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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.11 no.1 São Paulo June 2009

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Estudo comparativo de habilidades sociais e variáveis sociodemográficas de professores

 

Comparative study of socials kills and socio-demographic variables of teachers

 

Estudio comparativo de habilidades sociales y variables sócio demográficas de profesores

 

 

Adriana Benevides Soares; Luciene Alves Miguez Naiff; Leonora Berrini da Fonseca; Alcides Cardozo; Monique de Oliveira Baldez

Universidade Salgado de Oliveira

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O professor exerce uma atividade essencialmente relacional cuja qualidade das interações exercidas se reflete no desenvolvimento de competências sociais e acadêmicas de seus alunos. O sucesso dessas interações tende a variar em razão das habilidades sociais e dos indicadores sociodemográficos. Este trabalho teve como objetivo identificar e comparar o repertório de habilidades sociais de professores nos vários níveis de ensino e comparar as variáveis sociodemográficas tais como gênero, tipo de instituição, escolaridade e área em que atuam. Participaram deste estudo 264 docentes. Foi aplicado o inventário de habilidades sociais (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2001b). Os principais resultados deste estudo apontam, principalmente, para a existência de diferenças significativas no que tange ao tipo de instituição, pública ou privada, na qual o professor atua, refletindo as demandas e exigências próprias dos dois sistemas. Os professores, em sua maioria, apresentaram bons repertórios de habilidades sociais, demonstrando que poderão servir de modelos de comportamento para seus alunos.

Palavras-chave: Habilidades sociais, Relação professor-aluno, Competência social, Ensino público, Ensino privado.


ABSTRACT

Assuming a teacher as a professional acting on an essentially relational activity and assuming that the quality of the acted interactions reflects in the development of social skills of the students, this study aimed to recognize the teachers’ repertoire of social skills through comparing the socio-demographical variables. We compared variables such as level of education in what the teacher acts, gender, school classification and level of expertise. The study included 264 teachers. We applied the inventário de habilidades sociais (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2001b). The main results of this study suggest that there are significant differences especially regarding to his/her school classification. This means that public and private systems have their own and dissimilar exigencies. I t was identified that the most of teachers has good repertoire of social skills and that they would serve as standards for the behavior of the students.

Keywords: Teacher-student relationship, Social competence, Public education, Private education.


RESUMEN

El profesor realiza una actividad esencialmente relacional y la calidad de las interacciones ejercidas se refleja en el desarrollo social y las habilidades académicas de sus estudiantes. El éxito de estas interacciones tiende a variar en función de las habilidades sociales y también en términos de indicadores sociodemográficos. El objetivo del estudio fue determinar y comparar el repertorio de habilidades sociales de los docentes en los distintos niveles de la educación y comparar las variables sociodemográficas como el género, el tipo de institución, la especialización y el sistema en que actuan. El estudio incluyó a 264 maestros. Fue aplicado el inventario de habilidades sociales (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2001b). Las principales conclusiones de este estudio, apuntan principalmente para la existencia de diferencias significativas en relación al tipo de institución, pública o privada, en la cual el profesor actua lo que refleja las diferentes demandas y necesidades de los dos sistemas. Los profesores, en su mayor parte, presentaron buenos repertorios de habilidades sociales demostrando que pueden servir como modelos de comportamiento para sus alumnos.

Palabras clave: Habilidades sociales, Relación profesor-alumno, Competencia social, Educación pública, Educación privada.


 

 

Introdução

O presente trabalho teve por objetivo ressaltar a importância das habilidades sociais (HS) dos professores, já que se atribui a eles a função não só de formar profissionais, mas, acima de tudo, de formar cidadãos aptos a exercer seus deveres e também requerer seus direitos em qualquer nível de ensino. Com o crescente interesse nos últimos anos de investigar as relações interpessoais entre docentes e discentes, a presente pesquisa buscou identificar o repertório de habilidades sociais de professores comparando seus indicadores sociodemográficos.

