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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.10 no.2 São Paulo Dec. 2008

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Fatores biopsicossociais envolvidos na decisão de realização da cirurgia bariátrica

 

Biopsychosocial factors involved in decision-making process to submit to bariatric surgery

 

Factores biopsicosociales que intervienen en la decisión de realizar la cirugía bariátrica

 

 

Juliane de MolinerI; Michelli Moroni RabuskeII

I Universidade do Planalto Catarinense
II Universidade Federal de Santa Catarina

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo caracterizar o processo de tomada de decisão para realização da cirurgia bariátrica e os significados atribuídos ao sobrepeso e à cirurgia, e foi realizada por meio de entrevistas semi-estruturadas e individuais com seis participantes. Os dados foram submetidos à análise temática de conteúdo. Os fatores etiológicos do sobrepeso foram: ansiedade, hábitos alimentares, sedentarismo, eventos estressores e tendência biológica. A decisão para realização da cirurgia foi caracterizada pela expectativa dos resultados para a saúde, as relações sociais e de trabalho e a auto-estima. A cirurgia foi significada como mudança radical, concretizada pela perda de peso instantânea e pelos cuidados no pós-cirúrgico. A decisão para realização desse procedimento requer um período de avaliação, preparação psicológica e acompanhamento do paciente no pré e pós-cirúrgico, considerando os significados atribuídos ao sobrepeso, à alimentação e à cirurgia, promovendo integração entre expectativas e ajustamento psicossocial.

Palavras-chave: Cirurgia bariátrica, Obesidade, Fatores biopsicossociais, Decisão, Saúde.


ABSTRACT

This study aimed to characterize the decision-making process for implementation of bariatric surgery, the meanings attributed to overweight and surgery. Was conducted semi-structured individual interviews with six participants. The data were submitted to the examination of thematic content. The etiological factors of overweight were: anxiety, eating habits, sedentary lifestyle, stressor events and biological trends. The decision to perform the surgery was characterized by the expectation of results for health, social relations, work and self-esteem. The surgery was a radical change, achieved by instant weight loss and care in postsurgical. The decision to conduct this procedure requires a period of psychological assessment, psychological preparation and monitoring of the patient before and after surgery, considering overweight, nutritional needs and surgery meanings, promoting integration between expectations and conditions to the long term patient psychosocial adjustment.

Keywords: Bariatric surgery, Obesity, Biopsychosocial factors, Decision, Health.


RESUMEN

El objetivo del estudio fue caracterizar el proceso de decisión para la cirugía bariátrica y los significados atribuidos al sobrepeso y a la cirugía. Fueron realizadas entrevistas individuales semi-estructuradas con seis participantes. Los datos fueron sometidos a análisis de contenido temático. Los factores etiológicos del exceso de peso fueron: ansiedad, hábitos alimenticios, estilo de vida sedentario, eventos estresantes y tendencia biológica. La decisión de realizar la cirugía se caracterizó por la expectativa de los resultados para la salud, las relaciones sociales, el trabajo y la autoestima. La cirugía fue entendida como un cambio radical concretizado por la pérdida de peso instantánea y por los cuidados en el post-quirúrgico. La decisión para realizar este procedimiento requiere de un período de evaluación y preparación psicológica y seguii miento del paciente en el pre y post-quirúrgico, considerando los significados atribuidos al sobrepeso, a la alimentación y a la cirugía promoviendo la integración entre las expectativas y el ajustamiento psicosocial.

Palabras clave: Cirugía bariátrica, Obesidad, Factores biopsicosociales, Decisión, Salud.


 

 

Introdução

A Organização Mundial de Saúde classifica a obesidade como uma doença crônica, de etiologia multifatorial e de proporções epidêmicas (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2004; ALLISON et al., 2008). Ziegler (2008) refere diminuição da média de idade de início do sobrepeso nos últimos vinte anos, com aumento da incidência e prevalência de sobrepeso e da obesidade em crianças, adolescentes e adultos jovens.

No Brasil, a prevalência da obesidade é de 8,9% em homens e 13,1% em mulheres (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007a), e recentemente foram instituídas as diretrizes para a atenção à saúde, prevenção da obesidade e assistência ao portador de obesidade (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007b). De acordo com Gigante et al. (1997), dois aspectos que se destacam como fatores de risco são o número de gestações e a obesidade em um dos pais, a qual aumenta em 50% o risco de ocorrência de obesidade nos filhos ou nas filhas.

A obesidade é multideterminada por fatores fisiológicos, genéticos, ambientais, sociais, culturais e psicológicos, e aumenta o risco de ocorrência de doenças orgânicas e transtornos mentais e comportamentais, tais como os transtornos depressivos, de ansiedade, de personalidade e de compulsão alimentar (LOLI, 2000; ARONNE, 2002; CAPITÃO; TELLO, 2002; DOBROW; KAMENETZ; DEVLIN, 2002; AZEVEDO; SPADOTTO, 2004; FANDIÑO et al., 2004; HALPERN; RODRIGUES; COSTA, 2004; SANTOS, 2005; ALLISON et al., 2008). O fator genético da obesidade tem recebido destaque nas pesquisas, ampliando a compreensão de que a obesidade depende de uma vulnerabilidade biológica associada ao desenvolvimento do comportamento alimentar e ao sedentarismo (DEVLIN; YANOVKI; WILSON, 2000; ARONNE, 2002; ALLISON et al., 2008).

