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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. v.10 n.2 São Paulo dez. 2008

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Psicologia Comunitária e Educação Libertadora

 

Community Psychology and Liberating Education

 

Psicología Comunitaria y Educación Libertadora

 

 

Fábio Porto de Oliveira; Verônica Morais Ximenes; João Paulo Lopes Coelho; Karla Saraiva da Silva

Universidade Federal do Ceará

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo tematiza articulações teórico-metodológicas entre a Psicologia Comunitária e a Educação Libertadora, discutindo também suas propostas socioideológicas e ético-políticas. Consiste em um desdobramento de uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Psicologia Comunitária (Nucom) da Universidade Federal do Ceará, cuja finalidade era contribuir com o desenvolvimento epistemológico do marco teórico-metodológico da Psicologia Comunitária. Para tanto, procedemos a uma revisão teórica, explorando, na trajetória de constituição da Educação Libertadora e da Psicologia Comunitária, o encontro entre ambas as teorias, especificamente no Estado do Ceará. Tal revisão se debruçou ainda sobre elementos teórico-metodológicos, identificando pontos de convergência e integração entre ambas as disciplinas, bem como os fundamentos socioideológicos que refletem sua visão de mundo. Assim, apontamos para uma significativa consistência epistemológica relativa à integração da Educação Libertadora no marco teórico da Psicologia Comunitária, conferindo coesão teórico-metodológica e coerência ético-política a essa práxis psicológica libertadora, a partir do eixo teoria-prática-compromisso social.

Palavras-chave: Psicologia comunitária, Educação, Epistemologia, Relação teoria-prática, Ética.


ABSTRACT

This paper is about the theorical methodological links between Community Psychology and Liberating Education, discussing their social ideological and ethical political proposals. It concerns an unfolding of a research conducted by the Núcleo de Psicologia Comunitária (Nucom) of the Universidade Federal do Ceará (UFC), with the intention of contributing to the epistemological development of the theorical methodological milestone of the Community Psychology. In order to reach this aim, we made a theorical revision, exploring, in the trajectory of the constitution of Liberating Education and Community Psychology, the meeting of both theories, specifically in the Ceará state. This review is also based on theorical methodological elements that identify points of convergences and integration between both disciplines, as well as the social ideological foundations which reflect their view of the world. So, we point to a relevant epistemological consistency related to the integration of Liberating Education in the theorical milestone of Community Psychology, giving theorical methodological cohesion and ethical political coherence to this liberating psychological praxis, in the axis of theory, praxis and social compromise.

Keywords: Community psychology, Education, Epistemology, Relation between theory and practice, Ethics.


RESUMEN

Este artículo tematiza articulaciones teórico-metodológicas entre la Psicología Comunitaria y la Educación Libertadora, discutiendo también sus propuestas socio-ideológicas y ético-políticas. Consiste en un desdobramiento de una investigación realizada por el Núcleo de Psicología Comunitaria (Nucom) de la Universidad Federal de Ceará, cuya finalidad fué contribuir con el desarrollo epistemológico del marco teórico-metodológico de la Psicología Comunitaria. Para tanto, se procedió con una revisión teórica, explorando en la trayectoria de constitución de la Educación Libertadora y de la Psicología Comunitaria el encuentro entre las dos teorías, especificamente en el estado de Ceará. Tal revisión se foco también sobre elementos teórico-metodológicos, identificando puntos de convergencia e integración entre las dos disciplinas, bien como a los fundamentos sócio- ideológicos que reflejan su visión de mundo. Así, apuntamos para una significativa consistencia epistemológica relativa a la integración de la Educación Libertadora en el marco teórico de la Psicología Comunitaria, confiriéndole coesión teórico-metodológica y coherencia ético-política a esa praxis psicológica libertadora, a partir del eje teoría-práctica-compromiso social.

Palabras clave: Psicología comunitaria, Educación, Epistemología, Relación teoría-práctica, Ética.


 

 

Introdução

Este artigo se propõe a realizar articulações entre a Psicologia Comunitária e a Educação Libertadora, por meio de aproximações teórico-metodológicas e de relações entre suas propostas socioideológicas e ético-políticas, identificando e desenvolvendo tanto conceitos e categorias-chave como elementos que reflitam suas visões e concepções mais amplas.

Com o presente trabalho, damos continuidade à pesquisa realizada entre agosto de 2006 e julho de 2007 pelo Núcleo de Psicologia Comunitária (Nucom), do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), intitulada “Percorrendo os caminhos epistemológicos da Psicologia Comunitária”, envolvendo alunos da graduação e do mestrado acadêmico em Psicologia da UFC, que teve como finalidade identificar e aprofundar as relações entre as diversas teorias e abordagens que compõem os marcos teórico-metodológicos da Psicologia Comunitária desenvolvida no Ceará. Essa iniciativa deflagrou um movimento de grande contribuição à fundamentação epistemológica da Psicologia Comunitária que desenvolvemos, de suma relevância à sua construção científica e à potencialização de sua práxis.