O professor é uma figura essencial para a construção dos saberes e um facilitador das potencialidades humanas. É ele quem insere o indivíduo no universo intelectual e é capaz de despertar a ânsia pelo conhecimento e pelo aprimoramento do indivíduo (COLL; COLOMINA, 1996; DEL PRETTE et al., 1998). A tarefa de lecionar deve apresentar a intenção de formar para além da apreensão de conteúdos e comprovação destes. O conhecimento e domínio do docente são importantes para um aproveitamento real dos alunos, porém há a necessidade de uma terceira força integrante para que haja a promoção efetiva desse aprendizado, que são as habilidades sociais (HS). Para Del Prette e Del Prette (2001a), as habilidades sociais são aquelas classes de comportamentos existentes no repertório do indivíduo que ajudam a lidar com as demandas das relações interpessoais. Relacionar-se é um processo complexo, pois demanda do indivíduo aptidões sociais que evitam as possíveis dificuldades e também facilitam uma boa interação (MARTURANO; LOUREIRO, 2003).

Gerk-Carneiro (2003) observa que possuir habilidades sociais é importante, porém é preciso que sejam emitidas de forma adequada. Nesse sentido, segundo a autora, enfatizar a capacidade de alcançar resultados sociais de bom efeito deve ser o objetivo do indivíduo nas situações das relações interpessoais.

Caballo (2003) define habilidades sociais com um conjunto de condutas emitidas por um indivíduo num contexto interpessoal, que expressa sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos desse indivíduo de um modo adequado à situação, respeitando essas condutas nos demais, e que geralmente resolve os problemas imediatos da situação conflitante, minimizando a probabilidade de futuros problemas.

As habilidades sociais são aprendidas e têm, no contexto interpessoal, o significado dos propulsores ou inibidores para as pessoas no âmbito familiar, social, profissional. O convívio social é diversificado pela singularidade de cada um. O efeito que um indivíduo causa no outro pode não ser o mesmo para uma terceira pessoa, e é importante fazer uso adequado das habilidades sociais para a promoção de um relacionamento satisfatório (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2008).

Assim, pode-se dizer que, apresentando dificuldades em adquirir e desenvolver as habilidades sociais apropriadas, o docente sente o reflexo desse déficit em seu ambiente de trabalho: a instituição de ensino. Na relação com o aluno, o professor deve usar de forma competente o seu repertório de habilidades sociais, visando a um bom desempenho interpessoal na sala de aula. É necessária a identificação das habilidades sociais dos professores, para que eles possam interagir melhor com seus alunos, criando condições para um desenvolvimento acadêmico e social positivo, segundo a realidade dos alunos (MEIRELLES, 2008).

É a partir da educação que o indivíduo irá deparar com suas potencialidades, mas também com suas limitações, podendo desenvolver e aprimorar suas competências cognitivas e também sociais.

Segundo Delors (1999), a educação possui quatro pilares. O primeiro deles é aprender a conhecer, que consiste na ampliação da disposição de aprender a aprender. O trabalho de expor profundamente uma variedade de assuntos, direcionar a atenção, usar a memória e o pensamento representa algumas de suas peculiaridades, e não deve se tornar um peso quando essas atividades passam a ser rotineiras. O segundo pilar é aprender a fazer. Este é consequência do primeiro. Está relacionado com o enfrentamento de numerosas situações e com o trabalho em equipe, nas diferentes experiências sociais que se apresentam ao longo de toda a vida estudantil. O terceiro pilar é aprender a conviver e promover a descoberta do outro, e a possibilidade de descobrir a si mesmo, despertando a cooperação. A escola tem a incumbência de transmitir conhecimentos sobre a variedade da espécie humana e, em mão única, despertar a consciência das semelhanças e da interdependência entre elas. Por fim, o quarto pilar é aprender a ser. A educação deve colaborar para o desenvolvimento total da pessoa, isto é, espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade.

Pertence à educação dispor não para a sociedade de hoje, mas criar um referencial de valores e de meios para compreender e atuar em sociedades vindouras (PERRENOUD, 1999, 2000; PERRENOUD; THURLER, 2002). Sendo um agente da educação, o professor necessariamente precisa ser socialmente competente. Sua desenvoltura social dentro da sala de aula é crucial para o processo de aprendizagem. Os aspectos comportamentais do professor se correlacionam com os resultados acadêmicos dos alunos. É por meio da quantidade e do ritmo do ensino, da forma como o professor apresenta o conteúdo a ser ensinado, das perguntas aos alunos, da reação e das respostas destes, e da organização do trabalho individual na sala de aula, que se proporciona um envolvimento maior dos alunos nos seus próprios processos de aprendizagem (PERRENOUD, 2001). O docente que consegue identificar a importância dessa capacidade percebe que o trabalho dele não se resume a apenas expor a gama de conhecimentos e aplicações destes.

