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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. v.9 n.1 São Paulo jun. 2007

 

ARTIGOS

 

Avaliação do controle inibitório em TDAH por meio do teste de geração semântica

 

Inhibitory control assessment in adhd using the semantic genera-tion test

 

Evaluacion del control inhibitorio en tdah por medio del test de geracion semantica

 

 

Ellen Carolina dos Santos AssefI; Alessandra Gotuzo Seabra CapovillaI; Fernando César CapovillaII

IUniversidade São Francisco
IIUniversidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Componente de processos executivos, controle inibitório refere-se à habilidade de inibir respostas competitivas. Freqüentemente se encontra prejudicado no Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Pode ser avaliado por escore e tempo de reação em tarefas de geração semântica. Nelas, o participante é exposto a figuras de substantivos e deve dizer um verbo pertinente a cada substantivo. Pessoas com TDAH podem ter dificuldade com substantivos de alta seleção, que evocam muitos verbos, mas não com substantivos de baixa seleção, que evocam poucos. Este estudo investigou características psicométricas do Teste de Geração Semântica Computadorizado. O teste foi aplicado a 62 crianças entre 8 e 12 anos, 31 diagnosticadas por psiquiatra como tendo TDAH, e 31 sem TDAH. Análises de precisão apontaram coeficientes bastante satisfatórios. Crianças com TDAH apresentaram maior tempo de reação que as demais para substantivos de alta seleção. Isso sugere maior dificuldade em selecionar dentre verbos, inibindo respostas concorrentes.

Palavras-chave: Controle inibitório, Hiperatividade, Avaliação neuropsicológica, Precisão, Validade.


ABSTRACT

Inhibitory control is a component of executive functions, and refers to the ability of inhibiting competitive responses. It is frequently hampered in Attention Deficit Hiperactivity Disorder (ADHD). It may be assessed using scores and reaction times in semantic generation tasks. In such tasks participants are exposed to noun pictures and are expected to pronounce a pertinent verb according to each noun. ADHD patients may have difficulty with high-selection nouns, which evoke several verbs, but not with low-selection nouns, which evoke few verbs. This study investigated psychometric properties of a Computerized Semantic Genera - tion Test. The test was applied to 62 8-12 year-old children, 31 of them with an ADHD psy - chiatric diagnosis, and 31 with no such diagnosis. Precision analyses showed very satisfactory coefficients. ADHD children presented greater average reaction time under high-selection nouns than that of non-ADHD children. Decreased ability to select among verbs suggests ADHD children have difficulty in inhibiting concurrent responses.

Keywords: Inhibitory control, Hiperactivity, Neuropsychological assessment, Precision, Validity.


RESUMEN

Componente de procesos ejecutivos, control inhibitorio se refiere a la habilidad de inhibir respuestas competitivas. Frecuentemente se encuentra perjudicado en el Trastorno de Déficit de Atención e Hiperactividad (TDAH). Puede ser evaluado por puntuación y tiempo de reacción en tareas de geración semántica. En ellas el participante es expuesto a figuras de substantivos y debe decir un verbo pertinente a cada substantivo. Personas que tienen TDAH pueden tener dificultad con substantivos de alta selección, que evocan muchos verbos, pero no con substantiv os de baja selección, que evocan pocos. Este estudio investigó características psicom étricas del Test de Geración Semántica Computadorizada. El test fué aplicado a 62 niños entre 8 e 12 años, 31 diagnosticadas por psiquiatra como teniendo TDAH, y 31 sin TDAH. Análisis de precisión apuntaron coeficientes bastante satisfactórios. Niños con TDAH presentaron mayor tiempo de reacción que las demás para substantivos de alta selección. Esto sugiere mayor dificultad en seleccionar entre verbos, inhibiendo respuestas concurrentes.

Palabras clave: Control inhibitorio, Hiperatividad, Evaluación neuropsicológica, Precisión, Validez.


 

 

Introdução

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) vem sendo considerado um dos distúrbios comportamentais mais freqüentes na infância, com taxas de prevalência entre 3% e 7% em crianças em idade escolar, segundo o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – DSM-IV-TR™ (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIA -TION, 2002). Os sintomas caracterizam-se, primordialmente, por dificuldade em sustentar a atenção, em inibir comportamentos e pensamentos distraidores e por agitação motora (BARKLEY, 1997; HOUGHTON; DOUGLAS; WEST; WHITHING; WALL; LANGSFORD; POWELL; CARROLL, 1999; MATTOS; SABOYA; KAEFER; KNIJNIK; SONCINI, 2003). Segundo tais autores, esses comportamentos gerais de desatenção, hiperatividade e impulsivi dade podem acarretar desajustes sociais e problemas de aprendizagem.

