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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. v.7 n.1 São Paulo jun. 2005

 

ARTIGOS

A afetividade na organização do raciocínio humano: uma breve discussão

 

The affectivity in the organized of the human reasoning: a brief reflection

 

 

Fausto Eduardo Menon Pinto

Faculdade de Educação - UNICAMP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este ensaio procura debater empiricamente o papel da afetividade na organização do raciocínio humano. Como suporte psicológico escolheu-se a Teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento. Apresenta-se parte de alguns dados de uma pesquisa empírica na área da Psicologia Básica. Nessa pesquisa, selecionaram-se como amostra 60 sujeitos de duas escolas de Campinas (São Paulo), solicitando-se aos alunos que respondessem a uma situação conflitiva em que uma personagem pede R$10,00 para pagar um exame de sua mãe. Dividiu-se a temática da situação-conflitiva em duas partes: uma descontextualizada e outra contextualizada. Na primeira, não houve qualquer descrição da personagem do conflito. Na segunda, colocaram-se elementos afetivos positivos e negativos da personagem no texto, sendo que os alunos do 3º ano do Ensino Médio responderam a uma situação contextualizada positiva, ao passo que os alunos do 2º ano responderam a uma situação contextualizada negativa. Após leitura dos protocolos, foram elencadas três categorias de análise: a primeira corresponde à ajuda do sujeito à personagem, a segunda indica a recusa em auxiliá-la e a terceira indica que o sujeito não sabe o que fazer e/ou tem dúvida. Os dados obtidos evidenciaram que a afetividade, encontrada nas situações contextualizadas positiva e negativa, favoreceu o curso do raciocínio dos sujeitos, modificando consideravelmente a forma de organizá-lo acerca da situação-conflitiva e indicar uma certa tendência em “se envolver” com o problema da personagem, procurando assim ajudá-la.

Palavras-chave: Psicologia, Afetividade, Emoção, Sentimento, Raciocínio humano.


ABSTRACT

This article debates empirically about the affectivity’s paper in the organization of the human reasoning. The Thought Organization Models theory was utilized as the psychological foundation. It introduces part of some data of empiric research proveniences of a study of the Basic Psychology. In this research, they selected as sample 60 subjects of two schools in Campinas (São Paulo), asking them who answered to a conflictive situation in which a character asks R$10,00 to pay a mother's exam. The premise of the moral dilemma is then structured into two scenarios: the first is non-contextualized and the second is contextualized. In the non-contextualized scenario, there is no description whatsoever of the character involved in the dilemma. The contextualized scenario on the other hand, includes demonstrative affectionate descriptors both positive and negative in nature referent to the character. The third grade students responded to positive contextualized scenario and the second grade students to a negative contextualized scenario. After reading of the protocols, for discussion of the answers, were produced three analysis categories: the first corresponds help from subject to the character, the second that indicates the refusal in assist her third in which the subject does not know what to do and/or it has doubts. The data obtained substantiated that affection, found in the contextualized scenarios both negative and positive, favored the thought process of subjects, considerably modifying the manner in which it was organized in regards to the moral dilemma and to indicate a certain tendency in “if involve” with character's problem and searching thus avail her.

Keywords: Psychology, Affectivity, Emotion, Feeling, Human reasoning.


 

 

Introdução

O presente artigo aborda a problemática da afetividade no funcionamento psíquico, destacadamente na configuração do raciocínio dos seres humanos. Nesse caso, a dimensão afetiva será analisada no contexto escolar. Para tal, propõe-se uma breve discussão acerca do funcionamento psíquico de seres humanos, mais precisamente alunos, na hora de refletir a respeito de uma situação-problema, levando-se em consideração a participação que a afetividade exerce na organização do raciocínio humano. É bom esclarecer aos leitores que a revisão teórica, análise e discussão parciais dos dados empíricos, nas próximas páginas, provêm da finalização de um trabalho de mestrado (PINTO, 2004a), bem como de sua reflexão posterior.

 

Revisão Teórica

A afetividade é uma das temáticas mais requisitadas por poetas, desde o momento em que o ser humano começou a transpor para o papel seus mais íntimos e subjetivos pensamentos. Trata-se de um assunto de fundamental importância na descrição de matizes da personalidade psicológico-humana. Para se ter uma idéia exata disso, uma representação grega acerca da afetividade, que outrora se fez acerca da natureza subjetiva humana, faz alusão ao coração, que é simbolizado como o órgão que abrigava a emoção e sensibilidade humanas (PINTO, 2004a).

Tanto isso é verdade que, em todos os tempos, a figura mítica de Eros, o Deus do Amor na mitologia grega, mais conhecido entre os leigos como Cupido, tem servido como fonte de inspiração artística para os sentimentos. Sua imagem centra-se na figura de uma criança com asas, despida, de temperamento jocoso, e levando em suas mãos arco e flecha. O mortal ou o deus que fossem atacados por sua flecha ficaria intensamente apaixonado (SCHMIDT, 1998; COLMAN, 2003).