Os hábitos alimentares são construídos a partir de influências culturais, socioeconômicas, familiares e psicológicas. O comportamento alimentar é influenciado pelas condições econômicas, pelo significado social do alimento associado à cultura local e à religiosidade, pelas características geográficas implicadas na produção, estocagem, comercialização e preço, pelas habilidades para combinar e preparar as refeições, e pelas intolerâncias a determinados tipos de substâncias presentes nos alimentos. De acordo com Assis e Nahas (1999, p. 36):

A seleção de alimentos é uma parte de um sistema comportamental complexo. Na criança é determinada primeiramente pelos pais, práticas culturais e éticas de seu grupo. Experiências precoces e interação contínua com o alimento determinam as preferências alimentares, hábitos e atitudes exibidas pelos adultos.

De acordo com Gable e Lutz (2000) e Damiani (2004), compreender a obesidade em adultos remete a focalizar o comportamento alimentar e o sobrepeso nas crianças. A atividade física, as horas diárias dedicadas a ver televisão, a quantidade e a qualidade de comida ingerida diariamente são fatores associados ao peso na infância que dependem do monitoramento dos pais e refletem práticas baseadas em padrões de relacionamento familiar transmitidos intergeracionalmente. O contexto criado pela família para as refeições, a escolha e a preparação de alimentos, as crenças dos pais sobre as necessidades nutricionais das crianças, suas atitudes e seu envolvimento com os filhos durante as refeições os auxiliam a compreender a influência da alimentação saudável no seu bem-estar físico e emocional, e também a reconhecer os sinais do corpo relacionados à fome e à saciedade.

A associação entre alimento, emoções e sentimentos se constrói no desenvolvimento do ser humano, e a tradução precoce e continuada dos desconfortos emocionais como fome pode contribuir para a ocorrência de dificuldades no comportamento alimentar. Appart, Tordeurs, Reynaert (2007) referem que a obesidade revela a dinâmica do comportamento alimentar do indivíduo e da família, e diferenciam o comer por prazer do comer para acalmar o mal-estar e a angústia. A metáfora utilizada pelos autores é de que a obesidade funciona como uma armadura protetora ante os eventos estressores, ao mesmo tempo em que expressa estagnação psíquica do sujeito diante dos desafios desenvolvimentais nas diferentes etapas do ciclo vital. Como sintoma, a obesidade teria a função de demarcar vivências traumáticas, paradoxalmente expondo o corpo e mantendo a sexualidade distanciada.

Com relação à dinâmica familiar, Appart, Tordeurs e Reynaert (2007) consideram que a obesidade pode indicar a existência de segredos familiares, e, como paciente identificado, o sujeito concentra em si os sentimentos de vergonha e culpa, mantendo as lealdades entre as gerações e a homeostase do sistema familiar. Para Barbarin e Tirado (1985) e Appart, Tordeurs e Reynaert (2007), os aspectos do funcionamento e da dinâmica do sistema familiar, geralmente observados em famílias de pacientes obesos, são as fronteiras emaranhadas entre as gerações, as fronteiras rígidas com os demais sistemas externos e as dificuldades na diferenciação entre cada um dos membros da família. Há necessidade de considerar esses aspectos da dinâmica familiar nos tratamentos para perda de peso.

Benedetti (2003) refere que, em várias culturas ao longo da história, o ganho de peso foi considerado sinal de saúde e prosperidade, e valorizado nas mulheres como sinal de beleza. A mudança nessa concepção tornou o corpo magro o padrão contemporâneo ocidental de beleza e de “boa forma” (GOELLNER, 2003; VASQUEZ; MARTINS; AZEVEDO, 2004). O sofrimento enfrentado pelas pessoas que apresentam obesidade está relacionado ao preconceito na vida afetiva e profissional (PUHL; BROWNELL, 2001), ao sentimento de fracasso e à culpabilização pelo excesso de peso, pelos próprios indivíduos e pelos outros. Esses aspectos, associados aos ideais sociais relacionados ao corpo, contribuem para a construção da identidade e da imagem corporal (GOELLNER, 2003).

As concepções dos profissionais de saúde em relação à obesidade interferem na relação profissional-paciente, assim como a organização da rede de saúde. Martins (1999) investigou as representações sociais de médicos endocrinologistas que atuam no contexto hospitalar sobre a obesidade e o tratamento. A pesquisa evidenciou que o discurso dos participantes foi marcado por impossibilidades em relação ao tratamento, ao atendimento multiprofissional na rede pública e à aderência ao tratamento. O acesso à prevenção e ao tratamento para os pacientes portadores de obesidade na fase adulta, quando não há outras patologias associadas, foi considerado pouco freqüente.

Nos casos de obesidade mórbida, as pessoas geralmente têm uma longa história de tentativas na diminuição do peso, por meio de dietas e pelo uso de medicação, com as quais não obtiveram o efeito desejável (DOBROW; KAMENETZ; DEVLIN, 2002; ASCENCIO, 2006; GIBBONS, 2006). A compulsão alimentar tem relação com a obesidade mórbida e é um fator dificultador do tratamento, ocorrendo com maior freqüência em pessoas com obesidade precoce, oscilação entre períodos de perda e ganho de peso (SEGAL; FANDIÑO, 2002; APPOLINÁRIO, 2004; FANDIÑO et al., 2004; SANTOS, 2005). Para Kathalian (1992, p. 274), “a quantidade de tecido adiposo conta uma estória que por vezes é intensa, grave, duradoura, removível ou eterna. Mas, sem dúvida alguma, plena de frustrações”.