Para tanto, retrataremos sinteticamente a proposta de Paulo Freire para a educação, destacando trechos de sua trajetória de vida que nos ajudam a compreender sua obra, bem como algumas características fundamentais que traduzem sua perspectiva de Educação Libertadora. Serão abordados também momentos significativos dos caminhos de construção da Psicologia Comunitária no Ceará, em que ressaltaremos alguns elementos que refletem sua especificidade como saber científico e área de atuação.

Por fim, identificaremos alguns pontos de encontro expressivos entre as práxis da Psicologia Comunitária e da Educação Libertadora, que ficam evidenciados em seus modelos teórico-metodológicos, que serão abordados mediante alguns de seus elementos conceituais que consideramos centrais, como a noção de sujeito, diálogo e conscientização.

 

Contextualização histórica

Paulo Freire e a Educação Libertadora

No dia 19 de setembro de 1921, nasceu, em Recife, Pernambuco, Paulo Reglus Neves Freire. Nordestino, filho de uma das regiões mais pobres do País, experimentou, desde muito cedo, a dura realidade latino-americana de opressão. De origem humilde, Paulo Freire tornou-se órfão ainda no início de sua adolescência.

A paixão pelo ensino, a qual reconhecia desde sua juventude, passou a conduzir seus caminhos de forma que, em 1959, defendeu sua tese para a cadeira de História e Filosofia da Educação na Escola de Belas Artes em Pernambuco, a qual, posteriormente, daria origem ao seu livro e anunciava sua filosofia educacional.

Paulo Freire trabalhou 17 anos no setor de Educação do Serviço Social da Indústria (Sesi) e pôde conhecer mais de perto a realidade e as necessidades do adulto trabalhador e analfabeto, experiência que serviu de base para suas idéias pedagógicas ousadas e inovadoras colocadas a serviço do povo – portanto, revolucionárias. No início da década de 1960, ele participou da criação do Movimento de Cultura Popular em Recife, surgido em um contexto mais amplo de movimentos sociais populares e lutas democráticas por transformações sociais e políticas (FREIRE, 1980).

Segundo Brandão (2005, p. 44):

Diversas frentes de lutas buscavam criar novas alternativas para as causas populares. Elas estiveram, inicialmente, centradas em movimentos de trabalhadores rurais e urbanos, como as ligas camponesas e os sindicatos. Anos mais tarde, distribuíram-se também entre outros vários movimentos sociais, como os dos povos indígenas, dos negros, das lutas pelos direitos das mulheres e das outras várias minorias esquecidas e maioria silenciadas.

Nas experiências em Educação Popular, a pedagogia de Paulo Freire apresentava-se como uma Educação Libertadora que, mais do que um método de alfabetização, constituía-se como uma epistemologia da educação, uma teoria do conhecimento. Postula, então, a possibilidade de as pessoas escreverem e lerem a palavra escrita ao mesmo tempo que lêem sua realidade vivida, pronunciando sua palavra sobre o mundo, à medida que atuam nele, mediante o processo de conscientização (FREIRE, 1980, 1984, 2005).

Após a bem-sucedida experiência de Angicos, de 1962 – em que Paulo Freire e sua equipe trabalharam na criação de um novo sistema de alfabetização de trabalhadores rurais jovens e adultos, superando os velhos métodos baseados em cartilhas alienadas e alienantes –, durante o governo de João Goulart, surge o convite e o desafio para Paulo Freire pensar, criar e pôr em prática um projeto nacional de educação com um trabalho de alfabetização para as camadas populares. No entanto, com a chegada dos duros anos de ditadura, esse Programa Nacional de Alfabetização – que estava em vias de implementação – foi extinto e os movimentos de cultura popular foram reprimidos, o que também aconteceu com outras frentes de mobilização no campo e no meio urbano. Já no ano de 1964, Paulo Freire foi interrogado, respondeu a inquéritos administrativo e policial-militar, sendo detido e, posteriormente, exilado para a Bolívia.

Os trabalhos de Paulo Freire tiveram contribuições importantes no processo de reflexão e ação transformadora sobre a realidade de opressão e submissão que vivia a sociedade brasileira. Segundo Freitas (2007, p. 50),

Nas décadas de 60 e 70, esta união e compromisso materializa-se nos diversos movimentos da educação popular, em que a alfabetização dentro da proposta e filosofia do método/sistema de Paulo Freire, torna-se a viga-mestra destes trabalhos de emancipação dos setores desfavorecidos.

Sua peregrinação continuou: seguiu para o Chile, para os Estados Unidos e, por fim, permaneceu na Suíça até 1980, quando, diante do processo de reabertura democrática, retornou, definitivamente, ao Brasil.

Mesmo após a sua morte, em 1997, Paulo Freire continua a inspirar muitos que acreditam na utópica transformação social por meio de uma ação cultural libertadora. Educar o povo não apenas para “instruí-lo”, mas para que as pessoas saibam mais sobre o mundo, sobre si mesmas e sobre a vida.