Porém, acredita-se que é ainda habitual a afirmação de que a natureza psicológica está dividida em duas partes categóricas: uma racional e a outra afetiva, fazendo-se assim uma divisão psíquica entre “o que é pensado e o que é sentido afetivamente”. Dessa forma, ao que tudo parece a afetividade seria vista como uma verdadeira antítese da cognição, segundo a qual poderia até mesmo prejudicar o funcionamento da atividade intelectual. Quanto a isso, provavelmente pode-se entender que a afetividade seja:

[…] tradicionalmente menos estudada do que outros aspectos do psiquismo devido, por um lado, à tradição racionalista e intelectualista do nosso saber e, por outro, a sua “essência” eminentemente subjectiva torna-a menos susceptível de objetivação científica (PESTANA e PÁSCOA, 1998, p. 14).

Ademais, ouve-se com certa freqüência que o ser humano deveria “controlar” qualquer estado afetivo, na medida em que controlá-lo seria, segundo Calhoun e Solomon (1989, p. 321), como “[…] enjaular y domesticar una bestia salvaje […]”. Desse comentário, a afetividade poderia ser apregoada como algo “desprezível” no estudo da Psicologia, principalmente no funcionamento psicológico. Sendo assim, o porquê do uso comum da falsa afirmativa de que a afetividade organizaria “negativamente” o funcionamento psicológico como um todo. Criticamente, essa discussão enquadra-se em máximas populares, as quais

[…] ouvimos freqüentemente na vida cotidiana: “não aja com o coração”, “coloque a cabeça para funcionar”, “seja mais racional”. Nessa perspectiva, parece-nos que para uma pessoa tomar decisões corretas é necessário que ela se desvincule dos próprios sentimentos e emoções (ARANTES, 2002, p. 161).

Por um outro lado, sugere-se que é possível incorporar na Psicologia o estudo da dimensão afetiva, sem que com isso haja a perda do seu status de ciência. Entende-se, portanto, que ao organizar psiquicamente as mais variadas experiências do dia-a-dia, o ser humano utiliza a afetividade na solução de uma situação-conflitiva. Em outras palavras:

O importante é compreender que a vida afetiva – emoções e sentimentos – compõe o homem e constitui um aspecto de fundamental importância na vida psíquica. As emoções e os sentimentos são como alimentos de nosso psiquismo e estão presentes em todas as manifestações de nossa vida. Necessitamos deles porque dão cor e sabor a nossa vida, orientam-nos e nos ajudam nas decisões (BOCK e colaboradores, 1999, p. 198).

Como se sabe, na linguagem diária e marcada pelo coloquialismo, isenta dos códigos científicos, as pessoas tendem a usar, no jargão oral, emoção, sentimento e afetividade como sinônimos, ao falar de uma experiência psicológica particular. Sem se estender nesse instante em uma provável diferenciação entre estes termos, pois não é o objetivo desse ensaio, diante de tantas definições adota-se, como comparação, as características escolhidas por Moreno (1998, p. 15):

Así, por ejemplo, partiendo del término “afectividad”, se descubrirá que se trata de una ‘propensión a los afectos o “emociones”, definidos como “cualquiera de las pasiones del animo”, entre las que se citan “el amor, el odio, la ira etc.”. Ello nos conduce directamente a la palabra “emoción”, que es definida como ‘estado afectivo que transforma de un modo momentáneo pero brusco la estructura psicofísica del individuo […] el choque emotivo brusco y el estado como forma de sentimiento […] lo que nos aboca directamente a este último término, definido por el mismo diccionario como “estado afectivo del animo”.

Frente a esses vocábulos, opta-se pela afetividade (proveniente do latim affectus) pelo rigor contextual que compreende o significado desse vocábulo. Araújo (2003, p. 156) especifica sobre a afetividade o seguinte:

A afetividade, portanto, seria um termo genérico que dá qualidade ao que é afetivo, que dá significado ao conjunto de afetos que sentimos em relação a nós mesmos e aos demais, à vida, à natureza etc.

Por essa definição, pode-se pressupor que a afetividade acolhe as expectativas de lidar com um ser humano imerso em um complexo universo de significados simbólicos. Nesse sentido, a afetividade consegue englobar um conjunto de estados de ânimo e, além do mais, englobando uma organização viva de significados e conteúdos psicológicos, tais como tristeza, amor, paixão, inveja, desesperança e outros mais (PINTO, 2003, 2004b).

A partir disso, surge a idéia de que a afetividade é traduzida pela sua real complexidade de significados, que se manifestam fundamentalmente no psiquismo do ser humano. Por toda essa discussão, a afetividade estaria unida ao domínio do íntimo e pessoal, do mundo privado e subjetivo do ser humano (PINTO, no prelo).

Por essa perspectiva, o autor não concorda com algumas tendências das abordagens cognitivistas de analisar a cognição como moduladora da afetividade. Estas tendências acabam valorizando mais o processamento de informação do que o afeto propriamente dito.

No que concerne a esse aspecto em especial, tende-se a acreditar que os pensamentos são influenciados tanto pela ação cognitiva quanto pela afetividade. De tudo isso, a afetividade coabitaria psiquicamente em igual proveito com a cognição, e teria uma importância considerável na organização do raciocínio humano, possibilitando-se até afirmar haver uma interação dinâmica entre cognição e afetividade, sendo que eles “não constituem dois universos opostos” (MORENO e colaboradores, 1999, p. 15).