Vários pesquisadores sugerem que uma alteração no funcionamento do córtex préfrontal e de suas conexões com a rede subcortical pode ser responsável pelo quadro clínico do TDAH (BARKLEY, 1997; BARNETT; MARUFF; VANCE; LUK; COSTIN; WOOD; PANTELIS, 2001; MATTOS et al., 2003; SÁNCHEZ-CARPINTERO; NARBONA, 2001; SERGEANT; GEURTS; OOSTERLAAN, 2002). Comprometimentos nessa região estão relacionados a sintomas típicos do TDAH, como dificuldades para tomar iniciativas, planejar, estabelecer prioridades, monitorar o tempo, manter a motivação e concluir tarefas (MATTOS et al., 2003). Tais características, tanto em termos de bases neurológicas quanto de sintomas cognitivos, têm levado pesquisadores a relacionarem o TDAH às funções executivas (BARKLEY, 1997; BARNETT et al., 2001; TANNOCK, 1998).

As funções executivas, relacionadas ao córtex pré-frontal, caracterizam-se basicamente pela capacidade de controlar, direcionar, gerenciar e integrar funções cognitivas, emocionais e comportamentais para execução voluntária e consciente das ações necessárias para administrar contingência em função de um objetivo (DAMÁSIO, 1996; GAZZANIGA; IVRY; MANGUN, 2002; GOLDBERG, 2002; KERNS; BERENBAUM, 2003; LEZAK, 1995). Dada a complexidade inerente a essas funções, tem sido sugerida sua decomposição em fato-res mais espec íficos, tais como habilidades de seleção de informações, planejamento, monitoramento da atenção, organização de estratégias de memorização, discriminação de itens da memória, inibição de interferências durante uma lembrança e flexibilidade cognitiva (GAZZANIGA; IVRY; MANGUN, 2002; SÁNCHEZ-CARPINTERO; NARBONA, 2001; SERGEANT; GEURTS; OOSTERLAAN, 2002).

Embora haja diversos trabalhos investigando as funções executivas no TDAH, há, ainda, divergências sobre quais componentes executivos estão mais estritamente vinculados a esse transtorno (NIGG, 2001; SÁNCHEZ-CARPINTERO; NARBONA, 2001). Segundo o modelo híbrido de Barkley (1997), o controle inibitório é o componente mais prejudicado no TDAH. Para esse autor, indivíduos com TDAH caracterizam-se principalmente por uma dificuldade em inibir comportamentos, com prejuízos nas habilidades de planejamento e de interrupção de tarefas, apresentando características como baixa tolerância à espera, alta necessidade de recompensa imediata, falha na previsão das conseqüên-cias, déficit na auto-regulação e presença de respostas rápidas, porém imprecisas.

Nesse contexto, Barkley (1997) afirma que o déficit atencional pode ser mais bem caracterizado como um “déficit intencional”, ou seja, na atenção dirigida para o futuro, que poderia ser a causa dos prejuízos nas atividades sociais, incluindo formação de coalizão, auto-inovação e autodefesa social, freqüentemente presentes nos indivíduos com TDAH. Também Sánchez-Carpintero e Narbona (2001) sugerem que os indivíduos com o transtorno, especialmente do tipo combinado, apresentam déficit na inibição do comportamento. Segundo Knapp, Rohde, Lyszkowski e Johannpeter (2002), alterações no córtex pré-frontal seriam responsáveis por tais déficits.

Diferentes tarefas têm sido usadas para avaliar o controle inibitório. Uma delas é a de geração semântica (GAZZANIGA et al., 2002), em que são apresentados, por escrito ou por figuras, substantivos diante dos quais os sujeitos devem gerar um verbo semanticamente relacionado. Esses substantivos podem ser de duas categorias: alta seleção, ou seja, aqueles que se relacionam a vários verbos, e baixa seleção, que se relacionam a um só verbo. Em estudos realizados por Thompson-Schill, D’Exposito, Aguirre e Farah (1997) e Thompson- Schill, D’Exposito e Kan (1999), sujeitos sem lesões nem disfunções encefálicas realizaram a tarefa de geração. Dados de tomografia por emissão de pósitrons mostraram que, em ambas as categorias, houve ativação do córtex pré-frontal superior, especialmente da área 44 de Brodmann. Porém, essa ativação foi maior na condição de alta seleção do que na de baixa, sugerindo maior demanda do controle inibitório para a seleção de um verbo dentre vários semanticamente relacionados ao substantivo.