 

Sobre a Educação Libertadora

Podemos afirmar, com base em uma análise do conjunto de sua obra e junto a um coletivo cada vez maior de autores, que o maior legado teórico-metodológico de Paulo Freire não seria a criação de um método de alfabetização de jovens e adultos, em uma perspectiva pedagógico-escolar, mas sim a sua ampla e profunda teoria da aprendizagem e do conhecimento, compreendendo a educação como uma “situação gnosiológica” (FREIRE, 2006).

Para ele, a educação é uma das dimensões da cultura e, por ser uma construção eminentemente humana, comporta em si um potencial de mudança social permeada de esperança e sonhos possíveis. Acredita, portanto, que é na experiência dialógica e dialética do processo educacional que são criados os alicerces para as próprias mudanças educacionais e uma transformação sociocultural.

A proposta pedagógica freiriana surgiu a partir de uma dura crítica às perspectivas positivistas da educação liberal que legitimam as “práticas bancárias” e propõe-se a ir além das inovadoras propostas da “escola nova”. Brandão (2005, p. 107) exemplifica:

Em nome de uma educação libertadora, o exato oposto da “bancária”, é que Paulo e os que procuram ser seus re-criadores assumem o compromisso de vida e de trabalho a serviço dos povos do Brasil, educando-os e formando-os para que eles aprendam a ser criadores de suas vidas livres, de suas culturas emancipadas e de suas sociedades justas e felizes.

De forma muito próxima, também percebemos uma consistente proposta de crítica e superação dos modelos educacionais hegemônicos na obra de Paulo Freire. Para ele, a educação seria um grande caminho para a mudança social, para a formação de sujeitos históricos, atores e autores de seus processos históricos cotidianos de emancipação coletiva e individual. De acordo com Freire (1980, p. 36):

A educação das massas se faz, assim, algo absolutamente fundamental entre nós. Educação que, desvestida da roupagem alienada e alienante, seja uma força de mudança e de libertação. A opção, por isso, teria de ser também, entre uma “educação” para a “domesticação”, para a alienação, e uma educação para a liberdade. “Educação” para o homem-objeto ou educação para o homem-sujeito.

A educação, assim, teria um papel fundamental para a construção de novas sociabilidades, mais democráticas e justas, afetivas e solidárias, fortalecendo para tanto as forças progressistas que favoreciam a autonomização, o compromisso social e o vínculo histórico com o anúncio de um novo horizonte de vida social. Isso se daria mediante o processo de transição da massa para povo, do indivíduo adaptado e imerso em sua realidade cotidiana para o sujeito crítico e integrado à sua realidade histórica vivida cotidianamente, de um tipo de consciência mais intransitivo e mágico para um tipo mais transitivo e crítico, dialógico. Nesse sentido, segundo Freitas (2007), a educação popular facilita os processos de conscientização e participação das pessoas envolvidas nesse processo.

A educação popular atua, portanto, para (trans)formar sujeitos ativos, sujeitos de práxis coletivas transformadoras e libertadoras. Aqui, a alfabetização de adultos, por exemplo, não se trataria apenas de otimizar e efetivar as habilidades básicas de leitura e escrita de signos (fonemas e grafemas) de um dado sistema lingüístico, mas acima de tudo figuraria como uma alfabetização política, em que os educandos desenvolveriam suas habilidades de ler, compreender e transformar o mundo em que vivem.

Assim, a partir da Educação Libertadora, são fundamentais redefinições nas relações de poder entre o saber acadêmico e o saber popular, entre o professor e o aluno, entre o papel de educador e o de educando, entre a ação e a reflexão, entre as diferenças e os contrastes dos participantes, entre os sujeitos cognoscentes e os objetos cognoscíveis.

Sobre a Psicologia Comunitária no Ceará

Para melhor compreendermos a constituição da Psicologia Comunitária no Ceará, convém inicialmente apontarmos alguns aspectos de seu desenvolvimento na América Latina.

De modo mais amplo, a Psicologia Comunitária na América Latina surge, em meados da década de 1970, de um processo de ruptura com um dado modelo hegemônico de se fazer Psicologia Social, demasiado radicado sobre o ideário positivista-capitalista, não concebendo como tarefa da ciência psicológica a transformação da realidade social com vistas à superação de seus graves e profundos problemas socioeconômicos e político-culturais, tampouco suas repercussões sobre a construção subjetiva dos indivíduos, especialmente os que proviessem de populações historicamente oprimidas.

Tal ideário se refletia nos conceitos e nas práticas de uma Psicologia latino-americana “escravizada” (MARTIN-BARÓ, 1998), isto é, uma Psicologia fruto de um sistema socioideológico hegemônico opressor e desumanizante, fomentado pelo modo de produção capitalista. Produzida nesse contexto, essa práxis psicológica contribuiria com sua atuação para a perpetuação e o desenvolvimento do sistema onde se gera. Em outras palavras, a práxis de uma Psicologia latino-americana escravizada visaria manter uma ideologia de submissão e resignação (GÓIS, 2005, 2008); e mesmo quando transformasse, transformaria para manter.

