SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 issue1Study of emotional intelligence as stress controller for city guards author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.9 no.1 São Paulo June 2007

 

ARTIGOS

 

Evidências de validade para o Teste Pictórico de Memória: relação com a inteligência

 

Evidencias de validencias de validez para el teste pictórico de memória: relacion com la inteligencia

 

Validity evidences for the teste pictórico de memória: inteligence relation

 

 

Fabián Javier Marín RuedaI; Fermino Fernandes SistoI; Cláudia Araújo da CunhaII; Fernanda MachadoII; Rui de Moraes JúniorII; Fabiana Cândida VitorinoII; Vanessa Coelho de SousaII

IUniversidade São Francisco
IIUniversidade Federal de Uberlândia

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do estudo foi verificar evidências de validade para o Teste Pictórico de Memória. Participaram 436 indiv íduos, sendo 182 do sexo masculino e 254 do feminino,com idades variando de 10 a 60 anos, que cursavam desde a segunda série do Ensino Fundamental até cursos universitários. Foram aplicados o Teste Pictórico de Memória e o Teste de Racioc ínio Inferencial de forma coletiva. Os resultados revelaram correlações variando de 0,19 até 0,44 para os três ambientes que compõem o Teste Pictórico de Memória, e correlações variando de 0,40 até 0,56, quando considerada a pontuação total do teste. Quanto aos grupos extremos, os indiv íduos com alta e baixa pontuação no Teste de Raciocínio Inferencial apresentaram diferenças nas quatro medidas do Teste de Memória. Dessa forma, evidências de validade de critério concorrente e por grupos extremos foram verificadas para o Teste Pictórico de Memória.

Palavras-chave: Memória, Inteligência, Avaliação psicológica, Validade, Testes.


ABSTRACT

The aim of this study was to search for validity evidences for the Teste Pictórico de Memória. The test was applied to 436 individuals, 182 male and 254 female students, ages between 10 and 60, all of them attending second-grade classes from elementary school to college. Both tests Teste Pictórico de Memória and Teste de Raciocínio Inferencial were applied. The results presented correlations varying from 0,19 to 0,44 for the three environments that compose the Teste Pictórico de Memória, and correlations varying from 0,40 to 0,56 when considering the total test punctuation. As for the extreme groups, the individuals with discharge and low punctuation in the Teste de Raciocínio Inferencial presented differences in the four measures of the Test of Memory. In this sense, evidences of validity of competitive criteria for extreme groups were verified for the Teste Pictórico de Memória.

Keywords: Memory, Intelligence, Psychological assessment, Validity, Tests.


RESUMEN

El objetivo del estudio ha sido verificar evidencias de validez para el Teste Pictórico de Memória. Han participado 436 personas, siendo 182 del sexo masculino y 254 del femenino, con edades entre 10 y 60 años que estaban cursando del segundo grado de la enseñanza secundaria hasta cursos universitarios. Han sido aplicados colectivamente el Teste Pictórico de Memóriay el Teste de Raciocínio Inferencial. Los resultados han mostrado correlaciones variando de 0,19 hasta 0,44 para los tres ambientes que componen el Teste Pictórico de Memória y correlaciones variando de 0,40 hasta 0,56 cuando fue considerada la puntuación total del test. En relación a los grupos extremos, los individuos con puntuación alta y baja en el Teste de Raciocínio Inferencial han presentado diferencias en las cuatro medidas del Test de Memoria. De esa forma, evidencias de validez de criterio concurrente y por grupos extremos fueron verificadas para el Teste Pictórico de Memória.

Palabras clave: Memoria, Inteligencia, Evaluación psicológica, Validez, Tests.


 

 

Introdução

O estudo da memória acarreta uma série de definições estreitamente relacionadas, o que muitas vezes leva a certa confusão em razão das diferentes classificações dadas ao construto. Nesse contexto, hoje em dia existem duas grandes classes de pesquisadores da memória: os que acreditam numa memória unitária e os que acreditam em memórias múltiplas (TULVING; CRAIK, 2000).

Num primeiro momento, deve-se fazer referência ao modelo modal proposto por Atkinson e Shiffrin em 1968. Segundo os autores, o processamento da informação aconteceria de forma serial, ou seja, seria necessário que a informação primeiro ocorresse no processamento sensorial, depois na memória de curta prazo (MCP), para, então, ser transferida, ou não, à memória de longo prazo (MLP).

