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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. v.7 n.2 São Paulo dez. 2005

 

ARTIGO

 

Valores humanos e condutas anti-sociais e delitivas

 

Human values and antisocial and criminal behaviors

 

 

Nilton Soares FormigaI; Valdiney V. GouveiaII

ICentro Universitário Luterano de Palmas, Tocantins; Universidade Luterana do Brasil, Tocantins
IIUniversidade Federal da Paraíba

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O problema da violência entre os jovens tem chamado atenção das mais diversas perspectivas teóricas quanto à sua explicação. Os valores humanos têm sido um construto que vem contribuindo para a predição desse fenômeno. Setecentos e dez jovens, ambos os sexos e idades entre 15 e 22 anos, participaram do estudo, respondendo a escala de condutas anti-sociais e delitivas, Questionário dos Valores Básicos e questões sócio-demográficas. Investir em valores que visam o individualismo pode fomentar uma maior freqüência das condutas desviantes entre os jovens, já os valores que estimulam o comportamento dentro de normas sociais mais coletivistas podem contribuir com uma diminuição de condutas anti-sociais e delitivas.

Palavras-chave: Valores humanos, Delinqüência, Adolescentes.


ABSTRACT

The problem of the violence between the youngs has called attention the most diverse theoretical perspectives how much to its explanation. The human values have been one construto that it comes contributing for the prediction of this phenomenon. Seven hundred and ten young, both the gender and ages between 15 and 22 years, had participated of the study, scale of the antisocial and criminal behaviors, questionnaire of the basic values and demographic questions answering. To invest in values that they aim at the individualism can foment a bigger frequency of the desviantes behaviors between the young, already values that to stimulate behavior into social collectivist norms can contribute with diminution of antisocial and criminal behaviors.

Keywords: Human values, Delinquency, Adolescents.


 

 

Introdução

A atenção dispensada por parte dos especialistas das diversas áreas científicas e leigas, quanto à explicação sobre o comportamento violento entre jovens, vem buscando compreender porquê e como os fatos cotidianos entre eles têm apontado, nos últimos anos, um aumento na expressão de condutas desviantes; isto é, aquelas que tangenciam as normas sociais e humanas, as quais em geral são causadoras de danos leves ou graves (por exemplo, formas de organização social que os jovens adotam (gangs), a criação de jogos de diversão violentos, balbúrdias em festas, vandalismo, alto consumo de álcool e fumo) (ver DONOHEW et al., 1999; ZHANG; WELT; WIECZOREK, 1999) à sociedade. Tal fenômeno vem tendo como base explicativa a estrutura ou traços de personalidade (SOBRAL; ROMERO; LUENGO; MARZOA, 2000; OMAR; URIBE, 1998) e até mesmo os que são avaliados como distúrbio psiquiátrico (GATTAZ, 1998; VERMEIREN; DE CLIPPELE; DEBOUTTE, 2000).

Por um lado, interessa-se pela estruturação organizativa de sentenças representativas capazes de definir características individuais consistentes do comportamento exibido pelo indivíduo em diversas situações, normalmente concebido como disposições (COSTA; MCCRAE, 1992; JOHN, DONAHUE; KENTLE, 1991); esta condição permite assimilar as informações fundamentais que o sujeito possa obter sobre as pessoas com quem interage. Por outro lado, aponta-se em direção de uma perspectiva patológica, necessitando de internação clínica e medicamentos. Apesar desses enfoques teóricos contribuírem para a compreensão do problema da delinqüência, estes parecem não ser suficientes, o que nos leva a refletir sobre um construto teórico que não viesse explicar essa questão apenas devido às diferenças individuais, mas que acrescentasse mais uma peça-resposta sobre os comportamentos desviantes entre os jovens.

Outro fator que mereceu o interesse nesse trabalho deve-se por não terem sido encontrados, no Brasil, estudos que tratassem desse tema. Numa busca recente realizada para aferir esta situação, que tinha uma das seguintes combinações de palavras-chave: anti-social, valores humanos e delinqüência ou adolescentes, valores humanos e delinqüência (Index Psi, 2002), poucos artigos foram encontrados. Mais um fator de destaque está na observação da incidência de que não são apenas os jovens de classe baixa os únicos responsáveis pelas condutas que tangenciam as normas sociais, mas tem sido enfatizada, nos últimos cincos anos, na mídia em geral, a participação de jovens das classes média e alta. Assim, pode ser citado, em termos comparativos, o ato de vandalismo de jovens de classe média com um Índio Pataxó, queimando-o enquanto dormia em um ponto de ônibus em Brasília (JÚNIOR, 1997). É igualmente destacável a chacina no cinema em um shopping de São Paulo, por um rapaz de classe média-alta, estudante de Medicina (LIMA; ZAKABI, 1999; POLES; BOCCIA, 1999) e outros acontecimento semelhantes.