Em meio a esse cenário, a Psicologia Comunitária no Ceará começa a surgir em outubro de 1980, “como compromisso social em Psicologia, com a intenção de colocá-la a serviço da população excluída da riqueza da nação” (GÓIS, 2003, p. 17), em diversos trabalhos coordenados pelo então jovem psicólogo e professor Cezar Wagner de Lima Góis, junto ao Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará, com uma diversificada equipe de moradores das comunidades, profissionais e estudantes, oriundos especialmente das ciências humanas e sociais, como Psicologia, Educação, Sociologia, Serviço Social e outras (GÓIS, 1994, 2003).

Foi chamada, inicialmente, de Psicologia Popular e, pelo relevo de sua práxis políticopedagógica, passou a denominar-se, a partir de 1986, Psicopedagogia Popular. E já no ano seguinte, em 1987, o termo Psicologia Comunitária foi cunhado, tendo como base as experiências nos municípios de Pedra Branca e Beberibe, ambas do interior do Estado.

A experiência prática da Psicologia Comunitária estava respalda por teorias, como:

A influência dos autores soviéticos, de Paulo Freire, de Sílvia Lane (PUC-SP), e do criador da Biodança, Rolando Toro, foi grande e decisiva. Só assim conseguimos caminhar com maior solidez nessa construção, ousando buscar uma especificidade, uma unidade de análise e um método próprio [...] (GÓIS, 2003, p. 21).

A partir de então, a Psicologia Comunitária intensifica seu processo de sistematização teórico- metodológica, bem como de progressiva inserção acadêmica e profissional. Aqui, chamam a atenção a visão e o compromisso do professor Cezar Wagner de Lima Góis (2003, p. 20) com o desenvolvimento da Psicologia Comunitária e de sua práxis, afirmando que seu objetivo, “além de contribuir com a construção do sujeito da realidade e na sistematização de uma Psicologia Comunitária, era o de inseri-la no meio acadêmico e curricular (iniciado com a disciplina de Dinâmica de Grupo), e torná-la uma área profissional remunerada”.

Um outro momento fundamental para o desenvolvimento da Psicologia Comunitária é a criação, em 1992, do Núcleo de Psicologia Comunitária (Nucom/UFC), que passará a integrar às atividades de extensão universitária a prática da pesquisa e o incentivo à docência, figurando como um centro de formação, promoção e difusão da Psicologia Comunitária.

Ximenes, Nepomuceno e Moreira (2008) desenvolveram uma pesquisa que avaliou os trabalhos do Nucom realizados nos últimos 12 anos e concluíram que a práxis libertadora dos trabalhos comunitários desse núcleo propicia transformações na vida dos professores, estudantes e moradores das comunidades. O tripé teoria, prática e compromisso social, que visa à transformação da realidade de opressão da maioria da população brasileira, está presente no Nucom.

Com base em Góis (2005), podemos apontar como objetivo da Psicologia Comunitária o desenvolvimento do sujeito comunitário, isto é, a facilitação da construção do indivíduo morador da comunidade como sujeito de sua história, mediante a conscientização (transitivação, ampliação e aprofundamento da consciência) e a conseqüente ação transformadora e solidária de sua realidade (pessoal e coletiva).

Ainda segundo Góis (1994), o objeto da Psicologia Comunitária é a análise do processo do reflexo psíquico do lugar/comunidade. Por outras palavras, estuda os significados, os sentidos e os sentimentos (tanto pessoais como coletivos) acerca da vida comunitária, bem como o modo como esse conjunto se apresenta nas atividades comunitárias e nas condições gerais de vida dos moradores na comunidade:

”Podemos dizer que estuda o modo-de-vida da comunidade e de como este (sic) se reflete e muda na mente de seus moradores, para de novo surgir, transformado, singularizado, em suas atividades concretas no dia-a-dia da comunidade (GÓIS, 2003, p. 30)”.

Educação Libertadora e Psicologia Comunitária

Segundo Sanchez (2007), a Psicologia Comunitária na América Latina tem influência nos finais dos anos 1950 dos trabalhos de investigação-ação na Colômbia do sociólogo Fals Borda e dos processos de educação popular e alfabetização de adultos no Brasil do educador Paulo Freire. A relação entre a Psicologia Comunitária e a Educação Libertadora foi proposta por muitos autores da área de Psicologia Comunitária na América Latina (GÓIS, 1994; LANE, 2001; FREITAS, 2001; MONTERO, 2004).

Sawaia (2004), a partir de suas reflexões sobre a importância dos afetos e sentimentos do desenvolvimento do ser humano, problematiza os processos de conscientização e educação popular.

Propomos a substituição dos dois conceitos centrais à práxis psicossocial clássica, “conscientização” e “educação popular”, pelo conceito “potência de ação”, por causa do excesso de racionalidade, instrumentalização e normatização a que aqueles foram aprisionados. Potencializar, como citado anteriormente, significa atuar, ao mesmo tempo, na configuração da ação, do significado e da emoção, coletivos e individuais (SAWAIA, 2004, p. 113).