Em relação à memória de curto prazo, Lloyd e Peterson (1959) atentaram para o fato de as pessoas esquecerem rapidamente letras ou palavras sem sentido para elas, mesmo que tais tivessem sido lidas ou escutadas momentos antes. Por sua vez, Miller (1956) mostrou que mesmo palavras com algum significado e com sentido para os indivíduos, quando oferecidas em grande quantidade, são esquecidas de forma rápida, mais especificamente em milésimos de segundo, até no máximo um minuto. Por isso, o autor afirmou que a MCP seria uma estrutura cognitiva cujas propriedades básicas seriam a persistência limitada (aproximadamente entre 15 segundos e um minuto) e a capacidade limitada, pois armazenariam apenas a informação referente até sete unidades, as quais podem ser palavras com ou sem sentido, letras, números, entre outros.

Desde o início, as pesquisas sobre MCP foram realizadas por meio de tarefas verbais, provavelmente pelo fato de o material ser fácil para manipular e registrar. Ao lado disso, a avaliação por meio de estímulos visuais tem sido escassa ou praticamente nula. Segundo Smith, Jonides, Koeppe, Awh, Schumacher e Minoshima (1995), as MCP verbal e visual envolvem diferentes regiões cerebrais, o que dá crédito ao que foi proposto por Badde-ley e Hitch (1974), de que a memória de curto prazo, em vez de memória unitária, seria formada por vários elementos. Nesse contexto, o conceito de MCP incorporou-se em uma estrutura mais complexa, denominada memória de trabalho (MT), a qual propunha que o conceito antigo de um depósito unitário fosse substituído por um sistema múltiplo de componentes ou sistema multicomponencial, que utilizava o armazenamento como uma forma de facilitar atividades cognitivas complexas, tais como aprendizagem, compreensão, atenção e inteligência, por exemplo (BADDELEY; HITCH, 1974).

É possível, por hipótese, fazer uma distinção entre tarefas de memória de curto prazo e de memória de trabalho. Processos de memória de curto prazo poderiam referir-se a um sistema de armazenamento passivo e envolveriam a lembrança da informação sem nenhum tipo de manipulação (CANTOR; ENGLE; HAMILTON, 1991; CORNOLDI; VECCHI, 2000). Por sua vez, as tarefas de memória de trabalho exigiriam processos mais ativos: aqueles nos quais a informação é mantida temporariamente enquanto está sendo manipulada ou transformada. Porém, embora essa distinção possa ser feita, como apontam Flores -Mendoza e Colom (2000), o construto de memória de trabalho – ainda que vá além do modelo inicialmente proposto sobre memória de curto prazo – não deixa de ser uma memória também de curta duração.

Em relação às formas de avaliar a memória, independentemente de seu tipo e forma, far-se-á aqui referência ao que a literatura descreve sobre os testes pictóricos, visto que é o tipo de teste analisado na presente pesquisa. Assim, destaca-se que a maior parte da pesquisa sobre memória lida com materiais de linguagem ou alfanuméricos (números, letras, sílabas, palavras, sentenças e textos). O estudo de processos de codificação concentra-se substancialmente nos códigos verbais, enquanto as figuras foram estudadas em menor extensão, sendo apontadas pela literatura algumas diferenças entre códigos pictóricos e verbais. Por exemplo, Paivio (1971) propôs uma hipótese de código dual que influenciou muito a pesquisa sobre memória. Nela, o autor sugeriu que muitos eventos seriam representados de duas maneiras diferentes, a saber, um código análogo que preservaria as características físicas do objeto ou cena (por exemplo, a imagem de um gato embaixo de uma mesa) e um código simbólico, que forneceria uma descrição verbal do evento (como “o gato está embaixo da mesa”). Apoiando essa hipótese, pesquisadores mostram que a percepção visual de cenas ou objetos (utilizando o sistema de codificação pictórico) interfere na imagem visual, mas não de forma negativa, enquanto interfere apenas de forma negligente com a manipulação mental de material verbal (BAD-DELEY, 1983; BROOKS, 1968).

Segundo Bajo, Puerta-Melguizo e Gómez-Ariza (1999), a partir da década de 1970, diversas teorias debateram sobre a natureza dos códigos representacionais de desenhos e palavras. Por um lado, várias teorias (PAIVIO, 1971, 1983, 1991; JONHSON; PAI-VIO; CLARK, 1996) propuseram que desenhos e palavras difeririam em relação ao sistema de memória ao qual acedem e são armazenados. Por outro, teóricos como Nelson, Reed e McEvoy (1977) e Glaser (1992) propuseram que os códigos de representação de desenhos e palavras seriam iguais e que a diferença entre eles estaria apenas na ordem em que acedem aos diferentes tipos de representação (visual, fonológica, semântica, entre outros).