Com isso, é possível pensar que esta situação não seja atribuída apenas a um grupo de jovens em função de indicadores de pobreza-riqueza (ver AGÜERO, 1998), personalidade ou orientação familiar e educacional (FORMIGA, 2004; TORRENTE; RODRÍGUEZ, 2000), e, muito menos, justificá-la estritamente em função da exclusão social ou falta de oportunidades quanto a dispor de bem-estar material (BENGOA, 1996). Tal fato propicia uma nova reflexão quanto ao aumento da violência entre os jovens na época atual: com as mudanças culturais que vêm ocorrendo nos países ocidentais, os quais apreendem um espírito individualista, subordinando os interesses e prioridades pessoais ao invés daqueles do grupo (LIPOVETSKY, 1986). Os jovens procuram a obtenção de prestígio, que, na falta de recursos econômicos ou mesmo de apoio social, é, muitas vezes, alcançado através de condutas permeadoras da quebra de normas sociais (FORMIGA, 2002) para atender apenas aos seus prazeres e satisfação.

Desta forma, os comportamentos de risco parecem ser legitimados, como a busca de novas experiências, de prazer e emoção, saída da monotonia etc., os quais podem permear comportamentos desviantes (GULLONE; MOORE, 2000; DONOHEW et al., 1999). Contudo, parece ser característico que o comportamento de vandalismo se relacione à identificação, inserção e formação de grupos no próprio bairro, a embriaguez em festas, maior atividade esportiva, enfatizando a competição e êxito a qualquer custo ao invés da diversão, conflitos com a família (FORMIGA 2004; MARTÍN; MARTÍNEZ, 1997), bem como a presença de uma história familiar envolvendo comportamentos com uma alta incidência de indicadores de delinqüência (GIANCOLA, 2000), tendo assim uma influência de variáveis sociais e psicossociais.

Assim considerando, atualmente tem-se encontrado o seguinte problema: muitos são os jovens que têm apresentado comportamentos associais, os quais vêm exigindo, desde a orientação escolar ao tratamento clínico, da reorganização cognitiva ao treinamento de habilidades sociais e emocionais (BORN, 1999). A questão principal, pelo menos desde a ótica das intervenções sociais, é que os jovens não são delinqüentes, porém passam perto, mas muito perto de tal fenômeno. Para isso, segundo Lummertz (1997), é impossível não considerar, no que diz respeito a esse problema, a relação entre sociedade, jovem e conflitos, pois o desenvolvimento destes, organiza, respectivamente, fatores sociais e emocionais, permitindo ligar jovem e condutas de risco ou não, a partir do contexto em que estão inseridos e a sua relação com os pares na construção do comportamento socialmente desejável.

Considerar que um jovem apresenta condutas anti-sociais e delitivas é fazer referência ao seu comportamento transgressor, salientando não somente os pobres, negros etc. Segundo Formiga e Gouveia (2003), uma conduta anti-social refere-se à não conscientização das normas que devem ser respeitadas, desde a norma de limpeza das ruas ao respeito com os colegas, no que se refere a certas brincadeiras, as quais sabe-se de sua existência, mas não praticadas por alguns jovens. Neste sentido, este tipo de conduta caracteriza-se pelo fato de incomodarem, mas sem que causem necessariamente danos físicos às outras pessoas; elas dizem respeito apenas às travessuras dos jovens ou simplesmente à busca de romper com algumas leis sociais.

No que diz respeito à conduta delitiva, estas podem ser concebidas como merecedoras de punição, capazes de causar danos graves, morais e/ou físicos (ESPINOSA, 2000; FORMIGA; GOUVEIA, 2003; MOLINA; GÓMEZ, 1997). Portanto, tais condutas podem ser consideradas mais severas que as anteriores, representando uma ameaça eminente à ordem social vigente. O que essas condutas têm em comum é que ambas interferem nos direitos e deveres das pessoas, ameaçando o seu bem-estar, bem como as diferenciando em função da gravidade das conseqüências oriundas. Possivelmente todo jovem pratica ou já praticou algum tipo de conduta anti-social, o que faz parte do repertório deles, salientando como um desafio dos padrões tradicionais da sociedade, pondo em evidência as normas da geração dos seus pais. Mas, quando elas não inibidas, sejam através de uma prática parental responsiva ou exigente, existe grande possibilidade de que se converta numa conduta delitiva (FORMIGA; GOUVEIA, 2003).

Apesar do fenômeno da delinqüência juvenil ser explorado insistentemente nos jornais de circulação diária e televisão, ainda são pouco salientados os seus antecedentes. Partindo dessa reflexão, parece ser adequado, ao se pretender explicar as condutas que permeiam a delinqüência, considerar os fatores psicossociais, pois estes podem atuar como explicação da manifestação das condutas anti-sociais e delitivas. De fato, existem inúmeras variáveis que são capazes de compreender este fenômeno, porém o que se pretende neste estudo é assimilar a realidade, a partir de um outro prisma, visando a solução de um quebra-cabeça teórico (PETRAITIS; FLAY; MILLER, 1995) sobre a delinqüência, tão discutida entre os teóricos que enfatizam a estrutura ou traços de personalidade, a genética, as relações parentais etc.

Neste contexto, o que se pretende enfatizar no presente trabalho é a compreensão dessas condutas, a partir do compromisso com os padrões convencionais estabelecidos na sociedade (FORMIGA, 2002), embasada na orientação normativa adotada por cada pessoa, sendo destacável o papel dos valores humanos. Por exemplo, Coelho Júnior (2001), Romero et al. (2001) e Tamayo, Nicaretta, Ribeiro e Barbosa (1995) vêm observando que a adesão a valores mais pessoais – enfatizando o individualismo - promove o uso de drogas, a amizade com jovens com condutas delinqüentes e as dificuldades na aprendizagem, enquanto que a adesão a valores sociais – ênfase coletivista – promoveria fatores de proteção. Desta maneira, os valores humanos têm sido um dos construtos teóricos que vêm trazendo grandes respostas quanto aos problemas das condutas sociais, principalmente a partir da obra de Rokeach (1973), que considerou os valores de fundamental necessidade na explicação dos comportamentos das pessoas, sendo estes capazes de orientar tanto as escolhas quanto as atitudes humanas (ver também ROKEACH, 1979).