É importante ressaltar que Paulo Freire sempre trouxe em suas obras o aspecto afetivo no processo de Educação Libertadora. Concordamos que muitas práticas comunitárias utilizam esses conceitos com enfoque nos processos de racionalização, porém, no caso específico de nossas práxis no Nucom, desenvolvemos trabalhos comunitários baseados no aspecto positivo da afetividade. Segundo Toro (2005, p. 90):

Por “afetividade” entendo um estado de afi nidade profunda para com os outros seres humanos, capaz de originar sentimentos de amor, amizade, altruísmo, maternidade, paternidade, solidariedade. Sem dúvida, também sentimentos opostos como a ira, o ciúme, a insegurança e a inveja podem ser considerados componentes desse complexo fenômeno.

Ribeiro e Neves (2006) abordam também o aspecto da afetividade presente no encontro entre Educação e Psicanálise

Em suma, podemos resumir as conexões entre a Psicanálise e a Educação pelo jogo entre cinco elementos citados anteriormente. Percebe-se, pois, como a (1) transferência aluno-professor passa a ser mediada pela (2) afetividade e pelo processo de (3) identifi cação, em que a (4) pulsão do saber e o (5) acesso ao simbólico reforçam o mecanismo de aprendizagem.

Passaremos agora a evidenciar e traçar articulações entre alguns dos conceitos e temáticas centrais à Psicologia Comunitária e à Educação Libertadora, a fim de explorar a consistência de seus enlaces e aproximações, tanto ideológicos como teóricos e metodológicos.

Noção de sujeito

Aqui, exploraremos algo sobre a noção de sujeito na Psicologia Comunitária e na Educação Libertadora, vislumbrando certas aproximações significativas.

Uma primeira convergência aponta para a compreensão do ser humano como ser inacabado. Em ambas as abordagens, o sujeito não é um ente dado, pronto, fruto de um viés essencialista ou determinista, mas constitui-se e se desenvolve a partir de seu contexto histórico-cultural, donde emerge como singularidade. Ganha relevo o processo de construção do ser humano, seu desenvolvimento, seu processo mesmo de humanização, que lhe permite efetivar sua vocação ontológica de ser sujeito de sua história (FREIRE, 1980; GÓIS, 2008).

Outra característica que aproxima as noções de sujeito nessas abordagens é o compromisso com a transformação da realidade vivida. Na Educação Libertadora, seguindo o movimento de emersão e leitura crítica da realidade cotidiana, haveria o movimento de integração, de re-inserção do sujeito em seu contexto, agora de modo crítico e propositivo, transformando-o a partir da própria transformação que se dá em si mesmo (FREIRE, 1980).

Para a Psicologia Comunitária (GÓIS, 2005), o sujeito comunitário buscará, especialmente mediante a atividade comunitária (coletiva, cooperativa e solidária), superar situações de opressão, resistindo e lutando contra as manifestações da ideologia de submissão e resignação, que favorece o desenvolvimento de uma identidade de oprimido e explorado junto aos indivíduos, negando seu valor e poder pessoal. Esse enfrentamento se origina e se sustenta no compromisso ético-político e nos vínculos afetivo-sociais que o morador construiria com sua comunidade, com seu sistema cultural e com os demais moradores.

Percebemos também que ambas as abordagens direcionam suas práxis para a construção, o fortalecimento e o desenvolvimento do sujeito. Na Educação Libertadora, estimula-se o trânsito do indivíduo para sujeito histórico, superando os esquemas de acomodação e adaptação passiva à realidade e fomentando a integração com a inserção na realidade vivida (FREIRE, 1980). Na Psicologia Comunitária, facilita-se a construção do sujeito comunitário, fortalecendo sua identidade pessoal e sua atuação comunitária, estimulando a integração entre o desenvolvimento pessoal e o desenvolvimento sociocomunitário (GÓIS, 2003, 2005).

Encontro, diálogo e problematização

A intersubjetividade e a comunicação entre os homens são características primordiais do mundo cultural e histórico, e, por isso, o ato de conhecer do homem sobre o mundo não se reduz à simples ação do sujeito cognoscente sobre o objeto cognoscível (FREIRE, 2006). Haveria, assim, uma relação de caráter intercomunicativo entre sujeitos em torno dos objetos; comunicação possível pela intersubjetividade que, mais do que caracterizar, torna possível o próprio ato cognoscitivo. O próprio ato de pensar exige, portanto, além de um sujeito que pensa, um objeto mediatizador entre esse sujeito e um outro sujeito. É a comunicação que permite a co-participação dos homens no ato de conhecer e compreender a realidade.