Tais diferenças propiciaram a discussão de várias perspectivas. Em primeiro lugar, experimentos mostraram a superioridade da lembrança de desenhos sobre as palavras. Em segundo lugar, embora os desenhos e as palavras sejam representações simbólicas dos objetos que compõem o mundo em que as pessoas vivem, os desenhos podem chegar a ser símbolos com semelhanças “físicas” iguais às dos objetos reais, e, portanto, supõe-se que os processos pelos quais se reconhece, compreende ou denomina um desenho, são semelhantes aos processos pelos quais se reconhece, compreende ou denomina um objeto (GLASER, 1992). Tais fatos fizeram que pesquisadores se esforçassem em compreender a maneira de processar desenhos como forma de tentar entender de que maneira se processam objetos.

A respeito do papel de variáveis externas que poderiam influenciar na codificação, alguns pesquisadores (FINKE; SHEPARD, 1986; SHEPARD; COOPER, 1982, dentre outros) apoiaram a noção de que o tipo de material utilizado determinaria a eficácia da codifi cação. Em particular, descobriram que figuras são mais bem lembradas do que palavras, o que ficou conhecido como o “efeito de superioridade de figura”. Segundo Paivio (1991), isso aconteceria porque as figuras seriam codificadas e armazenadas em dois códigos diferentes (verbais e imaginais), enquanto as palavras não.

Deve ser destacado que, embora existam diferenças nas concepções sobre memória, assim como na forma de avaliá-la, autores concordam que o construto memória estaria relacionado com a inteligência (DEMPSTER, 1981; RUBIN, 1995; PERNER; RUFFMAN, 1995; ENGLE; TUHOLSKI; LAUGHLIN; CONWAY, 1999; KANE; HAMBRICK; TUHOLSI; WILHELM; PAYNE; ENGLE, 2004). Dessa forma, a possível relação entre essas variáveis foi proposta como objeto de estudo desta pesquisa.

Quando se fala em inteligência, não se pode deixar de fazer referência a Charles Spearman, que em 1904 propôs a “Teoria Bifatorial” ou a “Teoria Eclética dos Fatores”, elaborada com base na análise fatorial, para tentar explicar um fator geral da inteligência. É interessante destacar que Spearman (1927) identificou como fatores de grupo o mecânico, o espacial, o numérico, o verbal, a perseverança e a memória lógica.

Relacionando a inteligência com a memória, Conway, Cowan e Bunting (2002), Engle, Tuholski, Laughlin e Conway (1999) com Kane et al. (2004) verificaram que a correlação entre testes de memória e Raven eram de aproximadamente 0,30. Conway et al. (2002) observaram uma correlação de 0,34 entre o teste Ospan, no qual os participantes resolvem uma série de operações matemáticas enquanto tentam se lembrar de um conjunto de palavras não-relacionadas, e o teste de Raven.

Vale ressaltar que, embora a maior parte das pesquisas relacionando inteligência e memória refira-se à memória de trabalho, parece evidente que a existência de uma relação entre o construto memória, independentemente de qual tipo seja, com a inteligência é mais do que consistente (ACKERMAN; BEIER; BOYLE, 2002; SÜß; OBERAUER; WITT-MAN; WILHELM; SCHULZE, 2002, dentre outros).

Embora essa relação seja amplamente pesquisada no exterior, no Brasil há certa carência de estudos a esse respeito. Nesse sentido, esta investigação procurou verificar possíveis relações entre os construtos de memória de curto prazo e de inteligência. Para isso, foram utilizados como medida de memória o Teste Pictórico de Memória em sua versão preliminar (RUEDA; SISTO, não publicado) e para avaliar a inteligência o Teste de Raciocínio Inferencial – RIn (SISTO, 2006).

O Teste Pictórico de Memória é caracterizado como um quadro em preto-e-branco com uma paisagem de campo composta por 51 itens. O desenho está dividido em três blocos: desenhos típicos da água, do céu e da terra.

Um estudo realizado por Rueda e Sisto (2006) mostrou que a correção poderia ser feita somando os itens pertencentes a cada “parte” do desenho, ou seja, ao céu, à água e à terra, assim como também a pontuação total do teste, que consistiria no somatório desses três agrupamentos. Os agrupamentos formados contêm 8, 18 e 25 itens na água, no céu e na terra, respectivamente.