A cirurgia bariátrica é um dos recursos utilizados no tratamento da obesidade mórbida e considerada o método mais eficaz por Devlin et al. (2000), Garrido Jr. (2004) e Santos (2005). Consiste na intervenção cirúrgica realizada no aparelho digestivo para diminuir a ingestão e absorção de alimentos. O resultado esperado é a perda de peso e a melhora das comorbidades, gerando melhora na qualidade de vida. A cirurgia não altera os demais fatores envolvidos na etiologia da obesidade mórbida (SANTOS, 2005).

De acordo com o Conselho Federal de Medicina (2005), a cirurgia é indicada para pessoas maiores de 18 anos que apresentam obesidade mórbida estável por pelo menos cinco anos, com tentativas de tratamento prévio por no mínimo dois anos, ou para pessoas com índice de massa corporal (IMC) entre 35 e 40 que sofrem de patologias associadas, tais como hipertensão arterial, problemas ortopédicos, apnéia do sono e diabetes; é contra-indicada nos casos de cirrose hepática, doença renal, disfunções hormonais, dependência química, quadros psicóticos ou demenciais graves ou moderados. Para Fandiño et al. (2004), não é possível considerar contra-indicação psiquiátrica absoluta em razão da importância de realizar avaliação e tratamento prévio do transtorno psiquiátrico.

O procedimento para realização da cirurgia bariátrica inclui avaliação individual, realizada por médico cirurgião e clínico, nutrólogo e/ou nutricionista, psiquiatra e/ou psicólogo, fisioterapeuta e anestesiologista (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2005). Após a avaliação, o paciente irá conhecer as características, as necessidades, os riscos e as limitações da cirurgia, participando de reuniões com a equipe multiprofissional e com pacientes já operados, para assim ter mais certeza da decisão (BELFORT, 2006).

No processo de avaliação e preparação psicológica para a cirurgia, é importante considerar o significado da alimentação e da obesidade para a família e para a pessoa, seus recursos para manejar limites e sentimentos de desconforto e frustrações. Também devem ser abordados os fatores relacionados à decisão do paciente em se submeter à cirurgia bariátrica e as suas expectativas com relação ao pós-cirúrgico (TRAVADO et al., 2004; BAUCHOWITZ et al., 2005; GREENBERG et al., 2005; WADDEN; SARWER, 2006; GLEISER; CANDEMIL, 2006).

O acompanhamento psicológico no pós-cirúrgico é necessário para o bom prognóstico, pois os fatores psicossociais e comportamentais influenciam a boa evolução do paciente (HSU et al., 1998; BENEDETTI, 2003; HERPERTZ et al., 2004; SARWER, WADDEN, FABRICATORE, 2005). Destacam-se as mudanças no comportamento alimentar exigidas pela cirurgia e também as mudanças na imagem corporal proporcionadas pelo emagrecimento.

A crescente demanda pela cirurgia bariátrica indica a necessidade de explorar os fatores implicados na decisão de realizá-la. Terra (1997) evidencia que a demanda pelo tratamento cirúrgico da obesidade mórbida se caracteriza por um bom grau de informação sobre o procedimento e por motivação elevada em relação aos seus resultados. De acordo com Travado et al. (2004), a possibilidade de realização do procedimento cirúrgico tem levado pessoas com obesidade mórbida a depositarem nele suas esperanças e expectativas de mudança em vários âmbitos da vida. Marchiolli, Marchiolli e Silva (2005) referem que o aumento da procura pela cirurgia pode estar relacionado à substituição de seu caráter cirúrgico pelo estético.

Herpertz et al. (2004), Lighezzolo e Blanchouin (2004) e Bauld et al. (2007) avaliam o conhecimento científico a respeito das implicações psicológicas da cirurgia e indicam a necessidade de maior ênfase nos estudos longitudinais. O estudo de Bauld et al. (2007) avaliou os níveis de depressão, ansiedade e problemas no comportamento alimentar no pré-cirúrgico e um ano após a cirurgia, tendo-se observado nesse período a manutenção da perda de peso e a melhora nos indicadores avaliados, independentemente da condição prévia do paciente.

Conforme Lighezzolo e Blanchouin (2004), os efeitos psicológicos da rápida perda de peso na imagem corporal ainda precisam ser mais bem esclarecidos, e é preciso considerar os aspectos psicodinâmicos implicados no desenvolvimento da obesidade para promover a reorganização psíquica perante o emagrecimento. O emagrecimento e a sua manutenção exigem alterações no comportamento alimentar e nas relações familiares.

Appart, Tourdeurs e Reynaert (2007) apontam para as resistências conscientes e inconscientes envolvidas na perda de peso, decorrentes das mudanças na imagem corporal e no lugar que a pessoa ocupa na família. De acordo com esses autores, pessoas obesas apresentam uma imagem corporal “desfocada”, em que os contornos corporais não estão integrados e dimensionados de forma compatível com o esquema corporal. Após a cirurgia de obesidade, a pessoa sente satisfação pela perda de peso, mas pode ter dificuldades para reconhecer-se e identificar-se com o corpo magro, sentindo estranheza ou mantendo a imagem corporal anterior sobreposta em seu corpo atual.