Quando se fala que uma pessoa tem valores, salienta-se uma crença duradoura, bem como uma maneira de se comportar, a qual pode ser preferida no âmbito pessoal e social (GUSMÃO; JESUS; GOUVEIA; JÚNIOR; QUEIROGA, 2001). Para compreender essas concepções, é necessário considerar as seguintes questões sobre os valores: eles são estruturados no sistema psicológico, dando coerência à ação humana (ROKEACH, 1973); podem, metaforicamente, ser tratados como um termômetro social, capaz de indicar o estado febril da sociedade, evitando assim certas convulsões (FORMIGA; QUEIROGA; GOUVEIA, 2001), sendo eles derivados das experiências sócio-culturais, pois alguns vão sendo incorporados ao longo da socialização, enquanto outros são adquiridos sob condições específicas, principalmente através de episódios ou experiências relevantes na vida da pessoa. Esse construto também corresponde aos ideais normativos dos grupos sociais, entendidos, segundo Molpeceres, Llinares e Musitu (2000), como concepções que são partilhadas a partir da desejabilidade dos indivíduos, podendo gerar ou se manter quando satisfeito o interesse.

Desta forma, essas considerações podem ser atreladas à concepção que Kluckhohn (1951 / 1968) tem do ser humano. Para este autor, o homem tem que ser e fazer parte de uma vida moral, pois sua condição única é ser social. Porém, a compreensão desta dimensão do ser humano só será possível ao considerá-lo como um todo auto-atualizado, o qual não dirige sua vida apenas para si mesmo, mas centrando-se nas relações com os outros, tornando-se maduro a partir do reconhecimento de seus próprios valores e dos que regem as outras pessoas, fazendo com que, quando satisfeito – física e psiquicamente –, ele possa se mostrar coerente com sua própria atualização e experiência pessoal, evitando, em contrapartida, uma crise nos valores (MOSQUERA, 1975).

Com isso, a preocupação relacionada aos valores humanos não diz respeito apenas às contradições da clareza do conceito, conotações morais e existenciais, nas quais se fundamentam (GOUVEIA, 1998; TAMAYO; SCHWARTZ, 1993) ou à sua medida (FEATHER, 1992; MARTINEZ, 1984), mas, sobretudo, à necessidade de explicação da dinâmica dos fenômenos comportamentais (HOMER; KAHLE, 1988). Especificamente, prima-se pela diferenciação entre o que é importante e secundário para o indivíduo, pois os valores revelam tanto a relação com o comportamento e as opções de vida dos indivíduos quanto a sua preferência no que diz respeito ao que tem ou não valor (TAMAYO, 1988). Um valor, como antes sugerido, não diz respeito apenas ao que a pessoa quer para si, expressa igualmente o que a pessoa deveria querer, ou seja, tem um forte componente de desejabilidade social. Esta característica imprime ao valor a condição de que deva ser justificado diante dos outros, quer lógica ou moralmente (FORMIGA; QUEIROGA; GOUVEIA, 2001). Além do mais, concebe-se que os valores humanos, como atributos universais, que são reconhecidos em todas as pessoas, independentemente da sua cultura de pertença.

O aspecto na natureza motivacional dos valores como elemento central nos diversos modelos estimulou Gouveia (1998) a rever os estudos em Psicologia que foram realizados até então, identificando os pontos em comum que poderiam ajudar a definir uma tipologia alternativa, a qual será utilizada como base teórica deste estudo. Esta tipologia tem sido proposta a partir da consideração da relação existente entre os valores e as necessidades humanas (INGLEHART, 1991; ROKEACH, 1973; SCHWARTZ, 1992), sendo, além do mais, uma extensão dos modelos propostos por Rokeach, Schwartz, entre outros. A perspectiva tipológica desenvolvida por Gouveia (1998) considera igualmente a noção de valores como construtos latentes, presente em Braithwaite e Law (1985). Os valores humanos são definidos por Gouveia (1998) como categorias de orientação que são desejáveis, baseadas nas necessidades humanas e nas pré-condições para satisfazê-las, sendo adotadas por atores sociais. Tais valores apresentam diferentes magnitudes e seus elementos constitutivos podem variar a partir do contexto social ou cultural em que a pessoa está inserida.

Porém, Gouveia (1998) centrado na Teoria das Necessidades, de Maslow (1954 / 1970), identificou cada um dos valores básicos. Apesar da controvérsia sobre a adequação da hierarquia das necessidades postulada por Maslow (TODT, 1982), há um certo acordo na existência e extensão destas mesmas necessidades (RONEN, 1994). Nesta tipologia, não é aceita a hierarquia das necessidades de Maslow, mas a existência do conjunto desta. Neste contexto, Maslow estabeleceu três suposições fundamentais: (1) as necessidades humanas são relativamente universais; (2) elas são neutras ou positivas; e (3) os seres humanos são uma totalidade integrada e organizada.