Bandura (1986) e Bandura et al. (2008) afirmam que os membros de uma organização aprendem a comportar-se por observação das condutas dos que os rodeiam. Pode-se considerar que a relação docente-discente diz respeito ao próprio papel que o docente desempenha.

A cada dia de aula, o docente é convocado a enfrentar situações que colocam em risco sua potencialidade, podendo assim não desempenhar suas aptidões de maneira competente. As expectativas que o professor tem para com seu aluno poderão contribuir também para o seu desempenho. O aluno que tem suas características valorizadas pelo professor tende a acentuá-las cada vez mais, enquanto aquele que se sente rejeitado tende a se afastar da situação e acaba por ver as expectativas negativas confirmadas.

Em um estudo sobre as habilidades sociais de professores em sala de aula (DEL PRETTE et al., 1998), docentes da rede pública de ensino valorizaram as habilidades pró-sociais em níveis significativamente superiores à valorização que se atribui às habilidades assertivas e de enfrentamento. Habilidades como liderar, convencer, discordar, pedir mudanças de comportamento, expressar sentimento, lidar com críticas, questionar, negociar decisões e resolver problemas também poderiam ser promovidas pela escola. Segundo Soares e Cardozo (2007), a emissão dessas habilidades, feita com competência, seria importante para minimizar comportamentos violentos, especialmente se forem desenvolvidos em conjunto com as habilidades de expressar sentimento positivo, valorizar o outro, elogiar, demonstrar solidariedade e boas maneiras.

Um bom relacionamento interpessoal entre professores e alunos requer, portanto, consideração e respeito, o saber ouvir e falar, um ambiente acolhedor como a escola, que pode e deve ser este lugar de conciliação entre o conhecimento e o afeto. Rodrigues et al. (2005) mostraram que tanto professores quanto alunos percebem a importância do conhecimento sobre as relações interpessoais por meio de palestras e treinamentos que favoreçam o desenvolvimento do educando.

Albuine, Gonçalves e Abranches (2006) realizaram uma pesquisa entre professores e alunos do ensino fundamental II da rede particular de escolas do município de Miraí (MG) e constataram que fatores como relações afetivas e sociais, familiares e culturais influenciam sobremaneira na motivação para a aquisição do conteúdo pedagógico. Esses autores concluíram que a maioria dos professores entende que um ambiente democrático, em que os alunos possam expressar seus sentimentos e valores éticos, colabora para um bom relacionamento e favorece o processo ensino-aprendizagem.

Sendo assim, este trabalho buscou identificar o repertório de habilidades sociais de docentes com o objetivo de comparar se existem diferenças nos seus repertórios quanto ao gênero, à área em que atuam, ao segmento em que estão inseridos e à sua inserção na rede pública ou privada de ensino.

 

Método

Participantes

Fizeram parte da amostra 264 docentes, sendo 49 da educação infantil, 50 do primeiro segmento do ensino fundamental, 56 do segundo segmento do ensino fundamental, 52 do ensino médio e 57 do superior. Sessenta professores eram do sexo masculino, 200 do sexo feminino e 4 não responderam. Os professores apresentaram diferentes níveis de escolaridade: 14,6% do ensino médio, 40,2% com ensino superior completo, 26,8% com especialização, 13,4% com mestrado e 5% com doutorado. A maior parte dos docentes (47,07%) atuava na área das ciências humanas, 17,4% pertenciam à área das ciências naturais, 15,3% à das ciências exatas, 14,9% à área de letras e artes, e 4,7% da amostra total de docentes lecionavam em mais de uma área. Quanto ao tipo de instituição pode-se constatar que 41,92% pertenciam à rede pública de ensino, 35,76% à rede privada e 21,15% eram de ambas as instituições. No ensino infantil, 24,44% dos docentes pertenciam a instituições públicas, 44,44% a instituições privadas e 31,11% a ambas as redes de ensino. No primeiro segmento do ensino fundamental, 46% dos docentes pertenciam a instituições públicas, 36% a instituições privadas e 18% a ambas as redes de ensino. No segundo segmento do ensino fundamental, 69,09% dos docentes pertenciam a instituições públicas, 5,45% a instituições privadas e 25,45% a ambas as redes de ensino. No ensino médio, 42,31% dos docentes pertenciam a instituições públicas, 40,38% a instituições privadas e 17,31% a ambas as redes de ensino. Finalmente no ensino superior, 27,27% dos docentes pertenciam a instituições públicas, 56,36% a instituições privadas e 16,36% a ambas as redes de ensino.