Pacientes com lesões frontais, ao responderem à mesma tarefa de geração semântica, apresentaram padrões semelhantes de ativação encefálica. No entanto, tais pacientes falharam em cerca de 15% das tentativas na condição de alta seleção, em que simplesmente liam o próprio substantivo ou não emitiam resposta alguma (THOMPSON-SCHILL; SWICK; FARAH; D’ESPOSITO; KAN; KNIGHT, 1998).

Sumariando, pesquisas relacionam o controle inibitório à ativação frontal e sugerem seu rebaixamento no TDAH. A tarefa de geração semântica é uma forma internacionalmente usada para avaliar o controle inibitório, sendo sens ível a lesões frontais. Assim, pode-se supor que indivíduos com TDAH apresentem desempenhos rebaixados na tarefa de geração semântica. Há, porém, carência de instrumentos brasileiros para avaliar o controle inibitório, especialmente por meio da geração semântica. Nesse contexto, o presente estudo objetivou aplicar o Teste de Geração Semântica Computadorizado, recentemente desenvolvido, em crianças com e sem TDAH, de modo a investigar suas características psicométricas, verificando se o teste é preciso e válido para identificar rebaixamento no controle inibitório de crianças com TDAH.

 

Método

Participantes

Participaram 62 crianças, com idades entre 8 e 12 anos, divididas em dois grupos. O grupo 1 foi formado por 31 crianças com diagnóstico de TDAH, realizado por psiquiatras de dois serviços de psiquiatria infantil do Estado de São Paulo com base nos critérios da Associação Psiquiátrica Americana – DSM-IV-TR™ (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2002). Desse grupo, 28 eram meninos e 3, meninas, com idade média de 124,4 meses. Para a seleção das crianças, foi adotado o método não-probabilístico intencional (BISQUERRA; SARRIERA; MARTÍNEZ, 2004), conforme critérios de inclusão e exclusão preestabelecidos.

Dessa forma, o grupo com TDAH atendeu a três critérios de inclusão, concomitantemente: as crianças estavam vinculadas a escola regular, tinham idades entre 8 e 11 anos e 6 meses, e não faziam uso de medicação, principalmente psicotrópico, que pudesse interferir nos comportamentos cognitivos e emocionais. As crianças que já estavam submetidas a tratamento com metilfenidato foram incluídas com a condição de interrupção da medicação por dois dias antes da avaliação neuropsicológica, conforme prescrição médica.

Foram adotados quatro critérios de exclusão para diminuir influências estranhas sobre os resultados na pesquisa, de forma que as crianças com TDAH não apresentavam nenhum desses critérios. Assim, foram excluídas as crianças que: a) apresentassem também outro diagnóstico psiquiátrico, tais como Transtornos Globais de Desenvolvimento, Retardo Mental e Transtornos de Humor e Ansiedade (conforme dados fornecidos pelo mesmo psiquiatra que realizou o diagnóstico de TDAH); b) apresentassem atraso de desenvolvimento neuropsicomotor, déficits sensoriais, neurológicos, motores (também informados pelo psiquiatra); c) apresentassem rebaixamento intelectual (avaliado pelos autores da presente pesquisa); ou d) freqüentassem classe especial. O tipo de escola, pública ou particular, não foi usado como critério de seleção, e, portanto, foram selecionadas crianças oriundas tanto de escolas particulares quanto de públicas.

O restante dessa amostra, o grupo 2, sem TDAH, foi formado a partir da seleção de 31 crianças de um banco de dados cedido por Cozza (2005). Esse banco de dados compreendia crianças de terceiras e quartas séries do ensino fundamental de escolas públicas de Santo André. Dele, foram selecionados os participantes que obtiveram percentis menores que 75 na escala de Déficit de Atenção e Hiperatividade (BENCZIK, 2000), ou seja, que correspondiam à ausência de sintomas de desatenção e hiperatividade. Tais crianças foram pareadas em idade (média de 123,9 meses) e sexo com o grupo com TDAH, caracterizando-se, ainda, por não apresentarem histórico conhecido de TDAH, de alterações de desenvolvimento neuropsicomotor nem outras patologias que pudessem alterar o comportamento cognitivo. Os demais critérios de inclusão e exclusão foram similares ao grupo com TDAH, de forma que os grupos fossem comparáveis.

