

Ensinar e aprender no contexto da escola formal

Auto-referência nas representações de professores e de pais sobre o rendimento escolar

 

 

No quadrante superior direito da análise dos professores, verifica-se a presença dos termos preparo da criança, interesse, dedicação, disciplina e assiduidade, e entre os pais os termos estudar, bom aluno e força de vontade, referindo-se a características da própria criança, estejam essas associadas a uma dimensão individual ou de aprendizagem; nos quadrantes próximos observam-se termos como material pedagógico, metodologia de ensino, professor e avaliação, associando o rendimento escolar a uma dimensão que se refere à escola e ao sistema de ensino, além das dimensões da família e do próprio aluno. Nesse mesmo nível pode-se observar, entre os pais, uma configuração diferente, já que a escola não aparece, mas é revelada a dimensão da família em termos como comportamento afetivo e apoio familiar, além do reforço à dimensão pessoal da criança. Como elementos da periferia da representação, entre os professores, estão presentes termos associados à dimensão da escola; e entre os pais, novamente se observa a associação do rendimento escolar à dimensão individual da criança.

Dessa forma, a hipótese que se pode elaborar é a de que a escola está mais próxima da periferia na representação dos professores sobre o desempenho escolar e as características pessoais do aluno, mais afeita ao núcleo central. Entre os pais, essa hipótese é a de que o rendimento escolar está sobretudo associado à própria criança e à família, seja num plano central ou periférico.

 

 

A análise de similitude dos professores aponta para a aglutinação dos termos em torno das categorias participação, trabalho e escola, o que vem confirmar a hipótese de centralidade da dimensão individual do aluno, aqui explicitada na primeira categoria. Revela, ainda, uma nova categoria como central, a do trabalho, que não aparece na análise das evocações. A categoria família aparece como o terceiro elemento aglutinador, o que poderia indicá-la como também central na representação. Desta forma, a hipótese de centralidade dos elementos nesta análise fica apenas parcialmente confirmada, na atribuição do rendimento escolar às características dos alunos, sejam essas características inatas ou socialmente aprendidas. Mesmo que ocupando um lugar periférico na representação, pode-se afirmar que os professores se auto-referenciam nesta análise e também fazem referência à escola pelo sucesso do aluno no processo de aprendizagem.

Entre os pais, o que se observa é a confirmação dos resultados dos quadrantes. As categorias aglutinadoras são bom aluno, bom comportamento e força de vontade, todas afeitas à dimensão individual do aluno e da aprendizagem. A família aparece apenas como categoria associada às outras, portanto reforçando a posição de periférica na representação dos pais.

 

A exclusão escolar e o futuro

A escola como reprodutora das desigualdades sociais nas representações de professores; o sucesso escolar dentro de uma perspectiva holística nas representações de pais

A análise do núcleo central das representações de pais e professores sobre o tema “evasão escolar” pode ser observada no Quadro 3.

 

 

Na análise dos professores, observa-se como elementos centrais as dimensões do trabalho, da necessidade, do aluno e da família. Os elementos que predominam no núcleo central são a culpabilização do aluno, da família e das condições econômicas desfavoráveis pelo insucesso do aluno, bem como o trabalho infantil. A presença dos elementos associados à família é destacada nos quadrantes próximos, podendo ser considerada também como uma dimensão central nessas representações pela sua significância na análise.

Nos elementos periféricos é destacada a dimensão do aluno, associada à dificuldade de aprendizagem como determinante da evasão escolar, numa clara alusão às dificuldades pessoais da criança como causadora do fracasso escolar.

Merece destaque a ausência da escola e do sistema escolar nessa análise, sendo referidos apenas indiretamente e com pequena importância, em termos como distância e transporte, fazendo referência à dificuldades de acesso à escola.

Entre os pais, as dimensões centrais da representação são a família, o aluno e o caráter valorativo desse processo, com o predomínio da família como determinante do processo de exclusão escolar. Nos elementos intermediários, essa relação de causalidade torna-se pulverizada entre a própria criança e a família.