Instrumentos

Foi utilizado o inventário de habilidades sociais (IHS), desenvolvido no Brasil por Almir Del Prette e Zilda A. P. Del Prette (2001b). O IHS apresenta questões que utilizam exemplos da vida cotidiana e que auxiliam na avaliação do nível das habilidades sociais do sujeito que o realiza. Ele é composto por cinco fatores: F1 – situações de enfrentamento com risco (11 itens); F2 – situações de autoafirmação na expressão de afeto positivo (7 itens); F3 – situações de conversação e desenvoltura social (7 itens); F4 – situações de autoexposição a desconhecidos ou situações novas (4 itens); F5 – situações de autocontrole da agressividade a situações aversivas (3 itens). Vale ressaltar que 7 itens não se relacionam com fator algum.

Procedimento

O instrumento foi aplicado precedido de um questionário para coleta dos dados sociodemográficos, respondido pelos docentes e depois recolhido para a análise quantitativa e qualitativa dos dados. Este trabalho foi derivado do projeto “Habilidades sociais em professores em diferentes níveis de ensino”, aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Salgado de Oliveira, com o nº 221/2007.

 

Resultados e discussão

A Tabela 1 mostra a distribuição dos professores em percentis, constatando-se que a grande maioria dos professores encontra-se entre as faixas de bom repertório acima da média e repertório bastante elaborado de habilidades sociais.

 

Tabela 1. Distribuição dos docentes por percentil

Para verificar a existência de diferenças entre as habilidades sociais nos diferentes níveis de ensino, realizou-se o teste ANOVA one-way com teste post hoc de Scheffé para averiguar entre quais níveis de ensino a diferença foi significativa.

 

Tabela 2. Comparação das médias obtidas no escore total e nos fatores do inventário de habilidades sociais, de acordo com o nível de ensino

 

Diferenças significativas foram encontradas nos seguintes fatores:

  • Fator 2 (autoafirmação na expressão de afeto positivo): nesse fator, embora a análise da variância (ANOVA) tenha revelado diferenças significativas (F = 2,803; p = 0,026), o teste de Scheffé não revelou diferenças significativas na comparação entre os níveis de ensino.

  • Fator 3 (conversação e desenvoltura social): nesse fator, a análise da variância (ANOVA) revelou diferenças significativas (F = 3,737; p = 0,006), e o teste post hoc de Scheffé indicou diferença significativa na comparação entre os níveis de ensino superior e infantil (p = 0,006) com os sujeitos que atuam no ensino superior apresentando escores superiores aos sujeitos que atuam no ensino infantil.

  • Fator 4 (autoexposição a desconhecidos ou situações novas): nesse fator, embora a análise da variância (ANOVA) tenha revelado diferenças significativas (F = 3,225; p = 0,013), o teste post hoc de Scheffé não revelou diferenças significativas na comparação entre os níveis de ensino.

Segundo Xisto (2002), é ressaltada a importância de o professor conectar seus próprios objetivos aos de seus alunos, pois o professor deve ter em mente que todo e qualquer aluno possui em si a habilidade de aprender, devendo, portanto, considerar a sua própria forma de transmitir o conteúdo a ser apreendido. A diferença significativa encontrada no fator 3 (conversação e desenvoltura social), entre os níveis infantil e superior, com escores superiores do ensino superior, surge como um exemplo desta questão. Por trabalhar com jovens adultos, o docente universitário apresenta uma maior habilidade na conversação e desenvoltura social do que aquele do ensino infantil, que deve adaptar sua forma de expressão aos objetivos e às formas de pensar de um público mais novo.

Quanto a situações de autoafirmação na expressão de afeto positivo, encontramos uma tendência a um maior envolvimento por parte dos professores da educação infantil, uma vez que, no convívio com as crianças pequenas, o carinho, a proximidade física e o toque estão mais frequentes no cenário da escola infantil. Segundo Maia (2006), não há como negar o caráter próprio da educação infantil. Acredita-se que essa tendência seja facilitada pelo contexto evocado nesse segmento, de valorização do ser integral, de manipulação, de valorização das relações interpessoais que começam a se delinear e pelos aspectos lúdicos. Esses parâmetros estão evidenciados na Lei nº 9.394/1996, exigindo do profissional que atende a essa faixa etária uma postura mais voltada para essas demandas, facilitando, assim, um repertório mais apurado de habilidades sociais.