Além da ênfase dada às necessidades humanas, as quais incluem necessidades fisiológicas, de segurança, de amor, de pertença, necessidade cognitiva, de estética, de estima e necessidade de auto-atualização, Maslow também sugere algumas pré-condições para que tais necessidades sejam satisfeitas. Partindo destas considerações, foram identificados os 24 valores básicos, os quais são terminais por natureza; estes expressam princípios-guia, sendo vistos como substantivos (ROHAN, 2000; ROKEACH, 1973), que servem de categorias transcendentes que guiam as atitudes, as crenças e os comportamentos em situações específicas. Estes 24 valores dão origem a um sistema de valor, apresentando três critérios de orientação, sendo cada um subdividido em seis funções psicossociais, como segue:

Valores Pessoais: As pessoas que normalmente assumem estes valores mantêm relações pessoais contratuais, geralmente procurando obter vantagens / lucros. A pessoa prioriza seus próprios interesses e concedem benefícios sem ter em conta uma referência particular (papel ou estado). Para Rokeach (1973), estes valores são vistos como tendo um foco intrapessoal. Em Schwartz (1994), tais valores atendem a interesses individuais. Considerando a sua função psicossocial, estes podem ser divididos em: (1) Valores de Experimentação: descobrir e apreciar estímulos novos, enfrentar situações arriscadas, e procurar satisfação sexual são aspectos centrais destes valores (emoção, estimulação, prazer e sexual); e (2) Valores de Realização: além da experimentação de novos estímulos, faz parte do universo desejável dos seres o autocumprimento, o sentimento de ser importante e poderoso, ser uma pessoa com identidade e espaço próprios (autodireção, êxito, poder, prestígio e privacidade).

Valores Centrais: A expressão “valores centrais” é usada para indicar o caráter central ou adjacente destes valores; eles figuram entre e são compatíveis com os valores pessoais e sociais, estes tratados a seguir. Em termos da tipologia de Schwartz (1990, 1994), tais valores servem a interesses mistos (individuais e coletivos). Considerando a sua função psicossocial, os valores centrais podem ser divididos em dois grupos de valores: (1) Valores de Existência: interessa garantir a própria existência orgânica (estabilidade pessoal, sobrevivência e saúde). A ênfase não está na individualidade pessoal, mas na existência do indivíduo. Assim, valores de existência não são incompatíveis com valores pessoais e sociais, eles são importantes para pessoas, principalmente em ambientes de escassez econômica, mas sem colocar em risco a harmonia social; e (2) Valores Supra-pessoais: pessoas que assumem estes valores tentam atingir seus objetivos independentemente do grupo ou condição social. Tais valores descrevem alguém que é maduro, com preocupações menos materiais, não sendo limitados a características descritivas ou específicas para iniciar uma relação ou promover benefícios (beleza, justiça social, maturidade e sabedoria). Estes valores enfatizam a importância de todas as pessoas, não exclusivamente dos indivíduos que compõem o in-group, portanto, são compatíveis com valores pessoais e sociais. Embora Rokeach (1979) use a expressão valores supra-individuais, ele não se refere ao mesmo conteúdo aqui abordado. Espera-se que os tipos motivacionais segurança e universalismo, propostos por Schwartz (1992), correlacionem-se com as funções psicossociais existência e suprapessoal, respectivamente.

Valores Sociais: As pessoas que assumem estes valores estão direcionadas para estarem com os outros. No estudo de Rokeach (1973), correspondem a valores de foco interpersonal, e em Schwartz (1994) estão incluídos entre os valores relacionados com os interesses coletivos. Tais valores são assumidos por indivíduos que se comportam como alguém que gosta de ser considerado; que deseja ser aceito e integrado no in-group, ou que pretenda manter um nível essencial de harmonia entre atores sociais num contexto específico. Considerando sua função psicossocial, estes podem ser divididos em: (1) Valores Normativos: enfatizam a vida social, a estabilidade do grupo e o respeito para com os símbolos e padrões culturais que prevaleceram durante anos, a ordem é apreciada mais do que tudo (obediência, ordem social, religiosidade e tradição); e (2) Valores de Interação: estes focalizam o destino comum e a complacência, especificamente; a pessoa que o assume tem interesse em ser amada e ter uma amizade verdadeira, assim como tende a apreciar uma vida social ativa (afetividade, apoio social, convivência e honestidade).

Desta forma, considerando esse contexto teórico, espera-se que: 1- os critérios de orientação valorativa pessoal – que se referem à manutenção de relações pessoais contratuais e que procurando obter vantagens/lucros – estejam, positivamente, relacionados às condutas anti-sociais e delitivas; já o social – diz respeito às pessoas direcionadas para estarem com os outros, correspondendo a um foco interpersonal, relacionados com os interesses coletivos, e central - estejam correlacionados negativamente com ambas as condutas; 2 - quanto às funções psicossociais, hipotetiza-se que as funções normativas, suprapessoais e interacionais estejam, negativamente, relacionadas com as condutas anti-sociais e delitivas, enquanto a função experimentação correlacionará positivamente com ambas.