Considerando as implicações psicológicas na obesidade e na realização da cirurgia bariátrica, objetivou-se conhecer os fatores biopsicossociais envolvidos na decisão de realização da cirurgia bariátrica, com base nas vivências de adultos com obesidade mórbida. Caracterizaram-se as motivações para realização da cirurgia, os significados atribuídos à cirurgia e as expectativas para o pós-cirúrgico.

 

Método

Trata-se de um estudo exploratório, de abordagem qualitativa, com delineamento transversal (MINAYO, 2004). Sua realização foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Planalto Catarinense (Protocolo nº 088-05) e pela instituição hospitalar na qual a coleta de dados foi realizada. Os resultados da pesquisa foram apresentados à instituição, como forma de fornecer subsídios para a atuação da equipe multiprofissional.

Participaram da pesquisa três mulheres e três homens com obesidade mórbida, com faixa etária entre 25 e 46 anos, sendo quatro deles com escolaridade referente ao Ensino Fundamental completo e dois com Ensino Fundamental incompleto. Quanto ao estado civil, um é viúvo, sendo três casados e dois solteiros. O participantes apresentaram IMC entre 44,38 kg/m² e 67,06 kg/m², dois participantes relataram não ter nenhuma doença associada à obesidade, os demais mencionaram dores nos membros inferiores, doença cardiovascular e ortopédica.

Os participantes são pacientes atendidos pelo programa de avaliação para realização da cirurgia bariátrica em um hospital público da Região Sul, que conta com uma equipe multiprofissional composta por médicos, psicólogo, assistente social e nutricionista. No momento da coleta de dados, todos já haviam se submetido à avaliação psicológica, haviam recebido indicação para cirurgia e eram acompanhados periodicamente pela equipe enquanto aguardavam a data da cirurgia.

Os participantes foram selecionados a partir da referência da equipe do hospital, que solicitou autorização dos pacientes em processo de avaliação para realização da cirurgia para que fossem contatados pela pesquisadora. A partir dessa autorização, os pacientes foram contatados para esclarecimento dos objetivos do estudo por meio da aplicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A coleta de dados foi realizada por meio de um roteiro de entrevista semi-estruturada individual, que se desenvolveu a partir de uma relação de perguntas que contemplavam os objetivos da pesquisa e cuja ordem de realização foi determinada pela interação entre pesquisador e informante. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra. Os dados foram analisados por meio da análise de conteúdo temática (MINAYO, 2004). A análise temática é caracterizada pela construção de núcleos de sentido a posteriori, com base nas palavras e mensagens expressadas pelos participantes da pesquisa.

 

Resultados e discussão

A análise das entrevistas para compreensão dos fatores biopsicossociais envolvidos decisão pela cirurgia, como objetivo deste estudo, foi contextualizada a partir de quatro núcleos temáticos: 1. etiologia do sobrepeso, 2. tratamentos para perda de peso, 3. decisão de realização da cirurgia bariátrica e 4. expectativas sobre os resultados da cirurgia.

Etiologia do sobrepeso

A etiologia do sobrepeso foi caracterizada pelas representações dos participantes sobre os determinantes do aumento de peso ao longo da sua história de vida que geraram o sobrepeso e a obesidade mórbida. Os temas que emergiram dos relatos dos participantes foram: fatores psicológicos, comportamentais e biológicos.

Os fatores psicológicos mencionados como causas do aumento de peso foram a ansiedade e as transições do ciclo vital. A ansiedade foi relatada pelos entrevistados como relacionada ao aumento de peso quando se sentem nervosos, quando estão sob pressão ou diante de estressores, e buscam na ingestão de alimentos o alívio imediato das sensações de desconforto, mal-estar e desprazer.

Os períodos de transição do ciclo vital – adolescência, casamento, gravidez, nascimento dos filhos – e as perdas na família foram indicados como momentos de início do aumento de peso pelos participantes deste estudo. As transições para a conjugalidade e para a parentalidade foram momentos de ocorrência de conflitos associados às questões de gênero, às mudanças de papéis e funções de homens e mulheres no sistema familiar, exigindo reorganização emocional e instrumental da família.

Os fatores comportamentais relacionados ao aumento de peso incluíram relatos sobre os hábitos alimentares e a prática de exercícios físicos. Os hábitos alimentares responsáveis pelo início do sobrepeso foram fazer poucas refeições durante o dia, ter refeições rápidas e ingerir alimentos calóricos. Em relação aos exercícios físicos, os participantes consideram que a pouca prática de exercícios e o sedentarismo contribuíram como causas da obesidade.

Em relação aos fatores biológicos, a predisposição genética nomeada como tendência para engordar preponderou como fator etiológico do sobrepeso para os participantes, concepção que foi reforçada pela ocorrência de sobrepeso ou obesidade em outros membros da família, como irmãos ou pais. A ingestão de alimentos foi avaliada como um aspecto secundário, observando-se a crença de que comer pouco ou muito não faz diferença, pois a tendência é determinante do aumento de peso e da dificuldade de emagrecer.

Apesar da consideração de aspectos psicológicos e comportamentais na etiologia da obesidade, a tendência para engordar foi considerada determinante. Essa concepção revelou, por um lado, sentimento de desculpabilização, já que o controle sobre o peso é determinado pela biologia, e, por outro, sentimento de impotência e de incapacidade para o enfrentamento do problema. Para Gable e Lutz (2000), Devlin, Yanovski e Wilson (2000), Aronne (2002), Azevedo e Spadotto (2004), Appart, Tourdeurs e Reynaert (2007) e Allison et al. (2008), o papel da dimensão genética na obesidade define uma vulnerabilidade biológica que deve ser abordada e compreendida em interação com comportamento alimentar, atividade física, aspectos socioculturais, econômicos, psicológicos e familiares.