Em contraposição, é no ensino superior que o professor encontra mais situações de autoexposição a desconhecidos e situações novas. Dele é muitas vezes exigido tratar com grandes contingentes de alunos, de diferentes instituições e com diferentes conteúdos a serem ensinados, e isso o leva a desenvolver uma habilidade para manejar com desenvoltura a frequente adaptação que está em jogo.

Para realizar a comparação das médias obtidas pelos indivíduos classificados de acordo com o gênero no escore total e nos fatores do inventário de habilidades sociais, procedeu- se à realização do teste t para amostras independentes.

 

Tabela 3. Comparação das médias obtidas no escore total e nos fatores do inventário de habilidades sociais, de acordo com o sexo

 

Como pode ser observado, não foram encontradas diferenças entre as médias obtidas no inventário de habilidades sociais pelos indivíduos, de acordo com o gênero.

Del Prette e Del Prette (2001a), ao fornecerem sua definição de habilidades sociais, relacionaram-nas com o conceito de competência social, que se refere a uma avaliação de um determinado comportamento e ao efeito deste sobre uma situação determinada. As habilidades sociais envolvem os aspectos comportamentais que são necessários à competência social. Nesta pesquisa, pode-se observar que não há diferença significativa em nenhum dos fatores de habilidades sociais entre os docentes de ambos os gêneros, fato um tanto quanto surpreendente, pois, no próprio desenvolvimento do IHS, Del Prette e Del Prette (2001b) constataram, pela análise de itens, que os representantes do sexo feminino obtiveram valores médios significativamente maiores que os representantes masculinos nos itens 3, 28 e 25, e os do sexo masculino obtiveram valores médios significativamente maiores que os do sexo feminino nos itens 5, 7, 11, 12, 16, 18, 19, 20, 21, 25, 27, 32, 36 e 38, indicando que os sujeitos do sexo masculino apresentam um repertório de habilidades sociais mais elaborado entre estudantes universitários. A ausência de diferença significativa pode ser consequência de um repertório bem elaborado por ambos os gêneros como atributo da profissão de professor. Para, de forma harmônica e satisfatória, lidar com pessoas de níveis de instrução diferentes e com demandas diferentes, é necessário, independentemente do gênero, que a pessoa seja socialmente competente, que apresente as habilidades sociais apropriadas àquela demanda. Então, professores de ambos os gêneros devem ser socialmente habilidosos num nível similar, para poderem lidar com os diferentes alunos e com o lócus da instituição em que lecionam. Também foram encontrados resultados em amostras de professores de repertórios acima da média em Maia (2006) e Reis (2006).

Para verificar a existência de diferenças entre as habilidades sociais nas diferentes áreas de atuação, realizou-se o teste ANOVA one-way com teste post hoc de Scheffé para verificar em quais áreas de atuação a diferença era significativa.

 

Tabela 4. Comparação das médias obtidas no escore total e nos fatores do inventário de habilidades sociais, de acordo com a área de atuação

 

Como pôde ser observado, não foram encontradas diferenças entre as médias obtidas no inventário de habilidades sociais pelos indivíduos, de acordo com a área do conhecimento na amostra total.

Um profissional de ciências exatas necessitaria ser tão socialmente habilidoso quanto um profissional de ciências humanas na forma e no momento de demonstrar sua sabedoria acerca do assunto que é tratado, para boa compreensão e apreensão do conteúdo exposto pelos alunos. Na realidade, o objeto de trabalho dos docentes, independentemente da área em que atuam, são os alunos e sua aprendizagem, e, portanto, é natural que todos os docentes tenham um mesmo patamar de destreza social para tratar com eles. Os professores poderiam ser considerados sujeitos inteligentes socialmente, pois, como argumentam Carneiro e Ziviani (1998), têm a capacidade de possuir um cabedal de conhecimentos acadêmicos e utilizá-los produtivamente, sendo criativos e práticos. Assim, os professores possuem conhecimento sobre o assunto que lecionam e também têm especial disposição para assumir riscos e vontade de superar obstáculos envolvendo-se em realizações significativas.

Para realizar a comparação das médias obtidas pelos indivíduos classificados de acordo com a instituição de atuação no escore total e nos fatores do inventário de habilidades sociais, procedeu-se à realização do teste ANOVA one-way com teste post hoc de Scheffé.