Imbuído nessa discussão, surge o interesse em procurar novas contribuições teórico-metodológicas que entendam o fenômeno afetivo como algo complexo, sem atê-lo simplesmente a meras descrições agradáveis e/ou desagradáveis. Por isso, acredita-se em uma realidade teórico-psicológica na qual se olhe o ser humano como o produto dinâmico de processos intelectuais e também afetivos.

Nessa mesma linha de pensamento, começam a surgir alguns debates teóricos e estudos empíricos acerca do papel da dimensão afetiva na organização do pensamento. A respeito disso, vê-se a teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento (MORENO e colaboradores, 2000) como aquela que se predispõe a explicar empiricamente a enorme diversidade de raciocínios humanos, diante da resolução de uma situação-problema.

Para se entender inicialmente, a teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento concebe que o ser humano articula, psiquicamente, modelos ou sistemas dinâmicos “…que lhe permitem orientar e conhecer grande parte do mundo que o rodeia” (MORENO e colaboradores, 2000, p. 78). Em outras palavras, os modelos organizadores seriam os “óculos” (simbolicamente falando) dos sujeitos psicológicos a enxergarem a realidade.

De uma forma geral, essa teoria idealiza…

[…] um modelo organizador como uma particular organização que o sujeito realiza dos dados que seleciona e elabora a partir de uma determinada situação, de significado que lhes atribui e das implicações que deles se originam (MORENO e colaboradores, 2000, p. 78)

Pode-se acrescentar aos modelos organizadores a síntese de diversas atividades cognitivas realizadas pelo sujeito psicológico em seu psiquismo, ora frente a uma situação, ora frente a uma experiência em particular. Nessa síntese, o sujeito psicológico, segundo a teoria, articula mentalmente três etapas que acontecem ao mesmo momento. Desse modo, o sujeito abstrai dados da realidade fenomenal, atribuindo-lhe significados e aferindo implicações entre o dado selecionado e os seus respectivos significados atribuídos (MARTINS, 2003; ARANTES, 1998; AFFONSO, 2003).

Isso vem a comprovar que, já na abstração, o sujeito psicológico não faz uma cópia exata da realidade externa; ele abstrai somente os dados que sejam significativos. Nas palavras de Arantes (1998, p. 31).

No processo de abstração de dados o sujeito psicológico diante de uma determinada situação, certamente não retém todos os dados da realidade. Faz uma seleção: retém aqueles dados que para ele são significativos e rechaça os que não considera significativos e pertinentes.

Falando sobre a atribuição de significados, é interessante ver que o sujeito psicológico aplica significados aos dados abstraídos, podendo-se julgar, então, que nem todos os modelos elaborados são estáticos, e sim dinâmicos: alguns modelos organizadores do pensamento permanecem como base na estrutura psíquica e outros modelos vão sendo reconfigurados, segundo o experienciar do sujeito psicológico. Pode-se explicar assim…

Em relação ao processo ‘atribuição de significados’ (condição que faz com que eles sejam considerados/abstraídos ou não na elaboração de um modelo), vale ressaltar que, um mesmo sujeito, em diferentes situações pode atribuir significados diferentes à um mesmo dado (ARANTES, 1998, p. 32).

A fim de pontuar a relação entre abstração dos dados e atribuição de significados, Arantes (2003, p. 119) argumenta que:

[…] os processos de abstração e atribuição de significados aos dados ocorrem simultaneamente. Essa última é condição sine qua non para que os dados sejam considerados/abstraídos ou não na elaboração de um modelo.

Noutras palavras, os Modelos Organizadores do Pensamento favorecem a constatação empírica do complexo funcionamento do psiquismo de seres humanos. Os seres humanos fazem o uso de modelos organizadores ao aplicarem determinados raciocínios sobre uma situação qualquer ou, quem sabe, uma situação problemática. Eles se constituem naquilo em que é tido por cada sujeito psicológico como “a realidade”. Diferentemente do que se possam imaginar, os modelos organizadores não são configurados tão-só pela cognição, e sim, incluem-se nesta lista, a afetividade, representações sociais, valores e desejos do sujeito psicológico.

Sobre essa questão, é evidente supor que, na resolução de uma situação-problema, nem todos os julgamentos provenham necessariamente da cognição. Para a teoria, a afetividade pode influenciar decisivamente o desenvolvimento de novos raciocínios:

Assim como a organização de nossos pensamentos influencia nossos sentimentos, o sentir também configura nossa forma de pensar. Com isso, o papel da afetividade deixa de ser apenas motivacional no funcionamento psíquico, assumindo um papel também organizativo (ARANTES, 2000a, p. 150)

Além disso, esse debate destaca que a cognição e a afetividade fazem parte simultaneamente de um mesmo processo de raciocinar. Em questão, há uma relação funcional e dinâmica entre “coração e razão” (afetividade e cognição) no sujeito psicológico, de tal modo que nenhuma anularia o papel de outra; elas se interporiam uma a uma. Dessa maneira:

Essa idéia permite compreender que, do ponto de vista funcional, os modelos organizadores que o sujeito elabora comportam aspectos cognitivos e aspectos afetivos (ARANTES, 2000b, p. 62)

Nesse fim, passa-se a acreditar, inicialmente, que a afetividade e a cognição …

[…] funcionem psicologicamente de maneira dinâmica e construtiva, como peças conjuntas de um processo único no funcionamento psicológico, sendo de pouca importância dividi-las em fragmentos dissociados entre si. Em cada experiência, o ser humano é cognitivo-afetivo ao mesmo tempo; estando em proporções variáveis ‘mais’ afetivo ou ‘mais’ cognitivo, ou quem sabe ambas as duas somadas. Ou seja, sendo inseparáveis (PINTO, 2004a, p. 109).