Ainda nesse estudo, os autores verificaram que o desempenho no teste estaria relacionado com as diferentes idades. Os resultados apresentaram diferenças no desempenho em função das faixas etárias para os agrupamentos terra, céu e a pontuação total.

Isso foi considerado uma evidência de validade desenvolvimental. No caso do agrupamento água, não foram verificadas diferenças, ou seja, as diferentes faixas etárias estudadas não apresentaram desempenhos diferentes nesse agrupamento. Com base nisso, foi sugerida uma reconfiguração do desenho acrescentando novos itens relativos ao contexto água. Quando os autores estudaram as diferenças por sexo, verificaram os mes mos resultados dos estudos feitos por faixa etária, ou seja, apenas o agrupamento da água não apresentou diferenças significativas.

Já em relação ao RIn, quanto às propriedades psicométricas, o Manual relata vários estudos de evidências de validade, seja referentes à estrutura interna, seja em relação a outras variáveis. Num primeiro momento, foi estudado o funcionamento diferencial dos itens (DIF) em razão do sexo, verificando-se que apenas dois itens apresentaram diferenças, um favoreceu o sexo masculino e o outro, o feminino. Assim, Sisto (2006) concluiu que não deveriam ser apresentadas normas para cada sexo. Outra evidência de validade foi por meio de uma análise fatorial. Verificou que apenas um fator alcançou um eigenvalue igual ou superior a 1, explicando 52,41% da variância. Dessa forma, concluiu que os resultados são indicativos de evidência de validade em relação à estrutura interna do teste, sugerindo a unidimensionalidade e inferindo a presença de um fator geral.

No que se refere a outras variáveis, Sisto (2006) estudou o RIn em relação ao desenvolvimento e ao desempenho escolar. Em ambos os estudos, os resultados forneceram evidências de validade para o teste.

A precisão foi estudada em relação às faixas etárias por meio do coeficiente alfa de Cronbach e as duas metades de Spearman-Brown. Os coeficientes encontrados foram bastante satisfatórios, variando de 0,71 a 0,93, indicando constância ao longo das faixas etárias.

Visando à possibilidade de verificar uma possível relação entre ambos os construtos avaliados pelos referidos testes, este estudo foi proposto. Assim, utilizou-se o Teste de Raciocínio Inferencial como uma medida de critério para fornecer evidências de validade para o Teste Pictórico de Memória (RUEDA; SISTO, não publicado). As evidências de validade procuradas foram concorrente, assim como também a evidência de validade por grupos extremos.

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa 436 pessoas, de 10 a 60 anos (M=19,79, DP=8,58), que cursavam da segunda série do Ensino Fundamental até o Ensino Superior, de escolas e universidades públicas e particulares do interior dos estados de São Paulo e Minas Gerais. Do total de participantes, 182 (41,7%) eram do sexo masculino e 254 (58,3%) do feminino.

Quando formados os grupos extremos, o grupo com baixo desempenho no RIn ficou composto por 120 indivíduos e o grupo com melhor desempenho com 122 indivíduos. Nesse caso, a idade média foi 21,67, com um desvio padrão de 6,59.

Instrumentos

Teste Pictórico de Memória (RUEDA; SISTO, não publicado).

Para construção do teste, num primeiro momento, elaborou-se um desenho com várias figuras, de tamanhos diferentes, algumas consideradas fáceis de serem percebidas e outras mais difíceis. Posteriormente à elaboração do desenho, ele foi submetido a um estudo de conteúdo por três psicólogos com experiência sobre o tema, sendo retirados alguns itens e acrescentados outros. A escolha pela retirada de itens foi determinada pelo critério repetição. Por exemplo, o desenho inicial constava de três flores, sendo verificado que muitos testados colocavam na folha de resposta “flor”, “flores”, “3 flores” ou “2 flores”, o que dificultava a correção do teste.

Dessa forma, o teste ficou composto de um quadro em branco-e-preto com uma paisagem de campo com 51 itens. Para correção, é atribuído um ponto a cada item lembrado, e a pontuação total é produto da soma de todos os itens assinalados. A aplicação é realizada em no máximo 5 minutos.

Teste de Raciocínio Inferencial – RIn (SISTO, 2006).