 

Instrumentos

Aplicaram-se dois testes, um para avaliar o critério de exclusão referente ao aspecto intelectual e outro para avaliar a capacidade de controle inibitório. Para avaliação do rebaixamento intelectual, foi utilizado o Teste de Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (ANGELINI; ALVES; CUSTÓDIO; DUARTE; DUARTE, 1999), definido como percentil abaixo de 50.

Para a avaliação do controle inibitório foi utilizado o Teste de Geração Semântica (CAPOVILLA; CAPOVILLA; MACEDO, 2005). Esse instrumento objetiva avaliar a capaci dade de inibir respostas não-adaptadas, por meio da apresentação de figuras correspondentes a substantivos para gerar um verbo semanticamente relacionado a cada uma delas.

Essa versão foi desenvolvida com base nos estudos de Thompson-Schill et al. (1997) e Thompson-Schill et al. (1998). Na versão original daqueles autores eram apresentados por escrito 48 substantivos de alta seleção (por exemplo, aqueles que podem evocar muitos verbos, como corda, que pode ser associado aos verbos laçar, amarrar, pular, enrolar) e 48 de baixa seleção (por exemplo, aqueles que usualmente evocam apenas um verbo, como tesoura, geralmente associada a cortar), impressos em papel. A categorização dos subs - tantivos foi feita pelo cálculo da “força de resposta”, ou seja, a razão da freqüência de res - posta do verbo mais evocado para determinado substantivo sobre o menos evocado. Desse modo, com base nas forças de respostas, os substantivos foram agrupados em duas categorias, os de alta seleção, com razões entre 1,0 e 3,0, e os de baixa seleção, com razões entre 5,0 e 50,00.

A versão usada na presente pesquisa foi baseada na de Thompson-Schill et al. (1997, 1998). Porém, visto que o objeto era avaliar crianças, optou-se pela apresentação de figuras em vez de palavras escritas. Para tanto, inicialmente foram selecionadas 240 figuras representando substantivos concretos de um banco de dados desenvolvido por uma especialista em artes plásticas (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2001). Essas figuras, impressas em papel, foram apresentadas a 49 alunos de psicologia para que escrevessem o nome e um verbo relacionado a cada uma delas. Aquelas que apresentaram mais de 80% de concordância na nomeação entre os participantes foram, então, selecionadas, resultando em 153 figuras que apresentaram uniformidade na nomeação. A partir das razões entre o primeiro e o segundo verbos mais freqüentes, foram selecionadas 60 figuras de substantivos de “alta seleção” (razões entre 1,0 e 1,9) e 60 figuras “baixa seleção” (razões entre 5,0 e 44,0), sendo excluídas as demais figuras.

Para a informatização desse instrumento foi utilizado o aplicativo IBV desenvolvido por Macedo et al. (1998), que permite o registro da vocalização (verbo) do sujeito emitida a cada estímulo (figura) para análises posteriores de acerto e tempo de reação. Desse modo, o teste consiste em 120 figuras de teste, precedidas por duas figuras de exemplo, apresentadas na tela do computador, uma a uma. A instrução é fornecida pelo aplicador, que solicita ao participante para ver as figuras e dizer um verbo (isto é, uma ação) relacionado a cada uma delas. O aplicativo pode ser acionado pelo examinador. Não há limite de tempo para emissão da resposta, bem como critério de interrupção, e o tempo médio de execução é de 20 minutos.

O critério de correção corresponde a zero ponto para aus ência de resposta ou resposta incorreta, e um ponto para resposta correta, totalizando 120 pontos para desempenho máximo na tarefa. Além do escore, pode ser analisado o tempo de reação para cada locução. Tais medidas podem ser obtidas para o teste como um todo ou separadamente para as categorias de alta e de baixa seleção, bem como para o efeito de interferência (isto é, desempenho médio em alta seleção menos o desempenho médio em baixa seleção).