Para concluir esta breve revisão teórica, acredita-se que os Modelos Organizadores do Pensamento conseguem assinalar conceitualmente para novos caminhos teóricos no que diz respeito ao entendimento do funcionamento psíquico, ao integrar alguns aspectos representativos da natureza psicológica do ser humano, como a cognição e a afetividade diante da resolução de uma situação conflitiva.

 

Método

A amostra foi composta de 60 sujeitos, todos eles do Ensino Médio, provenientes de duas Escolas: uma da rede Particular e outra Pública Estadual, ambas na Região Metropolitana de Campinas. Dessa amostra, cumpre lembrar que 37 sujeitos são do sexo feminino, ao passo que 23 são do masculino, sendo 16 anos a média da faixa etária deles.

Técnica de coleta de dados

Em concordância com a revisão teórica, elaborou-se um instrumento de coleta de dados na tentativa de ser tanto quanto objetivo dentro de um universo subjetivo dos sujeitos. Logo de início, soube-se da provável dificuldade em compor um instrumental que procurasse compreender a organização subjetiva do ser humano. Para isso, elegeu-se a investigação empírica da representação da ação de sujeitos em presença de uma situação-problema em duas situações de um mesmo conflito, onde uma delas está presente um conteúdo de natureza afetiva.

Quanto ao desenho instrumental, elaborou-se uma situação-problema em que uma personagem hipotética solicita a quantia de dez reais (R$10,00) para pagar o exame médico de sua mãe. Veja a situação-problema e as perguntas apresentadas: “Você esta saindo do supermercado do seu bairro e uma pessoa da sua idade te pede R$ 10,00 para ajudar a pagar o exame médico da mãe”.

QUESTÃO 1: O Que Você Faria? Por quê? Explique Detalhadamente Sua Resposta.

Esse mesmo conflito foi dividido em duas situações específicas. Em uma delas, não houve qualquer referência sobre a personagem; enquanto noutra, ela foi descrita afetivamente. A esse respeito, incorporaram-se descrições de aspectos afetivos positivos e negativos, como, por exemplo, a personagem em uma situação contextual era descrita sendo afetuosa e amiga. Veja abaixo as duas situações-problema e as perguntas apresentadas:

Pedro é um garoto de 15 anos, estudioso, responsável, afetuoso, amigo e que sempre se preocupa com seus familiares e seus colegas de escola. Seu pai, Francisco, trabalha como servente de pedreiro. Já sua mãe, Maria, trabalha como empregada em algumas casas do bairro onde moram. Agora ela está desempregada e muito doente. Nesta semana, sua mãe teria que fazer com urgência um exame médico que custa aproximadamente R$1.000,00, cuja importância em dinheiro eles não têm. Pedro que gosta muito de sua mãe, e sem pensar numa alternativa naquele momento, decidiu pedir ajuda para algumas pessoas para pagar o exame de sua mãe doente. Você conhece Pedro de vista. Ele te vê saindo do supermercado do seu bairro e te pede R$ 10,00 para ajudar a pagar o exame médico da mãe.

QUESTÃO 2: O Que Você Faria? Por quê? Explique Detalhadamente Sua Resposta.

Pedro é um garoto de 15 anos que não gosta de estudar, é irresponsável, mentiroso, agressivo e violento com seus familiares, com seus colegas de escola e os demais moradores do bairro. Seu pai, Francisco, trabalha como servente de pedreiro. Já sua mãe, Maria, trabalha como empregada em algumas casas do bairro onde moram. Agora ela está desempregada e muito doente. Nesta semana, sua mãe teria que fazer com urgência um exame médico que custa aproximadamente R$1.000,00, cuja importância em dinheiro eles não têm. Você conhece Pedro de vista. Ele te vê saindo do supermercado do seu bairro e te pede R$ 10,00 para ajudar a pagar o exame médico da mãe.

QUESTÃO 3: O Que Você Faria? Por quê? Explique Detalhadamente Sua Resposta.

No conflito da questão 3+, o tema central continua sendo a personagem que solicita um valor de dez reais (R$10,00) para pagar o exame médico de sua mãe. Só que aqui a personagem é um garoto, em distinção com a questão anterior, que passa a ter um nome e “qualificadores pessoais” de natureza afetivo-positivos (“responsável, afetuoso, amigo[…]”). Definindo melhor a palavra “qualificador pessoal”, há textualmente uma diferenciação na descrição da personagem, principalmente de ordem psicológico-pessoal.