O RIn é um teste de inteligência não-verbal que avalia o fator g proposto por Spear-man em 1904. É destinado a pessoas de 10 a 70 anos e é composto por quatro séries (A, B, C e D), totalizando 40 itens, sendo as séries ordenadas por dificuldade crescente. O teste consiste em a pessoa identificar dentre quatro opções possíveis nas séries A e B, e dentre seis opções nas séries C e D, aquela que completa de forma adequada o desenho que está faltando na parte superior da folha. A correção do teste é feita atribuindo-se um ponto para cada resposta correta e zero ponto para a resposta considerada errada. A pontuação total é produto da soma das pontuações de cada problema, podendo variar de 0 até 40 pontos. O tempo limite máximo para a aplicação é de 25 minutos.

Procedimento

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Francisco sob o protocolo FR: CEP166/06. Após assinatura do termo de Consentimento Livre e Esclarecido por parte dos respondentes ou dos responsáveis legais, os instrumentos foram aplicados de forma coletiva. A aplicação não excedeu 20 ou 30 pessoas por grupo. Primeiro foi aplicado o Teste Pictórico de Memória e posteriormente o Teste de Raciocínio Inferencial.

Resultados e discussão

Para análise dos resultados, num primeiro momento foram realizadas as estatísticas descritivas de ambos os instrumentos e foram verificadas diferenças em função do sexo e das diferentes faixas etárias no Teste Pictórico de Memória. Posteriormente, ambos os instrumentos foram correlacionados, e, por fim, os grupos extremos formados em função da pontuação total no RIn foram comparados na pontuação do Teste Pictórico de Memória. As estatísticas descritivas são apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1. Estatísticas descritivas do RIn e do Teste Pictórico de Memória

 

 

Como descrito na Tabela 1, em ambos os instrumentos não foi alcançada a pontuação máxima esperada (40 pontos no RIn e 51 no Teste Pictórico de Memória). Ainda é possível observar que pontuações médias podem ser consideradas baixas, pois em ambos os testes são inferiores aos possíveis pontos médios, que seriam 20 pontos no RIn e 25,5 no Teste Pictórico de Memória. No caso dos três agrupamentos de itens do teste de memória, nenhum alcançou a pontuação máxima esperada. Observou-se também que nos agrupamentos água e céu houve pessoas que não se lembraram de nenhum item.

Com o objetivo de verificar diferenças em função do sexo no Teste Pictórico de Memória, foi realizada a prova t de student, adotando como nível de significância 0,05. Os resultados dessa análise podem ser visualizados na Tabela 2.

Tabela 2. Média e desvio padrão por sexo e valores de te pnos agrupamentos e na pontuação total do Teste Pictórico de Memória

 

 

Na Tabela 2 percebe-se que as categorias terra, céu e a pontuação total do teste diferenciaram-se em função do sexo dos participantes, de tal forma que as mulheres apresentaram uma pontuação média maior que a dos homens em todos os casos. Já no caso do agrupamento água, embora as mulheres também tenham apresentado uma média maior que a dos homens, essa diferença não foi estatisticamente significativa. Esses resultados corroboram os achados de Rueda e Sisto (2006). Ao lado disso, os autores informam que o desempenho no Teste Pictórico de Memória sofre a influência da idade. Por isso, foram calculadas possíveis diferenças nos agrupamentos do teste, assim como na pontuação total, com base nas faixas etárias estabelecidas, quais sejam, de 10 a 17 anos, de 18 a 25 e 26 anos ou mais. Os resultados são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3. Valores de Fe pobtidos pela Análise de Variância entre os agrupamentos e a pontuação total do Teste Pictórico de Memória e as faixas etárias dos participante

 

 

Os resultados da Tabela 3 mostram diferenças estatisticamente significativas nos três agrupamentos, como também na pontuação total do Teste Pictórico de Memória. Diferentemente da pesquisa de Rueda e Sisto (2006), na qual o agrupamento água não apresentou diferenças entre as faixas etárias, na presente pesquisa tais diferenças foram observadas, possibilitando confirmar o exposto pelos autores sobre a necessidade de uma reconfiguração do desenho com o intuito de equalizar a quantidade de itens dispostos em cada agrupamento, para, dessa forma, poder verificar se existe, de fato, uma diferença em função do local no qual cada desenho está apresentado, ou se essa diferença se deve apenas à grande diferença de itens que compõem cada agrupamento.

Para investigar quais grupos justificaram essas diferenças nos agrupamentos e na pontuação total do teste, utilizou-se a prova de Tukey. Os resultados confirmaram os achados de Rueda e Sisto (2006), no sentido de que as pessoas entre 18 e 25 anos apresentam melhores desempenhos em todos os casos, quando comparadas com as pessoas com menos de 18 anos ou com mais de 25. Em todos os agrupamentos e na pontuação total, a prova de Tukey formou dois grupos e a faixa etária de 18 a 25 anos ficou separada das outras faixas etárias em todos os casos.