O ato de comunicar-se estaria calcado, anteriormente, numa ontologia da relação, que surge como gérmen de uma ética humanista do inter-humano. Paulo Freire teve como base as idéias de Martin Buber, situado na tradição fenomenológica, para falar da relação eu e tu, como apresenta Brandão (2005, p. 54):

[...] o homem é um ente de relação ou que a relação lhe é essencial ou fundamento de sua existência. Com isso, assistimos ao encontro do pensamento de Buber com a tradição fenomenológica, na medida em que grande parte dos filósofos que a ela pertencem partem também deste princípio do homem como ser situado no mundo com o outro.

Essa relação entre os homens seria algo bem mais do que o vago termo “relação interpessoal”. Significa o encontro de dois ou mais protagonistas em uma vivência e experimentação do outro. O encontro buberiano se aproximaria mais do confronto amoroso, do contato, do perceber o outro, do comunicar-se de maneira primitiva e intuitiva: é um encontro no mais intenso nível de comunicação, a relação Eu-Tu.

É o encontro que permite o diálogo entre os homens no ato de pronúncia conjunta do mundo: o compartilhamento de uma vivência coletiva, uma convivencialidade cotidiana, a possibilidade de mútua afetação ético-afetivo-emocional entre os participantes que se põem juntos a ad-mirar o mundo em que vivem.

Ajunta-se a esse diálogo a prática da problematização, surgindo, assim, o diálogo problematizador, condição fundamental para o processo de conscientização, mediante o qual se desenhará histórica e subjetivamente o sujeito histórico, o educador-educando, o educando-educador. Sobre isso, Freire (2005, p. 91) nos fala que:

Se, é dizendo com que, “pronunciando” o mundo, os homens se transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham signifi cação enquanto homens. Por isso, o diálogo é uma exigência existencial [...]. A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos dialógicos, não a de um pelo outro. Conquista do mundo para a libertação dos homens.

É por isso que a Educação Libertadora de Paulo Freire também se chama Educação Dialógica, fundada que está sobre o diálogo nessa acepção, um meio para construir coletivamente caminhos de libertação a partir de uma leitura e uma práxis coletiva sobre a realidade compartilhada e vivida. Percebemos, então, o tom de ruptura que a Educação Libertadora assume a partir de Paulo Freire.

Freire (2005, p. 81) vem atentar para o fato de que “essa relação entre sujeitos cognoscentes, mediatizados pelo objeto cognocistível é, necessariamente, em conseqüência, um que-fazer problematizador”. No diálogo, cada passo no sentido de aprofundar o conhecimento – sobre a situação-problema que se apresenta – amplia as possibilidades de compreensão do objeto analisado pelos que estão implicados no processo.

Para Montero (2006, p. 231) 1,

En la psicologia comunitária problematizar es generar situaciones em lãs cuales lãs personas se vem forzadas a revisar sus acciones u opiniones acerca de hechos de su vida diária vistos como normales, convertidos por tal razón em habituales, o percebidos como inevitables al considerarlos naturales.

O conceito de problematização surge no início da segunda metade do século XX como parte do processo educacional libertador freiriano. Nos círculos de cultura, problematizavam-se as questões existenciais levantadas pelas palavras geradoras advindas da pesquisa do universo vocabular com o propósito de promover a “conscientização” de trabalhadores adultos (FREIRE, 1980).

Problematizar é, em poucas palavras, criar situações nas quais as pessoas se vêem convidadas a examinar criticamente suas ações cotidianas e opiniões acerca do mundo, da vida, de si mesmos e de sua rotina tomados como canônicos. É um debruçar-se sobre fatos tão habituais que chegam a ser naturalizados e/ou considerados inevitáveis, proporcionando a possibilidade de novas formas de conhecer a realidade.

A problematização facilita as ações de transformação do sujeito no mundo. Montero (2006, p. 231) vem nos dizer que “la problematização sensibiliza, desnaturaliza, establece las bases cognitivas y afectivas para producir una motivación de cambio que se traduce en acciones concretas de transformación”.

Na prática da Psicologia Comunitária, as ações problematizadoras compõem um aspecto essencial do seu que-fazer. Apenas a partir do reconhecimento da situação de opressão e exclusão em que os moradores de determinada comunidade vivem, pode-se pensar e coconstruir uma possível atuação comunitária. Montero (2006, p. 229) vem dizer que

A lo largo y a lo ancho del trabajo comunitario se presenta la necesidad y la oportunidad de problematizar, pues en todas las fases de la intervención o de la investigación […] abundan los momentos en cuales los agentes externos y los agentes internos comparten la perplejidad y la contradicción al analizar los aspectos relacionados con los problemas, necesidades o planes de transformación que se han planteado. Perplejidad al no hallar explicación para determinadas conductas, contradicción al confrontar explicaciones opuestas que revelan […] formas de aceptación no justifi cada de condiciones de vida o de modos de conocer que afectan el entendimiento de las circunstancias que se desea transformar.