No que tange ao último conflito, a questão 3- segue uma mesma interface de descrições afetivas, muito embora agora se abone aos sujeitos um certo número de elementos contextuais negativos, presentes na situação-conflitiva. Como explicação, os elementos contextuais afetivo-negativos podem ser determinados pela forma peculiar de sua contextualização. Nesse conflito, a personagem apresenta “qualificadores pessoais” afetivo-negativos, como exemplo, “não gosta de estudar, é irresponsável, mentiroso[…]”, sendo o oposto da questão 3+.

Como uma comparação entre os três conflitos, na questão 1 não existem elementos adicionais que complementam a personalidade e os porquês da atitude da personagem. Pelo contrário, nas questões 3+ e 3-1, o conflito traz implicitamente informações que se referem à personalidade da personagem hipotética da situação-problema e os porquês de sua atitude. Por exemplo, a personagem possui um nome que a identifica. São detalhes muito sutis que abordam um ou outro elemento de sua experiência pessoal, sobre o contexto em que ela está inserida; ampliando, pois, a compreensão da personagem pelo sujeito que responde ao instrumento.

Para a realização desse estudo empírico, dividiu-se a coleta dos dados em duas partes distintas. A primeira parte faz alusão ao local de aplicação. A aplicação obedeceu ao princípio de alocar os sujeitos em um ambiente que estivesse em condições de silêncio e que ninguém o usasse durante todo o procedimento de aplicação. Nessa fase, utilizou-se o próprio ambiente de sala de aula. Na segunda parte, por sua vez, a estratégia de aplicação, os sujeitos foram convidados a participar, espontaneamente, de uma pesquisa para um trabalho de Mestrado. Nessa fase, o rapport (“acolhimento do aplicador”) foi indispensável. Salientaram-se aos alunos que as informações fornecidas por eles seriam mantidas em sigilo absoluto.

Na seqüência, entregou-se a cada sujeito uma folha, contendo o texto da situação-problema com a primeira questão. Como aviso, pediu-se para que fosse lido o material com atenção. Após a resposta, foi entregue uma folha contendo a outra questão, de modo a não deixar o sujeito ver a próxima pergunta. Depois de o sujeito ter respondido a questão, o examinador retirou a folha e entregou uma nova pergunta e assim sucessivamente, uma a uma, aguardando serem completadas as folhas.

Para esclarecimento metodológico, o referido instrumento foi aplicado em duas Escolas (uma da Rede Pública e outra da Rede Particular) em duas classes de cada Instituição (do segundo e terceiro anos em cada uma). O diferencial metodológico é que, embora todos os alunos tenham respondido à primeira pergunta, em cada classe das duas Escolas distribui-se um conflito diferenciado e contextualizado, contendo informações afetivas positivas ou negativas da personagem. Com tais procedimentos, nos terceiros anos, de ambas as escolas, os alunos responderam a um conflito contextualizado positivo. Finalmente, nos segundos anos escolares, os alunos responderam a um conflito contextualizado negativo.

Após uma leitura atenta dos protocolos, foram definidas três categorias de análise no intento de discutir as respostas dos sujeitos. No preparo delas, pretendeu-se reunir os principais raciocínios à resolução da situação-conflitiva em três grupos distintos. Ao mesmo tempo, é tônico pensar que, ao levantar estas três categorias, não se inviabilizou e nem descaracterizou, em qualquer hipótese, a enorme complexidade de raciocínios que porventura surgiram nas respostas dos alunos. De maneira simplificada, veja as três categorias abaixo:



Em uma certa medida, nessa sistemática fez-se uma exploração empírica acerca do papel da afetividade (como um conteúdo psíquico presente na caracterização da personagem do conflito) quanto à coordenação dos juízos na resolução do conflito, pretendendo-se então familiarizar com as mudanças de raciocínios dos sujeitos diante de uma situação-problema que contenha um elemento afetivo frente às três categorias de análise supracitadas.

 

Análise e discussão dos dados

Para bem ilustrar a análise e discussão dos dados, escolheu-se um gráfico em que se resume os dados encontrados nas três categorias questões 1 e 3+/-, somando-se o número total de sujeitos, em freqüência absoluta(n), com relação as duas questões contextualizadas (3+ e 3-) com a questão descontextualizada (questão 1). Como pode ser notado no gráfico, é interessante observar que a Categoria A exibe 5(n) sujeitos, (questão 1) que se comprometem a ajudar. Em correlação a isso, quando se somam as questões 3+ e 3-, há 32(n) sujeitos. Com relação à Categoria B, essa variação é mais substancial, na qual se encontram 36(n) sujeitos no conflito da questão 1 e 6(n) sujeitos na questão 3+/-. Na Categoria C, depararam-se, aproximadamente, com os mesmos valores nos dois conflitos, sendo o descontextualizado com 19(n) sujeitos e no contextualizado com 22(n) sujeitos. Comparando-se os resultados, percebeu-se uma modificação expressiva, em termos numéricos e ainda mais nas respostas dos sujeitos entre as Categorias A e B, o que será mais bem discutido nas próximas páginas.