 

Procedimento

Com a autorização das instituições para realização da pesquisa e após o consentimento dos responsáveis e das próprias crianças iniciou-se a coleta de dados. O protocolo de aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética da Universidade São Francisco foi o de número 137/04. Ambas as avaliações, de rebaixamento intelectual e de controle inibitório, foram realizadas individualmente, com duração média de 10 e 20 minutos, respectivamente. A avaliação com o Teste de Geração Semântica foi realizada com o auxílio de um notebook.

 

Resultados

Conforme anteriormente descrito, o Teste das Matrizes Progressivas de Raven foi aplicado para avaliar o nível intelectual, de modo a selecionar a amostra com base nos critérios de exclusão. Portanto, nesta seção foram descritas apenas as análises do Teste de Geração Semântica.

Inicialmente foram conduzidas análises de precisão do desempenho, em termos de escore, no Teste de Geração Semântica. Para as análises efetuadas com todos os 120 itens do teste, foram obtidos alfa de Cronbach de 0,91 e coeficiente de Spearman-Brown de 0,89. Já para as análises efetuadas para cada categoria, os valores do alfa de Cronbach e do coeficiente de Spearman-Brown foram, respectivamente, 0,83 e 0,76 para a categoria de alta seleção, e 0,84 e 0,84 para a categoria de baixa seleção. Observa-se que tanto as análises feitas com todos os itens quanto as análises para cada categoria separadamente apontaram coeficientes de precisão bastante satisfatórios.

Em seguida, para verificar a validade do Teste de Geração Semântica em discriminar entre os grupos com e sem TDAH, foram conduzidas Análises de Covariância (Ancova), tendo o grupo como variável independente (com dois níveis, com e sem TDAH). A idade em anos (com cinco níveis, de 8 a 12 anos) e o tipo de escola (com dois níveis, público e particular) foram usados como covariantes, de modo a subtrair o efeito dessas variáveis sobre possíveis diferenças entre os grupos. Visto que a variável tipo de escola era categorial, foi feita a codificação dummy, transformando os níveis público e particular em escores 0 e 1, respectivamente. Como variáveis dependentes foram usados os desempenhos no Teste de Geração Semântica, em termos de tempo de reação e escore, tendo sido usado o nível de significância de 0,05.

Na primeira Ancova, usando tempo de reação, foram consideradas três medidas de desempenho, os tempos de reação médios (em segundos) para cada categoria isoladamente (isto é, alta seleção e baixa seleção) e o tempo de reação de interferência. Esse tempo de reação de interferência correspondeu ao tempo de reação em alta seleção menos o tempo de reação em baixa seleção. Assim, quanto maior o valor resultante, tanto maior a interferência decorrente da disponibilidade de verbos alternativos para um mesmo substantivo. Ou seja, quanto maior o prejuízo causado pelo excesso de verbos concorrentes (como no caso dos itens de alta seleção), tanto maior o tempo empregado para emissão da resposta ao substantivo.

A Tabela 1 sumaria as estatísticas descritivas para o tempo de reação após correção da Ancova. Analisando as médias dos grupos, observou-se que ambos os grupos apresentaram tempos de reação superiores para a categoria de alta seleção quando comparados aos tempos em baixa seleção. Embora o grupo com TDAH tenha apresentado maior tempo de reação em ambas as categorias, esse tempo foi ainda maior na categoria de alta seleção, como pode ser observado pelo efeito de interferência, que foi maior para esse grupo do que para o grupo sem TDAH.

Tabela 1. Estatísticas descritivas dos tempos de reação no Teste de Geração Semântica para os grupos com e sem TDAH, corrigidas após Ancova, com idade e tipo de escola como covariantes

 

 

A Tabela 2 sumaria as estatísticas inferenciais obtidas após Ancova do efeito de grupo sobre os tempos de reação no Teste de Geração Semântica, tendo idade e tipo de escola como covariantes. Foram encontradas diferenças significativas entre os grupos com e sem TDAH nas medidas de tempo de reação em alta e em baixa seleção, bem como no efeito de interferência. Não houve efeito significativo de tipo de escola ou idade.

Esses resultados sugerem que o grupo de crianças com TDAH foi, de forma geral, mais lento ao responder ao teste, provavelmente pela necessidade de selecionar uma resposta e inibir os verbos concorrentes. O mais interessante é que, como esperado, o tempo de reação foi especialmente maior na categoria de alta seleção para os participantes com TDAH. Tal achado indica que os grupos foram discriminados pelo tempo de reação no Teste de Geração Semântica, sugerindo que esta é uma medida válida para buscar diferenças de controle inibitório entre esses grupos.