 

Material e método

Amostra

Setecentos e dez jovens compuseram a amostra, os quais foram distribuídos igualmente no nível escolar fundamental e médio, da rede privada e pública de educação da cidade de João Pessoa – PB. Os respondentes foram de ambos os sexos, predominando ligeiramente a participação 'jovens solteiros (93,8 %). Tal amostra foi não probabilística, e sim intencional. O propósito era principalmente garantir a validade externa dos resultados da pesquisa. A decisão de escolher estes participantes se deve ao fato da literatura considerar característico nos sujeitos dessa amostra a manifestação de condutas que configuram o rompimento das normas sociais, ainda que em magnitudes variadas.

Instrumentos

Os participantes responderam um questionário composto das seguintes medidas:

Escala de Condutas Anti-sociais e Delitivas. Este instrumento, proposto por Seisdedos (1988) e validado por Formiga e Gouveia (2003) para o contexto brasileiro, compreende uma medida comportamental em relação às Condutas Anti-Sociais e Delitivas. Tal medida é composta por quarenta elementos, distribuídos em dois fatores, como segue: condutas anti-sociais. Seus elementos não expressam delitos, mas comportamentos que desafiam a ordem social e infligem normas sociais (por exemplo, jogar lixo no chão mesmo quando há perto um cesto de lixo; tocar a campainha na casa de alguém e sair correndo); e condutas delitivas. Estas incorporam comportamentos delitivos que estão fora da lei, caracterizando uma infração ou uma conduta faltosa e prejudicial a alguém ou mesmo a sociedade como um todo (por exemplo, roubar objetos dos carros; conseguir dinheiro ameaçando pessoas mais fracas). Para cada elemento, os participantes deveriam indicar o quanto apresentava o comportamento assinalado no seu dia a dia. Para isso, utilizavam uma escala de resposta com dez pontos, tendo os seguintes extremos: 0 = Nunca e 9 = Sempre.

A presente escala revelou indicadores psicométricos consistentes identificando os fatores destacados acima; para a Conduta Anti-social foi encontrado um Alpha de Cronbach de 0,86 e a Conduta Delitiva ou Delinqüente, 0,92. Considerando a Análise Fatorial Confirmatória, realizada com o Lisrel 8.0, comprovaram-se essas dimensões previamente encontradas (x²/gl = 1,35; AGFI = 0,89; PHI () = 0,79, p > .05) na análise dos principais componentes (ver FORMIGA; GOUVEIA, 2003).

Questionário dos Valores BásicosQVB. Uma versão inicial foi proposta em espanhol e português, compreendendo então 66 itens, três por cada um dos valores básicos que avaliava (GOUVEIA, 1998). Utilizou-se aqui uma versão modificada, cuja comprovação dos parâmetros psicométricos já foi aferida na população brasileira (MAIA, 2000). Está formada por 24 itens-valores, com dois exemplos que ajudam a entender o seu conteúdo (por exemplo, Tradição – seguir as normas sociais do seu país; respeitar as tradições da sua sociedade; Êxito – obter o que se propõe; ser eficiente em tudo que faz; Justiça Social – lutar por menor diferença entre pobres e ricos; permitir que cada indivíduo seja tratado como alguém valioso). Para respondê-los, a pessoa deve avaliar o seu grau de importância como um princípio-guia na sua vida, utilizando uma escala de sete pontos, com os seguintes extremos: 1 = Nada Importante e 7 = Muito Importante; ao final precisa indicar o valor menos e o mais importante de todos, os quais receberão as pontuações 0 e 8, respectivamente.

Caracterização Sócio-Demográfica. Foram elaboradas perguntas que contribuíram para caracterizar os participantes deste estudo (por exemplo, sexo, idade, estado civil, classe social).

Procedimento

Para a aplicação do instrumento, o responsável pela coleta dos dados visitou a coordenação ou diretoria das instituições de ensino, falando diretamente com os diretores e/ou coordenadores para depois tentar a permissão junto aos professores responsáveis por cada disciplina, para ocupar uma aula e aplicar os questionários. Uma vez com tal autorização, foi exposto sumariamente o objetivo da pesquisa, solicitando sua participação voluntária. Um único aplicador, previamente treinado, esteve presente em sala de aula. Sua tarefa consistiu em apresentar os instrumentos, esclarecer as eventuais dúvidas e conferir a qualidade geral das respostas emitidas pelos respondentes. Assegurou-se a todos o anonimato e a confidencialidade das suas respostas, indicando que estas seriam tratadas estatisticamente no seu conjunto. Para a análise dos dados, utilizou-se a versão 8.0 do pacote estatístico SPSS para Windows, e computadas estatísticas descritivas (tendência central e dispersão) e efetuadas correlações de Pearson (r ).

Discussão dos resultados

Neste trabalho, tratou-se conhecer a relação entre condutas anti-social e delitiva e os valores humanos; para isso, efetuou-se uma correlação de Pearson, observando os seguintes resultados expostos na tabela 1, através do qual pode ser comprovada a primeira hipótese: os jovens que apresentaram maiores pontuações nos valores pessoais o fizeram nas medidas de condutas anti-sociais (r = 0,20) e delitivas (r = 0,15), bem como em relação ao somatório total do conjunto dos itens (CAD – destacados como condutas desviantes; r = 0,20). Contrariamente, aqueles com maior pontuação nos valores sociais apresentaram menos indícios de condutas anti-sociais (r = -0,22) e delitivas (r = -0,18), bem como em relação aos valores centrais, respectivamente, (r = -0,16) e (r = -0,20), confirmando, também, para as condutas desviantes – CAD, relacionando, negativamente, com critério valorativos social (r = -0,23) e central (r = 0,19), todos significativos a um p < 0,001.