 

 

Sobre os resultados encontrados entre as Categorias A e B, a título de ilustração, na questão 1 selecionou-se uma resposta que se encaixa nas premissas da Categoria B que, conforme lembrado, os sujeitos sustentam suas explicações na omissão de ajuda à personagem. Nesse exemplo, os sujeitos agrupam suas explanações no provável uso do dinheiro que a personagem fará ao recebê-lo; diferentemente de pagar o exame médico, como consta na redação do texto, ela o empregaria para satisfazer vícios pessoais, sejam eles bebidas e drogas. Ao propor essa explicação, o sujeito não oferece a quantia do dinheiro estipulada por acreditar que a personagem comprará drogas. Em que pese esse raciocínio, veja que o sujeito, como uma pressuposição, reconhece a personagem como uma pessoa “pouco ou quase não confiável”. Veja o exemplo citado:

“Falava que não tinha porque podia ser qualquer pingaiada ou queria dinheiro para comprar droga e não para pagar o exame médico”.
A (2) Sujeito 18

Há ainda, na mesma Categoria B e questão 1, os sujeitos que conduzem os seus raciocínios na prerrogativa de negação por não conhecerem suficientemente a personagem do conflito, sendo ela portanto uma desconhecida. Os sujeitos obedecem a esse princípio ao inferir que “[…]é muito difícil acreditar nas pessoas ainda mais numa desconhecida” (sic). No raciocínio escolhido de um dos sujeitos se desperta à atenção que a “desconfiança nas pessoas”, principalmente em pessoas desconhecidas, é um dado que explica o porquê de “não ajuda”. Como comentado, a resposta mencionada:

“Não daria, hoje em dia é muito difícil acreditar nas pessoas ainda mais numa desconhecida. por se tratar de uma quantia, sabe lá se daria pra pagar realmente um exame”.
B (3) Sujeito 73

Ao contrário das idéias do parágrafo anterior, como exemplo, na Categoria A, só que agora na questão 3+, os sujeitos deste modelo de resposta destacam algum aspecto (positivo) dos traços típicos (personalidade) da personagem, que foram mencionados neste conflito, para esclarecer os motivos da ajuda. Comprova-se pelo fragmento de uma resposta de um dos sujeitos que, mesmo não ajudando com o dinheiro, se inclina a ajudar de um outro modo, porque “[…]esse garoto tão bonzinho e idônio” (sic). Um ponto a ser ressaltado nessa resposta, deve-se ao fato de que na coordenação do raciocínio, elaborado pelo sujeito, a personagem não é entendida como um ser humano qualquer, como fora observado na questão 1, e sim passa a ganhar descrições psicológicas particulares que a distinguem das demais: ela é boa e idônea, o que motiva, em certo modo, o respondente em querer ajudar não com a quantia de dinheiro, mas de alguma outra forma. Veja a resposta:

“Como disse na primeira resposta eu não tenho condições de ajudar financeiramente, mas iria fazer o possível e também o impossível para ajudar esse garoto tão bonzinho e idôneo”. A (3) Sujeito 29

Na mesma Categoria A, presente na questão 3+, está o dado que condiz com o conhecimento do problema. Nesse sentido, os sujeitos, ao se valer desse argumento inicial, são categóricos ao afirmar que o conhecimento do problema, simplesmente levou-os a confiar que o garoto teria o direito ao dinheiro, pois não era “falsidade”. Nesse item, vale pôr em discussão que a própria condição “contextualizada” do conflito foi imprescindível na tomada de decisão – embora o sujeito do exemplo não cite qual o dado descrito do texto que se fez significativo na elaboração do raciocínio. Observe o exemplo:

“Eu daria, porque agora eu estaria vendo que era real o problema, e não mentira”. B (2) Sujeito 46

No último conflito descrito, os alunos que se inserem na Categoria A, na questão 3- realçam que por conhecer a personagem e “conhecer o caso de sua mãe” (sic), o valor deveria ser pago. Pode-se afirmar que esse raciocínio foge a uma imaginável regra popular, que diz: “não se ajuda quem não merece”, em virtude de que a própria personagem esteja assinalada “negativamente” na situação-conflitiva. Deduz-se que, para se realizar o auxílio, essencialmente não é tão-só a definição da personagem, no caso negativa, tida como o “elemento-síntese” que se tem no raciocínio, posto que, segundo o exemplo, há outros dados influenciando na organização do juízo. Destarte, os sujeitos tendem a complexificar as suas respostas, acrescentando novos dados ao raciocínio, como por exemplo, traços de personalidade da personagem, que até então não surgiram com relevância na questão 1. Veja o exemplo:

“Nesse caso eu emprestaria por conhecer a pessoa, conhecer o caso da mãe dele, então emprestaria”. B (2) Sujeito 67

De início, como uma análise geral, argumenta-se que se forem considerados os dois raciocínios elaborados à questão 1 na Categoria B, pode-se entender que nas respostas, desse conflito, os sujeitos se referem muito mais ao “desconhecimento da personagem”. Como já se esperava, é quase que impraticável doar uma certa quantia de dinheiro a um “desconhecido”, isto é “uma pessoa que nunca se viu”. Tal discussão induz a se questionar que seja pouco provável que os sujeitos doem de forma “gratuita” o dinheiro.