Conforme Capitão e Tello (2002), Azevedo e Spadotto (2004) e Ferreira e Méier (2004), há uma estreita relação entre a ingestão de alimentos, na tentativa de diminuir os sintomas de ansiedade, e o aumento de peso, pois essa ingestão ocorre geralmente em quantidade excessiva, caracterizando comportamento compulsivo e constituindo um padrão continuado na tentativa de diminuir a tensão emocional. A associação entre obesidade mórbida, compulsão alimentar, ansiedade e depressão é amplamente evidenciada na literatura (DEVLIN; YANOVSKI; WILSON, 2000; LOLI, 2000; SEGAL; FANDIÑO, 2002; MATOS, 2006).

Os períodos de transição do ciclo vital geram tensões nos sistemas e subsistemas familiares, podendo ocorrer o surgimento de sintomas em algum membro da família (CARTER; MCGOLDRICK, 2001). O aumento de peso na direção da obesidade constituiu um sintoma indicativo de dificuldade diante dessas mudanças. Conforme Appart, Tourdeurs e Reynaert (2007), a comida pode surgir como uma armadura para proteção e evitação da confrontação com problemas avaliados como dolorosos demais ou intransponíveis.

No caso da associação entre o início do sobrepeso e a gravidez, Gigante et al. (1997) e Ziegler (2008) demonstram por meio de dados epidemiológicos que a ocorrência de sobrepeso e obesidade em mulheres está associada com as gestações. Além das mudanças implicadas pelo nascimento de filhos, é preciso considerar as alterações psicológicas e biológicas no organismo da mulher nesse período.

Os participantes demonstraram ter conhecimento a respeito dos fatores relacionados ao comportamento alimentar e ao exercício físico, implicados na etiologia da obesidade, pois, conforme Gigante et al. (1997) e Damiani (2004), o consumo de alimentos calóricos, a freqüência das refeições diárias, o tempo destinado ao preparo e à ingestão dos alimentos e o sedentarismo são fatores de risco para a obesidade. Destaca-se que, apesar de manifestarem conhecimento sobre a relevância do próprio comportamento como contribuinte para o sobrepeso, os participantes relataram que não conseguiram realizar mudanças ao longo da história de vida.

Tratamentos para perda de peso

O tratamento para perda de peso aborda as estratégias utilizadas na história de vida com o objetivo de redução do peso.

A dieta foi considerada a restrição ao consumo de determinados tipos de alimentos com o objetivo de perder do peso, o que deve ser alcançado pela restrição da ingestão de calorias. A realização de dietas como forma de tratamento para a perda de peso anteriormente à entrada no programa de avaliação para a cirurgia bariátrica foi relatada por todos os participantes. O uso de dieta por conta própria ocorreu com maior freqüência na história de vida, e em apenas um caso foi mencionada orientação médica, e não houve menção a acompanhamento de nutricionista. As dietas foram, na sua maior parte, caracterizadas por restrições de quantidade e tipos específicos de alimentos, como carboidratos, proteínas e açúcar. A regularização de horários para a alimentação e a combinação dos alimentos não foram mencionadas como característica das dietas.

Outra forma de tratamento utilizada pelos participantes foi o uso de medicamentos, tanto com prescrição médica quanto com automedicação. Cabe destacar os ansiolíticos, que, ao contribuírem para a diminuição da ansiedade, podem também reduzir o peso.

O exercício físico foi utilizado como forma de perder peso, em todos os casos sem orientação profissional. A compreensão de que o exercício físico é benéfico para a saúde como um todo e de que auxilia no tratamento da obesidade foi mencionada. Entretanto, os relatos indicaram que a prática de exercícios não foi sistemática, com fases de investimento e abandono das atividades físicas. Com o aumento progressivo do peso, as dificuldades de mobilidade e dores no corpo, o sedentarismo foi preponderante.

Não houve referências à participação em grupos de apoio, grupos educativos, psicoterapia individual ou familiar como tratamento para a perda de peso. Um dos participantes mencionou ter realizado psicoterapia, mas não com esse objetivo.

As tentativas de reduzir o peso, com ou sem orientação profissional, consistem na maioria das vezes em dieta ou uso de fármacos e exercício físico (DEVLIN; YANOVSKI; WILSON, 2000; ARONNE, 2002; VASQUEZ; MARTINS; AZEVEDO, 2004; GIBBONS et al., 2006). O cuidado com os efeitos colaterais dos medicamentos utilizados com esse objetivo é fundamental (CABRAL, 2004), bem como com a prática de dietas muito restritivas, pois elas contribuem para o desenvolvimento da obesidade e de transtornos alimentares (FERREIRA; MÉIER, 2004; QUADROS; BRUSCATO; BRANCO FILHO, 2006).

É importante destacar que o tratamento para perda de peso deve contemplar os aspectos psicológicos. A obesidade compreendida como sintoma que exerce uma função para o indivíduo e para o sistema familiar e que gera sentimentos ambivalentes a respeito da perda de peso e as comorbidades com transtornos mentais e comportamentais demonstram como a psicoterapia e a psicoeducação são estratégias de tratamento necessárias. Essas estratégias promovem mudanças efetivas no comportamento alimentar e no enfrentamento das dificuldades emocionais observadas como fatores etiológicos do sobrepeso e como decorrentes da obesidade (BARBARIN; TIRADO, 1985; KATHALIAN, 1992; DEVLIN; YANOVISKI; WILSON, 2000; LOLI, 2000; PUHL; BROWNELL, 2001; FERREIRA; MÉIER, 2004; AZEVEDO; SPADOTTO, 2004; VASQUEZ; MARTINS; AZEVEDO, 2004; APPART; TOURDEURS; REYNAERT, 2007).