 

Tabela 5. Comparação das médias obtidas no escore total e nos fatores do inventário de habilidades sociais, de acordo com a instituição de atuação

 

Diferenças significativas foram encontradas nos seguintes fatores:

  • Fator 1 (enfrentamento com risco): nesse fator, a análise da variância (ANOVA) revelou diferenças significativas (F = 8,460; p = 0,000), e o teste post hoc de Scheffé indicou diferença significativa com os indivíduos que atuam em ambas as instituições, apresentando escores superiores aos sujeitos que atuam nas instituições públicas (p = 0,000) e privadas (p = 0,028).

  • Fator 2 (autoafirmação na expressão de afeto positivo): nesse fator, a análise da variância (ANOVA) revelou diferenças significativas (F = 3,731; p = 0,025), e o teste post hoc de Scheffé indicou diferença significativa com os indivíduos que atuam em ambas as instituições, apresentando escores superiores aos sujeitos que atuam nas instituições privadas (p = 0,028).

  • Fator 4 (autoexposição a desconhecidos ou a situações novas): nesse fator, a análise da variância (ANOVA) revelou diferenças significativas (F = 5,178; p = 0,006), e o teste post hoc de Scheffé indicou diferença significativa com os indivíduos que atuam em instituições privadas, apresentando escores superiores aos sujeitos que atuam nas instituições públicas (p = 0,012).

  • Fator 4 (autoexposição a desconhecidos ou a situações novas): nesse fator, a análise da variância (ANOVA) revelou diferenças significativas (F = 5,178; p = 0,006), e o teste post hoc de Scheffé indicou diferença significativa com os indivíduos que atuam em instituições privadas, apresentando escores superiores aos sujeitos que atuam nas instituições públicas (p = 0,012).

  • IHS total: nesse fator, a análise da variância (ANOVA) revelou diferenças significativas (F = 8,544; p = 0,000), e o teste post hoc de Scheffé indicou diferença significativa com os indivíduos que atuam em ambas as instituições, apresentando escores superiores àqueles que atuam nas instituições públicas (p = 0,000).

Grande parte do professorado dos ensinos fundamental e médio que atuam em escolas particulares tem como público alunos de classes sociais mais favorecidas. Esses professores ganham melhores salários e têm melhores condições de trabalho. Entretanto, são mais cobrados em seus resultados no que tange à aprendizagem e ao desempenho de seus alunos. Os professores da rede pública enfrentam, por sua vez, alunos com maiores dificuldades de aprendizagem, piores condições socioeconômicas, piores salários e ainda um alunado quantitativamente superior ao da rede particular (AKKARI, 2001).

No ensino superior essa realidade se inverte. Nas instituições públicas estão os alunos que obtiveram os melhores resultados no vestibular e que em sua maioria frequentaram escolas particulares. No ensino público superior estão os professores que têm estabilidade no emprego e podem, em um grande número, se manter com exclusividade em uma só instituição de ensino e dedicar-se à pesquisa (AKKARI, 2001). Os professores da rede particular são em geral horistas, precisam, para se manter, atuar em várias instituições distintas, têm carga horária de aula mais elevada e não estão inseridos em grupos ou projetos de pesquisa.

Fica claro que os docentes que estão inseridos nestas duas realidades, nos ensinos fundamental, médio ou superior, apresentam repertórios de habilidades sociais mais amplos e bem estabelecidos do que os demais que se adaptam somente a uma dessas realidades. É o que acontece com o escore geral do inventário e com os fatores de enfrentamento com risco, a autoafirmação na expressão de afeto positivo e o autocontrole da agressividade a situações aversivas. Esses professores têm o manejo ideal das situações interpessoais e uma flexibilidade adaptativa para relacionar-se bem com as diferentes exigências dos sistemas de ensino e com as especificidades do alunado a eles atribuído.

Fica claro que os docentes que estão inseridos nestas duas realidades, nos ensinos fundamental, médio ou superior, apresentam repertórios de habilidades sociais mais amplos e bem estabelecidos do que os demais que se adaptam somente a uma dessas realidades. É o que acontece com o escore geral do inventário e com os fatores de enfrentamento com risco, a autoafirmação na expressão de afeto positivo e o autocontrole da agressividade a situações aversivas. Esses professores têm o manejo ideal das situações interpessoais e uma flexibilidade adaptativa para relacionar-se bem com as diferentes exigências dos sistemas de ensino e com as especificidades do alunado a eles atribuído.