Entre os elementos periféricos, observa-se novamente a pulverização nas dimensões da vontade, da aprendizagem e do trabalho.

Observa-se a ausência da responsabilização da instituição escolar nas representações de pais e de professores, fazendo refletir sobre os diferentes posicionamentos desses dois grupos.

 

 

A análise de similitude dos professores reafirma o papel organizador das categorias desinteresse dos pais e trabalho; entre os pais, essa análise revela-se mais complexa, destacando uma organização da representação na qual elementos como o convívio social, o acompanhamento dos pais, o interesse do aluno, o trabalho, a possibilidade de futuro e a marginalidade vão determinar a permanência da criança na escola.

Deve-se destacar a ausência da responsabilização da instituição escolar e a posição diferencial do trabalho nas representações de pais e de professores, sendo que para os primeiros o trabalho é periférico na representação e, para os segundos, é central.

Na comparação das presenças e ausências nas duas análises, particularmente nas representações de professores, o que é evidente é a ausência de qualquer referência à escola e ao sistema de ensino nas respostas dadas ao termo indutor “evasão escolar”, indicando uma ausência de referências ao papel do professor e do sistema escolar na manutenção da criança na escola, sugerindo uma situação de anomia do professor em relação ao seu próprio papel dentro da instituição escolar. Assim, nas representações dos professores sobre esses dois processos, observa-se a dificuldade de auto-referência em processos compreendidos por eles como “negativos”, já que essa situação viria acompanhada da culpabilização de “alguém por algo”. Em oposição a essa forma de anomia, observa-se que os professores se auto-referenciam, e também fazem referência à escola, pelo “sucesso” do aluno, quando incluem diversos termos relativos ao sistema escolar nas suas associações ao rendimento escolar.

O segundo aspecto a observar refere-se à presença absoluta da associação da evasão escolar à situação socioeconômica dos alunos e das famílias entre os professores.

Observa-se a corporificação de uma forma particular de exclusão, ou seja, a exclusão simbólica do aluno do sistema escolar a partir das representações dos professores. Já que, ao se auto-excluir da problemática vivenciada no dia a dia e associá-la a um universo ao qual o professor não tem acesso nem autonomia (o sistema econômico, as relações familiares), os mesmos eliminam a possibilidade de interferir nesse processo, naturalizando a exclusão.

 

A escola como futuro nas representações dos alunos

Foram analisadas as representações de alunos do ensino básico e médio, nas faixas etárias de 11 a 14 anos e de 15 a 18 anos. O perfil das classes foi bastante semelhante nos dois grupos, diferenciando-se apenas em relação à explicitação de particularidades relativas ao grau de maturidade observado no segundo grupo, o que faz supor um universo representacional que não varia em função da faixa etária. Os eixos temáticos resultantes das duas análises foram: a relação trabalho/escola, as relações pessoais na escola, as relações familiares e o futuro.

Observaram-se, na análise da faixa de 11 a 14 anos, 4 classes temáticas, a primeira responsável por 28,32% das UCEs analisadas (classe 1), a segunda respondendo por 31,59% (classe 2), a terceira por 27,02% (classe 3) e a quarta por 14,07% (esta classe não está sendo apresentada, pois circunscreveu apenas os dados de identificação dos sujeitos, não contribuindo com dados significativos para o presente estudo). O total de UCEs produzidas foi de 328, sendo classificadas para análise 282, representando aproximadamente 87% do conjunto.

Os alunos do ensino médio compuseram um segundo grupo, resultando em 5 classes discursivas. A primeira foi responsável por 16,90% do material analisado, a segunda respondeu por 17,14%, a terceira por 12,38%, a quarta por 43,81%, e a quinta por 9,76%. O total de UCEs produzidas foi de 584, sendo classificadas para análise 408, representando aproximadamente 70% do conjunto produzido.