Fatores relacionados à tomada de decisão de realização da cirurgia bariátrica

A tomada de decisão de realizar a cirurgia bariátrica foi caracterizada por um conjunto de fatores, quais sejam, as conseqüências da obesidade para a saúde, a ineficácia de tratamentos anteriores, as dificuldades ocasionais pela obesidade mórbida, o preconceito e as informações sobre a cirurgia.

As conseqüências da obesidade para a saúde foram mencionadas de forma recorrente pelos participantes. A cirurgia é considerada a forma de minimizar problemas de saúde que já enfrentam, diminuir o risco de ocorrência de doenças associadas à obesidade e aumentar a longevidade.

A ineficácia de tratamentos anteriores foi mencionada em associação ao sentimento de frustração e fracasso. As tentativas de perda do peso por meio de tratamentos que não surtiram um efeito desejável tiveram como resultado períodos cíclicos de emagrecimento e aumento de peso, referidos como efeito sanfona. Não houve menção direta à compulsão alimentar. Os participantes avaliaram que no grau de obesidade a que chegaram é impossível emagrecer sem uma intervenção cirúrgica, pois dietas ou práticas de exercícios não resultariam em perda de peso significativa. A cirurgia é avaliada como último recurso, após outras tentativas de resolução do problema.

As dificuldades enfrentadas com a obesidade mórbida relativas ao funcionamento do organismo, por um lado, e ao corpo como mediador das relações sociais, por outro, contribuíram para a decisão pela realização da cirurgia bariátrica. A falta de condicionamento físico implica cansaço nas atividades de vida diária e de lazer, trazendo limitações para as relações familiares e sociais. A falta de mobilidade foi avaliada como impeditivo para realizar atividades laborativas, pois dificulta a locomoção, diminui a agilidade e a capacidade produtiva da pessoa.

As mudanças estéticas e na aparência física não foram explicitadas pelos participantes como motivação para realização da cirurgia, e sim como uma conseqüência que faz parte do processo. A estética também aparece relacionada com a auto-estima e os sentimentos de valorização ou desvalorização que a pessoa desenvolveu a respeito de si mesma, relacionados ao sobrepeso. Os participantes referiram que a obesidade implica sentimentos de baixa auto-estima e tristeza. Comprar roupas torna-se uma tarefa difícil que produz nervosismo e sofrimento, pois evidencia a discrepância entre o corpo real e o corpo idealizado socialmente.

O preconceito e a exclusão foram associados às situações vexatórias que os gordos precisam enfrentar. Os participantes compararam esse estigma ao do racismo. Relataram que as piadas e os olhares que os outros lançam a eles por sua condição física, em situações de lazer e de trabalho, geraram sentimentos de rejeição, desqualificação e vergonha.

As informações e o conhecimento a respeito da cirurgia também contribuíram para a tomada de decisão. Os participantes relataram possuir informações claras e precisas sobre as indicações para a cirurgia e os resultados do procedimento. O acesso às informações se deu pela mídia, por conhecerem pessoas que já realizaram o procedimento e pelos profissionais de saúde na atenção básica e no hospital. O conhecimento foi ampliado com a participação nas reuniões do programa de avaliação. A participação e influência dos familiares na decisão foram mencionadas nesse momento, pois eles também procuraram obter informações para auxiliar na decisão.

Em geral, os participantes referiram dois ou mais fatores como relevantes na sua decisão. Ou seja, a decisão é tomada com base em um conjunto de concepções, vivências, dificuldades já enfrentadas, sentimentos em relação à obesidade e conhecimentos sobre a cirurgia.

De acordo com Terra (1997), é comum que a demanda pelo tratamento cirúrgico seja de pessoas que já conhecem o procedimento e seus resultados. Outro fator consensual na literatura é que o paciente que procura esse procedimento já fez inúmeras tentativas de perda de peso em sua vida (DEVLIN; YANOVISKI; WILSON, 2000; GIBBONS, 2006, APPART; TOURDEURS; REYNAERT, 2007). Entretanto, sem acompanhamento multiprofissional, essas tentativas dificultam a obtenção de resultados satisfatórios e permanentes. Travado et al. (2004) consideram que a dificuldade em manter a perda de peso gera frustração e desesperança quanto à eficácia das mudanças no comportamento alimentar, ao uso de medicamentos e à prática de exercícios físicos.

O insucesso nos tratamentos anteriores realizados pelos participantes da presente pesquisa pode estar relacionado ao seu caráter fragmentado, com foco nos aspectos biológicos em detrimento de intervenções que abordam os aspectos psicossociais. A rede de saúde na atenção básica não dispunha de nutricionistas, psicólogos e educadores físicos, e o acesso ao atendimento por esses profissionais ocorreu somente após o encaminhamento para a avaliação para a realização da cirurgia. Cabe destacar que a abordagem centrada no caráter biológico da obesidade foi constatada por Martins (1999) em pesquisa com médicos endocrinologistas. A autora refere que as representações sociais sobre a obesidade e o tratamento são influenciadas pelo discurso médico e pela mídia. Na época em que a autora realizou a pesquisa, não havia política pública de prevenção da obesidade, a qual foi recentemente instituída no Brasil (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007b).