Com o objetivo de verificar a relação entre os agrupamentos do Teste Pictórico de Memória e a pontuação total do Rin, foi realizada uma correlação entre as pontuações em questão. Ainda como informa a pesquisa de Rueda e Sisto (2006), as medidas fornecidas pelo teste de memória sofrem a influência da idade, sendo, por isso, calculados também os coeficientes de correlação controlando o efeito da idade. Os resultados de ambas as análises podem ser observadas na Tabela 4.

Tabela 4. Coeficientes de Correlação de Pearson e parciais e valores de p entre os agrupamentos do Teste Pictórico de Memória e a pontuação total do RIn

 

 

Como evidencia a Tabela 4, todas as correlações foram positivas e significativas. Os menores coeficientes de correlação foram observados com o agrupamento dos itens pertencentes à água, o que poderia sugerir que, quando aumentada a quantidade de desenhos que compõem esse agrupamento, aumentaria o coeficiente de correlação. Ao lado disso, os agrupamentos céu e terra apresentaram coeficientes de correlação com as pontuações do RIn muito semelhantes. Por sua vez, a pontuação total no Teste Pictórico de Memória apresentou coeficientes que variaram de 0,40 até 0,56 com o RIn, o que indica uma comunalidade maior que 31%.

Com base nos coeficientes de correlação, evidenciaram-se correlações de magnitude moderadas, o que significaria uma evidência de validade concorrente para o Teste Pictórico de Memória. Quando controlado o efeito da idade, a análise indicou que os coefi cientes mantiveram-se praticamente os mesmos, assim como as tendências das correlações, ou seja, independentemente da idade há uma associação entre os construtos inteligência e memória.

Com o intuito de verificar qual seria a correlação entre o Teste Pictórico de Memória e cada série do RIn, caso cada uma delas tivesse a extensão do RIn total (40 itens), foi utilizada a fórmula de profecia Spearman-Brown. Os resultados podem ser visualizados na Tabela 5.

Tabela 5. Coeficientes de correlação da profecia Spearman-Brownem cada série do RIn

 

 

Como pode ser observado na Tabela 5, quando corrigidos pela fórmula Spearman-Brown, a correlação média foi de r = 0,75. Ao lado disso, verificou-se que os valores foram aumentando de acordo com a dificuldade da série, até chegar à série D, na qual os valores caíram significativamente. Esses dados indicariam que a soma das partes (séries A, B, C e D) é diferente do todo (pontuação geral do RIn), ou seja, como informa o manual do teste, o construto avaliado é o raciocínio inferencial, porém a dificuldade de cada série indicaria quando uma pessoa possui raciocínio inferencial mais ou menos evoluído.

Com a finalidade de verificar possíveis diferenças nos grupos extremos formados em função do RIn em relação aos agrupamentos do Teste Pictórico de Memória, realizou-se uma prova t de student, adotando como nível de significância 0,05. Destaca-se que, para formar tais grupos, foram considerados os 25% de pessoas que obtiveram as menores pontuações e os 25% que apresentaram as maiores pontuações no RIn. Os resultados podem ser observados na Tabela 6.

Tabela 6. Estatísticas para grupos extremos do RIn em relação aos agrupamentos e à pontuação total do Teste Pictórico de Memória

 

 

Como sumariado na Tabela 6, os três agrupamentos e a pontuação total do Teste Pictórico de Memória apresentaram diferenças estatisticamente significativas em função da pontuação total do RIn. Esses dados podem ser interpretados como uma evidência de validade de critério por grupos extremos para as medidas fornecidas pelo teste de memória.

 

Considerações finais

As estatísticas realizadas num primeiro momento corroboraram os achados de Rueda e Sisto (2006) no que diz respeito às variáveis idade e sexo. Na idade, os resultados revelaram que a faixa etária de adultos jovens apresentou melhor desempenho que os adultos idosos e pessoas com menos de 18 anos. Quanto à variável sexo, também foram verificadas diferenças significativas nos ambientes “terra” e “céu” e na pontuação total do teste, e em todos os casos as mulheres apresentaram uma pontuação média maior que os homens.