 

 

 

 

As principais concepções presentes nas duas análises acima apresentadas são as seguintes:

1. Noções relativas à compreensão do futuro como resultante do esforço pessoal, traduzido pelo estudo e pelo trabalho, e a associação destes como fatores determinantes do futuro, na medida em que, em tese, poderiam assegurar uma melhor colocação profissional. O futuro coloca-se como um ideal a ser conquistado em função da capacidade de autopropiciar uma formação adequada por intermédio do estudo, na medida em que são reconhecidos como pressupostos para a empregabilidade. Os jovens reconhecem as dificuldades de colocação no mercado de trabalho e atribuem à escolarização o diferencial de competitividade possível com os jovens com melhor formação.

A escola pública é tratada como um dos desafios a serem vencidos, a partir do empenho dos alunos e de sua maior dedicação, como ferramentas para vencer a má qualidade de ensino oferecido. A associação do sucesso profissional ao estudo aparece referenciada à formação em nível superior, ou seja, “fazer uma faculdade” ainda representa para esses alunos o caminho para a melhoria das condições de vida (classe 1).

2. As contradições colocadas pelo trabalho no cotidiano dos alunos são reconhecidas pelos mesmos, que tentam negá-las como forma de reafirmar a possibilidade de construção de um futuro. Apesar de caracterizada como “difícil”, a realização das aspirações de sucesso profissional e financeiro apresenta-se como possível para os alunos estudados, na medida em que dêem a sua contrapartida de investimento. Não são consideradas nas representações desse grupo quaisquer outras variáveis que não o esforço pessoal, reafirmando, dessa forma, uma relação de determinação do tipo unicausal, característica da dimensão moral do trabalho observada na análise do núcleo central das representações. Na análise do 2.º grupo essa questão é mais acentuada do que no 1.º grupo (classe 1 e classes 1 e 5).

3. As preocupações dos jovens com as relações estabelecidas entre professor e aluno destacam os impasses vivenciados em função da hierarquia rígida existente na escola e do papel de dominação do professor nessa relação, caracterizada pelo desrespeito e pela não escuta do aluno. O “bom professor” é definido como aquele que é amigo, que conversa e que escuta os alunos. Configuram-se nessas falas relações conflituosas entre professor e aluno, pautadas na agressividade e na falta de limites, e também o posicionamento dos alunos pela necessidade de estabelecimento de relações pautadas no respeito, tanto por parte dos alunos quanto dos professores. Este posicionamento refere-se à análise do 1.º grupo (classe 2).

Os impasses da relação professor-aluno na análise do 2.º grupo apresentam uma configuração diferente do 1.º, afirmando a auto-responsabilização do aluno pelos problemas do cotidiano e pelo sucesso da escolarização. Não se observa uma relação de conflito com os professores, mas de co-responsabilização, sendo que o conflito parece ceder lugar à maturidade e a uma relação de igualdade com os professores (classes 2 e 3).

4. Reconhecimento das deficiências do sistema escolar e suas conseqüências para o futuro, tais como as ausências recorrentes dos professores, implicando improvisações do ensino, as deficiências da escola pública, a responsabilização do Estado pelas dificuldades do sistema escolar. Esta é uma preocupação identificada no 2.º grau, não sendo referida no 1.º (classes 2 e 3).

5. Entre os alunos de 1.ª a 3.ª série do ensino médio, a produção discursiva sobre a escolarização e a instituição escolar reflete o seu posicionamento no mundo, na medida em que a escola se coloca como o caminho para a construção de um futuro diferente daquele esperado em função das suas condições de classe. As relações sociais e o aprendizado para uma vida em sociedade são destacados pelos jovens como processos que também se passam na escola, não reconhecendo o espaço escolar como locus de aprendizagem formal apenas, mas como lugar de aprendizado da vida em sociedade.

 

Considerações finais

Considera-se, para efeito deste trabalho, que as representações sociais são indispensáveis para a compreensão da dinâmica social, bem como informativas e explicativas da natureza das ligações sociais, intra e intergrupos, e das relações dos indivíduos com seu ambiente social, tornando-se assim um elemento essencial na compreensão dos determinantes dos comportamentos e das práticas sociais.

Por outro lado, uma das funções primordiais do sistema educacional é funcionar no sentido da socialização e integração da criança ao universo cultural e simbólico da sociedade, dando-lhe instrumentos capazes de modificar a sua realidade.