Tabela 1. Correlações entre as Orientações Valorativas e as Condutas Anti-Sociais e Delitivas

 

 

Quanto à próxima hipótese - as funções psicossociais normativas, suprapessoais e interacionais estarão negativamente relacionadas com as condutas anti-sociais e delitivas, já a experimentação se relacionará diretamente com elas - observou-se o seguinte padrão de correlação entre essas variáveis, todos significativos, o que permitiu corroborar a segunda hipótese formulada (ver tabela 2): como previsto, os jovens que pontuaram mais alto na função psicossocial de experimentação o fizeram nos indicadores de condutas anti-sociais (r = 0,25) e delitivas (r = 0,21), bem como, na CAD (r = 0,26). Um padrão de correlações contrário a este foi observado para as funções psicossociais dos seguintes valores: normativos obteve pontuações baixas nos indicadores de condutas anti-sociais (r = -0,22) e delitivas (r = -0,16), sendo este um resultado consistente para o conjunto total de itens da CAD (r = -0,22); suprapessoal apresentou uma relação negativa com as condutas anti-sociais (r = -0,19) e delitivas (r = -0,21) e CAD (r = -0,22), por fim, a função interacional também se correlacionou negativamente com as condutas anti-sociais (r =-0,13), delitivas (r = -0,13) e as condutas desviantes (CAD) (r = -0,14).

Tabela 2. Correlações entre os Valores e as Condutas Anti-Sociais e Delitivas

 

 

Apesar de não terem sido formuladas outras hipóteses sobre a relação dos valores que compõem cada função valorativa, mas visando dar maiores informações aos leitores quanto à relação entre essas variáveis, procurou-se detalhar o padrão de correlação observado para cada um desses valores especificamente (ver também tabela 2): no que diz respeito à função psicossocial de experimentação, tratada anteriormente, esta é composta pelos valores de estimulação, emoção, sexual e prazer, que apresentaram as seguintes correlações significativas: com as condutas anti-sociais o valor sexual (r = 0,29), emoção (r = 0,15) e prazer (r = 0,13) relacionaram-se positivamente. Este mesmo padrão de correlações foi observado, também, nas condutas delitivas, como segue: sexual (r = 0,25), emoção (r = 0,11) e prazer (r = 0,10).

Em relação à função psicossocial de realização e seus valores, observou-se que poder (r = 0,10) e prestígio (r = 0,07) se correlacionaram com as condutas anti-sociais, bem como com as condutas delitivas, com poder (r = 0,11) e prestígio (r = 0,10); em direção negativa o fez o valor privacidade (r = -0,10). Quanto aos valores da função de existência, as correlações foram as seguintes: unicamente sobrevivência se correlacionou, significativamente, tanto com as condutas anti-sociais (r = -0,06) quanto às condutas delitivas (r = -0,16).

Para os valores da função psicossocial suprapessoal observou-se um padrão de correlação inverso e significativo com as condutas anti-sociais e conhecimento (r = -0,13), beleza (r = -0,12), justiça social e maturidade (r = -0,11; para ambos). O mesmo ocorreu para as condutas delitivas: justiça social (r = -0,16), maturidade (r = -0,15), conhecimento (r = -0,12) e beleza (r = -0,11). Em relação aos valores da função psicossocial interacional, as condutas anti-sociais se correlacionaram inversa e significativamente com honestidade (r = -0,17), afetividade (r = -0,07) e convivência (r = -0,06), tendo sido estes resultados extensivos às condutas delitivas, como segue: honestidade (r = -0,14), afetividade (r = -0,08) e convivência (r = -0,07). No que diz respeito à função psicossocial normativa, os valores que se relacionaram com as condutas anti-sociais foram: obediência (r = -0,29, p < 0,001), tradição (r = -0,19, p < 0,001) e religiosidade (r = -0,13, p < 0,001). Para as condutas delitivas, o padrão de correlação foi o mesmo, a saber: obediência (r = -0,27, p < 0,001), religiosidade (r = -0,11, p < 0,01) e tradição (r = -0,10, p < 0,01).

Em resumo, comprovou-se que os valores humanos estão correlacionados com as condutas anti-sociais e delitivas, sendo particularmente útil o contraste entre os valores que cumprem as funções psicossociais de experimentação, normativos, suprapessoais e interacionais. Concretamente, os jovens que assumiram valores de experimentação demonstraram estarem mais propensos a se comportarem de modo a transgredir as normas sociais, especificamente para aqueles guiados pelos valores: sexual, emoção e prazer. Já aqueles que deram mais importância aos valores normativos, principalmente à obediência, tradição e religiosidade, bem como interacional, especificamente, honestidade, afetividade e convivência, e o suprapessoal, com os valores conhecimento, beleza, justiça social e maturidade apresentaram mais prontidão para seguirem as normas sociais e se comportarem de modo socialmente esperado.