No caso dos agrupamentos do Teste de Memória, a “terra” e o “céu” apresentaram diferenças significativas, enquanto tal fato não foi observado na categoria “água”. Isso poderia ser atribuído ao pequeno número de itens que formam esse agrupamento em relação aos agrupamentos “terra” e “céu”. Como afirmado por Rueda e Sisto (2006), uma nova configuração do desenho poderia ser pensada com o objetivo de equalizar a quantidade de itens que formam cada agrupamento do teste.

Quanto aos objetivos propostos, buscar evidência de validade de critério concorrente e por grupos extremos para o Teste Pictórico de Memória (RUEDA; SISTO, não publicado), os resultados revelaram coeficientes de correlação de magnitudes média, o que estaria indicando que a memória avaliada pelo Teste Pictórico de Memória tem características em comum com o raciocínio inferencial avaliado pelo Teste de Raciocínio Infe-rencial (SISTO, 2006), podendo isso ser considerado uma evidência de validade. Isso vai ao encontro do proposto por Spearman em 1904 e reafirmado em 1927, de que a inteligência seria composta por um fator geral que inclui características de vários construtos diferentes, dentre eles, a memória. Foi verificado, ainda, que, se a dificuldade de cada uma das séries do RIn fosse semelhante, a comunalidade entre os construtos seria de aproximadamente 60%. Por esses resultados, pode-se concluir que evidência de validade de critério concorrente foi verificada para o Teste Pictórico de Memória.

Finalmente, a evidência de validade por grupos extremos foi confirmada, uma vez que os três blocos de itens, assim como a pontuação total do teste, diferenciaram as pessoas que apresentaram baixas e altas pontuações no RIn. Com base nesses resultados, os objetivos deste estudo foram alcançados.

Vale destacar que, como afirmaram Rueda e Sisto (2006), após uma reconfiguração do desenho, novas pesquisas devem ser realizadas. Isso forneceria novas evidências de validade para o Teste Pictórico de Memória.

 

Referências

ACKERMAN, P. L.; BEIER, M. E.; BOYLE, M. O. Individual differences in working memory within a nomological network of cognitive and perceptual speed abilities. Journal of Experimental Psychology General, v. 131, n. 4, p. 567-589, 2002.        [ Links ]

ATKINSON, R. C.; SHIFFRIN, R. M. Human memory: a proposed system and its control processes. In: SPENCE. K. W.; SPENCE, J. T. (Org.). The psychology of learning and motivation. New York: Academic Press, 1968. p. 89-195.        [ Links ]

BADDELEY, A. D. Working memory. Oxford: University Press, 1983.        [ Links ]

BADDELEY, A. D.; HITCH, G. Working memory. In: BOWER, G. A. (Org.). Advances on learning and motivation. New York: Academic Press, 1974. p. 47-90.        [ Links ]

BAJO, M. T.; PUERTA-MELGUIZO, M. C.; GÓMEZARIZA, C. Representación semántica y fonológica de dibujos y palabras: acceso diferencial o sistemas de memoria? Psi-cothema, v. 11, n. 4, p. 873-889, 1999.        [ Links ]

BROOKS, L. Spatial and verbal components of the act of recall. Canadian Journal of Psychology, v. 22, n. 5, p. 349-368, 1968.        [ Links ]

CANTOR, J.; ENGLE, R. W.; HAMILTON, G. Short term memory, working memory and verbal abilities: how do they relate? Intelligence, v. 15, n. 3, p. 229-246, 1991.        [ Links ]

CONWAY, R. A.; COWAN, N.; BUNTING, M. F. The cocktail party phenomenon revisited: the importance of working memory capacity. Psychonomic Bulletin & Review, v. 8, n. 2, p. 331-335, 2002.        [ Links ]

CORNOLDI, C.; VECCHI, T. Mental imagery in blind people: the role of passive and active visuospatial processes. In: MORTON, A. H. (Org.). Touch, representation and blindness. Oxford: Oxford University Press, 2000. p. 29–58.        [ Links ]

DEMPSTER, F. N. Memory span: sources of individual and developmental differences. Psychological Bulletin, v.89, n. 1, p. 63-100, 1981.        [ Links ]

ENGLE, R. W.; TUHOLSKI, S. W.; LAUGHLIN, J. E.; CONWAY, A. R. A. Working memory, short-term memory and general fluid intelligence: a latent variable approach. Journal of Experimental Psychology: General, v. 128, n. 3, p. 309-331, 1999.        [ Links ]