Na segunda Ancova, usando escore, também foram usadas três medidas de desempenho, os escores em cada categoria isoladamente (isto é, alta seleção e baixa seleção) e o escore de interferência (escore em alta seleção menos escore em baixa seleção). Em relação ao escore de interferência, seria esperado que quanto maior a interferência, mais negativo esse escore, pois refletiria o prejuízo causado pelo aumento na possibilidade de respostas. Assim, um escore de interferência negativo refletiria maior dificuldade com substantivos de alta seleção. Ou seja, com um repertório de verbos ampliado, aumentaria a possibilidade de escolha, o que exigiria maior controle inibitório para a seleção de apenas uma resposta, aumentando assim a probabilidade de erro.

Tabela 2. Estatísticas inferenciais obtidas após Ancova do efeito de grupo sobre os tempos de reação no Teste de Geração Semântica com idade e tipo de escola como covariantes

 

 

A Tabela 3 sumaria as estatísticas descritivas obtidas para o escore após correção da Ancova. De forma geral, os escores na categoria de alta seleção foram menores que os escores na de baixa. Isso sugere que, diante da maior possibilidade de respostas a um dado substantivo, o desempenho tende a ser menor, padrão este resultante da necessidade de selecionar uma resposta-alvo e inibir as demais. Os escores de interferência foram negativos, sugerindo presença de interferência para ambos os grupos. Ou seja, os escores em alta seleção foram menores que os escores em baixa seleção para os dois grupos, sugerindo que ambos são prejudicados pelo excesso de respostas alternativas. Porém, inversamente ao esperado e ao contrário dos resultados na medida de tempo de reação, o escore de interferência do grupo com TDAH foi menor que o do grupo sem TDAH, refletindo menor efeito de interferência sobre esse grupo.

Tabela 3. Estatísticas descritivas dos escores no Teste de Geração Semântica para os grupos com e sem TDAH, corrigidas após Ancova, com idade e tipo de escola como covariantes

 

 

A Tabela 4 sumaria as estatísticas inferenciais obtidas após Ancova do efeito de grupo sobre os escores no Teste de Geração Semântica, tendo idade e tipo de escola como covariantes. Como pode ser observado, a Ancova evelou efeitos significativos de grupo sobre nenhuma medida de escore. Dessa forma, talvez a medida de tempo de reação seja mais sensível para avaliar o controle inibitório nessas crianças. Em relação às demais variáveis, não houve efeito significativo de idade, mas de tipo de escola sobre os escores na categoria de baixa seleção, em que os escores da escola particular foram superiores aos da escola pública. Tal dado sugere que diferenças no tipo de escola influenciaram os escores no Teste de Geração Semântica.

Tabela 4. Estatísticas inferenciais obtidas após Ancova do efeito de grupo sobre os escores no Teste de Geração Semântica com idade e tipo de escola como covariantes

 

 

Discussão

Conforme apresentado na Introdução, a capacidade de responder apropriadamente a estímulos, inibindo respostas não-adaptadas, definida como controle inibitório e considerada como componente das funções executivas, revela-se prejudicada em indivíduos com TDAH. Achados de neuroimagem compreendendo tarefas de geração semântica sugerem envolvimento de circuitos frontais na inibição de respostas competitivas em sujeitos saudáveis e, ainda, fracasso no desempenho dessas mesmas tarefas em pacientes com lesões frontais. Considerando tais achados, buscou-se, nesse estudo, aplicar o Teste de Geração Semântica a crianças com e sem TDAH, analisando sua precisão e sua validade em discriminar entre os grupos.

O teste mostrou-se preciso, conforme os coeficientes de Cronbach e de Speraman- Brown, para o teste como um todo e para cada categoria separadamente. Além disso, foram obtidas evidências de validade do teste na diferenciação entre os grupos, especialmente em relação às medidas de tempo de reação. Assim, o grupo com TDAH apresentou tempos de reação significativamente maiores nas categorias de alta seleção, baixa seleção e inferência.