A ação problematizadora incide sobre as circunstâncias do cotidiano dos moradores, as atividades costumeiras, os saberes e as expressões estereotipadas que legitimam a perpetuação de determinadas situações. As situações-limite, surgidas no Círculo de Cultura, brotam sempre de situações de caráter concreto, do âmbito do tangível. Não por acaso, é, exatamente, a partir da análise da situação de vida dos moradores e dos efeitos resultantes de determinadas ações e posicionamentos, que ocorrem os processos de aprofundamento da consciência: etapa básica de uma atuação em Psicologia Comunitária e em Educação Libertadora.

No ato de problematizar, promove-se um mergulho nos significados das relações sociais construídas, em suas situações contraditórias – inerentes à constituição dessas relações – que levam os sujeitos a confrontarem os conhecimentos adquiridos em sua história com as novas apropriações advindas desse novo olhar. Por meio das contradições do objeto problematizado, evidenciam-se os nexos velados, bem como os interesses sociais, econômicos e políticos, mobilizando, dessa forma, a consciência e dando início a um processo que conscientiza, desideologiza e desnaturaliza a realidade (MONTERO, 2006).

A problematização, nesse sentido, facilita nos indivíduos um posicionamento político (em seu sentido mais amplo), ao forjar nos sujeitos uma consciência crítica que permite uma compreensão mais global dos fenômenos sociais e a percepção de novas possibilidades de construção social, do “possível não experimentado” na transformação positiva da realidade (FREIRE, 1980).

Conscientização

A conscientização – termo criado por uma equipe de docentes do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) com o objetivo de enfatizar a educação em sua dimensão libertadora – figura como categoria central à Educação Libertadora (FREIRE, 1980).

Freire (1980, p. 29) define conscientização da seguinte forma: ”[...] tomar posse da realidade [...] é o olhar mais crítico possível da realidade, que a ‘des-vela’ para conhecê-la e para conhecer os mitos que enganam e que ajudam a manter a realidade da estrutura dominante”.

O processo de conscientização consiste, basicamente, no movimento de distanciamento da consciência pessoal, de abstração perante a realidade, que permite a percepção de nexos e vínculos lógicos multicausais e sócio-histórico-culturais que subjazem aos acontecimentos cotidianos, vividos de modo específico e singular pelos indivíduos (FREIRE, 1980). Vieira e Ximenes (2008, p. 25) esclarecem que ”o sufixo ‘ação’, que acompanha a palavra em questão, não é obra do acaso, pois indica uma exigência não apenas (apesar de não prescindir dela) de compreensão lógica da realidade, mas também de ações concretas frente a ela”.

Podemos dizer também que consiste na passagem de tipos e níveis de consciência mais intransitivos e menos permeáveis a tipos mais transitivos e permeáveis às contradições do mundo.

Visando esclarecer as características do movimento que leva um indivíduo a se tornar e a se perceber sujeito, quando do exercício de superação de sua condição de alienação e posterior entendimento da situação de opressão e engajamento na luta por transformação, Freire (1984) enumera três níveis de consciência: a) intransitiva ou mágica, b) transitiva ingênua e c) transitiva crítica, tendo cada uma delas correspondência com um tipo de sociedade fechada, aberta ou de transição, respectivamente. A consciência intransitiva tem relação com compreensões e atitudes de modo vegetativo, uma vez que a realidade é encarada como algo construído e de responsabilidade de uma instância superior. Configura a impossibilidade de transformar a realidade.

Na consciência transitiva ingênua, já há uma ampliação da capacidade de compreensão e relação entre os acontecimentos, porém de forma simplista. De acordo com Freire (1984, p. 60-61),

[...] a transitividade ingênua [...] se caracteriza, entre outros aspectos, pela simplicidade na interpretação dos problemas. Pela tendência a julgar que o tempo melhor foi o tempo passado. Pela subestimação do homem comum. Por uma forte inclinação ao gregarismo, característico da massifi cação. Pela impermeabilidade à investigação, a que corresponde um gosto acentuado pelas explicações fabulosas. Pela fragilidade na argumentação. Por forte teor de emocionalidade. Pela prática não propriamente do diálogo, mas da polêmica [...]. Esta nota mágica, típica da intransitividade, perdura, em parte, na transitividade [...].

Na consciência transitiva crítica, o indivíduo transforma-se em sujeito, interpreta os problemas com profundidade, realiza nexos entres os fatos e interfere na realidade. Segundo Góis (2005, p. 108), “a consciência crítica vê a realidade mutável, por isso investiga, verifica, indaga e revisa. Pressiona a realidade, aprofunda-se na análise de problemas e não se satisfaz com as aparências”.

Góis (2005) aborda e desenvolve a conceituação proposta por Freire sobre os níveis de consciência, modificando-os em tipos de consciência, por considerar que a classificação em níveis sugere uma hierarquia de valor, enquanto essa outra nomenclatura propõe apenas uma diferenciação, de forma que haja uma relação horizontal entre elas, e que não sejam fixados estereótipos. Além disso, aponta para a possibilidade de tais formas de consciência poderem estar presentes em certos aspectos do sujeito e em outros não. Ainda assim, continua a deixar claro o objetivo de desenvolver, mediante metodologias participativas, qualidades próprias do tipo de consciência crítica.