FINKE, R. A.; SHEPARD, R. N. Visual functions of mental imagery. In: BOFF, K. R.; KAUF-MAN, L.; THOMAS, J. P. (Org.). Handbook of perception and performance: cog-nitive processes and performance. New York: John Wiley and Sons, 1986. p. 382-420.        [ Links ]

FLORES-MENDOZA, C.; COLOM, R. Memória de trabajo, retraso mental y dificultades de aprendizaje. Estudos de Psicologia, v. 17, n. 3, p. 67-89, 2000.        [ Links ]

GLASER, W. R. Picture naming. Cognition, v. 42, n. 1, p. 61-105, 1992.        [ Links ]

JOHNSON, C. J.; PAIVIO, A.; CLARK, J. M. Cognitive components of picture naming. Psychological Bulletin, v. 120, n. 2, p. 113-139, 1996.        [ Links ]

KANE, M. J.; HAMBRICK, D. Z.; TUHOLSI, S. W.; WILHELM, O.; PAYNE, T. W.; ENGLE, R. W. The generality of working memory capacity: a latent variable approach to verbal and visuo-spatial memory span and reasoning. Journal of Experimental Psycho-logy: General, v. 133, n. 2, p. 189-217, 2004.        [ Links ]

LLOYD, P.; PETERSON, M. Short-term retention of individual items. Journal of Experimental Psychology, v. 58, n. 1, p. 193-198, 1959.        [ Links ]

MILLER, G. A. The magical number seven, and or minus two: some limits on our capa-city for processing information. Psychological Review, v. 63, n. 2, p. 81-97, 1956.        [ Links ]

NELSON, D. L.; REED, V. S.; McEVOY, C. L. Learning to order pictures and words: a model of sensory and semantic encoding. Journal of Experimental Psychology: human learning and memory, v. 3, n.5, p. 485-497, 1977.        [ Links ]

PAIVIO, A. Imagery and verbal processes. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1971.        [ Links ]

_____ . The empirical case for a dual coding. In: YUILLE, J. C. (Org.). Imagery, me mory and cognition: essays in honor of Allan Paivio. Hillsdale: LEA, 1983.        [ Links ]

_____ . Dual Coding Theory: restrospect and current status. Canadian Journal of Psychology, v. 45, n. 4, p. 255-287, 1991.        [ Links ]

PERNER, J.; RUFFMAN, T. Episodic memory and autonoetic consciousness: developmental evidence and a theory of childhood amnesia. Journal of Experimental Child Psychology, v. 59, n. 3, p. 516-548, 1995.        [ Links ]

RUBIN, D. C. Memory in oral traditions. New York: Oxford University Press, 1995.        [ Links ]

RUEDA, F. J. M.; SISTO, F. F. Estudo inicial do procedimento de correção do Teste Pictórico de Memória Visual. Manuscrito submetido à publicação, 2006.        [ Links ]

_____ . Teste Pictórico de Memória. São Paulo: Vetor Editora Psicopedagógica Ltda. Não publicado.        [ Links ]

SHEPARD, R. N.; COOPER, L. A. Mental images and their transformation. Cambridge: MIT Press, 1982.        [ Links ]

SISTO, F. F. Teste de Raciocínio Inferencial. São Paulo: Vetor Editora Psicopedagó-gica Ltda, 2006.        [ Links ]

SMITH, E. E.; JONIDES, J.; KOEPPE, R. A.; AWH, E.; SCHUMACHER, E. H.; MINOSHIMA, S. Spatial versus object working memory: PET investigations. Journal of Cognitive Neuroscience, v. 7, n. 4, p. 337-356, 1995.        [ Links ]

SPEARMAN, C. “General Intelligence”, objectively determined and measured. American Journal of Psychology, v. 15, n. 2, p. 201-293, 1904.        [ Links ]

_____ . Las habilidades del hombre: su naturaleza y medición. Buenos Aires: Paidós, 1927.        [ Links ]

SÜß, H.; OBERAUER, K.; WITTMAN, W.; WILHELM, O.; SCHULZE, R. Working memory capacity explains reasoning ability and little bit more. Intelligence, v. 30, n. 3, p. 261-288, 2002.        [ Links ]

TULVING, E.; CRAIK, F. I. M. The Oxford handbook of memory. Oxford: University Press, 2000.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Fabián Javier Marín Rueda
Rua José Marciano Filho, 9 – Vila Cristo Redentor
Itatiba – SP
CEP 13251-420
e-mail: marinfabian@yahoo.com.br

Tramitação
Recebido em janeiro de 2007
Aceito em abril de 2007