É importante assinalar que não somente os jovens que apresentam traços de marginalidade, por exemplo, aqueles que vivem sob custódia em instituições para menores ou espreitando uma oportunidade para delinqüir (assaltar, roubar, portar armas, usar drogas e amedrontar os transeuntes etc.) são capazes de agredir e matar. A realidade atual, mostrada em diferentes meios de comunicação e observado não muito longe em nossos bairros e cidades em seu cotidiano, evidencia que as condutas anti-sociais e delitivas, mas também podem ser observadas entre os jovens que, supostamente, prezam pela ordem e a moralidade, convivem em ambientes de estrutura e função educacional, social e econômica bastante promissora e zelosa. Provavelmente, os delinqüentes de ‘carteirinha’, aqueles que estão institucionalizados, pagam o preço e servem de “bode expiatório” para inibir a conduta daqueles que seguem pondo em risco a sociedade. Neste ponto, a situação é bastante incômoda, levando à reflexão dos pais sobre os erros na criação dos filhos, bem como os padrões moral e valorativo que têm passado para estes.

Efetivamente se comprovou que os jovens que dão mais importância aos valores pessoais apresentaram mais indícios de condutas anti-sociais como delitivas, enquanto que aqueles que deram importância os valores sociais foram menos prováveis relatar tais condutas. Estes resultados evidenciam que a tendência ao individualismo, isto é, enfocar os valores que priorizam o interesse individual, potencializa condutas que se desviam das normas sociais, fato que vem sendo conjeturado por Lipovetsky (1986), e que encontra embasamento em alguns estudos empíricos. De acordo com Coelho Júnior (2001), em um estudo com mais de 1.500 jovens pessoenses do ensino médio, o fator condutas anti-sociais se correlacionou diretamente com os valores emoção e sexual, e inversamente com obediência e tradição. Estes dois pares de valores correspondem às dimensões individualista e coletivista, respectivamente.

E mais, o valor uma vida excitante parece ser próprio dos jovens, os quais se guiam geralmente por novas descobertas e experiências. Esta situação, de acordo com a literatura, torna mais provável a exposição dos jovens aos comportamentos de risco (por exemplo, uso de drogas, jogos violentos etc.), sendo as condutas socialmente desviantes um reflexo deste tipo de orientação (ver TAMAYO, 1988). Esta segunda hipótese pretendeu justamente avaliar a extensão em que tal assertiva é válida. Os resultados obtidos não deixam dúvidas. Dar importância aos valores de experimentação, principalmente emoção, sexual e prazer, parece instigar os jovens a apresentar tanto condutas anti-sociais como delitivas. O padrão contrário foi observado para os valores normativos, entre os quais se destacaram religiosidade, tradição e obediência. Estes valores parecem cumprir a função de um cinturão de proteção, um escudo contra ou um fator que impede que os jovens desenvolvam condutas dessa natureza. Assim, ao observar esses resultados, é possível destacar que não somente um conjunto de valores que formam, teoricamente, as funções e os critérios de orientação valorativa das pessoas, em sua dinâmica social e psicológica, bem como cada valor, especificamente, é capaz de explicar as condutas reconhecidas delinqüentes.

Por exemplo, Petraitis, Flay e Miller (1995), em sua revisão sobre as teorias que explicam o uso de substâncias psicotrópicas, assinalam a importância dos modelos normativos para explicação e predição de tal conduta desviante. Indicam, por exemplo, a importância de aderir às normas sociais e aos valores morais como fator de proteção contra o uso de drogas e de outras condutas anti-sociais e delitivas. Desta forma, não pareceria incoerente assumir que os jovens teriam uma tendência ‘natural’ a desviar dos padrões convencionais da sociedade, não o fazendo sempre que fossem socializados em valores que primam pela dimensão normativa ou social (ver também GONZÁLEZ-ANELO, 2000; GULLONE; MOORE, 2000). Vale destacar que não se está propondo um critério de norma social que venha convergir para uma dogmatização do comportamento juvenil e impedir o jovem as suas reais experiências cotidianas das etapas de desenvolvimento, seja ela em seu próprio inatismo ou originada dos processos de aprendizagem.

O fato está em observar que conhecendo os valores que estes priorizam, a possibilidade de que, na relação família-jovem, as medidas de proteção sejam mais eficientes e capazes de contribuir em direção de reflexões a respeito da conduta social que estes garotos venham a adotar mais tarde, em seus espaços de lazer diurno ou noturno, já que tal construto está alicerçado no sistema psicológico e que, na maioria das vezes, a insistência em uma determinada escolha e posição em suas crenças impede a autoconfrontação entre os valores que dizem respeito ao hedonismo ao invés da cooperação e respeito. Tal fato, a partir do conceito que temos sobre valores, é possível refletir ao considerar que tal questão se deve ao problema da assimilação e orientação valorativa como fator de proteção em que esses jovens passam a organizar. Assim, essa condição não estaria apenas em termos da dimensão cognitiva e afetiva em baixo ou mau desenvolvimento, mas porque não existiram condições favoráveis que pudessem satisfazer as orientações valorativas e que alguns valores foram inquiridos como muito mais importantes, não permitindo o reconhecimento e desenvolvimento de outros valores.

No que diz respeito aos valores centrais, este esteve mais correlacionado com a evitação de condutas delitivas do que daquelas classificadas como condutas anti-sociais, porém, não se pode descartar a correlação com ambas. A propósito, é importante lembrar o que escreve Gouveia (1998, 2001) sobre tais valores. Assumi-los significa pensar na sua própria sobrevivência (valores de existência) ou em um contexto social igualitário, onde todos tenham iguais oportunidades em todas as facetas da vida (valores suprapessoais). Portanto, não se trata de uma questão de respeito às normas sociais vs tendência a buscar novas experiências, que está presente na explicação das condutas anti-sociais. Os valores centrais perpassam este tipo de dicotomia, podendo ser úteis para explicar as condutas delitivas que, por sua natureza, assinalam modos de ser e agir claramente fora da lei, rompendo todo tipo de pacto social, quanto às condutas anti-sociais. Sendo assim, esses valores apontam em direção de um maior investimento nas orientações comportamentais que visam o amadurecimento do sujeito e sua assistência dialógica familiar.