O ganho e a perda de peso são influenciados por variáveis psicossociais (BARBARIN; TIRADO, 1985; TRAVADO et al., 2004; BENEDETTI, 2006; APPART; TOURDEURS, REYNAERT, 2007). Barbarin e Tirado (1985) constataram que o funcionamento familiar está relacionado ao sucesso na perda de peso e na sua manutenção, em pessoas com obesidade. A avaliação do funcionamento familiar deve ser realizada para que os profissionais possam amplificar os processos facilitadores de suporte familiar para o tratamento, tornando suas intervenções adequadas aos padrões de funcionamento da família.

Cabe ainda destacar que as dietas restritivas sem cuidado com mudanças efetivas no comportamento alimentar, embora proporcionem uma redução de peso inicial, implicam recuperação de peso perdido ou mesmo aumento do peso original (APPART; TOURDURS; REYNAERT, 2007). Elas constituem um fator de risco para compulsão alimentar, que ocorre com freqüência em pessoas com obesidade mórbida e com histórico de oscilação no peso (APPOLINÁRIO, 2004). Esse tipo de compulsão deve ser cuidadosamente avaliado.

A preocupação com a mudança estética não foi explicitada pelos participantes como fator que influencia a decisão pela cirurgia, diferentemente do que foi constatado por Marchiolli, Marchiolli e Silva (2005). De acordo com Marchesini (2006), a estética é como um “brinde” que vem com os resultados da cirurgia. O benefício psíquico da estética e auto-imagem acompanha o “kit bariátrico”, mas não é aceito como parte dos objetivos principais do paciente para realizar a cirurgia.

O sofrimento psicológico vivenciado com o preconceito e a exclusão, presente nos relatos dos entrevistados, interfere de forma prejudicial na saúde mental de pessoas com obesidade e obesidade mórbida, e foi relacionado diretamente ao interesse pela cirurgia. O preconceito em relação ao sobrepeso e à obesidade é vivenciado no contexto de trabalho, nas relações sociais e familiares, conforme observado por Kathalian (1992), World Health Organization (2004), Devlin, Yanovski e Wilson (2000), Puhl e Brownell (2001), Gaspar (2003) e Allison et al. (2008).

Expectativas sobre o resultado da cirurgia bariátrica

As expectativas sobre o resultado da cirurgia bariátrica foram caracterizadas por concepções, fantasias e ideais sobre os efeitos do procedimento na saúde, na dimensão psicossocial e no comportamento alimentar.

As expectativas de que a cirurgia promoverá mudanças nas condições de saúde foram semelhantes entre os homens e as mulheres, e se caracterizaram pela referência à prevenção de doenças crônicas – diabetes, hipertensão e cardiopatias. Em relação às mudanças na dimensão psicossocial, a expectativa de sentirem-se incluídos socialmente também foi observada nos relatos de homens e mulheres. As mudanças consideradas mais importantes estiveram relacionadas a não ser mais motivo de piadas e preconceito, assim como melhorar os relacionamentos sociais, familiares e de trabalho. Os participantes esperam aumentar a mobilidade para retomar a prática de esportes, fortalecer o convívio social e familiar e poder acompanhar os filhos nas brincadeiras. Destacou-se nos relatos que o emagrecimento permitirá comprar roupas sem constrangimento, entretanto a mudança na aparência física se mantém como uma expectativa secundária, um complemento da melhora na saúde e na qualidade de vida.

Outra expectativa importante é a mudança drástica no comportamento alimentar a ser adotada após a cirurgia bariátrica. Os participantes estavam conscientes das restrições em quantidade e tipo de alimentos após o procedimento. Referiram que o estômago recusará excessos e certos alimentos depois da cirurgia, por meio de vômitos.

Os relatos das mulheres mostram a expectativa de continuidade do acompanhamento profissional no pós-cirúrgico. No caso de terem bons resultados, essas mulheres acreditam que poderão auxiliar outras pessoas que estejam aguardando a cirurgia e oferecer-lhes apoio. Para elas, a participação nos grupos de acompanhamento no pré-cirúrgico funcionou como uma oportunidade de obter apoio emocional, além das informações necessárias para mudanças no comportamento alimentar. Durante o período de espera pela cirurgia, elas passaram a observar o próprio comportamento alimentar, identificaram situações ansiogênicas e buscaram outras formas de aliviar a ansiedade. Acreditam que são capazes de adaptar-se às mudanças alimentares após o procedimento.

Os relatos dos homens evidenciaram expectativas focalizadas no resultado da cirurgia, no número de quilos que vão perder. Eles consideram voltar a ser magro como um sonho, como a chance de uma vida nova. Também acreditam que poderão melhorar o relacionamento conjugal após o emagrecimento. Avaliam que é necessário preparar-se psicologicamente para as perdas relacionadas às restrições na ingestão de bebidas alcoólicas, no tipo e na quantidade dos alimentos. Entretanto, a concepção de que não vão mais poder comer direito está relacionada com dificuldades para seguir as orientações da equipe de saúde sobre alimentação no período de espera pela cirurgia, bem como para alcançar as condições de peso que servem como pré-requisito para sua realização.