Ao invés disso, percebe-se que quando houve uma melhor descrição contextual do conflito, os sujeitos tenderam a se posicionar de forma diferenciada. De fato, os sujeitos que responderam às questões 3+ e 3-, na Categoria A, incorporam em seus raciocínios alguns elementos referentes à descrição da personagem e até mesmo a doença de sua mãe, que constam justamente no conflito. Um aspecto que se fica bem claro nessas implicações feitas pelos sujeitos às questões 3+/3-, por exemplo, diz respeito ao “conhecimento do problema”, ou melhor “o conhecimento da situação” que é um dado significativo para fazer com que o sujeito se situe na problemática e resolva-a no sentido de ajudar à personagem.

É evidente, pois, que os alunos tendem a complexificar a organização de suas respostas, sobrepondo alguns elementos do texto na resolução do conflito. Nessa leitura, afirma-se que os raciocínios complexificados nos dilemas 3+ e 3-, na Categoria A, agregam uma enorme variante de dados que estavam dispostos no texto. Um deles foi o “conhecimento” do garoto. Dessa maneira, parece que os sujeitos procurem demonstrar uma atitude de “preocupação” com a personagem se a problemática conflitiva envolver um “conhecido” do que um “estranho”. De particular interesse a esse debate, um outro dado é alusivo ao uso de alguma caracterização da personagem para justificar o porquê da ajuda. Nas várias qualidades de respostas descritas, vê-se que se contabiliza o valor das contextualizações afetivo-positivos da personagem na organização do raciocínio.

Pode-se ver, então, que existe entre os protocolos uma distinção bastante significativa nas respostas, desses alunos citados, quando estão em face de um situação-conflitiva que traga dados sobre a personagem, informações estas oriundas de conteúdos psicológico-afetivos. Dentro desse raciocínio, no tocante à qualidade das respostas, parece que diante de um conflito que tenha especificadores positivos e/ou negativos os sujeitos alteram sobremaneira os seus argumentos e sentem-se motivados até a ajudar. De uma certa maneira, pode-se incorporar na discussão, como sugestão, que os sujeitos deste conflito mostraram uma atitude de “se envolver” na problemática da personagem, quando tiveram uma compreensão acerca do “que estava acontecendo” e “com quem”.

Por essa razão, nota-se que no conflito descontextualizado (questão 1) quando a personagem é “indeterminada e generalizada”, pode-se atestar que há tendência a focalizar muito mais o desconhecimento da personagem e em sua provável “conduta desonesta”, como compra de drogas e bebidas. Já nos conflitos contextualizados (presentes nas questões 3+/3-), quando neste caso a personagem equivale a ser “determinada e concreta”, a tendência é ampliar a compreensão do material protocolar, já que vem a abranger no raciocínio um rol de justificativas, incluindo, principalmente, o universo da personagem e de suas inter-relações.

Acompanhando-se melhor esses dados, um aspecto que se fica bem claro nas implicações estabelecidas pelos sujeitos à questão 3+ diz respeito ao “conhecimento do problema”, ou melhor, ao “conhecimento da situação”, que é um elemento significativo para fazer com que o sujeito se situe na problemática e resolva-a no sentido de ajudar à personagem. De algum modo, isso só vem a sugerir que em uma situação-conflitiva contextualizada, abarcada nas questões 3+ e 3-, os alunos utilizam-se dos conteúdos afetivos – procedentes da descrição da personagem – para comporem seus raciocínios.

No que diz respeito à natureza dos conflitos contextualizados, isso significa dizer que a personagem é vista pelos sujeitos como um ser humano “concreto” assim como outro qualquer que se conheça na realidade: ela possui conteúdos afetivos que a descrevem psicologicamente. Cumpre lembrar que na caracterização da personagem foram inseridos aspectos positivos e/ou negativos, como exemplo, “afetuoso e mentiroso”, presentes nas questões 3+ e 3-, respectivamente. Isso sugere que a personagem fictícia pode ser comparada como um ser humano dotado tanto de uma identidade, quanto de uma constituição afetiva. Esse debate sobre a caracterização da personagem provém também das reflexões de Benhabib sobre a noção do “outro-concreto”, para se explicar como se realizam concretamente os relacionamentos interpessoais. Para essa autora (apud ARANTES, 1998, p. 30),

A perspectiva do “outro-concreto” define nossas relações como algo privado e não institucional, que tem relação com o amor, com o cuidado, com a amizade e com a intimidade.

Por meio de uma análise parcial deste estudo empírico, pode-se supor que os conteúdos afetivos cumprem um papel elementar na organização de raciocínios humanos, pelo menos à luz daqueles elencados nesse estudo empírico. A favor disso, pode-se pensar que o ser humano “sente afetivamente”, um múltiplo universo de pessoas/objetos/experiências, através de uma valoração psíquica: bonito e/ou feio, alegre e/ou triste. Essa discussão indica que a afetividade possa ser sintetizada como um conteúdo particular na organização psíquica do sujeito psicológico.