Para que essa passagem de um tipo de consciência a outro aconteça, Freire (1980) propõe metodologias de atuação político-pedagógicas que valorizem o saber e a cultura populares e que visem à co-participação do educando em sua própria alfabetização. Ou seja, o autor mescla as funções dos participantes desse processo, pois educador é também aprendiz e o homem simples é também professor; professor de sua história, de sua cultura, de sua vida. Está posto o educador-educando (FREIRE, 1984). O educador se torna facilitador do aprofundamento da tomada de consciência dos membros do grupo, situação que se repete na atuação do psicólogo comunitário que visa à co-construção do sujeito comunitário, tendo como ferramenta, tão básica quão potente, a conscientização (GÓIS, 2005).

Em Freire (1980), o ser sujeito histórico vai-se acontecendo à medida que o indivíduo realiza seu trânsito, objetivo e subjetivo, de uma atitude mais mágica e ingênua para uma atitude mais crítica, mais dialógica. Isto é, encara-se e insere-se no e com o mundo como ser inacabado, que está em permanente formação, em constante desenvolvimento, humanizando-se, tornando-se humano. A humanização, o fazer-se sujeito e a luta para assim se colocar no e com o mundo se dariam a partir do processo mesmo de conscientização.

Segundo Montero (2006, p. 187-188), a participação e o diálogo são aspectos indispensáveis no processo de conscientização, pois

Con el diálogo y la participación conjunta que se genera entre agentes externos y agentes internos comienza a producirse, a través del análisis, de la acción y de la refl exión colectivos, un proceso de concientización, que supone problematizar, afin de que no se acepte como cotidiano, normal y lógico lo que es excluyente, insatisfactorio e injusto; desnaturalizar, por lo tanto, aspectos naturalizados por efecto de hábitos profundamente socializados, de la opresión, de la ideología y de la alienación; y desideologizar, en el sentido de romper con la hegemonía de las ideas dominantes en función de formas de opresión social.

A conscientização, por ser um processo contínuo por meio do qual o indivíduo, anteriormente membro de uma massa indigente, passa a se reconhecer como sujeito de sua realidade – dialética e dinâmica –,apresenta-se como alternativa válida e de grande significância para a superação da situação de opressão em que vivem muitos povos, inclusive o latino-americano.

 

Considerações finais

Tendo como objetivo principal realizar articulações entre a Psicologia Comunitária e a Educação Libertadora – um de seus marcos teórico-metodológicos –, o presente artigo teve como principais focos as visões de mundo e de ser humano, métodos e perspectivas de atuação dessas abordagens do campo da Psicologia e da Educação.

Além de articulações gerais, foram aprofundadas algumas categorias concernentes à Educação Libertadora que, tendo intrínseca ligação com a Psicologia Comunitária, mereciam melhores esclarecimentos quanto às suas contribuições para a teoria e a prática dessa área da Psicologia.

Como explicitado na introdução deste trabalho, empenhamo-nos em construir uma produção compromissada com a sistematização da Psicologia Comunitária desenvolvida no Ceará, o que consiste em um dos objetivos do Núcleo de Psicologia Comunitária (Nucom), do qual os autores deste artigo participam ou participaram.

Apesar de contemplar aspectos considerados fundamentais às propostas da Educação Libertadora e da Psicologia Comunitária, este trabalho se caracteriza notadamente por sua incompletude, pois temos a convicção de que produções científicas, como produção humana de saber, não devem permanecer estáticas, devendo ser complementadas e/ou superadas pelo constante processo de revisão crítica e criativa de construção do conhecimento.

Pudemos verificar, assim, uma significativa coerência ético-política, conceitual e metodológica entre a Psicologia Comunitária e a Educação Libertadora, que se reflete na apropriação criativa de conceitos como conscientização, diálogo, problematização, ou então na expressiva afinidade entre as noções de sujeito, com sua práxis pautada na libertação e superação das relações de opressão particularmente presentes na América Latina.

Acreditamos, com o presente trabalho, ter contribuído com o exercício epistemológico de evidenciar e traçar crítica e criativamente elementos que favoreçam a fundamentação teórico-metodológica da Psicologia Comunitária quando de seu encontro histórico com a Educação Libertadora, especialmente nos caminhos trilhados acadêmica e profissionalmente no Estado do Ceará, como abordagem de investigação e atuação sobre os fenômenos sociopsicológicos próprios de nosso povo.

 

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Endereço para correspondência
Verônica Morais Ximenes
Av. Santos Dumont, nº 7000, ap. 903 A – Papicu
CEP 60190-800 Fortaleza – CE
E-mail: vemorais@yahoo.com.br

Tramitação
Recebido em agosto de 2008
Aceito em novembro de 2008

 

 

1 Todas as citações de Montero estão em espanhol, pois não existe publicação de sua obra em português.
2 Definição dada por Freud (1974) sobre a relação do homem com a civilização.