É interessante observar que, como explicação alternativa, poderia ser argumentado que tal medida não avalia puramente o controle inibitório, pois envolve outras habilidades. Portanto, um tempo de reação elevado poderia ser decorrente de alterações na velocidade de processamento de informação como um todo, incluindo, por exemplo, habilidades de recuperar a informação da memória de longo prazo, selecionar a infor-mação-alvo (neste caso, o verbo semanticamente relacionado ao substantivo representado pela figura) e emitir a resposta à informação.

Tal crítica, apesar de válida, é mais pertinente à análise dos tempos de reação em cada categoria isoladamente do que à análise do efeito de interferência. Ou seja, ao analisar a interferência, calculando a diferença entre as categorias de alta e baixa seleção, já está sendo considerado o controle inibitório de maneira pura, visto que é feita uma análise relativa entre as duas condições. Assim, o tempo de reação basal dos participantes é excluído, sendo analisado o prejuízo devido ao aumento de alternativas de respos ta e, portanto, ao aumento da necessidade de inibição.

Já com relação aos escores, não houve diferenças significativas entre os grupos. Um dado interessante é que o grupo com TDAH apresentou maiores escores na categoria de alta seleção que o grupo sem TDAH, apesar de essa diferença não ter sido significativa. O estudo realizado por Cozza (2005), já descrito no Método, comparando grupos de crianças com e sem sintomas de desatenção e hiperatividade nesse mesmo teste, também encontrou resultados semelhantes, usando o mesmo nível de significância (a = 0,05). Ou seja, o grupo com sintomatologia de desatenção apresentou maior escore para ambas as categorias do que o grupo sem sintomas, embora essas diferenças não tenham sido significativas.

Tais resultados são difíceis de interpretar, dada a escassez de outros estudos na bibliografia analisando escores em tarefas de geração semântica. De fato, muitas pesquisas relacionadas ao controle inibitório utilizam outras medidas desempenho, como análises de tempo de reação (ROSIN; 2001; SYLWAN, 2001) e de ativação neurológica por meio de neuroimagem funcional (THOMPSON-SCHILL et al., 1997; THOMPSON-SCHILL; SWICK et al., 1998). Dessa forma, não foram encontradas, nesses estudos, hipóteses bem delineadas sobre os resultados esperados para crianças com e sem TDAH em medidas de escore na tarefa de geração semântica.

De forma exploratória, pode-se supor que tal resultado, que revela superioridade das crianças com TDAH, esteja relacionado justamente à ausência de controle inibitório, que permitiria a evocação de muitas respostas e, nesse teste, aumentaria a probabilidade de acerto. Outra hipótese pode estar relacionada ao tipo de escola, visto que, na Ancova, houve diferenças significativas do tipo de escola sobre escores na categoria de baixa seleção. Conforme descrito anteriormente, a maioria das crianças do grupo com TDAH era proveniente de escolas particulares e, portanto, mais estimuladas. É consensual, no Brasil, a diferença na qualidade de ensino entre escolas públicas e particulares, podendo, dessa forma, interferir no repert ório lexical do aluno. É possível, portanto, que, mesmo usando a correção do tipo de escola pela Ancova, o bom desempenho do grupo com TDAH tenha sido, ao menos em parte, decorrente do tipo de escola freqüentada pelas crianças da pesquisa.

 

Considerações finais

De modo geral, apesar das limitações deste estudo, a versão aqui empregada do Tes te de Geração Semântica Computadorizado mostrou-se precisa e válida, em termos de tempo de reação, na diferenciação de crianças com e sem TDAH, na faixa etária de 8 a 12 anos. Como esperado com base na literatura internacional, crianças com TDAH apresentaram maior tempo de reação na tarefa de controle inibitório do que crianças sem TDAH. É importante ressaltar, porém, que o número de participantes avaliados neste estudo foi bastante reduzido, e, portanto, os resultados encontrados precisam ser analisados com cautela. Pesquisas futuras devem ser conduzidas para explorar o comprometimento do controle inibitório em crianças com TDAH, usando maior número de participantes e controlando com maior propriedade o tipo de escola entre os grupos, visando tanto à ampliação do substrato teórico quanto ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de instrumentos de avaliação na área.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Alessandra Gotuzo Seabra Capovilla
Av. Alexandre Rodrigues Barbosa, 45 – Centro
Itatiba – SP
CEP 13251-9000
e-mail: alessandra.capovilla@saofrancisco.edu.br

Tramitação
Recebido em outubro de 2006
Aceito em março de 2007