Mello (2000) afirma que o professor precisa fazer ajustes permanentes em suas ações, pois lida muitas vezes com situações que não se repetem, nem podem ser cristalizadas no tempo, aguardando um insight ou discernimento de nova alternativa de ação. Ainda Mello (2000) e Figueira (2007) afirmam que ensinar requer dispor de conhecimentos e mobilizá-los para improvisar dentro de contextos situacionais que não podem ser previstos ou medidos com antecedência, requerendo do docente uma resposta prática, imediata e eficiente que atenda às demandas daquele contexto.

Para o fator 4 (situações de autoexposição a desconhecidos ou situações novas), são os professores da rede privada que apresentam escores mais altos, o que demonstra que são mais hábeis no trato com os pais e responsáveis, que se mostram provavelmente mais presentes e exigentes quando se trata do desempenho de seus filhos.

Para verificar a existência de diferenças entre as habilidades sociais nos diferentes níveis de escolaridade, realizou-se o teste ANOVA one-way com teste post hoc de Scheffé para verificar em quais níveis de escolaridade a diferença era significativa.

 

Tabela 6. Comparação das médias obtidas no escore total e nos fatores do inventário de habilidades sociais, de acordo com o nível de escolaridade

 

Diferenças significativas foram encontradas nos seguintes fatores:

  • Fator 2 (autoafirmação na expressão de afeto positivo): nesse fator, a análise da variância (ANOVA) revelou diferenças significativas (F = 3, 242; p = 0,013), e o teste post hoc de Scheffé indicou diferença significativa com indivíduos com especialização, obtendo escores superiores aos indivíduos com nível médio (p = 0,035).

  • Fator 4 (autoexposição a desconhecidos ou a situações novas): nesse fator, a análise da variância (ANOVA) revelou diferenças significativas (F = 3,860; p = 0,005), e o teste post hoc de Scheffé indicou diferenças significativas com indivíduos com mestrado, obtendo escores superiores aos indivíduos com nível médio (p = 0,005).

Em duas situações interpessoais diferentes encontramos diferenças significativas: aquelas que apresentam risco mínimo de reação indesejável que é a relação de acolhimento e carinho, de apoio e segurança ante as relações interpessoais de estima e solidariedade. Nesses casos, são os professores especialistas que apresentam melhores escores. E as situações em que o impacto perante situações novas é gerador de ansiedade e medo e, portanto, de desconforto. Aqui são os professores mestres que apresentam maior destreza social. O que se pode pensar é que um certo nível de especialização acadêmica pode ajudar a compreender e elaborar melhor as situações interpessoais de afeto e estima, e também as de enfrentamento a situações desconhecidas geradoras, com frequência, de ansiedade.

 

Considerações finais

A função do professor é essencialmente relacional, devendo se caracterizar pela produção do conhecimento útil para o exercício de uma prática ou mesmo de uma profissão e para o desenvolvimento de competências que permitam a mobilização de conhecimentos contextualizados. Esse papel, que deve ser exercido pelo professor, de fazer que seus alunos aprendam a aprender, exige dele cada vez mais habilidades não só cognitivas, mas também sociais, as quais devem ser postas em prática no cotidiano escolar.

O que encontramos neste trabalho são professores em geral bastante habilidosos, evidenciando um repertório rico de habilidades sociais e que, quando comparados, apresentam diferenças principalmente quanto à sua inserção na rede pública ou privada de ensino.

Temos que os professores em geral adquirem mais experiência e potencialidades relacionais quando participam de ambas as redes de ensino ou quando sua prática pedagógica permite que eles tenham mais tempo para estar junto de seus alunos, como é o caso da educação infantil.

Para Caballo (1997), o estudo das habilidades sociais pode ser considerado importante pelo fato de os seres humanos passarem a maior parte de suas vidas engajados em atividades que envolvem de alguma forma a comunicação e a interação interpessoal. Essa interação é capaz de reforçar ou diminuir determinados padrões de comportamento, tornando uma pessoa socialmente habilidosa ou não, mas é somente por meio dessa interação que um ser humano é capaz de aprimorar cada vez mais o seu repertório de habilidades sociais.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Adriana Benevides Soares
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Tramitação
Recebido em novembro de 2008
Aceito em março de 2009