Neste trabalho, pretendeu-se refletir teoricamente em como os valores poderiam atuar como fatores preventivos das condutas anti-sociais e delitivas. O fato não é esperar que essas condutas ocorram entre os jovens e muito menos estigmatizá-las apenas nos já considerados delinqüentes (ROMERO et al., 2001), mas prevenir antes que aconteçam. Deste modo, seria de grande contribuição à assistência, a partir de programas psicossociais de intervenção nas escolas ou grupos de apoio aos jovens e a família, e oferta de um referencial empírico que permita atividades formadoras e orientadoras dos valores humanos de modo a inibir as condutas anti-sociais e delitivas entre os jovens da população geral.

Apesar de se tratar de um primeiro estudo, todas as hipóteses formuladas foram corroboradas. Isso atesta a preponderância dos valores neste contexto. Com isso, parece evidente que as condutas desviantes são um reflexo da debilidade dos limites convencionais, este sendo entendido em sentido duplo: (1) falta de comprometimento com a sociedade convencional, seus valores e suas instituições e forças socializadoras, especialmente as escolas e as religiões; e (2) adesão débil aos papéis sociais convencionais, incluindo os professores, os membros da família e, especialmente, os pais. Quando os adolescentes não se sentem envolvidos, comprometidos, ou mesmo alienados da sociedade convencional, da escola e da religião, não serão capazes de internalizar os valores ou padrões convencionais e de se comportar segundo as normas sociais vigentes. Contrariamente, quando estes assumem a importância dos papéis convencionais, são encorajados a apresentar comportamentos convencionais e a se oporem a condutas desviantes.

A leitura desse problema, a partir do construto dos valores como orientação de uma conduta socialmente desejável, permite não mais tornar oposta e polarizada a responsabilidade dos jovens quererem delinqüir devido ao desencanto político da sociedade, justificando-a como processo de reivindicação dos seus espaços sócio-humanos negados pelos adultos; mas, sendo os valores construídos nas relações sociais, sendo a família o primeiro grupo dessa relação, a investida nos processos de socialização dos valores entre eles permite um maior poder de reflexão quanto à origem dessas condutas.

É bem possível que pela má orientação ou viés social de comportamentos ou práticas parentais que, na cabeça dos pais, são capazes de formar seus filhos como eles gostariam que fossem, poderia estar conduzindo ao investimento desses garotos apresentarem essas condutas, afinal, é na relação parental que as formações valorativas são organizadas (ver MORAES, 2002), bem como onde são partilhadas a desejabilidade dos indivíduos quanto a sua conduta social esperada, podendo gerar ou se manter quando satisfeito o interesse entre pais e filhos. Desta forma, isto permite pensar no sistema mais complexo do que o encontrado no presente estudo; não somente esse tipo de conduta se relaciona com os valores, como ambas podem se relacionar com o estilo ou atuação dos pais na formação psicológica e social dos filhos. Tal fato merece ser considerado em posteriores estudos.

 

Conclusão

Por fim, tendo claro o objetivo principal desse trabalho - conhecer o padrão de correlação entre os valores humanos e as condutas anti-sociais e delitivas - espera-se que este tenha sido realizado. Porém, existe um limite no presente estudo e este diz respeito a ser um estudo correlacional, merecendo, com isso, uma maior consistência e robustez quanto aos resultados encontrados e a metodologia utilizada em futuros estudos; outra questão quanto ao limite desse estudo estaria na necessidade de inserir outras variáveis que permitam compreender a origem e formação da conduta juvenil, em termos da quebra de normas sociais. Vale destacar que não se está minorando a importância de outros estudos sobre este fenômeno. Porém, como assinalam Romero e cols. (2001), os estudos sobre valores têm recebido atenção particular, principalmente quando se trata das condutas anti-sociais, uma vez que os valores são percebidos como crenças (ROKEACH, 1973) que regulam o pensamento e a ação. Tal construto, como refletido na parte introdutória do presente estudo, vem contribuindo bastante na explicação da conduta humana, principalmente por este se tratar de um sistema que é capaz de ir além de explicações personalísticas, buscando uma resposta psicossocial. Afinal, como sugerem Bilsky e Schwartz (1994; ROCCAS; SAGIV; SCHWARTZ; KNAFO, 2002), por serem os valores um construto mais abrangente na compreensão da conduta humana, seja ela individual ou em grupo, a partir da estrutura organizativa dos valores, esta teria grande possibilidade de explicar as diferenças individuais, justamente por que as pessoas se embasam nas suas prioridades valorativas quando diante de uma decisão ou escolha.

 

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Endereço para correspondência

Nilton Soares Formiga
Avenida Guarabira, 133 - Bairro de Manaíra
João Pessoa - PB
CEP.: 58038-140
nsformiga@yahoo.com

Tramitação:
Recebido em: 26/08/2004
Aceito em: 16/08/2005