Traduzindo melhor essa idéia com uma simples metáfora, a afetividade poderia ser considerada como uma “catalisadora” do pensamento humano e que, nesse caso, predetermina o envolvimento do sujeito face da problemática, a tal ponto de se pensar que havendo quaisquer alterações em um conflito dilemático, que venha a ter a inclusão de um contexto afetivo, isso acontecendo poderá “motivá-lo” a oferecer, em menor ou maior grau, um auxílio ao problema. Com efeito, supõe-se que ao introduzir uma contextualização negativa e/ou positiva no conflito nessa pesquisa, parece que se tende a abandonar uma forma muito mais “racional” de pensamento, isto é, em uma “despreocupação” com a personagem, e passar a raciocinar de uma forma mais “emotiva”, efetuando um auxílio e “preocupando-se” com o problema vivido pela personagem. Por esse entendimento, a resolução de conflitos consistiria em:

Analizar un problema significa diferenciar los elementos que lo componen, como por ejemplo, diferenciar sus causas de sus manifestaciones. Para ello hace aprender a indagar sobre los orígenes del problema y no quedarse en su manifestación inmediata. Significa también tener en cuenta los sentimientos de las personas implicadas (SASTRE e MORENO, 2002, p. 49)

Por fim, toda essa discussão parece ser bastante ilustrativa, assim como também assinalam outros estudos empíricos realizados nessa área temática (ARANTES, 2000a, 2000b; ARAÚJO, 1998, 2003), procurando-se com isso tentar desfazer à divisão psíquica entre razão e coração. Nesses estudos, sugere-se que o processo de resolução de conflitos constrói-se a partir das correlações entre os conteúdos cognitivos e afetivos, sendo os estados ânimo (a saber: conteúdos afetivos) objetos psicológicos de capital participação no raciocínio humano. Se bem que se compreende:

[…] não devemos mais admitir as polarizações entre o campo da racionalidade e da afetividade presentes nas explicações do funcionamento psíquico. O comportamento e os pensamentos humanos se sustentam na indissociação – forma dialética – de emoções e pensamentos, de aspectos afetivos e cognitivos (ARANTES, 2002, p. 169)

Diante desse quadro teórico, uma outra conclusão que estes estudos assinalam é que conteúdos de natureza moral possam ser ilustrativos para se explorar a inter-relação entre cognição e afetividade na resolução de uma situação-conflitiva. Tal proposta tende a enfocar que em uma situação-problema que contenha um dilema moral (por exemplo, a generosidade), os sujeitos aplicam raciocínios de forma bastante peculiar: usam-se da dimensão afetiva para situar a representação de seus juízos. É nessa idéia que

[…] vemos na teoria dos Modelos Organizadores um caminho para se entender as relações entre os aspectos cognitivos e afetivos presentes no raciocínio humano, abrindo possibilidades para um entendimento mais coerente sobre o papel da dimensão afetiva na resolução de conflitos morais (ARANTES, 2003, p. 120)

Preliminarmente, todo esse debate ajuda a procurar entender a complexidade do raciocínio humano, ao se considerar as inúmeras variáveis que podem interferir no raciocínio dos sujeitos diante de uma situação-conflitiva, sobretudo àquelas que contenham uma característica afetiva. De qualquer jeito, supõe-se que o funcionamento psicológico humano possa ser idealizado como um sistema complexo e dinâmico, subentendendo-se que, de acordo com o conteúdo da temática e a forma de contextualização, pode-se introduzir uma “nova” forma de organização no raciocínio em relação ao sujeito que responde a uma situação-conflitiva.

 

Conclusões

É fato presumir que durante anos se acostumou em ver a afetividade separada da cognição e assim vice-versa, fazendo-se portanto uma divisão psíquica entre “o que é pensado e o que é sentido afetivamente”. Provavelmente nesse conceito, a cognição competiria a missão de prover o melhor esclarecimento sobre a dimensão afetiva. A partir dessas questões, o funcionamento psicológico seguiria previamente uma lógica cognitiva: contrapondo-se substancialmente ao “emotivismo”. Para essa explicação, minimizariam-se então a importância dos estados de ânimo na organização psicológica – a afetividade ficaria como uma mera coadjuvante.

De modo adverso, por todo o debate desse artigo inclina-se conceitualmente pela incorporação da afetividade em um plano de estudo psicológico. Ela estaria unida ao domínio do mundo subjetivo do ser humano, fazendo parte fundamental do funcionamento psicológico, mais precisamente do raciocínio. Por isso mesmo, acredita-se que a composição do raciocínio humano será predeterminada pela natureza conflitiva dos conteúdos psicológicos, quais sejam eles afetivos, por exemplo.

Por tudo isso, deixa-se aqui registrado um trabalho que possa favorecer o debate acadêmico acerca do funcionamento psicológico de seres humanos e também na abertura de novas frentes de estudo em que, provavelmente, vão surgir novas idéias e reflexões ao funcionamento afetivo do ser humano.

 

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Endereço para correspondência
Fausto Eduardo Menon Pinto
Rua Nova Aliança, número 164, Novo Cambuí
13093-630 Campinas - SP
E-mail: faustomenon@bol.com.br

Tramitação:
Recebido em 05/07/04
Aceito em 20/03/05


1 É interessante deixar bem claro que se denominam de “positivo e negativo” os dois conflitos contextualizados por uma simples abreviação do termo e também por eles serem justamente o oposto quanto à descrição da personagem.