Constatou-se que os participantes esperam que a cirurgia possa trazer mudanças significativas, melhorar a qualidade de vida e resolver problemas de ordem psicossocial. De acordo com Travado et al. (2004), a possibilidade de realização do procedimento cirúrgico como tratamento da obesidade mórbida tem levado as pessoas a desenvolverem expectativas de mudança em vários âmbitos da vida. Conforme Benedetti (2006), as pessoas que decidem por um tratamento radical estão inconformadas com sua situação e querem mudança, mesmo que imaginem que a cirurgia magicamente traga emagrecimento e bem-estar.

A esperança dos participantes de prevenir doenças e melhorar a saúde está de acordo com o conhecimento científico a respeito do tratamento da obesidade, já que o emagrecimento e a mudança no comportamento alimentar promovem melhorias na saúde e diminuem o risco de ocorrência de doenças (ALLISON et al., 2008). A mudança na imagem corporal, no sentido de reconhecer-se a partir do emagrecimento rápido posterior à cirurgia, não foi um tema relatado pelos participantes, mas é um dos principais aspectos apontados pela literatura como fonte de dificuldades após a cirurgia (HSU et al., 1998; BENEDETTI, 2003; HERPERTZ et al., 2004; LIGHEZZOLO; BLANCHOUIN, 2004; SANTOS, 2005; SARWER et al., 2005; APPART; TOURDEURS; REYNAERT, 2007).

Observou-se também que os participantes esperam que o estômago imponha limites no comportamento alimentar e que a mudança ocorrerá pela rejeição do corpo à quantidade e tipo de alimentos. Segundo Garrido Jr. (2004), no Brasil as técnicas cirúrgicas predominantemente utilizadas obtêm a perda média de 35% do peso corporal, num período de seis meses a um ano. A orientação nutricional ao paciente que irá se sujeitar à cirurgia da obesidade deve começar no pré-cirúrgico. Em relação à dieta do pós-cirúrgico, há transição gradual de consistências, ao longo de dois meses, iniciando-se com a ingestão de líquidos sem resíduos até atingir a dieta geral. Constatou-se a necessidade de preparação do paciente para a mudança radical na quantidade, freqüência, consistência e no tipo de alimentos que poderão ser ingeridos após a cirurgia.

As expectativas de mudanças predominantemente positivas e idealizadas indicam a importância do acompanhamento psicológico no pré e pós-cirúrgico, com o propósito de preparar o paciente para aproximar e dimensionar as expectativas de acordo com as reais possibilidades de mudança. A manutenção da perda de peso depende da participação ativa do paciente e da família (TRAVADO et al., 2004; GLEISER; CANDEMIL, 2006; APPART; TOURDEURS; REINAERT, 2007).

 

Considerações finais

Este estudo exploratório permitiu compreender o conjunto de fatores biopsicossociais presentes na história de vida dos participantes da pesquisa que contribuíram para a ocorrência da obesidade mórbida e da decisão de realizar a cirurgia bariátrica, sem a pretensão de generalização dos resultados. As semelhanças nos relatos de homens e mulheres foram predominantes, e as diferenças referiram-se à etiologia do sobrepeso e às expectativas sobre o resultado da cirurgia.

A decisão de realizar a cirurgia resultou de um conjunto de concepções dos participantes sobre as conseqüências negativas da obesidade mórbida para a saúde, as informações sobre as indicações e os resultados do procedimento, os sentimentos relacionados à ineficácia de tratamentos anteriores, as dificuldades relacionadas ao condicionamento físico, à mobilidade, à auto-estima, ao preconceito.

As expectativas de mudanças predominantemente positivas após a cirurgia incluíram a melhora da saúde e a prevenção de doenças, bem como não sofrer preconceito em razão da obesidade mórbida. Os significados atribuídos à cirurgia estiveram relacionados às mudanças em todas as dimensões da vida e ao ideal de que a cirurgia poderá remover o peso subjetivo das limitações de mobilidade, do medo de ter outras doenças e do sofrimento pelo preconceito. O estômago torna-se um órgão externo e estranho, e, ao ter seu tamanho reduzido por meio da cirurgia, passará a controlar o comportamento alimentar. A mudança da aparência física é abordada como um complemento, a partir da melhora da saúde e da qualidade de vida. A mudança na imagem corporal também não foi explicitada como fator preponderante.

Esses aspectos merecem investigações mais aprofundadas, especialmente ao se considerar a construção do comportamento alimentar e da obesidade no desenvolvimento do indivíduo e da família. A cirurgia produz emagrecimento rápido e exige mudança radical no comportamento alimentar para o bom prognóstico e manutenção da perda de peso.

A realização desse procedimento invasivo requer um período de avaliação e de preparação do paciente e da família, com destaque aos fatores emocionais que relacionam ansiedade, funcionamento familiar, comportamento alimentar e imagem corporal. A intervenção do psicólogo no pós-cirúrgico é de suma importância para o resultado satisfatório na adaptação do paciente. Para a prevenção e o tratamento do sobrepeso, é necessário implementar também na atenção básica o enfoque multiprofissional, com médicos, nutricionistas, psicólogos, farmacêuticos e profissionais da educação física, com abordagem do indivíduo e da família.

 

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Endereço para correspondência
Juliane de Moliner
Rua Simeão Moritz, 155, ap. 22
Lages – Santa Catarina – SC
CEP 88502-125
E-mail: jumoliner@yahoo.com.br

Tramitação
Recebido em julho de 2008
Aceito em novembro de 2008