Na análise do rendimento escolar, observa-se que pais e professores apresentam perfis representacionais diferentes, distinguindo-se duas representações principais. O rendimento escolar é associado a uma imagem de culpabilização das famílias, da própria criança e do trabalho pelo insucesso escolar, tomado pelos professores como resultante dos esforços familiares e pessoais, e também determinado pelo trabalho; e a uma imagem ancorada na perspectiva de futuro como elemento definidor do sucesso escolar, sem negar a participação da família e da própria criança nesse processo, além de uma reafirmação da escolarização como via de alcance desse futuro, observada entre pais.

Essas representações cumprem algumas funções, devendo-se destacar a naturalização do fracasso escolar e a defesa da insA?tituição escolar, no caso dos professores, cuja atividade representativa se destina a regular, antecipar e justificar as relações sociais estabelecidas na instituição de ensino, reforçando o seu caráter de aparelho ideológico. Cumpre, ainda, uma segunda função de negação das condições adversas de vida, pela ambigüidade relativa ao trabalho e a perspectiva de futuro como única possibilidade de negação das condições de vida enfrentadas pelas famílias e pelas próprias crianças, com vistas à prescrição de comportamentos e de práticas, definindo o que é lícito, tolerável ou inaceitável no contexto social específico do trabalho infantil.

As crianças participantes do estudo atribuem sentidos específicos a cada objeto analisado e funções distintas. A evasão escolar é associada à dimensão de valor moral e de necessidade econômica. No entanto, à escola é atribuído o poder de libertar e é reconhecida como instância de saber, além de ser associada às possibilidades e impossibilidades de futuro. Observa-se uma crença na escola como instituição capaz de ensinar e de possibilitar um melhor futuro para crianças e adolescentes.

Deve-se considerar que as representações sociais podem ser vistas como elementos facilitadores das relações sociais, ou seja, o desenvolvimento das interações entre os grupos modifica as representações que os membros formam de si próprios, de seu grupo social, de outros grupos e de seus membros. Mobiliza uma atividade representativa destinada a regular, antecipar e justificar as relações sociais estabelecidas. Assim, a ausência de autoreferência e de responsabilização do sistema escolar pela permanência do aluno na escola agrava a situação. Num contexto social em que o trabalho da criança e do adolescente é naturalizado e no qual a permanência da criança na escola é atribuída a características pessoais da mesma e ao sistema econômico e familiar apenas, dificilmente se poderá esperar que mudanças qualitativas possibilitem a emergência de uma situação social e simbólica menos excludente.

O que se pode concluir a partir dos indicadores analisados, particularmente a evasão escolar e a retenção, é que se trata de um processo ensino-aprendizagem excludente. A instituição escolar perde sua justificativa pedagógica e transforma-se num instrumento de punição que pré-classifica o “bom” e o “mau” aluno. Esse processo discriminatório culmina com o “convencimento” de um determinado contingente de crianças e adolescentes de que o mundo escolar não lhes pertence. Assim, a evasão não é acidente de percurso na história escolar nesses municípios, mas é o resultado final de um processo concreto e simbólico de exclusão, vivenciado dia-a-dia na relação professor-aluno e trabalho-escola.

Essas crianças, que já fazem parte de uma população considerada socialmente excluída, perpetuarão essa situação de exclusão na medida em que se distanciam dos valores cultuados pela sociedade atual, a educação entre eles.

Desta forma, considera-se a necessidade de se repensar as formas de constituição das políticas de promoção de desenvolvimento local, a educação entre elas, para a análise dos seus reais impactos sobre as condições de vida desse grupo populacional. Essa reflexão implica a consideração dos mecanismos psicossociais de constituição da realidade pelos sujeitos e grupos sociais, além do papel da comunicação e da ideologia nas ações de transformação da realidade social.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Denize Cristina de Oliveira
Rua General Ribeiro da Costa, 178 – Apto. 1201
22010-050, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
E-mail:dco@uerj.br

Tramitação
Recebido em fevereiro 2004
Aceito em março 2004